Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
| Descritores: | CONTRATO CONCESSÃO COMERCIAL DENÚNCIA INDEMNIZAÇÃO CLIENTELA NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/12/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | No contrato de concessão comercial (tal como no contrato de agência), é nula a cláusula mediante a qual o concessionário renuncia antecipadamente à indemnização de clientela, por violar a norma imperativa do art. 33º do Dec. Lei nº 178/86 aplicável ao contrato de concessão. A quantificação da indemnização de clientela, com recurso às regras da equidade, deve ser feita com ponderação da margem de lucro líquido e não da margem de comercialização concedida pela concedente em relação aos produtos concessionados. (sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | I - R, Ldª, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra T. B., e T, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de € 694.461,40 e juros, bem como das despesas tidas por força do presente processo. Para tanto alegou que celebrou com a 1ª R. um contrato de distribuição, nos termos do qual se obrigou a assegurar a comercialização, em seu nome e por sua conta, de todos os produtos marca T, do Catálogo Comercial da referida 1ª R., obrigando-se esta a vender-lhe os referidos produtos, em exclusivo, para que os revendesse. Tal contrato tinha a duração até 31-12-99, considerando-se automaticamente renovado por sucessivos períodos de 5 anos, caso nenhuma das partes o denunciasse, mediante comunicação escrita, com uma antecedência mínima de 6 meses sobre o termo do período contratual. A A. foi responsável pela colocação dos produtos objecto do contrato no mercado português bem como pela construção da imagem da marca, tendo para levado a cabo um esforço e investimento para fazer prospecção de mercado, seleccionar e angariar clientes, divulgar e promover os produtos, tendo feito igualmente avultados investimentos publicitários, dando como resultado que a marca T passou a gozar de óptima reputação no mercado nacional, sendo líder de mercado de revestimentos vinílicos para pavimentos. No início de 2000 a A. foi informada que a 1ª R. pretendia criar um filial em Portugal, tendo a 2ª R., a partir de 2000, passado a intermediar as relações comerciais entre a A. e a 1ª R. e assumido expressamente todos os deveres e obrigações da 1ª R. Não obstante, a 2ª R. sempre reconheceu a A. como distribuidora exclusiva dos produtos T. Não obstante a criação desta filial em Portugal, fazia parte de uma estratégia para a 1ª R. iniciar vendas directas em Portugal, afastando a A. da rede de distribuidores T, retirando-lhe gamas de produtos e não lhe atribuindo novas gamas entretanto introduzidas e acabando mesmo por lhe retirar a possibilidade de revenda de todos os produtos, o que determinou uma descida acentuada nas vendas da A., tendo perdido um número significativo de clientela. Em 6-8-04, a A. enviou às RR. cartas registadas com aviso de recepção, notificando-as para deixarem de proceder a vendas directas ou através de terceiros que não a A. Uma vez que as RR. não acataram a notificação, a A. resolveu com justa causa o contrato de distribuição, por carta registada datada de 9-9-04. As RR. continuaram a beneficiar da clientela angariada pela A., razão pela qual a A. tem direito à atribuição de uma indemnização por clientela, para além da indemnização por incumprimento contratual, quantificando aquela em € 176.467,40 e esta em € 518.000,00. As RR. contestaram, alegando que foi a 1ª R. quem pôs fim ao contrato de distribuição, e não a A., através de uma comunicação datada de 11-6-99 em que dava a conhecer a esta que punha termo ao contrato a partir de 31-12-99. Não obstante a cessação do contrato de distribuição, a 2ª R. acedeu em encetar um novo e diverso ciclo de relacionamento comercial com a A., tendo-lhe garantido a exclusividade de determinados artigos que anunciou, mas apenas para o ano de 2000, tendo o mesmo acontecido nos anos de 2001 e 2002. Apenas no termo do período de 2003 a 2ª R. comunicou à A. que não mais lhe garantia exclusividade de quaisquer produtos. A A. apresentou réplica. Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acção. Apelou a A. e das conclusões (com seis voltas ao alfabeto!) sobressaem as seguintes: … Foram apresentadas contra-alegações. II – Quanto à matéria de facto: … II - Factos provados: 1) A A. dedica-se à importação, representação e comercialização de revestimentos, pavimentos e afins - A); 2) A 1ª R. é uma sociedade comercial sueca que se dedica, entre outras coisas, ao fabrico e exportação de revestimentos vinílicos para pavimentos - B); 3) Em 3-4-95 a A. e a 1ª R. celebraram entre si um acordo denominado Contrato de Distribuição, pelos termos e cláusulas constantes de fls. 62 a 67, nos termos do qual a A. se obrigou a assegurar a comercialização, em seu nome e por sua própria conta, de todos os produtos da marca T do denominado Catálogo Comercial - C); Segundo a referida cláusula 12ª: “1. O contrato tem início na data da sua assinatura e vigorará até 31-12-99, considerando-se automaticamente renovado por sucessivos períodos de 5 anos, caso nenhuma das partes denuncie mediante comunicação escrita dirigida à contraparte, com antecedência mínima de seis meses sobre o termo do período contratual em curso. … 3. Cessando o presente contrato por força do disposto nos nºs anteriores, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou compensação, salvo na exacta medida em que se encontrem por liquidar quaisquer quantias decorrentes da execução do contrato. …”. Nos termos da cláusula 13ª: “Quaisquer comunicações ou notificações entre as Partes serão efectuadas por escrito para as respectivas sedes acima identificadas, ou para qualquer outro lado que as Partes venham a designar pela mesma forma …”. 