Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DOAÇÃO DOAÇÃO MORTIS CAUSA EXECUÇÃO ESPECÍFICA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/25/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I. O contrato-promessa de doação é admissível e válido em face da nossa ordem jurídica, até por casualmente justificável, não se confundindo com a própria doação, por não pressupor a imediata entrega do bem ao donatário; II. Mas atenta a natureza específica do contrato prometido, traduzida pela generosidade ou espontaneidade da entrega, a promessa de doação não é susceptível de execução específica, justificando-se que as partes conservem a possibilidade de desistir do mesmo até à sua celebração; III. Execução específica também inexequível por a doação não se realizar apenas através de uma declaração de vontade, capaz de ser suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando no efectivo benefício do donatário, pela entrega da coisa prometida, pela afectação do direito ou pelo pagamento da dívida. IV. A promessa de doação de depósitos bancários e de ouro que venham a existir à data do decesso do promitente-doador, é uma promessa de doação de bens futuros e por morte, que a lei não admite e, em todo o caso, é uma promessa insusceptível de execução específica. (PR) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra B, pedindo a condenação do Réu a celebrar a escritura pública de doação a favor do Autor em prazo a determinar pelo tribunal. O Autor alegou em suma e para o efeito que a mãe do Réu fez uma promessa de lhe doar todo o dinheiro que estivesse depositado em contas de que fosse titular ou co-titular, bem como todo o ouro existente à data da sua morte e que a escritura seria feita logo que a mesma notificasse o Autor para a escritura pública em causa e que o demandado é o único herdeiro da mesma. Mais alegou ter vivido com a falecida durante cerca de 45 anos como se casados fossem e que o Réu não quer fazer a escritura pública e que o contrato promessa é válido e que o demandado terá de a outorgar, referindo que a mãe do Réu faleceu em Outubro de 2003. Contestando - por impugnação e por excepção - veio o Réu pugnar pela improcedência da acção, referindo desde logo que sua mãe foi viver para Reguengos de Monsaraz em Abril de 1999 e que nunca mais se deslocou a Lisboa e que a mesma sofria de doença de Parkinson, pelo que a assinatura constante do documento junto aos autos pelo Autor nem podia ser sua e que o Autor nunca viveu com a falecida e que o Autor se apropriou de todo o mobiliário da falecida que a mesma tinha na sua residência de Lisboa. Formulou pedido reconvencional contra o Autor no sentido da condenação do mesmo a entregar-lhe todo o mobiliário retirado da morada indicada como sendo a sua e que era a da falecida e a sua condenação como litigante de má-fé até porque o Autor tem vindo a propor acções em nome da falecida e sem para tal estar mandatado e que fez queixa-crime contra o Réu e sua mulher, em nome da mesma falecida e contra a sua vontade, tendo-o feito com a intenção de se apropriar do que não é seu. Respondendo à contestação e, em suma, à matéria da excepção e do pedido reconvencional, veio o Autor manter, no essencial, a posição pelo mesmo assumida na petição inicial, referindo que o Réu não queria saber da mãe e que ele e a mulher a maltratavam, não cuidando da sua higiene nem a alimentando devidamente e que até a fechavam em casa para não poder contactar com terceiros e que até levantou dinheiro da conta da falecida sem autorização da mesma e falsificando a sua assinatura e que a falecida gostava muito do Autor, que sempre a ajudou economicamente. O Autor conclui pedindo a condenação do Réu como litigante de má-fé. Foi dispensada a realização da audiência preliminar e elaborado despacho saneador em que foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido, tendo sido ordenado o prosseguimento da causa para apreciação e decisão do pedido reconvencional e do pedido de condenação como litigante de má-fé. Foram assim discriminados os factos assentes e os que careciam de prova a produzir, peças em relação às quais não foram apresentadas quaisquer reclamações. O Autor interpôs recurso do despacho saneador na parte em que foi julgada improcedente a acção, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1. A doação pode consistir no facto de alguém assumir gratuitamente uma obrigação em benefício do outro contraente (Código Civil art.° 940.°, n. ° 1). 