Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2396/2008-4
Relator: NATALINO BOLAS
Descritores: SALÁRIOS EM ATRASO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
I - A resolução do contrato de trabalho nos termos do regime especial constante do art.º 308.º da Lei 35/2004 de 29 de Julho, por existência de salários em atraso por mais de 60 dias, confere ao trabalhador o direito à indemnização nos termos previstos no art.º 443.º do Código do Trabalho;
II - Se o empregador não realiza a prestação – pagamento da retribuição – na data do seu vencimento, entra em situação de incumprimento, comportamento que se presume culposo (art.º 799.º n.º 1 do CCivil), pelo que se constitui na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório
A… intentou acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra
- B… Crl.,
- C… e
- D…,
pedindo a condenação dos réus, no pagamento à autora da quantia de € 4.963,21, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alega sucintamente que trabalhou por conta dos réus, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2003 até 7 de Janeiro de 2005, recebendo em contrapartida, uma remuneração.
Exercia as funções de Analista de Informática.
Sucede que os réus, deixaram de efectuar o pagamento do salário do autor, em Outubro de 2004.
Mais tarde, vieram a pagar parcialmente o salário do referido mês de Outubro.
Porém, em Janeiro de 2005, tinham por pagar parte do salário de Outubro e os salários referentes aos meses de Novembro e de Dezembro de 2004.
O autor rescindiu então o contrato de trabalho, com fundamento em justa causa, por falta de pagamento dos salários.
Os réus não pagaram ao autor as prestações emergentes do contrato detrabalho e ainda os dias de trabalho de Janeiro de 2005.
Reclama o autor, nesta acção, todos esses créditos laborais.
Contestaram os réus, invocando a excepção dilatória da ilegitimidade da 2° e 3° rés, por as mesmas não terem contratado com o autor.
Mais se alegou que o autor foi informado de que tinha à sua disposição dois cheques para pagamento do mês de Dezembro de 2004 e subsídio de Natal de 2004, tendo o mesmo recusado tal pagamento.
Foi ainda impugnado que tenha havido falta culposa ao pagamento das prestações pecuniárias devidas ao autor.
Foi apresentado pedido reconvencional, de condenação do autor no pagamento aos réus de quantia nunca inferior a € 1.000,00.
O autor respondeu à contestação/reconvenção, por impugnação.
Procedeu-se a julgamento, tendo a matéria de facto sido decidida sem reclamações.
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
“Nesta conformidade e decidindo, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a ré B… no pedido, absolvendo-se as restantes rés do peticionado.
Absolve-se o autor do pedido reconvencional contra si deduzido. Condena-se a ré, como litigante de má fé, no pagamento da multa de 5 Ucs.
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformada com a sentença, veio a Ré B… interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- Se a matéria de facto deve ser alterada no sentido proposto pela recorrente;
- Se não existe justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador;
- Se a ré não deve ser condenada no pagamento de juros de mora;

II - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos considerados provados na decisão recorrida são os seguintes:
1- O autor trabalhou por conta da ré B…, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2003 até 7 de Janeiro de 2005, recebendo em contrapartida uma remuneração;
2- O autor foi admitido para exercer as funções de Analista de Informática, competindo-lhe planear, preparar, desenvolver e avaliar as actividades da área de informática e serviços admnistrativos inerentes, utilizando métodos e técnicas adequadas às necessidades;
3- O autor exerceu as suas funções na sede da empresa, sob a direcção da mesma;
4- O autor auferia, a título de salário base mensal a quantia de € 753,71, acrescida de € 2,00, a título de subsídio de refeição;
5- O horário de trabalho era de segunda a sexta-feira, das 9h30m às 13h06m e das 14h06 às 18h06m;
6- Para o efeito, o autor e a ré B… celebraram um acordo escrito que designaram por “Contrato de Trabalho por tempo indeterminado”;
7 - Em 22 de Novembro de 2004, o autor e a referida ré assinaram uma Adenda, contendo as seguintes alterações:
8 - O autor foi contratado para desempenhar as funções de Analista de Informática, competindo-lhe planear, preparar, coordenar, desenvolver e avaliar as actividades nas áreas de intervenção da cooperativa, formação, apoio e consultadoria, utilizando métodos e técnicas adequadas às necessidades;
9 – O horário de trabalho passou a ser:
.segunda-feira: das 9h00 às 13h00 e das 16h00 às 19h00; .terça-feira: das 10h00 às 13h00 e das 15h30 às 18h30; .quarta-feira: das 9h00 às 11h00 e das 14h00 às 19h00; .quinta-feira: das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 19h00; .sexta-feira: das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 19h00;
10 – O local de trabalho do autor seria na sede da empresa ou no exterior, sempre que houvesse necessidade;
11 – A ré B… deixou de efectuar o pagamento do salário do autor em Outubro de 2004;
12 - Sendo que:
- no dia 12 de Novembro, efectuou o pagamento da quantia de € 150 (referente a parte do salário do mês de Outubro);
- no dia 17 de Dezembro, efectuou o pagamento de € 200 (referente a parte do salário do mês de Outubro);
- no dia 14 de Janeiro, efectuou o pagamento de € 296,80 (referente a parte do salário do mês de Outubro);
13- Em Janeiro de 2005, a ré tinha por pagar ao autor:
- parte do salário do mês de Outubro,
- salários referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2004;
14- O autor necessitava do seu vencimento para poder sobreviver do ponto de vista económico;
15- Em 6 de Janeiro de 2005, o autor enviou uma carta à ré B…, recepcionada por esta em 7/1/2005, através da qual informou o seguinte:
"Em cumprimento do disposto no n° l do artigo 308 da Lei 35/2004 de 29 de Julho, venho por este meio comunicar-lhe que resolvo o meu contrato a partir da presente data por se encontrarem em dívida os salários dos meses de Outubro de 2004, Novembro de 2004 (cfr. doc de fls. 13), Dezembro de 2004 e subsídio de Natal de 2004";
16- O autor, em 22 de Novembro de 2004, pediu por escrito à ré B… que fosse efectuada uma adenda ao seu contrato de trabalho, no sentido de serem revistas as cláusulas, por necessitar de se ausentar por períodos de tempo pertencentes ao seu horário de trabalho;
17- O autor frequentou, com aproveitamento, um Curso de Formação Pedagógica de Formadores em Desenvolvimento Social, decorrido entre 9/7/2003 a 18/11/2003;
18- Tal curso foi financiado pela União Europeia e Estado Português.
19- A segunda e terceira rés são sócias e gerentes da ré B…;
20- Por carta datada de 10 de Março de 2005, a ré B… informou o autor de que se encontrava a pagamento os meses de Dezembro de 2004 e subsídio de Natal, no valor de € 1.255,60, solicitando que o mesmo se deslocasse às instalações para receber os cheques e assinar os respectivos recibos;
21- Quando o autor recebeu a carta das rés, imediatamente telefonou para a empresa solicitando a transferência bancária da referida quantia, tendo em conta que, naquela data, não tinha dispobilidade para ir à empresa receber os cheques;
22- Deixou número de NIB à empregada e aguardou a transferência bancária, alguns dias;
23- Passados alguns dias, sem que a transferência tivesse sido efectuada, deslocou-se à empresa, no sentido de saber se tal operação tinha sido efectuada ou, em caso negativo, solicitar a entrega dos cheques;
24- Foi-lhe então comunicado pela representante da B… que já não era possível a entrega dos cheques, pois já não tinham dinheiro disponível na conta;
25- O autor dava formação para outras entidades, sempre fora do seu horário
26- O autor exerceu e exerce as funções de Professor na Escola de ….
27- Em data anterior à da assinatura da Adenda, o autor recusou-se a dar formação no exterior, porque a ré exigia que a mesma fosse dada ao sábado, fora do seu horário de trabalho.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A primeira questão que vem suscitada no presente recurso consiste em saber se a matéria de facto deve ser alterada conforme indicado pela recorrente.
(…)
*
A segunda questão levantada nos presentes autos tem a ver com a não existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador.
Conforme resulta da carta datada de 6.1.2005 e recebida pela entidade patronal, ora recorrente, em 7.1.2005 este resolveu o contrato de trabalho ao abrigo “… do disposto no n° l do artigo 308 da Lei 35/2004 de 29 de Julho…”, com efeitos a partir de data de emissão dessa carta “…por se encontrarem em dívida os salários dos meses de Outubro de 2004, Novembro de 2004 (cfr. doc de fls. 13), Dezembro de 2004 e subsídio de Natal de 2004” (v. facto sob 15).
Nos termos do n.º 1 do mencionado art.º 308.º “Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho”.
Ficou assente que, quando o trabalhador/recorrido resolveu o contrato de trabalho, parte da retribuição de Outubro ainda estava por pagar (conforme resulta dos factos sob 4 e 12, o recorrido auferia mensalmente € 753,71, acrescido de subsídio de alimentação, sendo certo que só lhe tinha sido paga a importância de € 646,80).
O pagamento da retribuição, sendo mensal, deve ser efectuado até ao fim do mês de calendário a que diz respeito (art.º 269.º n.º 1 do CT).
A recorrente não procedeu ao pagamento da retribuição correspondente ao mês de Outubro no prazo devido, tendo deixado decorrer um prazo superior a 60 dias para efectuar o pagamento total da retribuição de Outubro.
Daí que não restem dúvidas de que, quando o recorrido resolveu o contrato de trabalho já tinham decorrido mais de 60 dias sobre a data do vencimento da retribuição de Outubro de 2004.
Tinha, por isso, a possibilidade legal de resolver o contrato de trabalho ao abrigo do mencionado art.º 308.º da Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho.
Nos termos do n.º 3 do mesmo art.º 308.º “O trabalhador que opte pela resolução do contrato de trabalho tem direito a:
a) Indemnização nos termos previstos no artigo 443.º do Código do Trabalho;
b)(…);
c) (…)”.
Por aplicação dos normativos referidos, a sentença condenou a recorrente no pagamento da indemnização por antiguidade.
Não estamos, aqui, perante o conceito de justa causa a que se referem os art.ºs 441.º n.ºs 1 e 2 al. a), 442.º, 443.º, do CT, referidos nas conclusões das alegações, em que o empregador falta culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato, de forma de tal modo grave que implique a insubsistência da relação laboral.
É que, para além da resolução do contrato de trabalho nos termos dos referidos normativos, o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho por causas objectivas, nos termos do n.º 3 do art.º 441.º do CT – resolução que lhe não confere direito a indemnização – e, ainda, nos termos do regime especial constante do art.º 308.º da Lei 35/2004 de 29 de Julho, por existência de salários em atraso por mais de 60 dias – o que confere ao trabalhador o direito à “indemnização nos termos previstos no art.º 443.º do Código do Trabalho” (art.º 308.º n.º 3 al. a) do mencionado art.º 308.º) – Cfr. neste sentido, o Ac. do STJ de 02.05.2007 in www.dgsi.pt e doutrina aí mencionada.
Tendo ficado assente que o trabalhador/recorrido resolveu o contrato de trabalho com fundamento neste último normativo e que, à data da resolução do contrato, tinha retribuições em atraso por mais de 60 dias (parte da retribuição de Outubro de 2004, sendo que a parte que já fora paga também o foi para além da data do vencimento e em fracções) poderia resolver – como resolveu, - o contrato de trabalho ao abrigo do referido art.º 308.º, com os direitos previstos no art.º 443.º do CT.
Bem andou, pois, a sentença ao julgar válida e legal, a resolução do contrato de trabalho celebrado com a B…, por iniciativa do autor, condenando a ré/recorrente nos pagamentos devidos.
Improcede, assim, nesta parte, a alegação da recorrente.

Terceira Questão – Se não são devidos juros de mora.
A sentença recorrida condenou a recorrente no pagamento da quantia peticionada acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, conforme peticionado, uma vez que a ré não logrou demonstrar que a mora no pagamento de algumas retribuições fosse devida ao autor.
A recorrente entende que, nesta matéria, foi erradamente interpretado o art.º 364.º n.º 1 do CT.
Este normativo estabelece que “se o empregador faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora”.
Quer isto dizer, claramente, que, se o empregador não realiza a prestação – pagamento da retribuição – na data do seu vencimento, entrou em situação de incumprimento, presumindo-se culposo esse comportamento (art.º 799.º n.º 1 do CCivil), pelo que se constitui na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora.
Dos factos assentes resulta que a ré/recorrente não ilidiu a presunção de culpa porquanto, não fez o pagamento na forma e no tempo devidos – tanto mais que, quando o trabalhador se deslocou à empresa, para saber o que se estava a passar com o não pagamento, foi-lhe comunicado pela representante da Coopermaze que já não era possível a entrega dos cheques, pois já não tinham dinheiro disponível na conta.
Tal como se decidiu na sentença, “a mora do pagamento das prestações pecuniárias em dívida, é pois, da inteira responsabilidade da ré Cooparmaze, pelo que a mesma terá de pagar os juros moratórios”.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, decide-se:
1 – Alterar o facto sob 21, ficando com a seguinte redacção: “Quando o autor recebeu a carta da ré B…, imediatamente telefonou para a empresa solicitando a transferência bancária da referida quantia, tendo em conta que, naquela data, não tinha dispobilidade para ir à empresa receber os cheques
2 – No demais, confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas em ambas as instâncias pela recorrente

Lisboa, 28 de Maio de 2008



Natalino Bolas
Leopoldo Soares
Seara Paixão