Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA VALOR DA CAUSA NULIDADE DA DECISÃO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/12/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. O critério constante do artigo 307º, nº 1, CPC, relativo ao valor da causa nas acções de despejo, é aplicável às causas em que se discuta a existência ou validade de um contrato de arrendamento. 2. A circunstância de o senhorio, na sequência de lhe ter sido comunicada a cessão de exploração do estabelecimento, comunicar ao cessionário que se encontra pendente uma acção de despejo relativamente ao locado, não equivale ao reconhecimento da qualidade de arrendatário ao cessionário. 3. O locatário do estabelecimento não é sublocatário por que o gozo do imóvel só é transmitido enquanto elemento do estabelecimento, e não enquanto direito autónomo. 4. Não se justifica a condenação como litigante de má-fé da parte que defenda um enquadramento jurídico distinto do que foi acolhido pelo tribunal. (M.P.) | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório T Ldª, instaurou procedimento cautelar não especificado, contra P e outros, pedindo: a) seja julgada a possibilidade séria da existência do direito ao arrendamento da requerente a permanecer na loja n°, Lisboa, para além de 31 de Maio de 2008; b) seja julgado demonstrado o fundado receio da requerente de que a atitude que denuncia e imputa aos requeridos cause a esse direito lesão grave e dificilmente reparável; c) sejam os requeridos intimados a absterem-se de qualquer conduta que possa pôr em causa ou afectar a normal fruição da loja acima identificada pela requerente, tendo em conta o fim a que se destina; d) seja proferido despacho, com o de citação, em que os requeridos sejam notificados para, até apreciação por decisão judicial do objecto e do pedido do presente procedimento cautelar e para que o mesmo mantenha toda a sua utilidade, se abstenham de praticar quaisquer actos, designadamente de acção directa, visando o encerramento compulsivo da loja utilizada pela requerente e, em concreto, a partir de 09 de Maio de 2008. Alegou, para tanto e em síntese, que: - Em 1 de Novembro de 2005 foi celebrado entre a requerente e a sociedade C, Ldª, um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, que teve por objecto a loja de que foi arrendatária, sita na Av., concelho de Lisboa; - O contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, tendo início em 2005.11.01, e podendo ser automaticamente prorrogado por iguais períodos de tempo, sendo a renda acordada de € 1.000,00 acrescidos de IVA nos primeiros três meses de duração do contrato e, a partir do quarto mês, € 1.500,00 acrescidos de IVA, ou seja, a renda acordada e actualmente em vigor ascende a € 1.815,00; - A cessão acima referida foi comunicada aos senhorios, ora requeridos, porquanto, em 2005.12.10, a ora requerente recebeu uma comunicação escrita dos requeridos a ela dirigida com a informação de que contra a C, Ldª, impendia uma acção de despejo, por falta de ocupação da loja por período superior a um ano; - Esta acção de despejo não veio a ser julgada procedente, por qualquer facto relativo à celebração de acordo entre as partes; - Em 2007.08.10, o então legal representante da C, Ldª, e outros, expressamente comunicou à requerente a sua intenção de renovar o contrato, nada tendo dito ou escrito em sentido contrário; - O referido legal representante faleceu em Cabo Verde, em 2007.10.10, passando a assumir tal posição, sua mulher e sócia da C, Ldª, C; - Não obstante e nessa sequência, em reunião com a legal representante da arrendatária C Ldª, e a pedido desta, ocorrida entre 18 e 19 de Outubro de 2007, confirmou a mesma a manutenção do contrato de cessão; - Foi a requerente notificada de que, unilateralmente e sem seu conhecimento, a C Ldª, na pessoa da sua legal representante, rescindira, perante os requeridos, o contrato de arrendamento da loja em causa; - Embora em condições normais, a rescisão do contrato de arrendamento implicaria também o termo do subarrendamento, conforme dispõe o acordo de cessação de contrato de arrendamento junto sob documento n.