2. A promessa de doação constitui, no nosso sistema, um contrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-jurídico que dele promana. A lei considerou a promessa de doação como verdadeira doação, pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que lhe faz de um direito de crédito, (cfr. douto acórdão junto sob doc. 1). 3. A sentença recorrida deve ser substituída por outra que julgue a acção procedente. Prosseguindo os autos os seus trâmites, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a reconvenção procedente e condenando o autor no pedido reconvencional. Inconformado com a decisão, o A. interpôs novo recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1. A doação pode consistir no facto de alguém assumir gratuitamente uma obrigação em benefício do outro contraente (Código Civil art.° 940.°, n. ° 1). 2. A promessa de doação constitui, no nosso sistema, um contrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-jurídico que dele promana. 3. A lei considerou a promessa de doação como verdadeira doação, pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que lhe faz de um direito de crédito, (cfr. douto Acórdão da Relação de Coimbra, junto a fls... dos autos). 4. In casu, a Testemunha, José, assistiu à celebração do contrato consubstanciado no doc. 5. 5. Esta testemunha e o irmão do A., assistiram à assinatura do contrato por parte da falecida, cfr. rotação 00.02.03. 6. Quando o Advogado subscritor lhe perguntou: "Como é que sabe que é dela?", a testemunha respondeu peremptoriamente: "Porque eu assisti", cfr. rotação 00.02.026, referindo até que o fez de livre vontade, cfr. rotação 00.02.26. 7. Em face deste depoimento, que não foi minimamente posto em crise, impunha-se uma resposta positiva ao quesito 1° da acção. 8. Ademais, o pedido reconvencional foi julgado prematuramente. 9. E, olhando para o douto Acórdão da Relação de Coimbra inserto a fls. . dos autos, resulta claro a legalidade dum contrato-promessa de doação: - Portanto, se o doador assume uma obrigação, ela abrange o doar, ou seja, o transmitir gratuitamente: "a promessa de doação constitui, no nosso sistema, ..., um oontrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-jurídico que dele promana". A lei considerou a promessa de doação como verdadeira doação, pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que lhe faz de um direito de crédito. ...". 10. Em lado nenhum dos autos resultou provado que a concretizar-se a doação, a mesma, ofendia a legítima do Réu. 11. Deve, pois, a sentença recorrida, ser substituída por outra que julgue a acção procedente. Não houve contra-alegação em qualquer dos recursos. Admitidos os recursos na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento dos mesmos, cumpre decidir. A questão essencial a resolver é a de saber se o contrato-promessa dos autos é exigível e exequível. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1 - C teve, em tempo, um relacionamento com o Autor (Resp. ao Qt° 2°)). 2 - Em momento não concretamente apurado do ano de 1999 mas anterior a 5 de Julho de 1999, C foi viver com o Réu para o Outeiro, freguesia de Monsaraz, concelho de Reguengos de Monsaraz e, desde aí, a mesma não mais voltou a Lisboa (Resp. ao Qt° 3°)). 3 - O texto da carta de fls. 43 dos autos foi iniciado pela referida C e que a mesma não chegou a ser expedida, por não terminada, devido à dificuldade da mesma em escrever (Resp. ao Qt° 4°)). 4 - A escrita da carta de fls. 43 dos autos revela dificuldade da sua autora em escrever e tremura da mão (Resp. ao Qt° 5°)). 5 - C sofria da doença de Parkinson e em Abril de 2001 a mesma sofria já de rigidez parkinsonica dos quatro membros, com atrofia muscular e tremor, estando completamente imobilizada (Resp. ao Qt° 6°)). 6 - Foi este o diagnóstico do médico que a assistiu na Unidade de Apoio Integrado (UAI) de Reguengos de Monsaraz em Abril de 2001 e que consta de fls. 3 da certidão do recurso e autos de inquérito n° 137/2001 dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Reguengos de Monsaraz (Resp. ao Qt° 7°)). 7 - C declarou, no âmbito do Inquérito n° 137/2001 dos Serviços do M° P° do Tribunal Judicial da Comarca de Reguengos de Monsaraz sofrer da doença de Parkinson há cerca de dez anos, que tinha ido viver com o filho há dois anos e meio e que estava acamada há três anos (Resp. ao Qt° 8°)). 8 - As declarações referidas foram feitas pela falecida em momento não concretamente apurado do ano de 2002 mas anterior a 29 de Maio de 2002, perante a Sr.ª Procuradora Adjunta (Resp. ao Qt° 9°)). 