Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7480/2004-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: CONTRATO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I. O contrato de mediação imobiliária é um contrato de natureza formal, sendo a inobservância da forma escrita causa da sua nulidade, invocável a todo o tempo por qualquer interessado, mesmo que eventualmente responsável por essa causa da nulidade, e susceptível de ser oficiosamente declarada pelo Tribunal.
II. Tendo sido efectuadas por uma empresa de mediação, com o acordo do proprietário de um imóvel, diligências tendo em vista a sua venda teria ela direito a receber, não a retribuição proposta na minuta do contrato, mas apenas o valor das despesas que realizou com a promoção do imóvel.
III. Não tendo o contrato de compra e venda do imóvel sido celebrado na sequência e por efeito de tais diligências não pode afirmar-se ter havido enriquecimento do proprietário à custa da empresa de mediação no valor correspondente ao que aquele teria que despender para obtenção dos serviços de mediação, pelo que esta não tem direito a indemnização com base em enriquecimento sem causa.
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

a) LUXUS, SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, Ldª, com sede na Rua da Emenda nº 58 – 1º andar em Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação contra COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S A, com sede na Rua Andrade Corvo nº 32 em Lisboa, visando obter a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 98.911,62, acrescidos de juros de mora já vencidos e dos juros vincendos, a título de pagamento de uma comissão relativa a um contrato de mediação imobiliária que alega ter celebrado com a ré ou, para o caso de assim se não entender, a condenação da ré a restituir-lhe tal quantia, por efeito de nulidade do contrato ou ainda, subsidiariamente, a pagar-lhe a mesma quantia a título de enriquecimento sem causa da ré à sua custa.
A ré, devidamente citada, contestou tal pedido alegando, em síntese, não ter celebrado com a autora qualquer contrato de mediação imobiliária, não tendo a venda invocada sido efectuada com a mediação da autora.
A autora apresentou o articulado de fls. 59 e seguintes, de resposta à contestação.
Foi oportunamente seleccionada a matéria de facto já assente e organizada a Base Instrutória.
Teve lugar a audiência de julgamento e, decidida que foi a matéria de facto controvertida, foi proferida douta sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré do pedido.
b) Inconformada com tal decisão, dela interpôs a autora o competente recurso, admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
A apelante concluiu as suas alegações pela forma seguinte:
“A. A apelante foi contratada para mediar o negócio imobiliário que consistia na venda de um prédio da apelada, sito na Rua ..., em Lisboa, tendo ambas acertado todos os termos do negócio;
B. O contrato escrito foi enviado à apelada, já assinado pelo legal representante da apelante, consubstanciando todo o acordo que tinha sido, antecipadamente, fixado entre as partes;
C. A apelada nunca devolveu o contrato escrito assinado à Apelante, o que esta não estranhou devido ao facto da apelada ter sido cliente da primeira em outros negócios, tendo sempre havido uma relação de absoluta confiança entre as partes, levando essa circunstância a que a apelante estivesse convicta de que poderia actuar como mediadora neste negócio, confiança essa com que actuou face ao "histórico" do relacionamento entre as empresas, ao facto da apelada ser uma Companhia de Seguros, entidade com credibilidade no mercado, e, também, pelo contrato escrito não ter sido devolvido, conforme já se disse, o que demonstra a qualquer entidade de boa fé a sua aceitação;
D. Essa convicção alicerçou-se, ainda, no facto de terem sido desenvolvidos esforços e diligências por parte da apelante no sentido de dar seguimento ao mandato de mediação que tinha recebido, com comunicações constantes à apelada, que as recebeu através dos seus habituais interlocutores, trabalhadores da apelada, o que foi, manifestamente, causa justificada para se consolidar a confiança que, afinal, já há muito existia por parte da apelante;
E. Ficou também provado que o conhecimento por parte da apelada do interessado na compra do imóvel e, também, do facto deste se encontrar em venda, bem como dos aspectos essenciais do negócio, se ficou a dever à actuação da apelante que, assim, deu o contributo que dela se esperava para a concretização do negócio;
