Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
Descritores: | REPRESENTAÇÃO SEM PODERES INEFICÁCIA RATIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. A consequência da representação sem poderes, como resulta do disposto no art. 268º, nº. 1, do Cód. Civil, é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado. 2. De acordo com o citado preceito, o negócio que uma pessoa sem poderes de representação celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a esta, se não for por ela ratificado, sendo ainda de notar que não se trata de uma ineficácia meramente relativa por, não só o pseudo-representado, mas também a própria parte que contrata com o representante sem poderes, ter o direito de arguir a ineficácia, podendo esta parte revogar ou rejeitar o negócio com base nessa ineficácia, enquanto a ratificação não tiver lugar. (art. 28º, nº. 4 do CC). | ||
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Decisão Texto Integral: | 8 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – RELATÓRIOP, SA, veio intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B, Lda, em que pede que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1.226.713$00 acrescida de juros de mora vincendos. Para tal alega, em suma, que a Ré requisitou, para o seu posto de telefone n.° 4866392, a inserção em diversas listas telefónicas de anúncios e não pagou tais serviços. A Ré, devidamente citada, veio contestar dizendo, em suma, que a sociedade se obrigava apenas com a assinatura do seu gerente B e não pela de M, que não tinha quaisquer poderes de representação da Ré, pelo que, nunca requisitou à autora quaisquer publicações de anúncios nas listas telefónicas. Em resposta à contestação, a A. vem dizer que a Ré beneficiou dessa publicidade, cujo pagamento vinha incluído na factura do telefone. Foi requerida e admitida a intervenção principal de M que, em contestação, veio dizer que sempre actuou em nome da G, Lda, da qual B também era sócio e que funcionava numa casa propriedade deste e a que correspondia o número de telefone aqui em causa. Acrescenta que subscreveu o contrato de publicidade na Lista telefónica com pleno conhecimento do Sr. B e da mulher, ambos sócios da G, para anunciar a Casa de Repouso explorada por esta sociedade. Foi também admitida a intervir na acção a G Lda a qual não veio apresentar contestação. Foi seleccionada a matéria de facto relevante que se considerou assente e a que constituiu a base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento. Decidida a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré M a pagar à A. a quantia de 5.357,30€, crescida de juros de mora às respectivas taxas legais. Mais condenou a Ré B Lda a pagar à A. a quantia de 451,30€ e absolveu a Ré G do pedido. Inconformada, a chamada M, veio apelar da sentença, tendo formulado, no essencial, as seguintes conclusões: 1. Discutiu-se em audiência se a Recorrida PT deveria ter exigido à Recorrente comprovativo de como podia actuar em nome da Recorrida B Lda. 2. A Meritíssima Juíza entendeu que, face à normalidade das relações jurídicas, às necessidades do comércio jurídico e à confiança no princípio da boa fé contratual, tal comprovativo não seria exigível. 3. A Recorrente entende, pelo contrário, que a normalidade das relações jurídicas passa pela identificação devida das partes e que o pedido de identificação do signatário é normal na prossecução do comércio. 4. A própria Recorrida P entende que a exigência de prova da qualidade de quem assina é importante, pois no contrato de instalação de posto telefónico que celebrou com a Recorrida Benjamin van der Pauw, junto ao processo, exigiu a autenticação da assinatura do gerente. 5. A Recorrente estava de boa fé e pretendia celebrar o contrato de publicidade em nome e proveito da Recorrida G, Lda. 6. A boa fé da Recorrente é confirmada pelo facto da Recorrida G ter sempre pago as prestações do contrato enquanto a Recorrente foi sua gerente, tendo havido incumprimento quando a sua gestão foi impedida pelos outros sócios. 7. Toda a conduta da Recorrida se caracteriza pela falta de diligência e negligência na celebração de tais contratos, violando o disposto no artigo 227.º n.° do Código Civil, que deve proceder como argumento pela absolvição da Recorrente. 8. A Recorrente alegou na sua contestação que tinha agido na convicção que assinava um contrato em nome da Recorrida G, no benefício desta Recorrida, tendo sempre cumprido o contrato até ao fim da sua gestão da casa de repouso. 9. A Recorrente era gerente da Recorrida G e, ao assinar os contratos, agiu nessa qualidade. 10. A publicidade foi contratada para a casa de repouso explorada na morada constante dos contratos de publicidade e que constava como sede da Recorrida G. 11. A Recorrente não tirou proveito pessoal dos contratos que celebrou, beneficiando deles apenas a Recorrida G, que aumentou as receitas pelo recebimento de mais clientes. 