9 - Aquando da prestação das referidas declarações Catarina Armado declarou que há cerca de um ano que não conseguia pegar numa caneta para escrever e que quando o advogado a visitou no lar não assinou qualquer documento e, designadamente, a procuração junta ao processo referido em 7 -, assinatura que a mesma declarou nessa altura considerar demasiado bem feita para ser sua (Resp. ao Qt° 10°)). 10 - Todo o recheio da casa de C em Lisboa, ficou nas mãos do Autor desde que C foi viver para o Alentejo, com o filho, ora Réu e, durante algum tempo, era o Autor que recebia a pensão da falecida C, por a mesma ser dirigida para aquela morada em Lisboa quando a mesma já estava em Reguengos de Monsaraz (Resp. ao Qt° 13°)). 11 - No momento em que prestou declarações no âmbito do inquérito referido em 7 - C declarou que nunca quis fazer queixa contra o ora Réu e mulher do mesmo e quem queria fazer queixa era o Autor (Resp. ao Qt° 14°)). 12 - C era amiga do Autor (Resp. ao Qt° 15°)). 13 - Enquanto a referida C esteve em casa do Réu as refeições eram-lhe deixadas pela mulher do mesmo na mesa de cabeceira, para que pudesse comer, por a mulher do Réu e este terem de sair para trabalhar (Resp. ao Qt° 19°) ). 14 - Como os Réus se ausentavam para irem trabalhar, deixavam a porta da sua casa, onde C estava alojada, fechada (Resp. ao Qt° 21°)). 15 - C foi para um lar em 2001 (Resp. ao Qt° 23°)). 16 - C apresentava escaras decorrentes da situação de acamada (Resp. ao Qt° 25°)). | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. Para ensaiar resposta para a questão que enunciada se deixa vejamos o que diz a lei e a interpretação que da mesma se aconselha fazer. Nos termos do artigo 940º/1 do CC “doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”. E reportando-se ao seu objecto diz o artigo 942º/1 que “a doação não pode abranger bens futuros”. E no tocante às proibições estabelece o artigo 946º que: “1. É proibida a doação por morte, salvo nos casos especialmente previstos na lei. 2. Será, porém, havida como disposição testamentária a doação que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos”. A doação pressupõe, antes de mais, a disposição gratuita de bens ou de direitos, ou assunção de uma dívida, em favor do donatário. A doação significa sempre uma atribuição patrimonial sem contrapartida, que se pode concretizar, quer pela transferência da propriedade de um bem ou de outro direito real ou de um direito de crédito, do doador para o donatário, quer pelo pagamento ou assunção de uma dívida do donatário. Pressupõe também a doação que a atribuição patrimonial sem contraprestação se faça à custa do património do doador, que deve restar diminuído com o consequente enriquecimento do património do donatário. E exige sempre que da parte do doador se verifique espírito de liberalidade traduzida pela generosidade ou espontaneidade da entrega, com afastamento de qualquer dever ou necessidade de oferta. E este espírito de liberalidade poderia estar ausente nas doações de bens futuros, na medida em que, não sentindo imediatamente o efeito da mesma liberalidade, o doador incorreria, casualmente, em não agir com a ponderação e a consciência que exige um negócio com a índole da doação, motivo por que o legislador não consente a doação de bens futuros. Por outro lado, proíbe o mesmo legislador as doações que produzam os seus efeitos por morte do doador, doações “mortis causa”, - excepto nos casos especialmente previstos na lei, que são os das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1700° e do n.º 2 do art. 1755º[1] - sendo nulas tais doações, não importando que sejam havidas como pactos sucessórios ou como simples doações por morte[2]. E compreende-se que o legislador proíba as doações por morte, dado que existe uma forma mais adequada e segura de “deixar” os bens por morte, que é o testamento, dadas as formalidades que carece de revestir[3]. Por outro lado, com tal proibição assegura-se que o poder de disposição para depois da morte se mantenha livre e incoercível até ao último momento da vida[4]. Contudo, a doação por morte, que em princípio é nula, converter-se-á em testamento, se tiverem sido observadas as respectivas formalidades. Revestindo a doação tais características e estando sujeita àquelas restrições, tem-se suscitado a dúvida sobre a admissibilidade, ou não, do contrato-promessa de doação. Segundo uns não é admissível tal contrato, porque isso iria colocar em causa a espontaneidade e liberalidade, intrínsecas à doação, que carecem de existir no momento da doação e não no momento da promessa, sob pena de se ter de considerar esta como o próprio contrato definitivo de doação. A promessa de doação, aceite