F. Ora, assim sendo, ficou provado que o contrato de mediação se estabeleceu de facto, até da forma com que, anteriormente, as partes tinham estabelecido uma relação comercial, que a apelante, com razões amplamente justificadas deu como assente o compromisso de mandato para a venda do mencionado prédio;
G. O negócio concretizou-se através da actividade profissional da apelante, pelo que esta teria sempre direito à remuneração respectiva, que tinha, aliás, sido estipulada entre as partes, e que era 3% sobre o preço de venda, não tendo relevância o facto do preço ter sido superior ao valor mínimo indicado, 600.000.000$00 (€ 3.000.000), até porque se tratou de um valor mínimo, sendo corrente nos negócios de intermediação que o preço final ajustado pelas partes venha a ser superior ou inferior ao previamente indicado pelo vendedor, pelo que não colhe, e só revela desconhecimento, vir-se dizer que o preço até foi superior ao previamente indicado pelo vendedor, pelo que não teria havido concretização da intermediação, quando estas entidades actuam sempre na base de valores mínimos, fazendo parte do negócio, até, o conseguirem uma valorização do mesmo;
H. Assim considera-se que, independentemente da não devolução do contrato assinado, face a todas as circunstâncias dadas como provadas, sempre a apelada deveria ser condenada a pagar a comissão convencionada de 3% do valor da venda, pois o contrato foi no seu todo celebrado, tendo havido manifesta má fé na falta da sua devolução, factos que a apelante não relevou por razões de confiança na outra parte, pelo que a invocação do vício de forma é, neste caso, manifestamente, abuso de direito, razão pela que a apelada deverá ser sempre condenada ao pagamento da comissão acordada pelas partes;
I. Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que só a benefício de raciocínio se concede, sempre se dirá que a comissão seria devida a título de responsabilidade pré-contratual, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 227º do Código Civil, uma vez que se verificam os requisitos previstos na lei para que opere este dispositivo legal;
J. Efectivamente a apelada não agiu neste negócio, tanto nos preliminares como na formação deste, de acordo com as regras da boa fé, pois incumbiu a apelante de diligenciar na sua celebração, deu-lhe instruções concretas nesse sentido, permitiu e incentivou diligências específicas com vista à realização do negócio, tomou conhecimento do nome da entidade interessada, entre outras circunstâncias concretas, e, tendo realizado o negócio, vem agora invocar o não cumprimento do mesmo por uma circunstância a que ela mesmo deu origem, ou seja, a não devolução assinada do contrato escrito que tinha sido previamente ajustado com a apelada;
L. Tendo a apelada agido como se tivesse formalmente assinado o contrato, e face à relação de confiança que existia entre as partes, não podem restar dúvidas que não agiu com um comportamento honesto e consciencioso, com a lealdade de alguém que se comporta com um sentido verdadeiramente ético, razão pela qual se encontra sujeita a responsabilidade pré-contratual nos termos previstos na já referida disposição legal;
M. Assim não podem restar dúvidas que, sem prejuízo do já invocado, ocorreu responsabilidade pré-contratual da apelada por manifesta má fé desta nos preliminares e na realização do negócio e por existirem prejuízos da apelante, ao não ter recebido a remuneração acordada pela realização do negócio, que concretizou nos seus contornos essenciais;
N. Acresce ter havido um nexo de causalidade evidente entre a actividade do mediador e a celebração do negócio concreto, como, aliás, ressalta de forma inequívoca dos factos dados como provados, tendo ficado assente que todo o negócio ficou sustentado na apresentação concreta que a apelante fez ao comprador do prédio que a apelada tinha para venda;
O. Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que só a benefício de raciocínio se concede, verificam-se aqui, cumulativamente, os três requisitos do enriquecimento sem causa - o enriquecimento (a celebração do negócio sem pagar a comissão ajustada), a celebração desse negócio ter sido causada pela intervenção da apelante, que pôs à disposição dos interesses da apelada toda a sua estrutura e conhecimento do mercado para que o negócio de concretizasse, resultando o seu empobrecimento, precisamente, do facto de não ter recebido a justa compensação pelos serviços prestados.