4) À data do acordo referido em 3., o Catálogo Comercial era composto pelas seguintes gamas de produtos: Ar.. Sp S-n St.. Óp AW Pr.. Gr Wa Ta.. Mo Ac S-T Em - al. D); 5) Antes de a A. o ter começado a fazer, já outras empresas haviam vendido produtos vinílicos do Catálogo Comercial - 36º; 6) Pelo menos desde 1995 que a A. importava, comercializava e distribuía em Portugal, com carácter exclusivo, produtos fabricados pela 1ª R. da gama do catálogo comercial - 2º; 7) Foi a A. quem, no mercado português, construiu a imagem de marca dos produtos T objecto do contrato - 4º; 8) Atento o carácter residual dos produtos vinílicos comerciais da marca T no mercado português, a A. foi obrigada a fazer um esforço de investimento na prospecção de mercado e na captação e angariação de clientes - 5º; 9) A A. procedeu à promoção dos produtos da 1ª R. junto de revendedores, das empresas que procediam à sua aplicação e instalação junto do consumidor final, de entidades e organismos públicos e de arquitectos - 6º; 10) Com vista a promover e comercializar os produtos da 1ª R., a A. teve de contratar e formar mais técnicos especializados - 7º; 11) A A. fazia publicidade à marca e aos produtos T em jornais, revistas e nas páginas amarelas, e criava e publicava anualmente uma revista destinada à divulgação dos produtos T - E); 12) A actividade de promoção, divulgação e construção da imagem de marca da T era feita de forma concertada com a 1ª R., que transmitia directrizes sobre a política comercial de promoção dos seus produtos e que atribuía € 25.000,00 anuais para custear a publicidade feita pela A. - F); 13) Além disso, a 1ª R. custeava ainda 50% do vencimento de um dos promotores contratados pela A. - G); 14) De dois em dois anos, a 1ª R. organizava convenções destinadas a dar a conhecer os novos produtos da marca e a dar formação técnica sobre os mesmos aos funcionários das suas filiais em toda a Europa - H); 15) Essas convenções realizavam-se na Suécia, e a A. enviava técnicos seus que estavam afectos exclusivamente à promoção dos produtos T, cujas despesas eram integralmente pagas pela 1ª R. - I); 16) Para além das convenções, os gerentes da A. e a 1ª R. realizavam ainda reuniões periódicas destinadas a definir estratégias comerciais e a concretizar o esquema de comparticipação financeira - J); 17) A A. elaborava periodicamente relatórios de Análise de Mercado e Política Comercial que enviava à 1ª R., por forma a que esta estivesse a par da evolução do mercado português e da actividade efectuada pela A. na promoção e divulgação dos produtos T - K); 18) O volume de vendas dos produtos da 1ª R. objecto do contrato, em território nacional, foi crescendo gradualmente ao longo dos anos, atingindo, em 1999, PTE 154.000.000$00 - L); 19) A 1ª R. tem participação maioritária no capital social de uma sociedade anónima já constituída em Portugal que adoptou a denominação TI, S.A., mais tarde alterada para T, S.A. (ora 2ª R.) - M); 20) Em 11-6-99, invocando o disposto na cláusula 12ª, n° 1, do contrato referido em 3., e usando papel timbrado da T S, S.A., a 1ª R. expediu à A. uma comunicação (junta a fls. 392 e 393), por esta recebida em 16-6-99, de acordo com a qual a esta foi dado a conhecer que se punha termo ao mesmo em 31-12-99 (“with reference to clause 12.1 of our Agency Agrrement dated 03-04-1995, we terminate the agreement affective as December 31 st 1999” - 33º; 21) Simultaneamente com a comunicação de 16-6-99 foi endereçada à A. a comunicação de fls. 394, usando papel timbrado da T S, A.G., assinada por B - 37º; Além do mais, consta de tal documento que: “... As agreed, we are joining a official letter confirming you that we will terminate the 5 years agreement we have got between 1995 and 1999. We would like to thank you for the colaboration done during this period. We will come with a new proposal of collaboration wich will be based on an exclusivity distribution agreement of products to be defined; for this, we will organise beginning of July (week 27) a meeting of co-ordination between your Company and P. We are convinced that a successful collaboration will continue in the benefit of both parts. ...” 22) Dias antes da expedição da comunicação, já em reunião havida entre um representante da 1ª R. e um representante da A., aquele tinha dado conhecimento a este de que iria dar uso da faculdade contida na cláus. 12ª, n° 1, do contrato referido em 3. - 34º; 23) A A. aceitou a declaração da 1ª R. referida em 20. - 35º; 24) Enquanto duraram as relações comerciais entre a A. e a 1ª R. havia um tratamento preferencial da A. - 8º; 25) Desde o início de 2000, o relacionamento comercial passou a ser feito entre a A. e a 2ª R. – 11º; 26) A partir de 2000, a 1ª R. forneceu à 2ª R. milhares de metros quadrados de produtos T constantes do Catálogo Comercial - 21º; 27) Em 2000 e 2001 a gama de produtos T distribuídos pela A. era de sete gamas, tendo sido retiradas três gamas à A. em 2002 - N); 28) Durante os anos de 2000 a 2002, a 2ª R. reconheceu a A. como distribuidora exclusiva de sete gamas dos produtos T do Catálogo Comercial e, durante o ano de 2003, reconheceu a A. como distribuidora exclusiva de uma gama dos mesmos produtos - 12º; 29) A 2ª R. e a A. acordaram entre si em que a A., em 2000, teria a comercialização exclusiva das gamas St, Spl, Óp, Gr, Em, Mo e Su, acordo que foi renovado para o ano de 2001 e 2002, sendo que, para o ano de 2003, a A. apenas manteria o exclusivo do Óp - 38º. 30) Em 2003, as RR. apenas forneceram à A. uma gama, a Óp, impedindo-a de vender a terceiros produtos das outras gamas - O); 31) A gama Óp foi a única fornecida à A. em 2003, sendo que, em data não concretamente apurada, foi lançada uma nova palete de cores para substituir/acrescentar à inicial - 17º; 32) Em 2003 (à excepção da Óp) e 2004, a 2ª R. procedeu à revenda de produtos T a terceiros que, enquanto clientes habituais da A., lhe havia já solicitado orçamentos para o fornecimento de produtos - 23º; 33) Em 30-9-03 a A. recebeu uma carta da 2ª R., informando que “toda a gama de homogéneos (...) da marca T, passará a ser distribuída directamente pela nossa empresa” e que ‘deixará, assim, de haver produtos T de comercialização exclusiva pela Rl”, bem como o demais texto constante de fls. 162” - R); 34) A A. não realizou as vendas para as quais já lhe haviam sido solicitados orçamentos para o fornecimento de produtos apenas porque lhe foi retirada a comercialização de produtos T - 24º; 35) A partir do início de 2004, a 2ª R. passou a vender a terceiros os produtos do Catálogo Comercial da T a preços mais vantajosos do que aqueles que praticavam com a A. - 18º; 36) Face ao referido em 35., os clientes da A. que lhe compravam produtos T passaram a