pelo beneficiário, constituiria, assim, uma verdadeira doação, na medida em que criaria desde logo um direito de crédito em benefício do promissário à custa do património do promitente. Por isso, a ser celebrado, não seria juridicamente vinculativo o contrato-promessa de doação[5]. Contudo, a doutrina tem sido dominantemente no sentido da admissibilidade e validade da promessa de doação[6]. E também a jurisprudência tem propendido para a mesma solução[7]. E este entendimento parece ser o que mais convence, porque se a promessa da doação pressupõe desde logo o espírito de espontaneidade e liberalidade da doação, esse mesmo espírito também não deixará de estar presente e até reforçado no momento da celebração do contrato prometido, mesmo que se defenda que pelo contrato-promessa se crie desde logo um direito de crédito na esfera jurídica do promissário. Certo é que no contrato-promessa da doação não existe ainda a entrega do bem ou atribuição do direito ou a solvência de uma dívida, o que apenas se tornará efectivo pela celebração do contrato definitivo, o que é bastante para que as duas figuras se não possam confundir. Mas o que mais importa é que o contrato-promessa de doação, tolerável em face do princípio da liberdade contratual, é susceptível de conter inteira justificação, porque o doador pode ter razões para prevenir ou anunciar determinada doação que não esteja em condições, ou não tenha interesse, em efectivar de imediato. Não se vê, por isso, que exista obstáculo sério de ordem jurídica para a validade da promessa de doação. Questão diferente da validade da promessa de doação é a de saber se a mesma é passível de execução específica. Por regra, o contrato-promessa é susceptível de execução específica nos termos do artigo 830º/1 do Código Civil. Porém, este dispositivo legal desde logo previne que a execução específica não tem cabimento quando a natureza da obrigação assumida a ela se oponha. E como salienta I. Galvão Telles, “tal acontece sempre que o acto prometido não possa, pela sua estrutura ou formalismo, ser substituído por uma sentença, ou apresente uma índole pessoal que, por vontade inequívoca da lei, justifique deixar-se às partes liberdade de facto de não celebrar o contrato definitivo, mantendo assim até ao último momento a possibilidade de não se vincularem definitivamente, embora incorrendo em responsabilidade por violação do dever resultante do contrato-promessa[8]. No tocante ao contrato-promessa de doação, a doutrina e a jurisprudência afinam pelo mesmo diapasão, sem que se conheça voz discordante, no sentido do impedimento da sua execução específica. Isto porque, atenta a natureza específica do contrato prometido, aceita-se que as partes conservem a possibilidade de desistir do mesmo até à sua celebração[9]. Acresce que não é possível a execução específica do contrato-promessa de doação também porque a mesma doação não se realiza apenas através de uma declaração de vontade, capaz de ser suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando no efectivo benefício do donatário, pela entrega da coisa prometida, pela afectação do direito ou pelo pagamento da dívida. Ora, no caso dos autos o contrato-promessa em discussão é do seguinte teor: “ contrato-promessa Eu C, prometo doar a A, todo o dinheiro que estiver depositado em contas de que eu seja titular ou co-titular, bem como todo o ouro existente à data do meu falecimento. A escritura de doação será feita logo que eu o notificar para a escritura pública de doação. Eu A aceito sem reservas esta promessa. Os contraentes ………………………………….”. Como se constata – e independentemente de o contrato ser verdadeiro ou falso, pois que o réu arguiu a sua falsidade – o contrato-promessa em análise diz respeito a uma doação que tem por objecto bens futuros. A promitente-doadora não promete doar o dinheiro e o ouro que possui no momento da promessa, mas sim o dinheiro que estiver depositado e o ouro existente à data do seu falecimento, que não podem deixar de ter a natureza de bens futuros, por apenas verificáveis no momento do decesso da doadora. Daí que o contrato prometido seja inexequível, por a doação não poder abranger bens futuros. Por outro lado, o contrato prometido diz respeito a uma doação por morte, que pela aplicação da regra é proibida e que não é autorizada pelos casos excepcionais previstos na lei. Daí que o contrato prometido seja irrealizável, por proibido. Finalmente o contrato prometido não é susceptível de execução específica, por a natureza da obrigação assumida a tal se opor. Daí que o contrato prometido