P. Como é evidente, o instituto do enriquecimento sem causa é subsidiário relativamente aos restantes, razão sempre relevada pela apelante, que também só pediu a condenação da apelada nestes termos na eventualidade, que só a benefício de raciocínio se concede, de esta não vir a ser condenada de acordo com os outros dispositivos legais acima descritos”.
c) A ré recorrida apresentou as suas contra alegações que concluiu pela forma seguinte:
1. Não há qualquer contrato de mediação celebrado entre as apelante e apelada, não tendo sido apurada qualquer matéria de facto que permitisse tal conclusão.
2. Ainda que houvesse, seria nulo por vício de forma.
3. Está provado que a apelante comunicou à Associação Portuguesa de Seguradores que se ncontravam alguns prédios para venda, mas
4. Não está provado que tenha sido a apelante a dar a conhecer o prédio da apelada à Associação Portuguesa de Seguradores.
5. Nem está provado que a apelante tenha actuado com a diligência média de uma empresa do ramo para ter uma intervenção minimamente decisiva na celebração do negócio.
6. Sendo o contrato nulo, não há direito a qualquer comissão.
7. A consequência da nulidade seria o ressarcimento com despesas; a apelante não alegou nem provou tal situação.
8. O enriquecimento sem causa teria de ser alegado e provado; a apelante não fez nem uma coisa, nem outra”.
d) Colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A – OS FACTOS
1) Pretende o recorrente que, na procedência da apelação, seja revogada a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra decisão que, “considerando procedente e provada a acção, condene a Ré, ora Apelada, no pagamento à Apelante da quantia de € 98.911,62 (noventa e oito mil novecentos e onze euros e sessenta e dois cêntimos), acrescidos dos juros de mora já vencidos sobre a importância referida, que somam, no momento da propositura da petição inicial, o montante de € 24.161,53 (vinte e quatro mil cento e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), bem como os juros vincendos até integral pagamento do débito, com o fundamento no cumprimento do contrato de mediação imobiliária ou, na eventualidade, sem assim se conceder, de o mesmo ser considerado nulo, com fundamento na responsabilidade pré-contratual e, caso tal venha a não ser considerado procedente, o que não se concede, nos termos do disposto no artigo 289º do Código Civil e, por último, se por mera hipótese de raciocínio, for considerado não aplicável nenhum destes institutos, por força do enriquecimento sem causa, instituto de carácter subsidiário, aplicável nos termos acima invocados”.
Vejamos, antes de mais, os factos apurados.
2) São os seguintes os factos considerados provados e assentes na douta sentença recorrida, sendo certo que não foi impugnada pela autora a decisão sobre a matéria de facto:
a) A autora Luxus - Sociedade de Mediação Imobiliária Lda dedica-se à mediação na compra e venda de imóveis.
b) A Sociedade Portuguesa de Seguros SA foi incorporada na ora ré Companhia de Seguros Allianz Portugal.
c) A autora prestou à Sociedade Portuguesa de Seguros SA o serviço de mediação imobiliária na venda do edifício, propriedade da ré, sito na Rua... , em Lisboa
d) Entre a autora e a ré nunca foi vertido em documento escrito qualquer contrato de mediação imobiliária.
e) A ré vendeu à Associação Portuguesa de Seguradores um edifício sua propriedade sito na Rua Rodrigo da Fonseca nº ... em Lisboa pelo preço de 661.000.000$00 (seiscentos e sessenta e um milhões de escudos) em 10 de Maio de 2000.
f) A autora enviou à ré o fax cuja cópia consta a fls. 11 (doc. 2) de 21 de Julho de 1999 comunicando: «Vimos por este meio informar que apresentámos à Associação Portuguesa de Seguradores, na pessoa do Sr. Eng. (B), o V/ edifício em referência. Caso haja alguma evolução relativamente a este assunto, daremos nota a V. Exa.».