fazê-lo à 2ª R. - 19º; 37) As vendas de produtos T pela A. desceram de € 722.11,40 em 2002 para € 292.521,67 em 2003 - P); 38) A A. mantinha-se, todavia, revendedora exclusiva de determinadas colecções T em Portugal - Q); 39) Uma grande parte dos clientes referidos em 36. foi angariada através de acções de promoção levadas a cabo pela A. - 20º; 40) Pelo menos desde 1995 até 2003 a A. promoveu e divulgou os produtos e a marca T - 26º; 41) Foi a A. quem angariou grande parte da clientela dos produtos vinílicos da T - 27º; 42) A marca T goza de óptima reputação no mercado português, e tal deveu-se, em parte, ao trabalho de divulgação e promoção levado a cabo pela A. e à qualidade dos serviços por esta prestados na venda e acompanhamento de obras - 9º; 43) A A., nos anos de 1999 a 2003, alcançou sensivelmente os seguintes volumes de vendas de produtos T: - 1999 - € 768.149,00 - 2000 - € 644.020,00 - 2001 - € 680.335,00 - 2002 - € 722.111,40 - 2003 - € 292.521,67 - 29º; 44) A média de lucro da A. na revenda dos produtos T nos anos de 1999 a 2003 foi de cerca de 28% - 25º; 45) Em Setembro de 2004, a A. tinha nos seus registos a existência de 1.697 clientes que, ao menos uma vez, haviam adquirido produtos T, sendo que, desses, 704 ainda constam do activo de clientes - 28º; 46) Em 6-8-04, a A. enviou às RR. duas cartas registadas com aviso de recepção, notificando-as para, sob pena de resolução do contrato celebrado entre as partes, e no prazo máximo de 30 dias, deixarem de proceder a vendas directas ou através de terceiros que não a A. dos produtos e a não praticar com terceiros preços inferiores aos praticados com a A., sendo o demais texto o que consta de fls. 163 a 166 - S); 47) Por carta registada e com aviso de recepção datada de 9-9-04, recebida pela 1ª Ré em 13-9-04 e pela 2ª Ré em 10-9-04, a A. declarou resolvido, com justa causa, o contrato de distribuição referido na al. C) - S); 48) De acordo com a certidão de registo comercial da 2ª R., B foi designado como membro do Conselho de Administração para o quadriénio de 1998-2001 (fls. 59). III - Decidindo: 1. Daquilo que a A. apelidou de “conclusões” (e que ultrapassam o número de 130!), sintetizam-se as seguintes questões essenciais: a) Apurar se o contrato de concessão comercial celebrado entre a A. e a 1ª R. cessou por denúncia efectuada pela concedente, dentro dos requisitos legais, ou, ao invés, não ocorreu qualquer denúncia eficaz e, assim, projectou-se para além de 31-12-99, até Setembro de 2004. b) Pressuposta a 2ª opção, saber se a 1ª R. incumpriu as suas obrigações no que concerne à exclusividade concedida à A., incumprimento concretizado através da 2ª R. que, apesar de ter dado o seu acordo ao contrato de concessão celebrado com a A., passou a assumir as funções que a esta cabiam, violando as regras da boa fé. c) Se o facto de o relacionamento contratual se ter mantido, pelo menos, até 2003, permite concluir pela existência de um contrato de concessão informal, nos termos do art. 27º, nº 2, do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7. d) E, finalmente, se, independentemente da forma e da cessação do contrato ou dos contratos, é devida indemnização por clientela por ambas as RR., a qual não prejudicada pela cláus. 12ª do contrato celebrado com a 1ª R., r afectada de nulidade por violação de norma imperativa. 2. Não se questiona a natureza jurídica do contrato celebrado em 1995 entre a A. e a 1ª R. Ainda que as partes o tenham denominado genericamente “Contrato de Distribuição”, trata-se de um contrato de concessão comercial, conclusão que, aliás, não é objecto de dissídio. Por outro lado, atenta a uniformidade de opiniões que se recolhe de diversos trabalhos doutrinais e de múltiplos acórdãos do STJ e das Relações, não se mostram necessárias considerações extensas sobre tal modalidade contratual e sobre o respectivo regime jurídico. Basta referir, para continuar em direcção ao cerne do diferendo, que estamos perante um contrato-quadro que fez surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa (Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, págs.105 e segs.). No caso concreto, foi acordado atribuir à A. pela 1ª R. a tarefa de distribuição de produtos comerciais, em regime de exclusividade, estabelecendo-se um prazo de duração, prevendo-se a possibilidade de a concedente o denunciar para o fim do prazo, desde que comunicasse essa vontade à concessionária com pelo menos seis meses de antecedência. Sendo um contrato comercial atípico, a questão essencial que, a partir dessa constatação, se suscita reside na definição do regime jurídico a que fica sujeito, obstáculo facilmente ultrapassado, tendo em conta a uniformidade de opiniões ou de decisões judiciais, maxime do STJ, no sentido de se atentar prioritariamente no clausulado contratual - não ferido de nulidade - recorrendo, no que for omisso, sucessivamente ao regime do contrato de agência constante do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7, e ao regime geral dos contratos. Por todos, cfr. o estudo de Rui Pinto Duarte, intitulado precisamente Jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização por clientela ao contrato de concessão comercial, na revista Themis, nº 3, págs. 315 e segs., com menção de diversa jurisprudência a que podem aditar-se os Acs. do STJ, de 13-9-07, e de 15-11-07, www.dgsi.pt, e de 21-4-05, CJSTJ, tomo II, pág. 57. 