Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA ALIMENTOS PROVISÓRIOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/25/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1 – Sendo o Requerido 2º Secretário da Embaixada de Moçambique em Portugal, é um diplomata plenamente acreditado perante o Estado Português, gozando, por isso, de todos os direitos que lhe são conferidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. 2 – Enquanto tal, goza de imunidade de jurisdição civil do Estado Português, na providência cautelar que a Requerente contra ele moveu, a qual por ser sua esposa e por ter também nacionalidade estrangeira, goza da mesma imunidade enquanto viver com ele. 3 – A imunidade do Requerido relativamente à jurisdição civil do Estado Português não o isenta obviamente da jurisdição do Estado Moçambicano. 4 – O Tribunal a quo é, assim, absolutamente incompetente em razão da nacionalidade para conhecer desta providência cautelar especificada, constituindo esta incompetência uma excepção dilatória, oficiosamente cognoscível, cuja procedência determina o indeferimento liminar da petição inicial. (GF) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. S..., nacional da República de Moçambique, propôs contra A., seu cônjuge, também nacional da República de Moçambique e segundo secretário da Embaixada da República de ... , em Portugal, a presente providência cautelar especificada, pedindo a condenação do Requerido a prestar-lhe alimentos provisórios no valor de € 1.200,00 mensais. O Exc. mo Juiz, considerando que o Requerido é diplomata, concluiu que goza de imunidade de jurisdição civil do Estado Português, pelo que o Tribunal a quo é absolutamente incompetente em razão da nacionalidade para conhecer da causa, pelo que indeferiu in limine a petição inicial da providência. Inconformada agravou a Requerente, formulando as seguintes conclusões: 1ª – A Convenção de Viena não refere expressamente quem é diplomata, define quem são os membros da missão diplomática, qual a finalidade desta e as prerrogativas e imunidades de que gozam os seus membros. 2ª – Estabelece um princípio geral sobre a imunidade penal, civil e administrativa, relativamente à missão e a cada um dos seus membros em função não só da qualidade mas das tarefas de cada um deles. 3ª – O segundo secretário de uma embaixada é antes de mais membro do pessoal da missão com tarefas de carácter técnico e administrativo, podendo ter outras que só o chefe da missão com base no regulamento interno da mesma pode atribuir pontualmente, não é diplomata só por atribuição da categoria de segundo secretário. 4ª – A Convenção de Viena estabelece vários graus de imunidade, interessando in casu os previstos no artigo 31º e o vertido no artigo 38º designadamente e neste último caso, por via da prática de actos oficiais e no desempenho das funções de cada um daqueles agentes. 5ª – Ao Requerido aplica-se a imunidade prevista no artigo 38º da Convenção de Viena por ter residência permanente no Estado Acreditador e apenas relativamente aos actos oficiais praticados no desempenho das suas funções. 6ª - A causa é de jurisdição voluntária entre membros da missão que gozam do mesmo grau de imunidade sejam quem sejam e seja qual seja o grau de imunidade. 7ª – Estes graus de imunidade são deferidos aos membros da missão com residência permanente no Estado Acreditador, na sua relação com este Estado e com terceiros do mesmo e não entre nacionais do Estado Acreditante que gozem da mesma imunidade, especialmente em sede de Jurisdição Voluntária que o artigo 31º da Convenção não abrange porque a não refere, como a não refere qualquer outra disposição sobre imunidades naquele diploma vertidas. 8ª – O despacho recorrido viola o disposto nos artigos 31º a 38º do DL 48.295 de 27 de Março de 1968, (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas) e o artigo 52º e artigo 15º da Constituição da República Portuguesa. O Requerido contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida. 2. Com interesse para a decisão da causa relevam os seguintes factos: 1º - O Requerido é Segundo Secretário da Embaixada, em Portugal. 2º - Requerente e Requerido são ambos de nacionalidade moçambicana e casaram civilmente, em 12 de Novembro de 2005, na Embaixada da República de Moçambique. 3º - A Requerente pretende que lhe sejam fixados alimentos provisórios. 