Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | AMPLIAÇÃO DO PEDIDO PROVAS PRESUNÇÕES JUDICIAIS INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/20/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | 1. É admissível a ampliação do pedido, em momento posterior à réplica, desde que a ampliação seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ainda que tal pedido pudesse ter sido formulado na petição inicial. 2. Para que seja lícito ao julgador socorrer-se das presunções judiciais previstas no artigo 349º CC. é necessário que a base da presunção seja constituída por factos provados através de outros meios de prova, não podendo assentar em meras especulações. 3. Não pode ocorrer inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº 2, CC., com base em factos que não constituam o objecto do processo, ainda que porventura pudessem resultar da discussão da causa, por a tal obstar o princípio do contraditório. (M.P.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório J intentou, na 1ª secção da 8ª Vara Cível de Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, contra J e mulher, I, tendo sido admitido como interveniente principal provocado, ao abrigo disposto no artigo 31° B CPC, o Condomínio do prédio com os n.°s 29, 31 e 33 da Rua , em Lisboa, pedindo a sua condenação a pagarem--lhe a quantia de Esc. 5 100 000$00, referente a 51 meses de renda, à razão de Esc. 100 000$00 mensais, e a proceder a obras que eliminem os factores que levam a que as águas do ralo escorram para o seu prédio e se infiltrem na parede da sua loja. Alega para tanto, e em síntese, que é proprietário do prédio na Rua, em Lisboa, o qual integra uma loja, e que os RR. são proprietários de uma fracção autónoma no prédio contíguo ao seu, da qual faz parte integrante uma plataforma em cimento onde existe um ralo para escoamento de águas pluviais e de limpeza, parte das quais, por deficiência de construção ou entupimento do tubo, se infiltra na parede da sua loja. Acrescenta que levou a cabo diversas obras que não lograram eliminar as infiltrações, que provocaram o aparecimento de salitre, queda de azulejos, deteriorações na pintura e manchas provenientes da humidade, e impediram o arrendamento da loja, que esteve devoluta desde Novembro de 1995 a Fevereiro de 2000 (inclusive), só a arrendando em princípios de 2000, por Esc. 100.000$00 mensais, depois de ter procedido por diversas vezes a diversas obras, designadamente a construção de uma parede falsa com um dreno. E que, não obstante, há cerca de um mês apareceram novamente sinais de infiltrações, manchas de humidade e os azulejos voltaram a cair, o que gerou reclamação da inquilina que no local instalou um cabeleireiro. Contestaram os RR, excepcionando a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por serem comproprietários da fracção, e que, além disso, a plataforma ou empena e o ralo instalado no saguão do prédio para escoamento das águas pluviais, constituem uma parte comum do prédio, pelo que deveria o A. ter demandado todos os condóminos. Impugnaram ainda os factos alegados pelo A., dizendo que, caso houvesse infiltrações, também a fracção "A" do prédio de que os RR. são condóminos teria problemas de infiltrações, o que não sucede; e que se a loja do A. sofre de infiltrações, tal facto tem origem nas obras defeituosas por si mandadas efectuar, na medida em que foi escavado o local junto à parede confinante com o prédio de que os RR. são condóminos, levando ao estreitamento das paredes. Na sequência de requerimento do A., foi admitida a intervenção principal de J e mulher, A, comproprietários, e dos condóminos L, S. A., M, R, M e C. A chamada L, S.A., contestou, invocando a sua ilegitimidade por ter cedido o gozo da fracção de que é proprietária, por contrato de locação financeira, a L, o único e exclusivo utilizador da referida fracção, por ser ele que, nos termos da lei, exerce os direitos do locador, comparecendo nas reuniões de condomínio e tratando directamente com a administração de todas as questões do condomínio A requerimento da chamada foi deferida a intervenção acessória provocada de L, que apresentou articulado dizendo que é o utilizador da fracção e que intervirá na qualidade de assistente. Os chamados J e mulher, A, excepcionaram a sua ilegitimidade por terem entretanto vendido as suas quotas aos RR. J e mulher, I. A chamada M disse ter adquirido a fracção, em 22 de Dezembro de 1999, a V e L, e que a 18 de Maio de 2001 a vendeu a F. Foi admitida a intervenção principal provocada de V, L e F, a pedido do A.. A chamada F contestou invocando a prescrição. O chamado R contestou alegando ter adquirido a fracção a 05 de Fevereiro de 2001 e desconhecer os factos alegados pelo A.. M, admitida a intervir na sequência de requerimento do A., por ser a anterior proprietária, invocou a prescrição. Foi proferido despacho saneador (fls. 494-501) que julgou os RR. e o Condomínio do prédio com os n.°s 20, 31 e 33 da Rua , em Lisboa, devidamente representado pelos condóminos, partes legítimas, e improcedente a excepção de prescrição, fixando-se ainda factos matéria de facto relevante. Requereu o A. a ampliação do pedido, pedindo que os RR. fossem condenados a realizar as obras de reparação na loja de que é proprietário, ampliação que não foi admitida por despacho de fls. 656-57. Agravou o A. deste despacho, concluindo que, para que a ampliação do pedido seja possível, basta que a ampliação seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, não sendo necessário qualquer outro requisito, designadamente que o pedido novo pedido não pudesse ter sido deduzido na petição inicial. O despacho recorrido foi sustentado a fls. 772. Após a realização de perícia, realizou-se o julgamento, com gravação da audiência, em que foi aditado um artigo à base instrutória, sob o nº 15. Foi proferida sentença julgando improcedente a acção. Inconformado, recorreu o A., apresentado alegações com as seguintes conclusões: « A. O A. pretende obter deste tribunal de recurso uma reapreciação da prova, alicerçada primeiramente na ponderação do próprio relatório pericial, na ponderação da prova testemunhal e no recurso a presunções judiciais. B. Da prova pericial resulta que é possível e normal terem existido infiltrações no prédio do A. provindas deste terraço do prédios dos RR, que tais infiltrações podem muito bem ter ocorrido em virtude desse terraço ser a céu aberto (tipo saguão) com escorrência de águas pluviais através de um ralo. C. Do relatório decorre que não foi possível detectar os vestígios das infiltrações por terem existido "obras de conservação no terraço", sendo que tais obras tiveram por efeito apagar os vestígios de quaisquer infiltrações havidas. D. Resulta da experiência comum e do depoimento oral do perito que um terraço a céu aberto, que serve de cobertura a uma loja, onde existe um ralo de escoamento de águas e instalações sanitárias com respectiva canalização... por princípio, ao fim de algum tempo, provoca infiltrações no andar de baixo. É anormal que assim não seja. E. Nos termos do artigo 349° do CC, o Tribunal recorrido deveria ter considerado a existência de um presunção: as águas infiltradas na propriedade do A. tiveram origem neste terraço. F. Para o perito, as infiltrações de um terraço como este decorrem naturalmente. E de forma evidente. G. Além disso ficou provado que na loja do A. foi realizada "uma parede, tipo pladur, que terá encoberto as eventuais anomalias que a parede meeira, entre os dois imóveis, do lado da loja 27, apresentava.", isto é, "a parede foi realizada para encobrir qualquer coisa": as infiltrações. H. Resulta provado que o terraço dos RR foi reparado na sua função primeira de isolamento. Uma tela nova como revestimento, com rebordo a subir os muretes por forma a evitar infiltrações. I. Do facto de terem existido obras de isolamento do terraço, decorre naturalmente, por presunção judicial, que antes dessas obras existiam infiltrações. J. Parece por demais evidente ao A. que a matéria de facto daqueles quesitos 1 a 3° deveria poderia ser considerada provada, à luz do entendimento do que resulta da experiência comum. L. Ainda que assim não fosse, a verdade é que os RR impediram, por sua acção, que hoje se verificasse a existência de infiltrações, o seu efeito, ou a sua cessação. Ao determinarem as acções dos RR uma dificuldade intransponível de prova pericial, naturalmente fazem inverter o ónus da prova. M. Existe inversão do ónus da prova sempre que a contra-parte culposamente tenha tornado impossível a prova ao onerado, pelo que violou a sentença recorrida o disposto no artigo 344° do CC. N. Existe, aliás, um relatório de 1998 que dá conta de infiltrações, com salitre, queda de azulejos, deteriorações diversas na pintura e azulejos. E que dá conta de que é o sistema de evacuação das águas do saguão que está na origem das referidas patologias. O. A prova testemunhal confirma igualmente os factos que são fundamento do pedido. Em função da prova produzida, do recurso às presunções judiciais e, em qualquer caso, por cominação da inversão dos ónus da prova, a matéria dos artigos 1 a 6° da Base Instrutória deve ser considerada provada. P. Por outro lado, também por recurso à mesma prova testemunhal, mormente o depoimento das três testemunhas referidas, por elas foi amplamente confirmado que a causa do encerramento da loja entre 1995 e 2000 eram as infiltrações provindas do terraço do prédio dos RR. Que o A. fez obras que incluíram a realização de uma parede falsa para tapar as infiltrações. Que incluíram também um dreno. Que o perito em 2006 diz que não pode ver por estar tapado com a tal parede, sendo necessário demolir a parede para verificar se o dreno lá está....Que o A. deu de arrendamento a loja após gastar dinheiro nestas obras de parede falsa + dreno. Se só então o A. arrendou o locado por só então o mesmo poder (fisicamente) se arrendado. Q. A sentença recorrida desconsiderou a muita informação que o perito deu, o que as testemunhas disseram, aliás amplamente confirmado pela prova testemunhal, e recusou realizar presunções judiciais. Este tribunal de recurso, pode e deve fazê-las, tendo existido violação do disposto no artigo 349° e 351° do CC. R. Segundo resulta da prova pericial seria anormal que este terraço não metesse água. Pela sua configuração antiga, hoje impensável. É conhecimento deste tribunal que os terraços a céu aberto... mormente os centenários (!) metem água. S. Houve obras no terraço. O terraço, segundo o perito, "goza também da colocação de uma tela que por sinal até me pareceu bem implantada, formando meia cana, junto das paredes periféricas, facto que mostra um certo cuidado" T. Da posição assumida pelo tribunal a quo quanto à recusa de deitar mão das presunções judiciárias decorre um resultado injusto e não querido pela lei: como após a realização das obras no terraço passou a ser impossível provar que as infiltrações vinham dali, o A. , segundo o tribunal a quo, passou a ter uma prova impossível. U. Ora, este resultado não só é injusto e imoral, por constituir um flagrante caso de denegação de justiça, como é ilegal. Sempre que a prova se torna difícil, ou praticamente impossível, por facto alheio, e mormente quando essa dificuldade ou impossibilidade decorre de acções... dos RR, manifestamente há inversão do ónus da prova! V. As regras da repartição do ónus da prova, mormente a interpretação das suas normas, não podem ter um resultado injusto. X. Por outro lado, existe também uma presunção de culpa dos RR. que a decisão recorrida não reconheceu, uma vez que a estrutura arquitectónica em causa – terraço – desrespeita regras técnicas de construção actuais, o que determina uma presunção de culpa. Z. Resulta provado o dano e o nexo de causalidade. AA. Ainda que assim não fosse, existe abuso de direito. Realizar obras num terraço em seu benefício e, depois, prevalecer-se desse facto, para impossibilitar a prova da contra-parte de que seria por ali, e não por outro lado, que provinham as infiltrações, constitui abuso de direito. AB. Exigir à contra-parte que prove que as infiltrações provinham dali, e não de outro lado, quando já não é possível essa observação do terraço é manifestamente aproveitar-se de facto próprio. O que torna o direito dos RR de exigirem essa contraprova o exercício ilegítimo de um direito por abuso de direito. AC. A sentença recorrida viola ainda o disposto no artigo 563° do CC. AD. Devem os quesitos 1° a 9° ser considerados totalmente provados.» Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção do decidido e pedindo a condenação do A. como litigante de má fé. 2. Fundamentos de facto É a seguinte a matéria de facto provada na 1ª instância: 2.1. Na Rua , em Lisboa, existem dois prédios: - um com os n.s° de policia 23, 25 e 27; - outro com os n.°s de policia 29,31 e 33 (alínea A) dos factos assentes). 2.2. O prédio com os n.°s de policia 23 a 27 está descrito na CRP de Lisboa sob o n.°. (certidão da 8ª CRP de Lisboa junta a fls. 719). 2.3. Pela apresentação foi inscrita a aquisição por sucessão, do referido prédio a favor de J casado com I no regime da comunhão geral (certidão da CRP de Lisboa junta a fls. 719). 2.4. O prédio com os n.°s de policia 29, 31 e 33 está descrito na CRP de Lisboa sob o n.° e está constituído no regime de propriedade horizontal, sendo constituído pelas fracções "A" a "F", correspondendo a fracção "A" ao r/c e destinando-se a estabelecimento, a fracção "B" ao 1° andar e as restantes fracções aos restantes andares. (alínea B) dos factos assentes). 2.5. A fracção autónoma do referido prédio designada pela letra "B" é propriedade dos recorridos J e I. (alínea C) dos factos assentes). 2.6. Os prédios com os n.s° de policia 23, 25 e 27 e n.°s de polícia 29, 31 e 33 da Rua em Lisboa, são contíguos. (alínea D) dos factos assentes). 2.7. No prédio com os n.°s de policia 23, 25 e 27, este último corresponde a uma loja. (alínea E) dos factos assentes). 2.8. Na fracção "B" do prédio com os n.°s 29, 31 e 33 existe uma plataforma em cimento onde existe um ralo para escoamento quer das águas pluviais quer das águas das limpezas levadas a cabo na referida plataforma. (alínea F) dos factos assentes). 2.9. O piso da loja com o n.° 27 situa-se numa cota inferior em 2 m, relativamente ao piso da plataforma. (alínea G) dos factos assentes). 2.10.A loja com o n.° 27 esteve fechada desde data não concretamente apurada de 1995 até Fevereiro de 2000. (resposta ao artigo 7° da base instrutória). 2.11. Em 2000 o A. deu a loja com o n.° 27 de arrendamento por 100 000$00 (resposta ao artigo 9° da base instrutória). 2.12. Em data não concretamente apurada, mas posteriormente ao arrendamento que teve início em Março de 2000, aparecerem manchas de humidade na loja com o n.° 27. (resposta ao artigo 10° da base instrutória). 2.13. 0 que gerou reclamação da inquilina que no local instalou um cabeleireiro (resposta ao artigo 11° da base instrutória). 2.14. A parede da loja com o n.° 27 confinante com o prédio com os n.s° 29, 31 e 33 foi escavada, apresentando troços "reentrantes " para o interior, com uma profundidade aproximada de 15 cm. (resposta aos artigos 12° e 13° da base instrutória). 2.15. A plataforma referida em F) é utilizada exclusivamente pela fracção "B". 3. Do conhecimento do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 690º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: - relativamente ao agravo: saber se a ampliação do pedido, em momento posterior à réplica, é admissível quando tal pedido já pudesse ter sido formulado na petição inicial; - relativamente à apelação: a) reapreciação da matéria de facto, atendendo à prova pericial, ao recurso às presunções judiciais, à inversão do ónus da prova, por os recorridos terem inviabilizado a prova ao realizarem obras no terraço, e presunção de culpa que impende sobre os recorridos; b) abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium, em consequência das alegadas obras no terraço; c) pedido de condenação do recorrente como litigante de má fé. Por força do disposto no artigo 710º, nº1, CPC, conheceremos do agravo em 1º lugar. 3.1. Do agravo O objecto do agravo consiste em saber se saber se a ampliação do pedido, em momento posterior à réplica, é admissível quando tal pedido já pudesse ter sido formulado na petição inicial. Recorde-se que, com fundamento em infiltrações na loja de que é proprietário, por alegada deficiência de construção ou entupimento do tubo do ralo de escoamento situado no terraço integrado na fracção dos recorridos, pede o recorrente a condenação daqueles a procederem a obras que eliminem os factores que levam a que as águas do ralo escorram para o seu prédio e se infiltrem na parede da loja, e ainda o pagamento de uma indemnização correspondente ao prejuízo decorrente da impossibilidade de arrendamento da loja, devido às infiltrações, pelo período de 51 meses. O Mmº Juiz a quo indeferiu a pretensão de ampliação do pedido no sentido de abranger a condenação dos recorridos a realizarem obras de reparação na loja em causa, com fundamento em que tal pedido «não constitui desenvolvimento do pedido inicialmente formulado, pois já poderia ter sido formulado aquando do pedido inicial, ou seja, não só não estava contido no pedido inicial, como já se verificavam os factos que permitiam deduzi-lo, não sendo de verificação posterior os respectivos pressupostos». O princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 268º CPC, postula que, citado o R., a instância deve manter-se inalterada quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as situações excepcionais em que é consentida a modificação subjectiva e objectiva da instância. Na falta de acordo, ultrapassado o momento da réplica, o pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, desde que seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo 273º, nº 2, CPC). Conforme refere Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. III, pg. 92, são dois os limites que se põem à ampliação: um limite de tempo e um limite de qualidade ou nexo. O limite temporal não está em causa no recurso. Vejamos então o limite de qualidade ou nexo, segundo o mesmo autor, loc. cit., pg. 93: «A ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial. Exemplo característico: pediu-se, em acção de reivindicação a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos, produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. Outro exemplo: pediu-se a restituição de posse de um prédio; pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados pelo esbulho. Num e noutro caso a ampliação é consequência do pedido primitivo. Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento deles.» Para Castro Mendes, Direito Processual Civil, AAFDL, vol. II, pg. 345-7, os exemplos apresentados por Alberto dos Reis são, em rigor, hipóteses de cumulação de pedidos, já que ampliação no sentido rigoroso do termo haveria no caso de se pedir uma indemnização de 100 contos a título de indemnização por certo acto danoso, o qual posteriormente origina novo dano, no valor de 20 contos, passando o pedido a ser ampliado para 120 contos. No entanto, e porque à cumulação se aplicam por analogia as regras da alteração do pedido previstas no artigo 273º CPC por inexistência de regras específicas (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lex, pg. 156), a distinção não assume relevo prático. Importante, sublinha Castro Mendes, op. cit., pg. 347, «é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir senão totalmente idênticas, pelo menos integrantes do mesmo complexo de facto». Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pg. 128-9, nota 30, apresenta, como exemplo de desenvolvimento do pedido primitivo, o pedido de condenação em juros face a um pedido de condenação no capital, e de consequência do pedido de anulação da compra a venda o pedido de cancelamento do registo, realçando que a ampliação pode envolver a formulação de um pedido diverso, em cumulação sucessiva com o inicial, sendo certo que se envolver a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se forem supervenientes, e obedecerem ao previsto no artigo 506º CPC. Este entendimento tem sido acolhido por outros autores, como se depreende pelos exemplos que apresentam: Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 343 (pedido dos frutos percebidos e percebiendos quando inicialmente se pediu a restituição de um imóvel; pedido de publicação da sentença, à custa do réu em dois jornais relativamente a um pedido inicial de declaração de inexistência de facto ofensivo do bem nome propalado pelo réu); Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 2ª edição, I vol., pg. 105 (pedido de indemnização relativamente a actos ofensivos da posse, pedido de juros de mora relativamente ao capital em dívida e que fora peticionado). Na jurisprudência destacamos o acórdão da Relação de Lisboa, de 00.05.30, Adriano Morais, CJ, 00, III, 105, reportado a um pedido de cancelamento de registo sobre um prédio, sendo o pedido inicial o de anulação de uma doação desse prédio. Em síntese: a ampliação do pedido (nesse conceito se incluindo a cumulação objectiva sucessiva) é possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância, desde que seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ainda que tal pedido pudesse ter sido deduzido na petição inicial, não estando, pois, dependente da impossibilidade da dedução do novo pedido na petição inicial. Esta solução é a que é mais consentânea com o princípio da economia processual, pois permite a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova acção, com inerentes custos e demoras. No caso vertente, o pedido de condenação dos recorridos a realizarem as obras de reparação na loja é consequência do pedido proceder a obras que eliminem os factores que levam a que as águas do ralo escorram para o seu prédio e se infiltrem na parede da sua loja. Embora proceda o fundamento do agravo, o mesmo não pode ser provido, atento o disposto no nº 2, do artigo 710º CPC: os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa, ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante. No caso vertente, porque apenas estava em causa a ampliação do pedido, a infracção cometida apenas teria relevância na hipótese de se concluir pela responsabilização dos recorridos; improcedendo a apelação é de negar provimento ao agravo. A vertente das custas não releva para o efeito, uma vez que o recorrente apenas não teria de suportá-las se o agravo fosse provido (cfr. acórdão do STJ, de 96.04.16, Martins da Costa, BMJ 456º/314-5, que seguimos de perto). 3.2. Da apelação 3.2.1. Reapreciação da matéria de facto, atendendo à prova pericial, ao recurso às presunções judiciais e à inversão do ónus da prova, por os recorridos terem inviabilizado a prova ao realizarem obras no terraço e a presunção de culpa que impende sobre os recorridos Tendo a audiência sido gravada, é lícito a este Tribunal reapreciar a matéria de facto, nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), 2ª parte, CPC.. A) Da alteração à resposta à matéria dos artigos 1º a 3º da base instrutória, relativa às alegadas infiltrações na loja do recorrente, com base nas regras de experiência comum, a partir do relatório pericial. É o seguinte o teor desses artigos: «1º Parte das águas, quer pluviais, quer resultantes das limpezas levadas a cabo na plataforma existente ao nível da fracção “B”, infiltram-se na parede da loja com o nº 27? 2º Devido a deficiência de construção ou entupimento do tubo? 3º Em consequência de tais infiltrações: -apareceu salitre nas paredes; -os azulejos caíram; -a pintura deteriorou-se; -e apareceram manchas de humidade ? » Estes três artigos mereceram resposta negativa, com exaustiva fundamentação a fls. 1060-5, em que o Mmº Juiz a quo dissecou o relatório pericial, o «parecer técnico» junto pelo recorrente a fls. 1043-8, a prova testemunhal e o resultado da inspecção ao local realizada. O recorrente entende que a prova pericial, conjugada com as regras de experiência comum, impõe resposta afirmativa aos artigos 1º a 3º da base instrutória. O Sr. Perito começa por constatar existir uma interligação física entre os dois prédios, para que se possa perceber a qual a influência que estes prédios podem exercer reciprocamente na perspectiva de causar incómodos e de pôr em causa a sua conservação. Considera o Sr. Perito relevante saber-se que os dois prédios (o do recorrente e o dos recorridos) apenas são contíguos ao nível da loja do recorrente, pois à cota do primeiro andar atrás referido (ou seja, do tecto da loja), verifica-se a separação entre os dois prédios, com perda de área, relativamente ao rés-do-chão deste mesmo prédio formando-se assim uma espécie de um saguão lateral, a descoberto, e que constitui a cobertura de parte do rés-do-chão do prédio 29 a 31 [prédio dos recorridos e não do recorrente, contrariamente ao afirmado pelo recorrente a fls. 2 das alegações]. Diz o Sr. Perito que, estando a área do terraço a descoberto, «é por aí seguramente que se infiltraria eventualmente a água provocando patologias no prédio contíguo. Mais precisamente na loja do prédio nº 27», referindo ainda que em tempos neste terraço existiam os sanitários daquele primeiro andar, e daí verificar-se a existência de escoamento de esgotos, hoje reduzido a um ralo apenas, ralo através do qual ainda hoje se faz o escoamento de águas pluviais e de limpeza. No entanto, o Sr. Perito não deixa de realçar que «o que se acaba de expor, apenas respeita a um cenário virtual, uma vez que os problemas eventualmente havidos em tempos, terão já cessado, dado que este terraço visitável que inspeccionei parece reunir, pelo menos por agora, todos os requisitos em ordem a não se constatarem infiltrações, derivadas de chuva ou de qualquer outra origem, para os níveis inferiores à sua cota. Esta opinião decorre de ter verificado no local como actualmente se encontra acabado o terraço que goza também da colocação de uma tela, que por sinal até me pareceu bem implantada, formando meia cana, junto das paredes periféricas facto que mostra um certo cuidado». Defende o recorrente que o Mmº Juiz a quo fez uma leitura deficiente deste relatório pericial, extraindo dele apenas aquilo que resulta de uma leitura imediata: como no momento o Sr. Perito não constatou a existência de infiltrações, elas não existiram. E que o relatório fornece elementos relevantes que foram desconsiderados. Vejamos: Ao quesito 1º, em que se perguntava se o prédio do recorrente sofre infiltrações de águas provindas do prédio dos RR., respondeu o Sr. Perito que na ocasião em que esta peritagem aconteceu não existem quaisquer sinais destas infiltrações, podendo até verificar-se o facto de ter havido obras de conservação no terraço. Daqui infere o recorrente a existência de infiltrações, pois, diz, se não existisse uma relação de causa-efeito entre as infiltrações e as obras o Sr. Perito não as teria referido. E que as obras realizadas no terraço tinham por efeito apagar os vestígios de quaisquer infiltrações havidas. Tanto mais que o Sr. Perito afirmou que era normal haver infiltrações nas construções daquela época, atentas as suas características, e que hoje em dia é impensável deixar um saguão a tecto livre e por onde em queda livre a água for caindo. E que parecia evidente que a terem existido infiltrações, elas decorreriam naturalmente das águas da chuva e de limpeza do terraço. Entende o recorrente que, face a estes dados, o tribunal deveria ter considerado a existência de uma presunção, nos termos do artigo 349º CC, nos temos seguintes: «Factos conhecidos: • Este terraço (estes terraços) normalmente mete água. • Hoje em dia é impensável deixar um saguão a tecto livre e por onde, em queda livre, a água for caindo". • Era normal que este terraço metesse água. • “Estando esta área a descoberto, é por aí seguramente que se infiltraria eventualmente a água, provocando patologias no prédio contíguo"» Destes «factos» conhecidos pretende o recorrente firmar um facto desconhecido: as águas infiltradas na propriedade do recorrente terão origem neste terraço. Invoca ainda, em abono da sua pretensão, ter o Sr. Perito constatado a existência de uma parede falsa na loja do recorrente, destinada a encobrir eventuais anomalias que a parede meeira apresentava. Finalmente, da circunstância de o Sr. Perito ter afirmado terem sido efectuadas obras destinadas a dotar o terraço de um isolamento, decorre para o recorrente que antes dessas obras existiam infiltrações para a loja situada por baixo. A prova por presunção encontra-se regulada nos artigos 349º e ss. CC. Nos termos do artigo 349º CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, esclarecendo o artigo 351º CC que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova pericial. Integram a estrutura jurídica da presunção a base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, ou seja, provados através de outros meios de prova; a actividade lógico-experencial de indução, que os tem por objecto; e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais (acórdão do STJ, de 04.03.25, Lucas Coelho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03B4354). Alerta este acórdão para a necessidade imperativa de que a base da presunção esteja provada, que os factos dela integradores sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas devem proporcionar, concluindo que se trata de uma exigência garantística elementar, sem a qual a actividade jurisdicional se converteria em puro arbítrio. Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 03.12.16, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8877/2003-7, «As decisões judiciais não podem assentar em meras especulações, antes devem encontrar raízes na realidade objectivada por factos. Mesmo quando legitimamente se admite o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas da integração nas regras da experiência de factos instrumentais, indiciários, probatórios ou circunstanciais». Revertendo ao caso concreto, afigura-se evidente que os factos que o recorrente pretende eregir em base da presunção não estão demonstrados, assentando eles próprios numa presunção do recorrente. Dizer que estes terraços normalmente metem água e que seria normal que este terraço também metesse água para estabelecer a base da presunção é ignorar o teor da prova pericial globalmente considerada. Em primeiro lugar cumpre referir que na perícia efectuada se descortinam duas vertentes: a estanquicidade do piso do terraço e as eventuais deficiências do ralo, por defeito de construção ou entupimento do tubo. E que foi a partir desta segunda vertente que o recorrente estruturou a causa de pedir: a «deficiência de construção ou entupimento do tubo» a que se alude no artigo 2º da base instrutória reportam-se ao ralo de escoamento, como se alcança da referência feita no artigo 11º da petição inicial ao parecer de um engenheiro civil, solicitado pelo recorrente em 1998 e que foi junto a fls. 1043 ss., donde resulta que o que estaria em causa seria, com as devidas ressalvas, nas palavras do autor do relatório, uma rotura na ligação do ralo à rede de águas pluviais, ou de qualquer outro defeito de construção do sistema referido, nunca aludindo a qualquer problema de estanquicidade do piso do terraço. Passaremos a analisar a questão da apreciação da matéria de facto nos termos equacionados pelo recorrente, relegando a problemática da causa de pedir para a alínea seguinte, a propósito da inversão do ónus da prova. O Sr. Perito, falando em abstracto, afirmou efectivamente ser normal que terraços com características de construção idênticas ao dos autos sofressem infiltrações. No entanto, não deixou de referir que o terraço em causa foi objecto de uma intervenção, em data que não pôde precisar, mostrando-se convencido que, pela qualidade das obras de impermeabilização realizadas, nunca mais ali se verificariam infiltrações. Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, da realização das obras não se pode inferir a existência de infiltrações na sua loja, desde logo porque as obras não se mostram situadas no tempo, desconhecendo-se se são posteriores às alegadas infiltrações na loja do recorrente. Em segundo lugar as obras podem ser realizadas com finalidades de prevenção, nada legitimando a conclusão do recorrente de que tais obras estão relacionadas com as alegadas infiltrações da sua loja. Acresce que o Sr. Perito não constatou quaisquer indícios de terem existido infiltrações, tendo também sublinhado, nos esclarecimentos prestados em audiência, que, a terem existido infiltrações com origem no terraço em causa, mais depressa estas se manifestariam na loja do lado, que fica precisamente por baixo do terraço. Relativamente à questão de saber se o ralo, por deficiência de construção, entupimento, quebra ou qualquer outra causa poderia ser a origem das infiltrações (recorda-se que o recorrente fez assentar a causa de pedir da acção na deficiência de construção ou entupimento do ralo), o Sr. Perito disse não estar em condições de responder na medida em que os problemas, segundo tudo indica, terão desaparecido, e que seria necessário levantar o pavimento e verificar o comportamento dos diversos órgãos daquele circuito, da canalização, e do tubo de queda, para estar habilitado a responder. E remata: «É que na construção civil por vezes as razões não só são múltiplas, como também se encontram frequentemente ocultas». E em sede de esclarecimentos orais afirmou, sugestivamente, que a água é infernal – aparece nos sítios mais incríveis. Sucede com frequência que, após várias pesquisas, se conclui que a origem da infiltração é completamente diversa daquela que se prefigurava como evidente. Por outro lado, da construção da parede de paldur «para esconder qualquer coisa» não se pode inferir, sem mais, que fosse para esconder infiltrações, e que tais infiltrações fossem provenientes do terraço dos recorridos. Isto basta para demonstrar que a base da presunção não é idónea para legitimar a conclusão de que as águas alegadamente infiltradas na loja do recorrente tiveram origem no terraço dos recorridos. O recurso às presunções judiciais não permite alterar a resposta aos artigos 1º a 3º da base instrutória. B) Da alteração à resposta à matéria dos artigos 1º a 6º da base instrutória, com fundamento na inversão do ónus da prova e, no relatório pedido pelo recorrente em 1998 Segundo o recorrente, ocorre inversão do ónus da prova por os recorridos, ao efectuarem obras no terraço, terem criado uma dificuldade intransponível para a prova, destruindo as evidências das infiltrações. Assim, caberia aos recorridos provar que as infiltrações não existiram, ou que não foram ocasionadas pelo defeituoso terraço a precisar de obras. Importa retomar a questão da causa de pedir já aflorada a propósito da problemática da presunção judicial. Um dos elementos integrantes da causa de pedir complexa invocada pelo recorrente é a «deficiência de construção ou entupimento do tubo» do sistema de escoamento de águas do terraço (ralo) (cfr. artigo 2º da base instrutória), e não a eventual falta de estanquicidade do piso do terraço que estaria sanada pela realização de obras. Nunca o recorrente invocou como facto integrante da causa de pedir a falta de estanquicidade do terraço, nem fez alusão a quaisquer obras que tivessem sido levadas a efeito pelos recorridos. Pelo contrário, no artigo 3º da petição inicial, afirma o recorrente que levou a cabo várias obras de conservação, referindo no artigo 9º da mesma peça a construção de uma parede falsa com um dreno, a fim de obviar às alegadas infiltrações. São obras que o recorrente reclama terem sido feitas por si. Nessa conformidade, as obras levadas a cabo pelos recorridos não fazem parte do objecto do processo, e não podem ser consideradas para efeito de inversão do ónus da prova, desde logo por imposição do princípio do contraditório: os recorridos não tiveram oportunidade de se defender no momento próprio (contestação). Na eventualidade de o recorrente apenas ter tomado conhecimento da existência de tais obras no decurso da acção, para delas se poder prevalecer teria de apresentar articulado superveniente, nos termos do artigo 506º CPC, a que os recorridos poderiam responder nos termos do nº 4 deste artigo. Nem se argumente que o relatório pericial esteve sujeito ao contraditório, nos termos do artigo 587º CPC. Trata-se de um contraditório de natureza diferente, já que não estava em causa nenhum elemento integrante da causa de pedir relativamente ao qual os recorridos devessem apresentar defesa. Entendimento diverso equivaleria a admitir-se uma alteração encapotada da causa de pedir, com violação do direito de defesa dos recorridos Em segundo lugar, como já se referiu, as obras em causa não estão situadas no tempo, não sendo por isso possível estabelecer qualquer relação com as infiltrações alegadas pelo recorrente. Em terceiro lugar, e contrariamente ao que afirma o recorrente, as obras levadas a cabo pelos recorridos nunca poderiam destruir a evidência das infiltrações alegadamente existentes na sua loja. É o próprio recorrente que alega que construiu uma parede falsa com um dreno para ocultar as infiltrações. Acresce que não se mostram preenchidos os pressupostos de que o nº 2 do artigo 344º CC faz depender a inversão do ónus da prova. Com efeito, nos termos deste artigo, há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, pg. 185, explica: «O preceito aplica-se quando, por exemplo, o condutor do automóvel destrói, após a colisão, os indícios da sua culpa no acidente de viação, quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal, quando a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 529º) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 530º-2), quando o réu em acção de investigação de paternidade se recusa a permitir o exame do seu sangue e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade (art. 519º-2)» Abstraindo da problemática de os factos relativos à obra efectuada pelos recorridos não terem sido adequadamente trazidos aos autos (e, consequentemente, não ter sido alegada culpa dos recorridos), sempre se dirá que os recorridos são livres de fazer as obras que entenderem na sua propriedade, como, aliás, reconhece o recorrente. A este propósito afigura-se pertinente transcrever as palavras do recorrente: «O A. não diz nem afirma que os RR. fizeram as obras para esconder as infiltrações. Eles fizeram as obras para acabar com as infiltrações. Mas esse acto teve uma consequência em termos de prova. Ora, precisamente, trata-se de situação em que a prova temporal deixou de ser possível por efeito da acção dos RR. e que aproveitou aos RR..». É o próprio recorrente que diz que as obras não foram feitas para esconder as infiltrações. Aliás, não está sequer demonstrado que os recorridos tivessem conhecimento das alegadas infiltrações: nada foi alegado quanto a eventuais interpelações aos recorridos, sendo certo que as alegadas infiltrações se estenderam por mais de quatro anos, segundo alega o recorrente. Não estando demonstrada culpa dos recorridos, nunca seria legítima a inversão do ónus da prova. Refira-se ainda que, como tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência maioritárias, a excessiva dificuldade de prova não leva à alteração das regras gerais do ónus da prova. Segundo Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 203, «O mais que podem é tornar aconselhável a máxima “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”». Na jurisprudência destacamos os acórdãos do STJ, de 08.09.23, Serra Batista, e de 06.07.06, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B2475 e 06A1756, respectivamente. Finalmente, o «parecer técnico» de 1998, e que se encontra junto a fls. 1043-8, assume pouca relevância probatória, uma vez que se trata de um relatório elaborado por um engenheiro, a pedido do recorrente, à margem do processo, não constituindo uma verdadeira prova pericial (sujeita ao contraditório – artigo 578º, nº 1, CPC), nem consubstanciando uma produção antecipada de prova, nos termos do artigo 520º CPC (a qual implicaria o direito ao contraditório – artigo 521º, nº 2, CPC). Estes elementos não permitem alterar as respostas aos artigos 1º a 6º da base instrutória. C) Alteração dos artigos 1º a 9º da petição inicial com base na prova testemunhal O recorrente faz ainda apelo a prova testemunhal, defendendo uma resposta afirmativa aos artigos 1º a 9º da base instrutória, através dos depoimentos das testemunhas M, I e I. O Mmº Juiz a quo, não se tendo poupado a esforços no apuramento dos factos, respondeu de forma criteriosa à matéria de facto, individualizando a resposta a cada um dos artigos da base instrutória e expondo o raciocínio que conduziu às respostas, por forma que não merece censura. Com efeito, o depoimento destas testemunhas tem de ser articulado com a demais prova apresentada, designadamente a prova pericial, a prova documental e o depoimento de parte do recorrente e a inspecção ao local. O depoimento de I não foi admitido, por despacho exarado a fls. 1037, transitado em julgado. E o depoimento das duas restantes testemunhas não são de molde a alterar as respostas da 1ª instância. Relativamente à problemática das infiltrações, a que se reporta a matéria dos artigos 1º a 3º da base instrutória, reitera-se o que foi dito supra, realçando que, nesta matéria, atenta a sua especificidade técnica, a prova pericial assume especial relevo. A circunstância de a testemunha M, cabeleireira que foi arrendatária da loja em causa entre 1999 e 2005, ter dito que pensava que a origem das infiltrações era a caleira do saguão, não permite uma resposta afirmativa aos artigos 1º e 2º da base instrutória, como se afigura evidente: trata--se de mera opinião. Tanto mais que tais factos ocorreram antes de ter arrendado a loja, que já estava arranjada quando dela tomou posse. E a resposta negativa aos artigos 1º e 2º da base instrutória acarreta necessariamente a resposta negativa ao artigo 3º, já que o que aí está em causa não são apenas os danos, mas a causalidade entre estes e a alegada infiltração devido a alegada deficiência do ralo. Relativamente à queda de azulejos, a testemunha associou-a à trepidação causada pelas obras num prédio em frente. Por outro