3. Da alegada falta de denúncia do contrato: 3.1. Aqui reside o primeiro foco de divergências entre as partes. A A. considera que a 1ª R. não procedeu à denúncia do contrato de concessão para o fim do prazo estabelecido, concluindo que o mesmo se renovou por mais 5 anos, a partir de 1-1-00. Em tal alegação sustenta o direito de indemnização pelo incumprimento contratual por parte da 1ª R., na medida em que esta lhe retirou a exclusividade no desempenho da actividade de distribuição dos produtos, o que foi causa de prejuízos de natureza patrimonial que acaba por imputar também à 2ª R. Para tal conclusão sustenta que não podem considerar-se como tendo advindo da 1ª R. as cartas confirmativas da denúncia, de Junho de 1999, subscritas por B 3.2. É evidente o pendor formal da argumentação da apelante. Não logrou apoio na sentença recorrida, não o logrou ao nível da impugnação da decisão da matéria de facto nem o encontra agora quando se trata de proceder à qualificação jurídica da matéria de facto definitivamente fixada. A argumentação da apelante acerca da imputação de tais declarações revelou-se insuficiente quando se tratou de apreciar a impugnação das respostas aos pontos 33º e 34º da base instrutória. A resposta dada praticamente resolveu a questão, já que para que continuasse a luzir a chama da sua pretensão necessário seria que, em face dos factos provados, se declarasse que as referidas cartas eram ineficazes em termos de traduzirem uma declaração de denúncia do contrato por parte da 1ª R. A afirmação de tal pressuposto debate-se contra a corrente dos factos provados, de onde decorre iniludivelmente que o contrato que vigorou entre a A. e a 1ª R. foi eficaz e antecipadamente denunciado por esta, extinguindo-se no dia 31-12-99. Sem embargo do que é reflexo imediato da integração jurídica dos factos provados a respeito da referida denúncia, não foram postos em causa, no momento oportuno, os poderes de representação da 1ª R. assumidos pelo subscritor de tais missivas, B, limitando-se a A. a alegar que as missivas advinham de uma sociedade de direito francês e de uma sociedade de direito alemão (arts. 6º e 7º da réplica, a fls. 431). Importa mais uma vez recordar que, para sustentar a sua pretensão inicial, a A. omitiu qualquer referência aos contactos mantidos com B, em Junho de 1999, assim como às cartas que este subscreveu e que seguidamente lhe foram remetidas para confirmação do que então fora objecto de declaração em representação da 1ª R. e preparação do futuro relacionamento comercial. Ora, como resulta da decisão da matéria de facto, foi em representação da 1ª R. que B, depois de uma reunião com a A. para efeitos de anunciar modificações no relacionamento contratual, subscreveu as aludidas cartas de confirmação do que verbalmente fora anunciado e combinado. Ainda que tal fosse desnecessário, a cessação do contrato por essa via obteve, aliás, a concordância da A. O mais que a A. veio invocar nas alegações de recurso, no sentido de que as comunicações escritas são imputáveis a entidade jurídica diversa da 1ª R., não passa de barreira formal com vista a impedir o que a realidade acolhida na decisão da matéria de facto substancialmente traduz. Contra tal alegação dir-se-á ainda que, sendo a 1ª R. parte no contrato de concessão, não poderia deixar de se considerar que a declaração de denúncia apenas à mesma poderia ser imputada. O uso de papel timbrado da 2ª R. constituiu um pormenor irrelevante no contexto das relações estabelecidas no âmbito da concessão comercial, devendo encarar-se com a naturalidade que emerge do facto de a 1ª R. ter a sua sede no estrangeiro, dizendo o contrato unicamente respeito às vendas de produtos a efectuar em território nacional, onde passara a deter a maioria do capital social da 2ª R. A posição assumida pela A. é tanto mais injustificada quanto é certo que, apesar de ter recebido as referidas cartas confirmativas da denúncia do contrato para o fim do prazo estipulado, continuou a promover os produtos T nos anos subsequentes, sem que alguma vez tenha questionado as modificações que naturalmente se seguiram àquela extinção, com intervenção de uma nova empresa (a 2ª R.) no circuito de comercialização dos produtos e com a quebra da exclusividade absoluta que durante a vigência do contrato lhe fora garantida, a qual foi gradualmente perdendo, até à sua extinção pura e simples. 3.3. Enfim, a pretensão jurídica da apelante é rotundamente impedida pela consideração de que, como resulta da matéria de facto: a) “Em 11-6-99, invocando o disposto na cláusula 12ª, n° 1, do contrato referido em 3., e usando papel timbrado da T, S.A., a 1ª R. expediu à A. uma comunicação (junta a fls. 392 e 393), por esta recebida em 16-6-99, de acordo com a qual a esta foi dado a conhecer que se punha termo ao mesmo em 31-12-99 (“with reference to clause 12.1 of our Agency Agreement dated 03-04-1995, we terminate the agreement affective as December 31 st 1999” (§ 33º); b) “Simultaneamente com a comunicação de 16-6-99 foi endereçada à A. a comunicação de fls. 394, usando papel timbrado da TS, A.G., assinada por B”, de onde consta, além do mais, que “as agreed, we are joining a official letter confirming you that we will terminate the 5 years agreement we have got between 1995 and 1999. We would like to thank you for the colaboration done during this period. We will come with a new proposal of collaboration wich will be based on an exclusivity distribution agreement of products to be defined; for this, we will organise beginning of July (week 27) a meeting of co-ordination between your Company and P. We are convinced that a successful collaboration will continue in the benefit of both parts” (sublinhado nosso); c) E que, “dias antes da expedição da comunicação, já em reunião havida entre um representante da 1ª R. e um representante da A., aquele tinha dado conhecimento a este de que iria dar uso da faculdade contida na cláus. 12ª, n° 1, do contrato” (§ 34º). Conclui-se, assim, que o contrato foi lícita e antecipadamente denunciado pela 1ª R. para o fim do prazo – 31-12-99 – tendo-se extinguido nesta data as relações comerciais assentes em tal contrato. 4. Do alegado incumprimento do contrato de concessão: 4.1. A resposta à questão anterior prejudica os efeitos que a A. pretendia extrair de uma resposta afirmativa à questão relacionada com o alegado incumprimento do contrato de concessão celebrado em 1994. No contrato de concessão previa-se a exclusividade da A. em território nacional, regime que se apoiava, além do mais, no que, para o contrato de agência, está previsto no art. 4º do Dec. Lei nº 178/86. Porém, extinto o contrato, não pode a A. continuar a invocar, como se o mesmo persistisse, qualquer regime exclusividade na distribuição de produtos da 1ª R. Ao invés, a 1ª R. ficou desvinculada de qualquer concessão, com ou sem exclusividade, adquirindo liberdade plena para celebrar com terceiros, sem exclusão da sociedade sua participada, 2ª R., os contratos que melhor lhe aprouvessem, dentro da sua estratégia de penetração no mercado nacional. Por isso, é ilegítima a invocação de um direito de indemnização reportada à violação de um contrato que se encontrava extinto. Por arrastamento, atenta a referida extinção, também não é legítimo à A. reclamar qualquer indemnização da 2ª R. com fundamento no incumprimento do mesmo contrato de concessão. 