° 3, na sua cláusula 2ª, as rendas derivadas do contrato de cessão de exploração passariam a ser pagas aos senhorios e ora requeridos até 31 de Maio de 2008; - Na sequência da notificação, a requerente procedeu ao pagamento das rendas dos meses de Março, de Abril e de Maio de 2008, requerendo a passagem de recibo destes pagamentos; - O que veio a suceder, sem qualquer menção limitativa às cláusulas ou aos prazos do acordo de rescisão; - Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 1090° do Código Civil, "se o senhorio receber alguma renda do subarrendatário e lhe passar recibo depois da extinção do arrendamento, é o subarrendatário havido como arrendatário directo"; - Após terem sido notificados da manifestação de interesse da requerente em permanecer no locado, propondo-se a celebrar um contrato de arrendamento totalmente novo e independente do contrato celebrado anteriormente com a sociedade C, Ldª, os requeridos não se mostraram predispostos a celebrar este contrato, tendo manifestado a sua vontade em selar as instalações onde a requerente labora, não lhe permitindo mais exercer a sua actividade comercial; - A requerente investiu no locado milhares de euros, tendo angariado, desde o início do contrato de cessão e até ao presente, muita clientela, que constituiu o suporte económico da sua actividade comercial; - A requerente recusa-se a entregar o locado, por entender que a isso não está obrigada, nos termos da lei, mas tão só a continuar a pagar a contraprestação – renda – a que está obrigada pela ocupação do locado, mantendo o valor que já pagava como subarrendatária reconhecida. A Mmª Juiz a quo indeferiu liminarmente o procedimento cautelar com fundamento na não verificação da probabilidade séria da existência do direito de que o requerente se arroga titular, e não terem sido alegados factos que configurem lesão grave e dificilmente reparável desse direito. Inconformada apelou a requerente, apresentando alegações com as seguintes conclusões: «1. Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de apelação com prazo reduzido interposto da sentença que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar comum, interposto pela Recorrente, com fundamento de que não se encontravam preenchidos quaisquer dos requisitos estabelecidos no artigo 381º do CPC e com o que a Recorrente se não pode conformar. II. São requisitos da propositura do procedimento cautelar comum: a) a provável existência do direito já constituído; b) a existência de lesões previsíveis de gravidade assinalável; c) justificação do receio de que essa lesões tenham lugar. III. Para além de claro erro material constante de fls. 47 quanto ao montante da renda em que em vez de € 1.275,00 a sentença refere unicamente € 275,00 e que tem clara influência na decisão recorrida, o certo é que tal sentença recorrida atribui como única causa de pedir do presente procedimento a emissão de declaração pelos Recorridos que se traduz num efectivo recibo, em que aqueles declaram terem recebido da Recorrente a quantia de € 1.275,00 pela renda da loja de sua propriedade sita na Av., relativa ao mês de Março de 2008. IV. Contudo e como claramente resulta da petição do procedimento cautelar, a causa de pedir de onde emerge o pedido de reconhecimento da probabilidade séria da existência de direito ao arrendamento por parte da Recorrente a permanecer na loja supra indicada, não se limita ao mero recibo mas aos sucessivos reconhecimentos com os correspondentes efeitos jurídicos, que foram transmitidos à Recorrente pelos Recorridos durante a vigência do contrato de arrendamento e do conhecimento por estes do contrato de cessão de exploração igualmente junto aos autos. V. É que este último contrato de que os Recorridos tinham conhecimento teve por objecto a loja de que a C, Lda, era arrendatária, sita na Av., concelho de Lisboa e foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início a 01.11.2005 e termo a 30.10.2007, podendo ser automaticamente prorrogado por iguais períodos, como o foi e com a renda dele constante e que se dá por reproduzida. VI. Deste modo, quando a ora Recorrente recebeu uma comunicação escrita dos Recorridos a ela dirigida com a informação de que contra a C, Lda. impendia uma acção de despejo, por falta de ocupação da loja por período superior a um ano, essa comunicação já foi consequente a ter