lado, esta testemunha referiu que «aquilo» (a loja) sempre teve problemas, que pintavam, mas havia sempre, sempre, muita humidade, o que contraria o que foi alegado pelo recorrente, de que entre Fevereiro de 2000 e Fevereiro de 2001 não se verificaram problemas (cfr. matéria dos artigos 7º a 9º da base instrutória). No que à matéria do artigo 4º da base instrutória concerne, como muito bem refere o Mmº Juiz a quo, as obras em causa são anteriores a 1995, e esta testemunha apenas toma contacto com os factos em 1999, na altura do arrendamento. Daí que não tenha conhecimento da matéria dos artigos 4º a 7º da base instrutória. Relativamente ao artigo 6º da base instrutória, o recorrente, em depoimento de parte, a instâncias do Mmº Juiz a quo, esclareceu que a loja não foi colocada no mercado de arrendamento porque ninguém a arrendaria naquele estado. Finalmente, no que respeita à matéria dos artigos 8º e 9º da base instrutória, esta testemunha nada sabia das obras aí referidas, já que, segundo referiu, quando entrou para a loja em causa as obras já estavam feitas e não foram feitas quaisquer obras enquanto lá esteve. O Sr. Perito referiu efectivamente a existência de uma parede falsa, tipo pladur, na loja do recorrente, mas não pôde dizer quando foi construída, nem se pronunciar sobre a existência ou não de um dreno, pois para o efeito seria necessário demolir a parede (cfr. resposta ao quesito 6º da prova pericial). O depoimento da testemunha Ida é irrelevante, pois o seu conhecimento, aliás limitado, advém-lhe daquilo que lhe foi dito pelo recorrente, de quem é amiga («conversa de amigos»), nunca tendo entrado no prédio em causa. O depoimento destas testemunhas não permite, pois, pôr em crise a resposta à matéria de facto. D) Da presunção de culpa Defende o recorrente impender sobre os recorridos uma presunção de culpa por o terraço não respeitar as regras técnicas de construção actuais, embora pudesse obedecer às regras técnicas vigentes à data da construção. Na responsabilidade extra-contratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão salvo havendo presunção legal de culpa (artigo 487º, nº 1, CC), pois quem tem a seu favor presunção legal não necessita de provar os factos a que ela conduz (artigo 350º, nº 1, CC). Não indica o recorrente qual o normativo legal em que faz radicar a presunção de culpa, admitindo-se que esteja a fazer apelo a uma presunção judicial, atendendo ao exemplo que apresenta, colhido no direito rodoviário. Com efeito, o recorrente apela à jurisprudência corrente dos tribunais superiores que da violação das regras do Código da Estrada deduz a culpa do condutor, recorrendo os juízos de normalidade. Partindo de uma afirmação do Sr. Perito de que hoje seria impensável deixar um saguão a tecto livre e por onde a água vai caindo, entende o recorrente dever presumir-se culpa dos recorridos. Sem razão, porém. Para além de não estarem identificadas as concretas regras que terão sido violadas, não se pode fazer impender sobre os RR. uma presunção de culpa apenas porque as regras técnicas de construção sofreram uma evolução significativa nos últimos 100 anos, sendo certo que o Sr. Perito referiu que as obras de impermeabilização estavam bem executadas e que estava convencido que aquele terraço não estaria mais na origem de infiltrações (a terem existido, como sublinhou o Sr. Perito). Acresce que, importa sublinhar, a presunção de culpa, quando existe, incide apenas sobre um dos elementos da responsabilidade civil - a culpa –, cabendo ao autor a prova dos demais: o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (cfr. artigo 483º CC). Também esta pretensão está votada ao insucesso. E) Do abuso de direito O abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, consubstanciar-se-ia na alegada circunstância de os recorridos terem realizado obras no terraço, em seu benefício, e depois prevalecerem-se desse facto para impossibilitar a prova à contra-parte de que seria por ali e não por outro lado que provinham as infiltrações. Remetemos para tudo quanto foi dito supra acerca da inversão do ónus da prova, realçando apenas que as obras em causa não fazem parte do objecto deste processo. O recurso improcede também nesta vertente. F) Da litigância de má fé Nas contra-alegações, pediram os recorridos a condenação do recorrente como litigante de má fé, em indemnização a seu favor, por fazer uso manifestamente reprovável do instituto do recurso, ao subverter o sentido da prova produzida. O Tribunal não acolheu a interpretação que o recorrente fez da prova. Daqui, porém, não resulta que a conduta do recorrente seja passível de um juízo de censura que legitime a sua condenação como litigante de má fé, «sob pena de se coarctar o legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadram, por mais minoritárias (em termos jurisprudenciais) ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas», para utilizar as palavras do acórdão do STJ, . de 03.02.27, Fernando Girão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 02B4016. (cfr. ainda acórdão do STJ, de 02.02.28, Victor Mesquita, www.dgsi.pt.jstj, proc. 01S4429). No mesmo sentido o acórdão da Relação de Lisboa, de 04.05.27, Fátima Galante, www.dgsi,pt.jtrl, proc. 3304/2004-6, onde se afirma que «Não litiga de má fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que não a tenha». Não se justifica, pois, a condenação do recorrente como litigante de má fé. * Não tendo a matéria de facto sido objecto de alteração, a decisão não poderia ser outra senão a improcedência da acção, nos termos do artigo 342º, nº 1, CC.. O ónus da prova, na lição de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 197, «traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto, trazido ou não pela parte». Por essa razão, não se pode falar, como faz o recorrente, em denegação de justiça. 4. Decisão Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo e julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Lisboa, 08.11.20 Márcia Portela Maria Manuela Gomes Olindo dos Santos Geraldes |