4.2. Também não pode ser invocada contra qualquer das RR. a violação de regras da boa fé. Adquirida, pela cessação do contrato de concessão, a plena liberdade contratual da 1ª R. e sendo esta livre de celebrar com quem entendesse contratos referentes aos seus produtos, também a 2ª R., detida maioritariamente pela 1ª R., tinha campo aberto para exercer a sua actividade sem curar das consequências que a ampliação que iria produzir no volume de negócios da A. Se é verdade que, com a cessação do contrato de concessão celebrado com a 1ª R. e com o surgimento da 2ª R. no mercado de distribuição dos produtos T, ocorreu uma quebra no volume de vendas que a A. efectuava, tal é fruto tão só de regras concorrenciais e de estratégias empresariais legítimas, sem que isso confira à A. o direito de exigir qualquer reparação por prejuízos patrimoniais sofridos com a redução das vendas que antes deteve em regime de “monopólio”. 5. Qualificação da actividade exercida pela A. depois de 1-1-00: 5.1. Argumenta a A. que, tendo continuado a exercer a actividade de distribuição dos produtos durante os anos subsequentes (até 2003), deve qualificar-se tal actividade como novo contrato (de concessão) sem prazo determinado, sendo a contraparte formada por ambas as RR. Sustenta essa pretensão no disposto no art. 27º, nº 2, do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7 5.2. Mais uma vez cumpre notar que qualquer efeito jurídico que possa extrair-se não dispensa a ponderação e valoração da matéria de facto provada, bem diversa da realidade que a A. alegou e que, contudo, ficou retida aquando da apreciação e, depois, aquando da reponderação dos meios de prova produzidos. A pretensão improcede na medida em que suponha a manutenção de qualquer vínculo contratual com a 1ª R., a partir de 1-1-2000. Com efeito, como decorre do § 25. do relatório, “desde o início de 2000, o relacionamento comercial passou a ser feito entre a A. e a 2ª R.”. Tal constituiu um dos efeitos da mudança de estratégia no que concerne ao desenvolvimento da actividade da 1ª R. em território nacional, a qual se iniciou com a aquisição de uma participação maioritária no capital social da 2ª R. (§ 19.), seguida da denúncia do contrato de concessão celebrado com a A. (§§ 20. a 23.), tendo a 2ª R. sido colocada, a partir de 1-1-00, no centro da plataforma de distribuição dos produtos T produzidos pela 1ª R. Ou seja, a distribuição de produtos que a A. fez a partir de 1-1-00 até 2003 inclusive, nos termos que foram periodicamente negociados, deixou de ter por referência a 1ª R., passando a ser reportada à 2ª R. que, ainda que em termos informais, assumiu a posição de concedente no que respeita à distribuição dos produtos em território nacional. 5.3. Segundo a matéria de facto provada, em 2000 a 2002 a A. foi reconhecida pela 2ª R. como distribuidora exclusiva de 7 gamas de produtos, passando para uma gama apenas em 2003 (§ 28.). Esse contrato de distribuição com exclusividade, ainda que reduzida, passou a ter uma duração anual, pois que, como consta do § 29., foi convencionado para o ano 2000 e renovado sucessivamente para o ano 2001 e 2002. No ano 2003, foi limitado à comercialização exclusiva de uma só gama de produtos. O exposto revela que a actividade da A. de distribuição de produtos que ocorreu nos anos 2000 a 2003 é de qualificar como contrato de concessão (e não de agência como expressamente refere), não reduzido a escrito, mas que, ainda assim, encontra cobertura no lugar paralelo previsto para o contrato de agência no art. 27º, nº 2, do Dec. Lei nº 178/86. Por conseguinte, pressuposta a aludida qualificação, a actividade acordada entre a A. e a 2ª R. ficou sujeita ao regime subsidiário previsto para o contrato de agência, ainda que atendendo prioritariamente ao que informalmente foi acordado e praticado entre as partes enquanto o contrato persistiu. Ou seja, enquanto em relação ao período de 1995 a 1999 o relacionamento com a 1ª R. assentou num contrato formalizado de concessão comercial, a partir de 2000 não existiu qualquer documento condensador dos direitos e deveres. Além disso, ocorreu uma mutação subjectiva no que concerne à identidade do concedente, que passou a ser a 2ª R.. Ocorreu ainda uma importante modificação objectiva, já que a actividade concessionada à A., em vez de ser exclusiva para o território nacional, como antes estava expressamente consagrado, passou a ficar limitada às gamas de produtos referidas, culminando com a extinção total de qualquer relação de exclusividade a partir de 30-9-03 (§ 33.). 5.4. Circunscritos, assim, a partir de 1-1-00, os efeitos do relacionamento comercial à 2ª R., com total afastamento da 1ª R., as vendas directas de produtos que foram feitas pela 2ª R., sem violação da exclusividade acordada nos termos já referidos, não atribuem à A. qualquer direito de indemnização. Com efeito, a matéria de facto provada revela que não houve da parte da 2ª R. a violação da exclusividade nos termos que periodicamente foram acordados. A desvinculação total da 2ª R. e a assunção de total liberdade negocial apenas ocorreu depois de ter comunicado à A. a cessação de qualquer exclusividade, em 30-9-03, numa ocasião em que, aliás, a exclusividade estava limitada apenas à gama de produtos Óptima. Enquanto contrato de concessão informal, a matéria de facto apenas nos permite concluir que perdurou até ao final do ano de 2003 (§§ 28., 29. e 40.), sendo indiferente para o caso o facto de a A. ainda ter vendido produtos Tarkett em 2004 (§ 32º). Deste modo, não havendo violação contratual por parte da 2ª R., deve ser negada à A. qualquer pretensão fundada no incumprimento do contrato de concessão com os contornos já definidos. 