g) O referido edifício foi apresentado à Luságua - Gestão de Águas SA, tendo a Ré enviado à Autora fax conforme doc. 4 (fls. 18) dizendo: «Confirmando a nossa conversa de hoje, informamos que estamos receptivos a aceitar uma nova proposta da Luságua até às 15 horas do dia 21 de Outubro”.
h) Por fax de 24 de Novembro de 1999 (doc. 5 de fls. 20) a ré disse à autora: «Confirmando a nossa conversa telefónica com o Sr. (P), informamos que nenhuma das propostas feitas até à presente data, relativamente ao edifício da Rua Rodrigo da Fonseca, mereceu a concordância da Companhia».
i) Em 15 de Dezembro de 1999 a ré comunicou à Luságua: «Na sequência da proposta apresentada por V. Exªs, informamos que a mesma não mereceu a aceitação desta Companhia, que irá celebrar a venda com outra entidade.» (doc. 6 de fls. 23).
j) A ré deu a conhecer à Autora a comunicação mencionada na alínea anterior por fax de 15 de Dezembro de 1999 (doc. 6 de fls. 22) dizendo: «Para V/ conhecimento, incluímos telecópia da carta que nesta data enviámos à V/cliente Luságua.».
k) A autora enviou à ré o escrito designado «Contrato de Mediação Imobiliária» (doc. 1 de fls. 48/49) datado de 6 de Julho de 1999, assinado pela Autora, mas que a Ré não assinou.
l) Com o envio de escrito referido na alínea anterior a autora comunicou à ré, por carta de 7 de Julho de 1999: «Junto envio Contrato de Mediação Imobiliária, cuja devolução agradecemos, depois de devidamente assinado».
m) Na condição referida em a) a autora manteve relações comerciais com a Sociedade Portuguesa de Seguros SA durante vários anos.
n) O referido em d) foi devido a existir uma relação de confiança entre autora e ré.
o) No entanto os compromissos decorrentes da prestação de serviços de mediação imobiliária tinham sido sempre respeitados.
p) Com base na mesma relação de confiança então existente a ré comunicou à autora que tinha para venda o edifício referido em e).
q) No dia 21 de Julho de 1999 a autora foi contactada pela Associação Portuguesa de Seguradores na pessoa do Eng. (B) e que procurava um edifício em Lisboa com área de cerca de 2.000 metros quadrados.
r) Nessa altura a autora informou a Associação Portuguesa de Seguradores na pessoa do Eng. (B) que estava para venda o prédio referido em e).
s) No dia 27 de Julho de 1999 a autora, através do fax cuja cópia consta como documento nº 3 de fls. 12 indicou à Associação Portuguesa de Seguradores três edifícios entre os quais o edifício referido em e) nos mesmos termos que constam a fls. 14, 15 e 16 destes autos.
t) Entre a autora e a ré a comissão que vinha sendo praticada pela intermediação na venda de imóveis da ré era de 3%.
u) A ré tinha um representante no Conselho de Direcção da Associação Portuguesa de Seguradores.
v) A ré contactou mediadoras imobiliárias a quem informou ter o imóvel referido em e) para venda tendo indicado o valor de 600.000.000$00 à autora, estando disposta a analisar propostas.
x) A autora foi uma das empresas mediadoras contactada.
y) A autora enviou à ré o fax cuja cópia consta a fls. 122.
z) A autora não se deslocou ao edifício referido em e) com a pessoa referida no fax cuja cópia consta a fls. 122 nem com a Associação Portuguesa de Seguradores.

B – O DIREITO
Descritos que foram os factos apurados e nos quais se baseou a douta sentença recorrida, apreciemos então do mérito do recurso interposto, sendo certo que as questões a decidir neste recurso são delimitadas pelas conclusões da motivação apresentada.
1 – Entende a apelante que celebrou validamente com a apelada um contrato de mediação imobiliária por força do qual esta se encontra obrigada a pagar-lhe quantia correspondente a 3% do valor da venda do imóvel objecto de tal contrato de mediação.
Assim sendo, a primeira questão a abordar, seguindo, aliás, a forma como estão elaboradas as conclusões, é a da validade do contrato de mediação invocado pela ora apelante.
2 – O exercício da actividade de mediação imobiliária está regulado pelo Decreto Lei 77/99 de 16 de Março que a define como sendo “aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis (…) desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respectivos imóveis” – artigo 3º nº 1.
Para o efeito do preceito transcrito interessado é “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação” – artigo 3º nº 3 do diploma citado.
Por sua vez o artigo 20º nº 1 do mesmo diploma estabelece que o contrato de mediação está sujeito à forma escrita, devendo constar do documento escrito, entre outras menções, as condições de remuneração, nomeadamente o montante acordado e a forma de pagamento.
A falta de observância da forma escrita na celebração do contrato de mediação e da inclusão das menções obrigatórias gera, nos termos do artigo 20º nº 8 do diploma citado, a nulidade do contrato que, no entanto, não pode ser invocada pela empresa mediadora.
3 – No caso dos autos não foi reduzido a escrito o acordo invocado pela autora como consubstanciando o contrato de mediação invocado nem qualquer outro contrato de mediação (cfr alínea d) dos factos provados).
4 – Apesar da resposta restritiva dada ao quesito 4º resulta dos factos provados que a ré apelada comunicou à autora apelante que tinha para venda o edifício sito na Rua Rodrigo da Fonseca nº ... em Lisboa. Sendo a autora uma empresa que se dedica à mediação na compra e venda de imóveis com serviço já anteriormente prestado à ré nessa matéria, tal comunicação não pode deixar de equivaler à solicitação de serviços de mediação na venda desse imóvel, ou seja a uma declaração negocial no sentido da celebração do contrato.
E ante os factos apurados pode mesmo adiantar-se que existiu um acordo de vontades entre a autora e a ré no sentido da prestação por aquela de serviços de mediação imobiliária, acordo esse que poderia mesmo abranger as condições de remuneração, a avaliar pelo que anteriormente havia sido acordado (cfr alínea t) da matéria de facto) e pelo teor do documento remetido à ré e mencionado nas alíneas k) e l) da matéria de facto. Serviços que a correspondência trocada entre a autora e a ré indica que foram prestados.
5 – O escrito intitulado “Contrato de Mediação Imobiliária” constante de fls. 48 e 49 dos autos (mencionado nas alíneas k) e l) da matéria de facto) e que alegadamente contêm as condições acordadas entre as partes, foi enviado pela autora à ré para ser por ela assinado.
Porém, o referido documento não foi assinado pela ré aqui apelada que não corporizou nele a sua vontade contratual.
Uma vez que estamos perante um negócio formal para o qual a lei prescreve a necessidade de observância da forma escrita firmada por ambos os contratantes e uma vez que o documento a que se aludiu não foi subscrito pela ré apelada, a declaração negocial da ré é nula por inobservância da forma legal, dado o disposto no artigo 20º nº 8 do Decreto lei 77/99 de 16 de Março (e também o seria face ao disposto no artigo 220º do Código Civil).
6 – E sendo nulo o contrato invocado pela autora a fundamentar o seu pedido não pode produzir os efeitos pretendidos e em especial, como se decidiu na sentença recorrida, com base na obrigação contratual assim assumida, ser a ré condenada a pagar a quantia correspondente a 3% do valor da venda, que seria a remuneração acordada.
7 – Mas será que a invocação da nulidade do contrato que foi feita pela apelada é ilegítima por representar, como pretende a apelante, abuso de direito?
Salvo restrições legais – como a que existe em relação à apelante e ao contrato em análise – a nulidade de um negócio é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser oficiosamente declarada pelo Tribunal (artigo 286º do Código Civil).
É, pois, indiferente que seja ou não a apelada a invocá-la já que, com os factos apurados, sempre o Tribunal poderia declarar oficiosamente a nulidade do contrato de mediação imobiliária não escrito cujo incumprimento foi invocado como causa de pedir.
8 – Improcedem assim as conclusões A) a H) nas quais a apelante defende a validade do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes e a consequente condenação da apelada ao pagamento da remuneração nos termos contratados.
9 - Nas conclusões I), J), L) e M) a apelante defende que, caso se não considere que a apelada deve ser condenada a pagar a remuneração acordada no contrato por este ser nulo, deve ela ser condenada a pagar-lhe os prejuízos que sofreu com base na existência de responsabilidade pré contratual, mais precisamente por não ter pautado a sua conduta de acordo com as regras da boa fé.
Alicerça a sua pretensão no disposto no artigo 227º do Código Civil cujo nº 1 estipula: “Quem negoceia com outrém para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
10 – A questão da responsabilidade pré contratual não foi anteriormente colocada nos autos nem foi equacionada na decisão recorrida.
Os recursos são, em regra e por definição, meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais de categoria inferior e não para criar decisões sobre matéria nova, que não tenha sido submetida ao exame do tribunal de que se recorre, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência.
Não tendo sido invocada pela autora apelante ao longo do processo os fundamentos da responsabilidade pré contratual da ré e não tendo, por isso, sido apreciada e decidida a eventual existência desse tipo de responsabilidade na sentença recorrida não podem as conclusões da apelante ser apreciadas na parte em que pretende que se verificam os seus pressupostos com a inerente obrigação da ré ao pagamento da indemnização peticionada.
11 – Como quer que seja não assistiria razão à apelante nessa questão já que o que o artigo 227º nº 1 do Código Civil tutela é o interesse negativo ou de confiança e só excepcionalmente, quando a conduta se traduza na violação de um dever de contratar ou de conclusão do negócio, o interesse positivo ou de cumprimento (cfr Pires de Lima e Antunes Varela no “Código Civil Anotado” - Vol I em anotação ao artigo 227º e Mário Júlio de Almeida Costa in “Responsabilidade Civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato” – Coimbra Editora – 1984 a páginas 71 e seguintes e autores neles citados).
Ora não é a tutela do interesse negativo que a autora apelante reclama, até porque nem sequer alega quais os prejuízos que ela teria evitado se não tivesse confiado no cumprimento do contrato de mediação.
O que a autora reclama é a tutela do interesse positivo, que se reconduz aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato, no caso, do não pagamento da remuneração acordada.
Mas não havendo no caso dos autos um específico dever de contratar ou de conclusão do negócio não pode considerar-se como abrangido pela norma invocada (artigo 227º nº 1 do Código Civil) o dano resultante do não cumprimento do contrato por parte da ré.
12 – Na alínea N) das conclusões a autora apelante alega a existência de um nexo de causalidade entre a sua actividade de mediadora e a celebração do negócio mencionado na alínea e) da matéria de facto.
O nexo de causalidade (leia-se de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano) é um dos pressupostos da responsabilidade civil.
Faz sentido a sua invocação no quadro do preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil, tenha ela na sua origem uma violação contratual ou a prática de factos ilícitos.
13 – Considerou-se na sentença recorrida, na interpretação que se fez da matéria de facto assente, que não tinha ficado demonstrado que a actividade de mediação da autora “tenha sido determinante na cadeia dos factos que deram lugar à celebração do contrato de compra e venda, não tendo sido provados nem alegados sequer factos que permitam sustentar que a actuação da autora foi decisiva para a realização do negócio ou que nele teve intervenção directa”.
E na verdade o direito à remuneração no âmbito de um contrato de mediação validamente celebrado depende do facto de a conclusão do negócio ser efeito da intervenção do mediador, o que, em face dos factos acima descritos, não é seguro que tenha ocorrido no caso dos autos.
14 – Mas o que é certo é que não tendo sido validamente celebrado qualquer contrato não pode falar-se na sua violação e na consequente responsabilidade gerada por tal conduta. Da mesma forma que não existindo norma legal que tutele a pretensão da autora de indemnização por responsabilidade extracontratual não podem ter-se por verificados os demais pressupostos deste tipo de responsabilidade, incluindo o reclamado nexo de causalidade.