3. Antes de indagarmos qual seja a lei competente para decidir o presente conflito que opõe a Requerente ao Requerido, uma vez que se trata de dois cidadãos moçambicanos, interessa saber se o Tribunal a quo será o competente em razão da nacionalidade, por beneficiarem de imunidade de jurisdição, sendo certo que, se o não for, fica prejudicada a segunda questão. Está assente por acordo que o Requerido é Segundo Secretário da Embaixada, em Lisboa. Ora, nos termos do artigo 31º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto – Lei n.º 48295 de 27 de Março de 1968, o agente diplomático goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador. Goza também da imunidade da sua jurisdição civil e administrativa, salvo se se trata de: a) – Uma acção real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão; b) – Uma acção sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário; c) – Uma acção referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais. 2 – (...). 3 – O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução, a não ser nos casos previstos nas alíneas a), b), c), do parágrafo 1 deste artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afectar a inviolabilidade de sua pessoa ou residência. 4 – A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante. Por sua vez, o artigo 1, alíneas a) a e) especifica quem goza do Estatuto Diplomático. Assim, no âmbito da Convenção de Viena e conforme é ditame das Relações Internacionais, as categorias de Adidos, Secretários, até Embaixadores, são categorias correspondentes aos funcionários da carreira diplomática. Como tal, sendo o Agravado Segundo Secretário da Embaixada, em Portugal, é um diplomata plenamente acreditado perante o Estado Português, gozando sem quaisquer restrições de todos os direitos que lhe são conferidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e consequentemente, de imunidade de jurisdição civil do Estado acreditador, já que a situação litigiosa em causa não está exceptuada por nenhuma das alíneas do parágrafo 1 do artigo 31. Esta imunidade de jurisdição civil do Estado acreditador assenta no facto de se considerar a Embaixada território do Estado acreditante, ou seja, in casu, Moçambique (cfr. artigo 22º), gozando a residência particular do agente diplomático da mesma inviolabilidade e protecção que os locais da missão (artigo 30º, n.º 1). De resto, a Requerente, porque é cônjuge do Requerido e não tem a nacionalidade portuguesa, goza, enquanto viver com ele, de idêntica imunidade (artigo 37º). Quanto à análise e enquadramento dos factos que a Agravante faz, subsumindo - os ao artigo 38º, não nos parece que a interpretação esteja totalmente correcta. Está certa, quando, ao contrário do que antes afirmara, considera tacitamente que o Agravado é um agente diplomático. Não é correcta, quando, sem o demonstrar, apesar de sobre ela incumbir o ónus da prova (artigo 342º n.º 1 CC), considera que o Agravado, tal como a Agravante tenham residência permanente em Portugal, e que o Agravado aqui se não encontra única e exclusivamente no cumprimento de uma missão de serviço diplomático. Referindo o n.º 4 do artigo 31º que “a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante”, pretende-se dizer que a imunidade do Requerido relativamente à jurisdição civil do Estado Português não o isenta obviamente da jurisdição do Estado Moçambicano, Estado acreditante. Tal norma faz soçobrar, assim, a tese da Agravante, quando refere que “a imunidade de que se fala aplica-se aos membros da missão em cada uma das modalidades da mesma relativamente a aqui residentes permanentemente nas suas relações com terceiros – do Estado Acreditador – que não no caso em apreço, entre nacionais do estado Acreditante que gozam da mesma imunidade e especialmente em sede de Jurisdição Voluntária que o artigo 31 da Convenção não abrange porque a não requer”. In casu, esta providência tem por objecto obrigação pecuniária de alimentos, e, por isso, não se encontra exceptuada da imunidade de jurisdição de que goza o Requerido. Nestas condições o Tribunal Português é absolutamente incompetente em razão da nacionalidade para conhecer da causa. A incompetência absoluta do tribunal constitui uma excepção dilatória, oficiosamente cognoscível, cuja procedência determina ou indeferimento liminar da petição inicial, ou ultrapassada essa fase, a absolvição do réu da instância (artigos 101º, 105º, n.º 1, 288º, alínea a), 487º, n. os 1 e 2, 493º, n. os 1 e 2, 494º, alínea a) e 495º CPC) 4. Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente (artigos 446º, n. os 1 e 2 do CPC e 14º, n.º 1, do CCJ). Lisboa, 25 de Janeiro de 2007. Granja da Fonseca Pereira Rodrigues Fernanda Isabel Pereira |