6. Quanto à alegada indemnização de clientela: 6.1. Nos termos do art. 33º, nº 1, do DL nº 178/86, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização por clientela mediante determinadas condições. Trata-se de um dispositivo subsidiariamente aplicável ao contrato de concessão comercial, o que constitui entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência (cfr., a título exemplificativo, José Alberto Vieira, O Contrato de Concessão Comercial, pág. 127, Pinto Monteiro, Contrato de Agência, anotação ao art. 33º, Menezes Leitão, Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, pág. 80, Rui Pinto Duarte, Jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização por clientela ao contrato de concessão comercial, na Revista Themis, nº 3, págs. 315 e segs., com menção de diversa jurisprudência a que podem aditar-se os Acs. do STJ, de 13-9-07 e de 15-11-07, www.dgsi.pt, e de 21-4-05, CJSTJ, tomo II, pág. 57. Se tal indemnização se justifica em relação ao agente, a função desempenhada pelo concessionário reclama igualmente a aplicação daquele preceito, atento o leque e a amplitude das tarefas assumidas e o nexo de ligação funcional que une os contraentes, prosseguindo objectivos comuns relacionados com a distribuição dos produtos e com a obtenção de lucros. 6.2. Porém, antes de avançar na análise dos requisitos da indemnização de clientela, na parte em que a reclamação é feita contra a 1ª R., importa ultrapassar um obstáculo colocado pela cláus. 12ª do contrato de concessão que vigorou entre 1994 e 1999 cujo texto traduz a renúncia antecipada a tal indemnização. Defende a A. que tal cláusula é nula, por violar o disposto no art. 809º do CC. Tem razão na afirmação, mas já não na respectiva fundamentação jurídica, discordando-se, assim, também, de semelhante argumentação invocada por Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 4ª ed., anot. ao art. 33º, pág. 115. É verdade que aquele normativo comina com a nulidade a renúncia à indemnização, mas fá-lo apenas para as situações de incumprimento de contrato, o que notoriamente não é o caso. A indemnização por clientela é dissociada de outra qualquer indemnização fundada em incumprimento, sendo, aliás, compatível com o cumprimento integral do contrato e com a denúncia ou com a caducidade. Porém, apesar da ausência de um normativo que tão explicitamente resolva a questão, largos sectores da doutrina e da jurisprudência vêm considerando que para os contratos de agência ou para outros contratos de distribuição, como o de concessão, a cláusula de renúncia antecipada à indemnização por clientela é nula, fundando tal solução na natureza imperativa ou injuntiva do art. 33º referido do Dec. Lei nº 178/86. Para além da letra do preceito, atende-se ao desequilíbrio que normalmente se verifica entre a posição do contraente principal ou do concedente e a do agente ou do concessionário. Com efeito, independentemente da dimensão económica de um ou de outro dos contraentes, é o contraente principal ou o concedente que, em regra, está em posição de supremacia contratual no que concerne à fixação do clausulado, sendo mais frequentes as situações em que o agente ou o concessionário se limita a aderir a tal clausulado geral que nem sequer é objecto de negociação específica. A referida nulidade, com base na aludida natureza imperativa, é afirmada, entre outros, por José Alberto Vieira, ob. cit., pág. 127, pelos Ac. do STJ, de 5-3-09, 15-11-07 e de 29-3-97, e pelo Ac. da Rel. de Lisboa, de 29-3-07, todos em www.dgsi.pt. Assim, no que concerne à 1ª R., apesar do teor da referida cláusula, não está, por isso só, desobrigada do pagamento de uma indemnização de clientela prevista nos termos prescritos por aquele artigo. Ponto é que se verifiquem os requisitos legais. 6.3. Os requisitos de que depende o reconhecimento de tal direito são fundamentalmente os seguintes: - Verificar-se que o concessionário angariou novos clientes para a concedente ou aumentou substancialmente o volume de negócios; - Verificar-se que a concedente virá a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário. Ambos estão presentes. Da matéria de facto provada transparece que foi a A. que, no mercado português, construiu a imagem de marca dos produtos T, tendo feito um esforço de investimento na prospecção de mercado e na captação e angariação de clientes. Foi a mesma que essencialmente construiu a imagem de marca dos produtos (§ 7.), com actividades de prospecção do mercado, captação e angariação de clientes (§ 8.), fazendo a promoção dos produtos junto de revendedores, das empresas que procediam à sua aplicação e instalação junto do consumidor final, de entidades e organismos públicos e de arquitectos, com intervenção de técnicos e de publicidade (§§ 9. a 11.), o que naturalmente acompanhado e apoiado pela 1ª R., designadamente com financiamento de campanhas e acções de formação (§§ 12. e 14. a 16.). Foi também a mesma que angariou grande parte da clientela dos produtos vinílicos da T. Em Setembro de 2004, a A. tinha nos seus registos a existência de 1.697 clientes que, ao menos uma vez, haviam adquirido produtos Tarkett, sendo que, desses, 704 ainda constam do activo de clientes (§§ 39., 42. e 45.). Gozando a marca referida de óptima reputação no mercado português, tal resultado ficou a dever-se, em parte substancial, ao trabalho de divulgação e promoção levado a cabo pela A. e à qualidade dos serviços que foi prestando na venda e acompanhamento de obras, o que explica que o volume de vendas dos produtos da 1ª R., em território nacional, tenha crescido gradualmente ao longo dos anos. Depois de ter findado o contrato de concessão, em 31-12-99, a 1ª R., ainda que por via indirecta, através da 2ª R. ou de outras empresas, continuou a beneficiar da carteira de clientes angariados pela A. e da imagem da marca que fora criada. Ora, extinto o contrato por via de declaração de denúncia, a A. não foi compensada pela 1ª R., verificando-se, assim, as condições básicas para que lhe seja reconhecido o direito de indemnização por clientela em termos que adiante se analisarão. 