sido transmitida aos senhorios e aqui Recorridos a cessão acima referida, constatando-se que a mesma missiva não põe minimamente em causa em qualquer sílaba a qualidade de cessionária e de subarrendatária da Recorrente. VII. Por isso, qualquer posição dos senhorios e aqui Recorridos, tinha como pressuposto: a) O conhecimento destes do subarrendamento; b) A inexistência de qualquer exercício de direito dos mesmos face à situação jurídica da Recorrente na sobredita loja. VIII. Em consequência, o recibo emitido pelos Recorridos e junto a fls. 35, não só o foi com conhecimento desde há dois anos e meio da posição jurídica da Recorrente, como também o foi sem qualquer menção ao acordo de rescisão do contrato de arrendamento ocorrido e ainda não pela renda do arrendamento mas pela renda que a Recorrente pagava pela cessão de exploração, pelo que não podem ser consideradas as fundamentações da sentença recorrida sobre a inexistência do direito. IX. Assim, a probabilidade séria da existência do direito ao arrendamento por parte da Recorrente, tem por base não só em os Recorridos terem recebido renda do subarrendatário e de lhe passarem recibo pelo valor do subarrendamento, mas essencialmente porque essa situação decorria de um conhecimento e reconhecimento do subarrendatário como tal, continuando os Recorridos a pagar-se pelos montantes de renda e a depositar os cheques que sucessivamente lhes foram liquidados já depois da emissão do recibo de fls. 35. X. Por outro lado, sendo o estabelecimento uma universalidade cuja preservação constitui um efectivo activo e a sua destruição um efectivo prejuízo, é incompreensível para a Recorrente, com todo o devido respeito, que a sentença recorrida diga que, embora irreparável ou de difícil reparação, a lesão resultante dos Recorridos tomarem posse da loja não é grave. XI. Na verdade, a reparação que a sentença recorrida acha que é possível corresponde à reconstituição do estabelecimento noutra zona com a angariação de novos clientes de outro local, em suma, com um investimento desde o Início, perdendo, assim, a Recorrente todo o trabalho e labor que de boa fé produziu na loja que ocupa desde Novembro de 2005, data do contrato de cessão de exploração. XII. Não estando só em causa o mero investimento monetário como essencialmente a manutenção de um estabelecimento - loja de porta aberta - como a da Recorrente que se desenvolve em função do espaço que ocupa, da clientela da zona em que está instalada, da fidelização dos clientes dessa zona e, já subsidiariamente, do investimento que tudo isto obriga. XIII. É, por isso, claríssimo, que a lesão grave e de difícil reparação ou até irreparável, é a destruição de toda a universalidade do estabelecimento construído a pulso de há três anos a esta parte, o que constitui o segundo requisito do procedimento cautelar interposto. XIV. Apesar de toda esta sustentação fáctico-jurídica, os Recorridos não se mostraram predispostos a formalizar por escrito um contrato de arrendamento à Recorrente tendo antes manifestado a sua vontade em selar as instalações onde a Recorrente labora, manifestando a pretensão de tomarem posse do imóvel, não permitindo à Recorrente exercer a sua actividade comercial com uma atitude que constitui, porque actual, um justo receio de que os Recorridos por acção directa ocupem a loja e retirem a Recorrente do mesmo local, o que corresponde ao efectivo terceiro requisito do presente procedimento cautelar. XV. O reconhecimento por parte dos Recorridos durante a vigência da cessão de exploração / subarrendamento da loja da Av., traduz-se na consolidação da posição da Recorrente face aos Recorridos, que nunca se rebelaram contra o contrato de que tinham conhecimento e que confirmaram no acordo de cessação de arrendamento, em que se predispuseram a receber a renda do arrendamento da parte da Recorrente. XVI. Desta forma, quando emitiram o recibo de fls. 35 e ao fazerem-no directamente à Recorrente, após a cessação do contrato de arrendamento e por um montante diverso de renda daquele que resultava do próprio arrendamento, assumiram os Recorridos que a Recorrente passava a ter a posição de arrendatária directa, o que está em total contradição com a posição superveniente de destruição de um estabelecimento e de toda uma actividade comercial desenvolvida pela Recorrente. XVII. A sentença recorrida, desde logo, parece ter fundamentado num erro material de transcrição do recibo de fls. 35 quanto ao montante de renda paga, o que é erro essencial para a boa decisão da causa, acrescendo que, não tendo a sentença recorrida tido em conta que a causa de pedir decorria também do reconhecimento da qualidade de subarrendatário resultante da carta junta sob documento nº 2, proferiu decisão em que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, o que constituí causa de nulidade de sentença, nos termos do artigo 668º, nº 1, d) do CPC. XVIII. Sem prejuízo disso, violou a sentença recorrida os artigos 1088°, n.° 2, 1090°, n° 2 do CC e os artigos 381°, 384° e 387° do CPC, com a consequência, na violação do artigo 234°-A deste último código». Contra-alegaram os apelados, apresentando as seguintes conclusões: «• Conclui-se, face ao exposto que nunca os Recorridos reconheceram a Recorrente como Sub-arrendatária; • Conclui-se que, o facto de em meados de 2005, terem os Recorridos enviado uma carta à Recorrente a informar que corria uma acção de despejo contra a arrendatária, consubstanciou apenas um acto de boa-fé e informativo para a Recorrente se preparar para desocupar o imóvel; • Conclui-se que, face ao acordo de resolução do contrato de arrendamento entre os Recorridos e a C, comunicado, integralmente á Recorrente, as três mensalidade recebidas pelos Recorridos da Recorrente diziam respeito ao período de desocupação da loja pela Recorrente, 90 dias, do conhecimento da Recorrente, • Conclui-se que, a Recorrente pretende claramente de má-fé e abusando do direito que lhe foi conferido pelos Recorridos, transformar um período de 90 dias para desocupação da loja, num novo contrato de arrendamento, completamente ao arrepio do contrato base que deu origem a essa comunicação à Recorrente, ou seja, o contrato de resolução do contrato de arrendamento entre os Recorridos e a C; • Conclui-se que, deverá a Recorrente ser condenada como litigante de má-fé nos termos do artigo 456.° do CPC e, como tal, ser condenada em multa; • Conclui-se que, deverá manter-se integralmente a douta sentença emitida pelo Tribunal "a quo ". • Bem como, nos termos do n.° 1 do artigo 307.° do CPC, reconhecer-se que o valor máximo da presente acção, face ao facto de a Recorrente não ter solicitado qualquer indemnização, será de € 22.500,00». Respondeu a apelante, concluindo pela não verificação da litigância de má fé e pela manutenção do valor atribuído ao procedimento cautelar. Por despacho de fls. 146 a Mmª Juiz a quo entendeu não se verificar nenhuma nulidade da sentença e fixou ao procedimento cautelar o valor de € 21.780,00. 2. Fundamentos de facto São os seguintes os factos relevantes para a apreciação do recurso: 1. Em 1 de Novembro de 2005, C, Ldª, e a requerente T, Ldª, subscreveram o escrito de que existe cópia a fls. 18 e ss., intitulado «contrato de cessão de exploração» através do qual a primeira cedeu à segunda a exploração do estabelecimento comercial destinado ao comércio de equipamentos eléctricos e electrónicos, aparelhos de telecomunicações e afins, denominado C, correspondente à loja com os nºs..., de que é arrendatária. 2. Nos termos da cláusula 6ª, nº 1, o contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 01.11.2005 e termo em 30.11.2007, sendo o prazo renovável automatica e sucessivamente por iguais períodos de tempo (...). 3. Consigna-se no nº 2 da mesma cláusula que o presente contrato cessa automaticamente quando cessar o contrato de arrendamento do imóvel, não sendo devida ao cessionário qualquer indemnização, salvo se a cessação se ficar a dever a falta de pagamento da renda ao senhorio. 4. Como contrapartida da cessão de exploração foi acordado o pagamento da quantia de € 1.000,00 acrescida de IVA nos três primeiros meses, e de € 1.500,00 acrescido de IVA a partir do 4º mês. 5. Em anexo ao contrato consta um inventário das existências. 6. Mostra-se junta a fls. 29 uma carta subscrita pelo proprietário do imóvel, datada de 10 de Dezembro de 2005, do teor seguinte: «Tendo sido notificado pelo meu inquilino C, Ldª, de que vos foi cedida a exploração da loja de que sou proprietário na Av., Lisboa, venho informar-vos, para aquilo que tiverem por conveniente, que se encontra pendente contra aquela empresa uma acção de despejo». 7. Em 9 de Fevereiro de 2008, entre P, e outros, por um lado, e a C, Ldª, por outro, foi celebrado o acordo de cessação de contrato de arrendamento da loja sita na Av. em Benfica, nos termos do qual puseram termo ao contrato de arrendamento mediante o pagamento da quantia de € 65.000,00 à C, a título de benfeitorias efectuadas no locado. 8. Desse acordo consta uma cláusula (a 2ª), do teor seguinte: 1. A segunda outorgante obriga-se a comunicar, no prazo de cinco dias, à cessionária T, Ldª, a presente cessação, comunicando-lhe igualmente que, por via da mesma, cessa, na data da referida comunicação, o contrato de cessão de exploração. 2. Caso a T assim o solicite, os primeiros outorgantes aceitam ceder à T, Ldª, um prazo nunca superior a 90 dias, a fim de possibilitar a desocupação do locado, devoluto de pessoas e bens, e sua entrega. 3. Caso se verifique a situação prevista no número anterior, a T, Ldª, deverá efectuar o valor mensal correspondente a esses 90 dias directamente aos primeiros outorgantes, através de transferência bancária para o seguinte NIB (...). 9. Encontra-se a fls. 35 um recibo de renda, no valor de € 1.275,00 (€ 1.500,00 – 225,00 de retenção na fonte) relativo à renda da loja sita na Av., do mês de Março de 2008, paga pela T. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 685 A, nº 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: - valor da causa; - nulidade da sentença; - requisitos do procedimento cautelar não especificado: natureza cumulativa dos requisitos e não verificação da probabilidade séria da existência do direito; - litigância de má fé. 3.1. Do valor da causa Ao valor de € 30.000,01 apresentado pelo recorrente contrapuseram os recorridos, na respectiva contra-alegação o valor de € 22.500,00, nos termos do artigo 307º, nº 1, CPC. Opôs-se a recorrente, dizendo ser um contra-senso atribuir à causa um valor baseado na renda de um contrato que os recorridos negam existir, para além de não estar em causa um acção de despejo, mas sim o reconhecimento da qualidade de arrendatária da recorrente. A Mmª Juiz a quo fixou à causa o valor de € 21.780,00, correspondente ao valor anual da renda alegada no artigo 5º da petição inicial (€ 1.815,00 x 12). Apreciando: Nos termos do artigo 313º, nº 1, CPC, o valor dos incidentes, em princípio, é o da causa a que respeitam O artigo 307º, nº 1, CPC, dispõe que nas acções de despejo o valor é o da renda anual acrescida das rendas em dívida e da indemnização requerida. Como referem Lebre de Freitas, João Redinha e Luís Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, pg. 546, «o mesmo critério deve ser seguido (…) quando se discuta a existência ou validade de um contrato de arrendamento (ac. do STJ, de 30.6.64, BMJ 138, p. 320)». Na verdade, não se descortina fundamento válido para aplicar critério distinto, a exemplo do que sucede em matéria de admissibilidade de recurso: nos termos do artigo 678º, nº 3, alínea a), CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios. A circunstância de os recorridos não aceitarem a existência do contrato de arrendamento de que a recorrente se arroga titular é indiferente para este efeito, já que para determinação do valor da causa atende-se ao momento em que a acção é proposta (artigo 308º, nº 1, CPC), atendendo naturalmente à pretensão deduzida pelo autor ou requerente. Nessa conformidade, o valor do procedimento cautelar é o fixado pela Mmº Juiz a quo. 3.2. Da alegada nulidade da sentença Segundo o recorrente, a sentença enferma de nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, d), CPC, por não se ter pronunciado sobre uma questão que deveria ter apreciado, pois, para além de existir um erro material de transcrição do recibo de fls. 35 quanto ao montante de renda paga, a sentença recorrida não teve em conta que a causa de pedir decorria também do reconhecimento da qualidade de subarrendatário resultante da carta junta sob documento nº 2. A Mmª Juiz a quo, após rectificar o lapso material supra identificado, sustentou a decisão a fls. 146. De todo o modo, o referido lapso material nenhuma influência teve na decisão. Relativamente à alegada omissão da sentença relativamente à causa de pedir que decorreria do reconhecimento da qualidade de subarrendatário resultante da carta junta como documento nº 2 (carta de fls. 29 supra transcrita em 2.6), cumpre deixar claro que a única referência que é feita na petição inicial a essa carta, no artigo 6º, é para afirmar a notificação da cessão de exploração ao senhorio. Não é alegado nesse articulado que essa carta consubstancie qualquer reconhecimento da qualidade de subarrendatário. Sempre se dirá que da carta de fls. 29, transcrita no artigo 6º da matéria de facto, não importa qualquer reconhecimento da qualidade de arrendatário: perante uma comunicação de que tinha sido cedida a exploração do estabelecimento, o senhorio deu conhecimento da pendência da acção de despejo. Nada mais. Aliás, nunca poderia reconhecer uma qualidade que o cessionário não detinha, já que o cessionário de um estabelecimento não é sublocatário. A sentença não padece, pois, de qualquer nulidade, 3.3. Requisitos do procedimento cautelar não especificado: natureza cumulativa dos requisitos e não verificação da probabilidade séria da existência do direito Constituem requisitos cumulativos do procedimento cautelar comum, nos termos dos artigos 381º, nºs 1 a 3 e 387º, nºs 1 e 2: a) - probabilidade séria de existência do direito que se pretende acautelar (fumus bonus juris); b) - fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável desse direito antes de ser proferida decisão na acção de que a providência é dependência; c) - inexistência de providência tipificada aplicável ao caso; d) - adequação de providência à remoção do periculum in mora; e) - possibilidade de recusa de providência pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar. Da não verificação da probabilidade séria da existência do direito Importa, assim, apurar se se verifica a probabilidade séria de existência do direito, num juízo de apreciação sumária (summaria cognitio). Pretende a recorrente que seja julgada a possibilidade séria da existência do direito ao arrendamento e a permanecer na loja n°, Lisboa, para além de 31 de Maio de 2008, por entender que os recorridos reconheceram a sua qualidade de arrendatário, invocando em abono da sua pretensão os artigos 1088º, nº 2, e 1090º, nº 2, CC. Nos termos do artigo 1088º, nº 2, CC, o subarrendamento não autorizado considera-se, todavia, ratificado pelo senhorio se ele reconhecer o subarrendatário como tal; e de acordo com o artigo 1098º, nº 2, do mesmo diploma, se o senhorio receber alguma renda do subarrendatário e lhe passar recibo depois da extinção do arrendamento, é o subarrendatário havido como arrendatário directo. Importa, pois, em primeira linha esclarecer qual o estatuto da recorrente, designadamente se alguma vez foi subarrendatária, de forma a poder prevalecer--se do regime legal invocado. Sublinha-se que, ao longo das alegações, a recorrente confunde as qualidades de cessionária e subarrendatária, como se da mesma realidade se tratasse (cfr. artigos 10º, 13º, 32º, e 39º, e conclusões VI, XV, XVII). Segundo o artigo 1060º CC, a locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito do locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo. E de acordo com o artigo 1109º, nº 1, CC, a transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele , em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção com as necessárias adaptações. Enquanto a sublocação tem por objecto um prédio, a cessão de exploração ou locação de um estabelecimento importa a transferência do gozo de um prédio em conjunto com a exploração de um estabelecimento. Por outras palavras, o gozo do prédio não pode ser dissociado da exploração do estabelecimento, o que tem importantes consequências a nível do regime legal: enquanto o subarrendamento está dependente de autorização do senhorio, a cessão de exploração não (cfr. artigos 1038º, alínea f), e 1109º, nº 2, CC). O locatário do estabelecimento não é sublocatário por que o gozo do imóvel só é transmitido enquanto elemento do estabelecimento, e não enquanto direito autónomo. Resulta dos autos que a C, Ldª, era titular de um contrato de arrendamento celebrado com os recorridos e que tinha por objecto a loja onde se encontrava instalado um estabelecimento comercial destinado ao comércio de equipamentos eléctricos e electrónicos, aparelhos de telecomunicações e afins, denominado C. Através do contrato referido em 2.1. e ss., a C, Ldª, cedeu ao recorrente a exploração desse estabelecimento, mediante o pagamento de uma renda. Assim, a recorrente é cessionária de um estabelecimento, e não subarrendatária. Daqui resulta claramente a impossibilidade de aplicação do regime previsto nos artigos 1088º, nº 2, e 1090º, nº 2, CC., que pressupõem a qualidade de subarrendatária que a recorrente não detém. Ainda que assim não fosse, nunca o recibo de renda de que existe cópia a fls. 35 poderia ser considerado como reconhecimento da qualidade de subarrendatário, atento o circunstancialismo envolvente. Na verdade, o contrato de arrendamento da loja onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial foi revogado por mútuo acordo, o que acarretou necessariamente a cessação do contrato de cessão de exploração. É o que resulta da própria natureza do contrato: o direito do locatário do estabelecimento segue as vicissitudes do contrato de arrendamento do local onde está instalado o estabelecimento. E ainda do teor da cláusula 6ª, nº 2, do contrato de cessão de exploração (artigo 2º da matéria de facto). No entanto, no acordo e cessação do contrato de arrendamento celebrado entre a arrendatária C e os proprietários do imóvel, foi estabelecida uma cláusula a favor da recorrente, que lhe concedia um prazo não superior a 90 dias para entrega do locado, caso em que a renda do contrato de cessão de exploração deveria ser paga aos senhorios (artigo 8º da matéria de facto). Dos artigos 15º e 16º da petição inicial resulta que a recorrente pretendeu fazer uso dessa prerrogativa. É neste contexto que são pagas as rendas dos meses de Março, Abril e Maio de 2008. O recibo de renda junto a fls. 35 foi passado em cumprimento dessa cláusula, donde resultava claramente que se tratava de um prazo para desocupação do locado, não sendo lícito daí extrapolar qualquer reconhecimento da recorrente como arrendatário. A circunstância de o recibo de renda não fazer qualquer menção à referida cláusula é irrelevante, já que era do conhecimento da recorrente que os recorridos consideravam o contrato de cessão de exploração findo e que o prazo de 90 dias era concedido para desocupação da loja, sendo a referida quantia uma contrapartida por essa concessão. Por outro lado, a carta junta a fls. 29 (artigo 6º da matéria de facto) nunca poderia consubstanciar qualquer reconhecimento da qualidade de subarrendatário, como supra referido. Nessa medida, importa concluir que, não se encontrando demonstrada a probabilidade séria da existência do direito que o requerente entende assistir-lhe, o procedimento cautelar tem de improceder (artigo 342º, nº 1, C.C.), sem necessidade de outros considerandos, atenta a natureza cumulativa dos requisitos supra enunciados. 3.4. Da litigância de má fé Nas contra-alegações, pediram os recorridos a condenação da recorrente como litigante de má fé, por pretender transformar um prazo de 90 dias para desocupação da loja num contrato de arrendamento. O Tribunal não acolheu a interpretação que o recorrente fez dos factos. Daqui, porém, não resulta que a conduta do recorrente seja passível de um juízo de censura que legitime a sua condenação como litigante de má fé, «sob pena de se coarctar o legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadram, por mais minoritárias (em termos jurisprudenciais) ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas», para utilizar as palavras do acórdão do STJ, de 2003.02.27, Fernando Girão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 02B4016. (cfr. ainda os acórdãos do STJ, de 2006.02.02, Araújo Barros, e de 2002.02.28, Victor Mesquita, www.dgsi.pt.jstj, proc. 05 B3425 e 01S4429, respectivamente). No mesmo sentido o acórdão da Relação de Lisboa, de 2004.05.27, Fátima Galante, www.dgsi,pt.jtrl, proc. 3304/2004-6, onde se afirma que «Não litiga de má fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que não a tenha». A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 2009.03.12 Márcia Portela Carlos Valverde Granja da Fonseca |