12. Caso se mantenha a condenação da Recorrente, esta não deixará de ter direito de regresso contra a Recorrida G, em nome de quem agiu e quem tirou proveito da publicidade contratada. 13. Também por estes motivos e atendendo ao princípio da economia processual, deve a Recorrente ser absolvida, condenando-se a Recorrida G, Lda. Contra-alegou a A. que, no essencial, concluiu: 1. A recorrente assinou o contrato de prestação de serviços de publicidade inserida nas Listas Telefónicas em nome da Sociedade B Lda, para o telefone da rede fixa etc nome desta sociedade sem ter poderes para o fazer. 2. A recorrida desconhecia por completo que a recorrente não tivesse poderes para vincular a sociedade B, Lda, quando foi celebrado o contrato de publicidade de inserção nas Listas Telefónicas. 3. As facturas do telefone que incluíam os valores de publicidade sempre foram liquidadas em nome da Sociedade B, Lda, até ao afastamento da recorrente da Sociedade. 4. A recorrente nunca requisitou ou instalou na Casa de Repouso "Cesário Verde" qualquer linha de rede fixa. Sempre lá funcionou o telefone em nome da Sociedade B, Lda. 5. A publicidade inserida nas Listas Telefónicas referia-se à Casa de Repouso "Cesário Verde" e estava associada ao telefone em nome da Sociedade B, Lda. 6. Bem andou o julgador do Tribunal "a quo" na aplicação do direito, julgando a acção procedente por provada, decisão que se nos afigura judiciosa e conforme com a prova produzida. Corridos osVistos legais, Cumpre apreciar e decidir. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 691º, nº 1 do C.P.C.). Assim sendo, apenas interessa saber se, face aos factos provados, a A. tem direito ao pagamento da quantia peticionada correspondente aos serviços de publicação de anúncios nas Listas telefónicas e, em caso afirmativo, a quem compete o seu pagamento. II – FACTOS PROVADOS 1. Foi requisitado pelo Ré B Lda, à A. a prestação de serviço telefónico através da instalação do posto n° 4866392 mediante o pagamento mensal das taxas fixadas em tarifário em vigor e sujeito ao Regulamento de Exploração do Serviço Fixo, anexo ao DL n° 240/97 de 18/9 (al. A). 2. Não foram pagas à autora as quantias referentes às mensalidades de assinatura, publicidade e chamadas telefónicas efectuadas através do posto referido em 1., que se venceram em 30/11/1998, entre 31/1/99 e 30/4/1999 e 2/6/99 a 6/10/99, no valor de 1.164,537$00 conforme consta de doc. junto a fls. 6. (Al. B). 3. Em 12/3/98 foi requisitado à A. para o posto 4866392 a inserção em diversas Listas Telefónicas de várias publicações anunciadoras durante o prazo de vigência das mesmas. (Al. C). 4. Foi a M que assinou o contrato referente à prestação de serviços referidos em 3. (al. D). 5. Em determinada altura a M tornou-se sócia de uma sociedade designada por G Lda., sociedade de que já eram sócios, B e a mulher deste último (al. E). 6. A sociedade G de que B e M eram sócios tinha como objecto social "serviços de assistência social a idosos, alojamento, lazer apoio clínico, médico e medicamentos, serviço geral de secretariado pelo telefone, traduções, assistência escriturária e contabilidade” (al. F). 7. Tal casa de repouso funcionava numa moradia sita na Rua Cesário Verde, 600, em Cascais (al. G). 8. Maria Godinho era sócia maioritária da sociedade G, Lda.(al H). 9. O contrato de prestação de serviço telefónico referido em 1. foi assinado pelo sócio gerente da ré, B(al. I) 10. O posto telefónico referido em 1., corresponde à moradia sita na Rua Cesário Verde, 600, em Cascais. (al. J). 11. Os serviços referidos em 1. e 3. foram pagos entre Fevereiro e Outubro de 1998, tendo ainda sido pagos os referentes ao mês de Dezembro desse ano (al. L). 12. Foi a M que contratou os serviços de publicidade em nome da Ré B Lda. (resp. art. 2º). 13. Foi a M que assinou o contrato referido em 3 (resp. art. 3º). III – O DIREITO Analisando a matéria dada por provada e que não foi posta em causa no presente recurso, constata-se que foi requisitado, pela Ré Benjamim Lda. à A., a prestação de serviço telefónico através da instalação do posto n° 4866392, sendo certo que este contrato foi subscrito pelo sócio gerente da Ré. Em Março de 1998, foi requisitado, pela Apelante M, para o posto 4866392, a inserção diversos serviços publicitários em listas telefónicas, contrato esse que foi subscrito pela interveniente, em nome da Ré B, Lda. E a Recorrida prestou os serviços de publicidade nas Listas Telefónicas, assumindo como verdadeiras as declarações da subscritora do contrato. A Sociedade B obrigava-se com a assinatura de qualquer um dos sócios entre os quais não figurava a M. Não foi o representante legal da sociedade que procedeu à assinatura do contrato de publicidade nas listas telefónicas, mas sim M. 1. Dos poderes de representação A consequência da representação sem poderes, como resulta do disposto no art. 268º, nº. 1, do Cód. Civil, é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado. Estamos, portanto, perante uma forma de ineficácia do negócio jurídico, mas procedente de um vício