6.4. Importa verificar se semelhante indemnização pode ser reclamada pela A. em relação à 2ª R. Já anteriormente concluímos que no período posterior a 1-1-2000, até ao último trimestre de 2003, vigorou entre a A. e a 2ª R. um contrato de concessão, ainda que em moldes não totalmente coincidentes com o que havia sido celebrado com a 1ª R. Tal contrato informal, limitado nos produtos cuja exclusividade estava garantida, também terminou por vontade da 2ª R. Nestes termos, devidamente enquadradas no leque de factos provados, podem ser transpostas as razões que anteriormente se aduziram para justificar o direito da A. face à 2ª R. Afinal, também esta, que integra o grupo societário dominado pela 1ª R., acabou por beneficiar da clientela que a A. continuou a angariar naquele período, embora o relevo da actividade exercida nesta segunda fase seja claramente inferior ao que se verificou em relação à primeira parte. A matéria de facto revela-nos que uma grande parte dos clientes a quem a 2ª R. vendeu produtos foi angariada através de acções de promoção levadas a cabo pela A. (§§ 32., 36., 39. e 41.), sendo natural que tenha continuado a beneficiar dessa actividade de angariação e de promoção. Em Setembro de 2004, a A. mantinha nos seus registos a existência de 1.697 clientes que, ao menos uma vez, haviam adquirido produtos T, sendo que, desses clientes, 704 ainda constam do activo (§ 45.), continuando, pois, potencialmente interessados nos produtos. Ademais a imagem de marca que foi criada e de que a 2ª R. pôde beneficiar foi construída ao longo de todo o período em que a A. exerceu funções de concessionária dos produtos (§ 41.), envolvendo o 1º período, até 1999, mas avançando também pelo período subsequente, até 2003 (§ 40.) 6.5. Importa então proceder à quantificação da indemnização por clientela: Considerando que se sucederam no tempo as relações comerciais da A. com a 1ª R e com a 2ª R., pertencendo ambas ao mesmo grupo empresarial, são admissíveis, em abstracto, duas opções: - Apreciar globalmente a actuação da A. na promoção dos produtos e da marca T de que beneficiaram ambas as RR. e, depois de encontrar um valor de indemnização equitativo, proceder à sua divisão por ambas as RR. de acordo com uma determinada proporção; - Apreciar separadamente a actuação da A. no que respeita a cada uma das RR. e encontrar para cada uma delas o valor de indemnização ajustado. Ainda que houvesse razões substanciais para que adoptar a primeira opção, as RR. são pessoas colectivas distintas e a actividade foi desenvolvida em períodos distintos e em condições bastante diferenciadas. Por isso, ainda que a 2ª R. seja maioritariamente detida pela 1ª R., parece-nos preferível a segunda opção. 6.6. Para o efeito, está provado que a média do lucro da A. na revenda dos produtos nos anos de 1999 a 2003 era de cerca de 28% (resp. ao ponto 25º) Não se trata verdadeiramente de uma margem de lucro líquido, antes da margem de comercialização, correspondente ao diferencial entre o preço de venda aos clientes da A. e o preço que lhe foi facturado pelas RR. Tal resulta claro, além do mais, do art. 108º da petição inicial, onde a A. alegou que, por via da “margem de lucro … de 28%”, a A. “obteve a seguinte remuneração pela sua actividade distribuidora ...”, tendo sido dessa remuneração que saíram as despesas atinentes ao exercício da actividade, quer em meios humanos (orgânica, promotores, vendedores, comissões, etc), quer materiais (veículos, comunicações, publicidade, promoções, etc.). Nos termos da decisão de fls. 937, a resposta ao referido ponto 25º fundou-se exclusivamente no depoimento da testemunha C ouvido na audiência de julgamento de 3-10-07 (fls. 737), e na documentação que no decorrer do depoimento consultou e cuja junção aos autos foi determinada pela Mª Juíza, nos termos do despacho de fls. 737. Documentação que ficou a constar de fls. fls. 712 a 719 e cuja análise deixa bem claro que o depoimento se reportava à “margem de comercialização” e não à “margem de lucro líquido”. Aliás, a diferença entre ambas as expressões ficou bem evidente na resposta negativa que foi dada ao ponto 30º, referindo-se na mesma decisão da matéria de facto (fls. 939) que “o lucro com a venda de produtos não pode ser dissociado de despesas que essa mesma actividade comportava, como sendo todo o investimento financeiro que a própria A. admite ter feito para introduzir os produtos Tarkett, como sendo os gastos com a revista, os vencimentos de promotores e vendedores”. A circunscrição à margem de lucro líquido, para efeitos de determinação da indemnização por clientela, distinguindo-a da margem de comercialização, naturalmente mais elevada, resulta nítida da fundamentação dos Acs. do STJ, de 15-11-07, de 13-9-07 e de 23-11-06, www.dgsi.pt. Uma vez que o que interessa para efeitos de quantificação da indemnização é a margem de lucro líquido relativa aos últimos 5 anos, bem diversa e inferior ao valor da facturação, parece razoável e equitativo considerar uma taxa de lucro líquido na ordem dos 10%. 6.7. Quanto ao período em que a concessionária foi a 1ª R., as vendas foram crescendo gradualmente ao longo dos anos sendo em 1999, ano em que terminou o contrato, de € 768.149,00 (cerca de PTE 154.000.000$00). Desconhece-se qual o volume de vendas nos anos anteriores, embora a prova de que anteriormente houve um crescimento consinta que, para efeitos de aproximação, se assente num valor médio relativos aos cinco anos na ordem dos € 500.000,00 (§ 43.). Pode ainda ser ponderada a margem de migração de clientes para outros produtos ou outras empresas, como o faz Menezes Leitão, ob. cit. Tudo ponderado, dentro do espaço de liberdade consentido pelas regras da equidade, parece ajustado considerar, para efeito de determinação da indemnização, o valor-base de € 50.000,00. Já quanto à 2ª R., o período de duração do contrato foi inferior ao que se estabeleceu com a 1ª R. Aliás, o relacionamento comercial nem sequer durou o período de 5 anos a que o legislador mandou atender para efeitos de quantificação da indemnização a partir da média de vendas em tal período (facto ponderado por Menezes Leitão, ob cit., pág. 68, e também atendido no Ac. do STJ de 15-11-07 já referido). Além disso, diversas foram as condições em que a A. exerceu a actividade de concessionária, com acordos anualmente estabelecidos e com redução gradual dos produtos em regime de distribuição exclusiva, até à extinção da concessão. Naturalmente, isso implicou também um menor envolvimento da A. na promoção dos produtos, já que a redução das gamas em exclusividade desviava naturalmente uma parte da clientela para as gamas comercializadas directamente pela 2ª R. ou por outras empresas que porventura foram contratadas. Ainda assim, também em relação à 2ª R. se pode concluir que beneficiou da actividade de promoção dos produtos levada a cabo pela A. também durante o segundo período do relacionamento contratual (§§ 32º, 33º, 36º, 39º e 45º). De objectivo temos que as vendas em 2000 foram de € 644.020,00, em 2001 de € 680.335,00, em 2002 de € 722.111,40 e em 2003, com a concessão exclusiva reduzida a uma gama de produtos, de € 292.521,67, dando, em média anual, cerca de € 600.000,00. Mantendo-se a aplicação da mesma taxa de lucro líquido, chegamos a um valor-base de € 60.000,00. 