seja inexigível. O autor/recorrente diz na sua alegação, com vista a convencer da procedência da acção, que a promessa de doação constitui, no nosso sistema, um contrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-jurídico que dele promana e que a lei considerou a promessa de doação como verdadeira doação, pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que lhe faz de um direito de crédito. Mas, como vimos, não parece de seguir tal entendimento, por não ser aquele que mais convença nem que dominantemente seja seguido. É que é difícil conceber uma verdadeira doação sem que se verifique a entrega do bem. Em todo o caso, sempre o contrato seria nulo (art. 280º e 294º do CC), por ter por objecto bens futuros e por os seus efeitos se destinarem a ser produzidos por morte da doadora. Pelos fundamentos que se deixam expostos e sem necessidade de mais amplas considerações se tem de concluir que o autor não podia exigir do réu a entrega do dinheiro e do ouro de que a promitente-doadora era detentora na data do seu falecimento, pelo que a acção sempre teria de improceder, ainda que se entenda que por fundamentos não coincidentes com os invocados na 1.ª instância. Deste modo, o recurso interposto pelo autor do pedido formulado na acção não pode proceder. No que respeita ao recurso que o autor interpôs da decisão do pedido reconvencional é o mesmo manifestamente improcedente, já que o autor limitou-se a alegar quanto a este recurso que o pedido reconvencional foi julgado prematuramente. No restante, voltou apenas a insistir pela procedência da acção, ampliando a sua alegação com a invocação da prova testemunhal, o que não só foi efectuado fora do recurso próprio, como irrelevante se mostraria em face de quanto se deixou fundamentado e que, em qualquer hipótese, sempre conduziria á improcedência da acção. Em Sumário: I. O contrato-promessa de doação é admissível e válido em face da nossa ordem jurídica, até por casualmente justificável, não se confundindo com a própria doação, por não pressupor a imediata entrega do bem ao donatário; II. Mas atenta a natureza específica do contrato prometido, traduzida pela generosidade ou espontaneidade da entrega, a promessa de doação não é susceptível de execução específica, justificando-se que as partes conservem a possibilidade de desistir do mesmo até à sua celebração; III. Execução específica também inexequível por a doação não se realizar apenas através de uma declaração de vontade, capaz de ser suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando no efectivo benefício do donatário, pela entrega da coisa prometida, pela afectação do direito ou pelo pagamento da dívida. IV. A promessa de doação de depósitos bancários e de ouro que venham a existir à data do decesso do promitente-doador, é uma promessa de doação de bens futuros e por morte, que a lei não admite e, em todo o caso, é uma promessa insusceptível de execução específica. Improcedem, por isso, as conclusões dos recursos, sendo de manter as decisões recorridas. | IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento às apelações e confirmam-se as decisões recorridas. Custas nas instâncias pelo apelante. Lisboa, 25 de Junho de 2009. Fernando Pereira Rodrigues Maria Manuela Gomes Olindo Santos Geraldes __________________________ [1] São doações de estrutura contratual ou negociada (Galvão Telles, Dir. das Obrigações, 7.ª ed, 98-99. [2] Vd. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, em comentário aos artigos citados.. [3] Vd. art.s 32º/2, 48º, 67º , 106º a 115º, 164º/1/a) e 207º do Código do Notariado. [4] Vd. Manuel Batista Lopes, in Das Doações, 1970, pg. 36. [5] Vd. Nesse sentido Ac. da RL de 05.12.1995, acessível em http://www.dgsi.pt/jrl. [6] cf. Vaz Serra “Anotação Ac. STJ 18/5/1976” na RLJ 110 (1977), pp. 207-208 e 211-214, e BMJ 76; Antunes Varela, “Anotação Ac. 16/7/1981”, em RLJ 116 (1983), pp. 30-32 e 57-64 (61 e ss,) Das Obrigações em Geral Vol I, 4ª Edição pág 275 e Pires de Lima/Antunes Varela Código Civil Anotado em anotação ao art. 940. °; Eridano de Abreu, “Da doação de direitos obrigacionais” in Dir 84 (1952), pp. 217-235 (226 e ss.); Ana Prata «O contrato-promessa e o seu regime civil», Almedina, 1995, pp. 305 e ss. (315). [7] Veja-se, por todos, o Ac do STJ de 21.11.2006, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj, onde se citam outros arestos no mesmo sentido. [8] In Direito das Obrigações, 7.ª ed, 142. [9] Vd. M. J. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pág. 279 e Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 286. |