Torna-se, por isso, inútil, analisar com mais profundidade a questão de saber se entre a actuação da autora apelante e a conclusão do negócio de compra e venda entre a ré e a Associação Portuguesa de Seguradores existe um nexo de causalidade adequada.
15 – A apelante não impugna nas suas conclusões a parte da sentença em que considera que, por efeito da declaração de nulidade do contrato, ela teria direito a receber apenas o valor das despesas em que incorreu com a promoção do imóvel (artigo 289º do Código Civil).
Defende a apelante (conclusão O))que no caso dos autos se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa, pelo que deveria a ré ser condenada a pagar-lhe a “justa compensação pelos serviços prestados”.
16 – O princípio geral do enriquecimento sem causa consta do artigo 473º do Código Civil nos seguintes termos:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restiuir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
Por sua vez o artigo 474º do Código Civil assinala o carácter subsidiário da obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa, negando o direito à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído ou negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Para que haja obrigação de restituir com base no instituto do enriquecimento sem causa é necessário que se verifiquem três requisitos: a obtenção de um enriquecimento; que tal enriquecimento não tenha qualquer causa que o justifique; que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
Através do enriquecimento sem causa visa-se a restituição daquilo com que injustamente (sem a isso ter direito) o enriquecido se locupletou.
Reportando aos caso dos autos dir-se-á que o enriquecimento não tem necessariamente que ter, como parece entender a apelante, a exacta medida da retribuição alegadamente acordada mas antes o valor que a ré teria que despender para obtenção dos serviços de mediação alegadamente prestados e que teriam conduzido à celebração da compra e venda.
Daí que seja importante analisar quais foram esses serviços e que relação tiveram com a compra e venda do imóvel a que os autos aludem.
17 – Na sentença recorrida salientou-se que a apelante poderia ter direito a receber, a título de enriquecimento sem causa, aquilo que não estivesse abrangido pela restituição resultante da declaração da nulidade mas que a autora não tinha demonstrado que tivesse existido qualquer enriquecimento da ré à sua custa.
Analisemos os factos.
18 – Aquilo que os autos demonstram e o que ficou provado no âmbito da prestação de serviços de mediação por parte da autora foi que:
a) A ré comunicou à autora, bem como a outras empresas de mediação imobiliária, que pretendia vender o edifício sito na Rua Rodrigo da Fonseca nº ... em Lisboa;
b) A autora foi contactada por um potencial comprador de um edifício com as características do que a ré pretendia vender e informou-o que esse edifício estava para venda, fazendo o mesmo em relação a outros dois edifícios;
c) A autora não se deslocou ao edifício que a ré pretendia vender com a pessoa acima referida nem com representante da entidade que viria a adquirir o edifício.
Por outro lado a autora não demonstrou que tenha disponibilizado vendedores, efectuado deslocações e publicitado por várias formas a venda do edifício (cfr resposta ao quesito 10º).
Perante os factos acabados de descrever e que indiciam que a venda não resultou, segundo o já atrás referido nexo de causalidade adequada, de qualquer conduta da autora qual é o benefício patrimonial que foi obtido à sua custa pela ré apelada?
A resposta só pode ser uma e consta da sentença recorrida: não está provado que a ré tenha obtido algum enriquecimento à custa da autora ou do seu património.
Com o que fica por demonstrar um dos três requisitos acima enunciados do enriquecimento sem causa invocado pela apelante: o enriquecimento.
19 – Do exposto resulta a conclusão de que bem andou a douta sentença recorrida ao julgar totalmente improcedente a presente acção e ao absolver a ré do pedido, por não procederem os fundamentos em que o pedido se baseou.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso de apelação e, em conformidade, em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo autor apelante.

Dactilografado e revisto pelo relator:
Lisboa, 13 de Janeiro de 2005

Manuel José Aguiar Pereira

Urbano Aquiles Lopes Dias

José Gil de Jesus Roque