de formação desse negócio, consistente na falta ou irregularidade de qualquer dos seus elementos internos ou essenciais. De acordo com o citado preceito, o negócio, que uma pessoa sem poderes de representação celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a esta, se não for por ela ratificado, sendo ainda de notar que não se trata de uma ineficácia meramente relativa por, não só o pseudo representado mas também a própria parte que contrata com o representante sem poderes, ter o direito de arguir a ineficácia, podendo esta parte (nº. 4 daquele art. 268º) revogar ou rejeitar o negócio com base nessa ineficácia enquanto a ratificação não tiver lugar. No caso dos autos, o representado não ratificou o negócio, como expressamente referiu, mas a A., também não pretende arguir a sua ineficácia, até porque já prestou os serviços em causa, que aliás, durante algum tempo foram sendo pagos. Quer isto dizer que, no caso concreto, o contrato celebrado com intervenção da Apelante, enquanto representante sem poderes, vincula a própria, que assim se torna responsável pelo pagamento dos serviços que contratou. Tem de se entender que o contrato em causa não produziu nem pode já produzir efeitos em relação à Ré B Lda, tendo esta consequentemente de ser considerada como não tendo proferido qualquer declaração contratual, nem por si própria nem por intermédio de terceiro, adquirindo direitos ou obrigando-se por força de contrato. Quem responde pelo cumprimento do mesmo é a Apelante. 2. Da boa fé Vem agora a Apelante dizer que a A. estava obrigada a verificar se quem subscrevia o contrato tinha poderes para o efeito e não o tendo feito, agiu com falta de diligência, violando o disposto no artigo 227.º do CC. Não assiste, contudo razão à Recorrente. Em abono da verdade e do princípio da boa fé que devem presidir à celebração e execução dos negócios jurídicos (arts. 227º, nº 1 e 762º, nº 2, do C.Civil), afigura-se que a posição agora assumida pela Recorrente, invocando falta de diligência por banda da A., ao não ter confirmado, aquando da celebração do contrato dos autos, se correspondia à verdade a declaração em que a Apelante se assumia como representante da Benjamim Lda, traduz a situação de alguém que, tendo celebrado um dado negócio e conseguido obter o que desejava (ao menos em termos de prestação de certa actividade, que, durante algum tempo foi paga), vem agora, porque se desentendeu com o sócio gerente da Ré e também sócio da G Lda, fazer reflectir na A. as consequências de tais desavenças, para as quais a A. não é tida nem achada. Aliás, esta posição é devidamente sancionada pelo nosso direito, justamente, por força dos ditames da boa fé negocial, ficando a consequente pretensão da Recorrente paralisada por manifesto abuso do direito, na modalidade dita do venire contra factum proprium. Esta justificada crença baseada na conduta de outrem, encontra-se abrangida pelo princípio da confiança, que é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar, sob pena de tornar insegura ou mesmo paralisar toda a interacção humana (1). Daí que seja de considerar abusivo o pedido da Recorrente de absolvição do pedido, com o argumento de que o contrato não a vincula, exercitado contra anterior comportamento gerador de confiança no outro contraente. 3. Quanto à pretendida condenação da sociedade G, que foi absolvida do pedido, cabe apenas referir que a Apelante não logrou fazer prova da sua tese. Conclui-se da leitura dos articulados e das alegações do presente recurso que existe um litígio entre as duas sociedades B, Lda e G, Lda e a Recorrente. Contudo, a Apelante não logrou fazer qualquer prova, nesta acção, do direito que agora pretende ver reconhecido de condenação da G no pedido, desconhecendo-se comprovadamente se as facturas do telefone objecto dos presentes autos eram pagas à Recorrida pela Sociedade B, Lda. O que se sabe, como se referiu, foi que várias facturas liquidadas já incluíam os valores referentes aos serviços de publicidade. Também não logrou provar que os serviços foram prestados à Sociedade G, Lda, da qual a Apelante era representante legal, além de que a Recorrente nunca assinou o contrato de prestação de serviços de publicidade nas Listas Telefónicas, em nome de outra sociedade, como também nunca requisitou linha de rede em nome da Sociedade G, Lda. Em suma, a Apelada celebrou dentro do principio da boa fé, um contrato de prestação de serviços de publicidade inserida na Listas Telefónicas, para o n° de telefone da rede 21 4866392 e o mencionado contrato foi assinado pela recorrente em nome da Benjamim Van dr Pauw Lda, sem ter poderes para o poder fazer, pelo que assim sendo, bem o entendeu o tribunal "a quo" ao condenar a aqui Apelante, nos termos que constam da sentença. IV – DECISÃO Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Apelante, Lisboa, 15 de Dezembro de 2005. (Fátima Galante) (Ferreira Lopes) (Manuel Gonçalves) ________________________ (1).-Baptista Machado, ob. cit., pag. 407. |