6.8. Todavia, a lei afastou-se de critérios puramente matemáticos e impôs o recurso à equidade. No caso concreto, diversos factores devem ser considerados para se definir um resultado substancialmente justo em relação às indemnizações a suportar por cada uma das RR. a) Quanto à 1ª R., importa considerar essencialmente o seguinte: Houve um profundo envolvimento da A. na promoção dos produtos, com resultados visíveis na imagem da marca, da clientela e, por consequência, na facturação. Mas, por outro lado, a A. aceitou a declaração de extinção do contrato (§ 23.). Tratou-se de uma reacção que não era indispensável à extinção do contrato operada, mas que, ainda assim, revela que não houve um corte absoluto no relacionamento contratual ligado aos produtos. Com efeito, a A. foi submetida a um novo relacionamento comercial com a 2ª R. que integrava o mesmo grupo societário e que, a partir de 2000, constituiu a plataforma principal de distribuição dos produtos em território nacional. Ou seja, a 1ª R. teve a possibilidade de efectuar um corte radical com a A., ficando com total liberdade de negociar com quem entendesse. Ainda assim, foi mantida uma linha de continuidade, ainda que em moldes não totalmente coincidentes com a anterior concessão. Em contraponto, no que respeita à atitude da A., apesar da extinção do contrato lhe conferir o referido direito de indemnização, não o reclamou da 1ª R. de imediato. Na prática, intuiu-se a existência de uma actuação de “renúncia” a tal direito, quiçá justificado pelo facto de se sentir “obrigada” pela cláusula 12ª do contrato e por continuar a lucrar com a actividade desenvolvida em relação aos produtos, ainda que reportando a uma outra sociedade do grupo. Acresce ainda o seguinte: nos termos do art. 33º, nº 4, do Dec. Lei nº 178/86, o direito à indemnização extingue-se se o concessionário, no prazo de um ano, não comunicar ao concedente que pretende recebê-la. Estamos perante um prazo de caducidade fixado para o exercício extrajudicial do referido direito (seguido de outro prazo de caducidade para o respectivo exercício judicial), nos termos em que o determina o art. 298º, nº 2, do CC. É verdade que a referida caducidade não foi suscitada pela 1ª R., de tal maneira que o decurso do tempo não pode ser apreciado no seu efeito extintivo da obrigação de indemnização (art. 333º, nº 2, do CC). Contudo, sem que se possa ver-se aqui qualquer apreciação oficiosa “encapotada” de uma excepção peremptória cujo conhecimento depende da arguição do interessado, o facto objectivo - decurso de um longo prazo - não pode deixar de ser tido em conta na formulação do mencionado juízo de equidade que deve presidir à quantificação da indemnização. Na medida em que a equidade se sobrepõe a critérios de legalidade estrita e apela à justiça substancial do caso concreto, é manifesto que o facto de a A., detentora de um direito de indemnização, se ter abstido de formular qualquer reclamação durante um prazo tão longo, ao mesmo tempo que continuou a negociar com a sociedade dominada pela 1ª R., depois de com esta ter acordado a extinção do contrato, leva a concluir que a indemnização a reclamar da 1ª R. deve ser substancialmente reduzida, pois só desse modo se atinge a justiça material reclamada no caso concreto. Assim, atenta a aludida equidade, consideramos justa a indemnização de € 25.000,00 (1/2 do valor-base acima referido). b) Quanto à 2ª R.: Existem igualmente circunstâncias que merecem ser atendidas no âmbito da formulação de juízo de equidade a respeito da indemnização. O investimento da A. nesta segunda fase da concessão de produtos T foi substancialmente inferior ao que anteriormente desenvolvera. Afinal, a marca já estava implantada no mercado, sendo menos significativa a actividade de promoção, de publicitação ou de angariação de clientela. A matéria de facto provada faz sobressair a actuação da A. no período anterior em que, aliás, deteve a exclusividade de distribuição. A agregação à 1ª R. de uma nova sociedade onde detinha a maioria do capital e que ficou incumbida da distribuição geral dos produtos no território nacional naturalmente fez passar para um plano secundário a actuação promotora da A. Acresce que foram sendo gradualmente reduzidas as gamas que à A. incumbia distribuir em regime de exclusividade, ganhando a 2ª R. protagonismo no mercado, que culminou com a oferta de produtos a preços mais vantajosos a partir de 2004 (§ 35.). Deste modo, foram-se também gradualmente reduzindo as expectativas da A. no que concerne à manutenção da concessão. Há que ponderar ainda que, fazendo a 2ª R. parte do grupo empresarial da 1ª R. e tendo sido reconhecido o direito de indemnização por clientela em relação à 1ª R., tal deve ser ponderado na quantificação desta segunda indemnização correspondente ao período do relacionamento contratual com a 2ª R. Afinal, se o contrato não tivesse terminado em 31-12-99 e se tivesse prolongado até ao final de 2003, à A. apenas poderia ser reconhecida uma indemnização levando em conta a média dos lucros correspondentes aos últimos cinco anos, nos termos do art. 34º do referido Dec. Lei. Neste contexto, ponderando todos os factores, parece-nos equitativa a fixação da indemnização devida pela 2ª R. no valor de € 20.000,00 (1/3 do valor-base). IV – Em conclusão: Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação da A. e, em consequência, revoga-se a sentença e condena-se a 1ª R. no pagamento à A. da quantia de € 25.000,00 e a 2ª R. no pagamento à A. da quantia de € 20.000,00, ambas com juros de mora desde a citação, até cumprimento. Custas da acção e da apelação a cargo da A. e de cada uma das RR. na proporção de 2/3 para a A. e de 1/3 para as RR. Notifique. Lisboa, 12-5-09 António Santos Abrantes Geraldes Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado |