Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANABELA CARDOSO | ||
| Descritores: | DANO BIOLÓGICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/10/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | - Mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou, exercendo-a, não houve perda de salário ou de rendimento, a doutrina e a jurisprudência têm sido unanimes no sentido da ressarcibilidade do dano funcional / biológico (reparação do dano futuro pela ofensa da integridade física em si, independentemente da perda da capacidade de ganho directa).
- O dano biológico implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico, compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais ou de relação, já que as lesões afectam o padrão de vida, havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida. - O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, devendo, por isso, reflectir a censura de que é merecedor o autor do facto ilícito gerador de danos, a sua situação económica e as do lesado e do titular da indemnização, os padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc. | ||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No Processo Comum, com julgamento com Tribunal Singular, nº 2424/12.1TAALM, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 1, foi, por sentença de 26 de Junho de 2017, decidido: “Tudo visto e ponderado, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decido: a) Condenar o arguido T. pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, dispensando-o de pena; b) Condenar o arguido V.pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples agravado pelo resultado, p. e p. pelos artigos 143.º e 147.º do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e subordinada à condição de pagar a T.a quantia de 5 000 € durante o período da suspensão; c) Condenar o arguido T. no pagamento de 2 UC’s de taxa de justiça e nas demais custas criminais; d) Condenar o arguido V. no pagamento de 3 UC`s de taxa de justiça e nas demais custas do processo; e) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por V.e, consequentemente, absolver o demandado T. do mesmo; f) Condenar o demandante V. nas custas cíveis do pedido de indemnização civil deduzido, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n) do Regulamento das Custas Processuais; g) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por T.e, em consequência, condenar V. no pagamento de 10 000 € àquele, acrescido de juros à taxa legal em vigor, desde a notificação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado; h) Condenar demandante e demandado no pagamento das custas cíveis pelo pedido de indemnização formulado por T., na proporção do decaimento. * Notifique. * Proceda ao depósito da presente sentença (artigo 372º, nº5, do CPP). * Remeta boletins aos Serviços de Identificação Criminal, requisitando o envio dos correspondentes certificados de registo criminal. * Após trânsito, solicite à DGRSP a elaboração de plano de reinserção social.” * 2. Não se conformando com esta decisão dela recorreu o demandante / arguido T., tendo o recurso sido admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. As conclusões da motivação de recurso são as seguintes: “I - O tribunal deveria ter dado como provado que existiram danos patrimoniais, existindo contradição entre dar como provado que não existiriam tais danos e a matéria de facto dada como provada nos pontos 14., 15. e 16. dos Factos dados como Provados. II - A decisão recorrida não arbitrou compensação para a actividade de canalizador que o Recorrido tinha e deveria tê-lo feito. III - A decisão deveria ter em causa a IPP de 25 pontos que só por si é um dano patrimonial. IV - Além de que ainda que não esteja provada uma determinada redução da capacidade de trabalho, ter-se-ia que dar como provado que o Recorrente sofreu um efectivo dano funcional/biológico - cf. ponto 5 da matéria provada. V - Mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência é hoje unânime no sentido da ressarcibilidade do dano. VI - Isto porque existe uma infinidade de tarefas despenhadas pelo nosso corpo que "perdem qualidade", pelo que terão de ter expressão com valor patrimonial, pois que o Recorrente deixou de dispor da plenitude das suas capacidades corporais/físicas/fisiológicas/funcionais. VII - Sendo que no nosso caso, a perda do olho esquerdo condiciona e limita a vida futura nas suas tarefas diárias. VIII - Assim, deverá o recorrente ser ressarcido em termos de danos patrimoniais por uma quantia não inferior a 20 000, 00 euros. IX - Quanto aos danos não patrimoniais entende o Recorrente que a quantia de 10 000, 00 euros é desajustada em face do critério legal seguido pela jurisprudência para casados de gravidade relativa semelhante, tendo em vistas os tratamentos médicos, as operações a que foi sujeito, as dores, as angústias e as sequelas permanentes da lesão, além da parte estética e psicológica relacionadas sempre com este tipo de lesões de perda de vista. X- Entende o Recorrente que deveria ser ressarcido na quantia de 20 000,00 euros a título de danos não patrimoniais. XI - No modesto entender do Recorrente, só se fará justiça se o arguido V. ficar obrigado a um pagamento mais significativo para ver a suspensão da sua pena de prisão, valor esse que não deverá ser inferior a 20 000, 00 euros. XII - E certo que ambos foram arguidos, é certo que lamentavelmente não se provou que foi o arguido V. que começou a agredir o Recorrente, todavia, não se provou qualquer lesão neste, pelo que, no modesto entender do Recorrente, não se pode aceitar a sua conduta grave e traiçoeira de que resultou - e resultará - tanto sofrimento para a vida do Recorrido, quando tudo levava a pensar que tinham terminado as agressões. Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o ora requerido ser diferido, revogando-se a douta sentença e o arguido ser condenado em conformidade, fazendo-se a acostumada justiça.” * 3. O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu a este recurso, concluindo que deve ser concedido provimento parcial ao mesmo, nos seguintes termos: “I — A presente resposta respeita ao recurso interposto por T., da douta sentença proferida nos autos, em que o mesmo alega e pretende, em síntese, o seguinte: Tendo em conta as conclusões que delimitam o objecto do recurso, o recorrente arguido pretende ser indemnizado por danos patrimoniais e danos "funcionais biológicos" peticionados mas não tidos em conta na douta sentença recorrida; bem como seja de valor mais elevado a condição de suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado. II — Entendo que o recorrente, tem parcialmente razão pelos motivos que passo a expor: Quanto à conclusão I), é verdade que não constam dos factos não provados que não existiram danos patrimoniais, contudo refere expressamente a douta sentença a fls. 439, que "não resultaram provados os danos patrimoniais, razão pela qual, nesse particular, importa/ absolver o demandado do peticionado ". A indemnização por esses danos foi peticionada atentos nomeadamente os pontos 29°, 30° e 23° e o pedido do PIC. Consequentemente, quanto à conclusão II) assiste também razão ao recorrente. Bem como tem razão ao classificar o dano referido em III) que existe e foi dados como provado, como "patrimonial" "biológico", comportando indemnização, para o que importa apurar a profissão, actividades desportivas ou de lazer e idade do lesado, ainda que aposentado. (…) Daqui resulta claro também que assiste razão ao recorrente ao pretender seja fixada indemnização pelo dano funcional biológico referido em IV das conclusões. Tal como evidentemente são indemnizáveis os alegados danos no PIC referidos em V, VI e VII das conclusões, recorrendo se necessário a critérios de equidade. (…) Concordo com os valores avançados pelo recorrente em VIII, IX e X. Apenas quanto ao valor de que depende a condição de suspensão da pena de prisão, atentas as condições pessoais, de vida e económicas do arguido, entendo ser o adequado, concordando nesta parte com a douta sentença recorrida.” * 4. Ao recurso interposto respondeu, também, o demandado / arguido V., dizendo, em conclusão, que não se entende o alcance dos fundamentos de recurso apresentados, pelo que deverá ser mantida a decisão recorrida. * 5. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta não emitiu parecer, por entender que as questões a dirimir no recurso interposto se reportam a direitos disponíveis, que o Ministério Público não representa. * 6. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência. * Questão prévia: 7. O demandante recorrente, além do mais, pede que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido V. fique condicionada a um pagamento mais significativo do que foi, valor esse que não deverá ser inferior a 20.000,00 euros. Apreciando a admissibilidade, desta parte, do recurso: O aqui recorrente assume nos autos, para o que aqui nos importa, a posição de parte civil – demandante, pelo que, conforme preceitua o art. 401º nº 1 al. c) do CPP, apenas pode recorrer da parte da sentença contra ele proferida, sendo, também, certo, nos termos do nº 4 da mesma disposição legal, que não pode recorrer quem não tem interesse em agir. Como se refere no “Código de Processo Penal Comentado”, Antunes Gaspar e Pereira Madeira, em anotação do art. 401º, p. 1288: “As partes civis também têm a sua legitimidade circunscrita à medida da sua sucumbência. O autor só pode recorrer da decisão que absolva o demandado ou o condene em medida inferior ao pedido. O demandado só o poderá fazer se condenado para além do que aceita ser por si devido. De notar, além disso, que a recorribilidade da decisão do pedido cível está, em qualquer caso, previamente subordinada ao critério da sucumbência, nos termos previstos no nº 2 do art. 400º”. No mesmo sentido, cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, anotação 12, ao art. 401º, p. 1029, ao referir que o demandante civil não tem legitimidade para, no recurso da matéria civil, pôr em causa, ainda que indirectamente, a parte penal da sentença. Como decidiu, relativamente a quem assume a posição de assistente nos autos, o STJ no Ac. nº 8/99, de 30 de Outubro (DR, I série, de 10 de Agosto de 1999): “O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”. “O assistente, porque portador de interesses alheios àquelas ideias e exigências transcendentes que o Estado visa acautelar com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida” – Ac. do TRLisboa de 22.09.2016, disponível in www.dgsi.pt. Está subjacente a este entendimento a ideia que a decisão que contrarie o assistente ou o afecte só pode ser aquela que contrariar posições processuais por ele assumidas. No caso, o recorrente nem sequer tem a posição de assistente nos autos, limitando a sua intervenção à questão cível. Ora, os termos em que foi suspensa a execução da pena de prisão em que o arguido V. foi condenado, nomeadamente o valor de que depende a condição de suspensão da execução dessa pena, não contraria qualquer posição processual assumida e sustentada pelo demandante civil no processo, que já viu o arguido ser condenado no pagamento da indemnização (ainda que parcial e, por isso, nessa parte recorrível), não se podendo admitir que, num sistema de justiça pública, cujo promotor é o Ministério Público, o demandante civil possa subverter o sistema pugnando pela aplicação de uma pena, ou dos termos em que a mesma é aplicada, quando o próprio Ministério Público entende ser a mesma justa – neste sentido cf., entre outros, os Acs do TRC de 17.03.1993, in CJ XVIII, 2, 56, do TRP de 03.05.1995, in CJ XX, 3, 248, do TRGuimarães de 21 de Junho de 2014 e do TRPorto de 20 de Junho de 2012, estes dois últimos disponíveis in www.dgsi.pt. Assim sendo, e no que concerne aos termos em que a decisão recorrida decidiu a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido V., porque o demandante civil não foi afectado por essa parte da sentença, carece, quanto à mesma, de legitimidade para recorrer, o que aqui se determina, não se admitindo, nessa parte, o recurso. * O objecto da restante parte do recurso, tal como ressalta das conclusões da motivação, versa a apreciação da seguinte questão: Consequências do crime praticado pelo arguido V. na vertente: - dos danos patrimoniais; e - dos danos não patrimoniais. * 8. Observemos o que consta da decisão recorrida, quanto à factualidade provada e não provada e sua fundamentação: “II. Fundamentação de facto: 2.1. Factos Provados: Com interesse para a decisão da causa resultou assente a seguinte factualidade: 1. No dia 25/3/2012, entre as 15h30 e as 16 horas, na Rua …, na Costa da Caparica, junto ao estabelecimento de café “P.”, o arguido V. e o arguido T. envolveram-se em discussão, por motivos não concretamente apurados. 2. De seguida, os arguidos atingiram-se mutuamente com empurrões, socos e pontapés, desconhecendo-se quem iniciou a contenda. 3. Nesse momento, P.M. dirigiu-se aos arguidos, colocou-se no meio dos dois e esticou os braços, afastando-os, com a intenção de impedir que o confronto físico continuasse, o que conseguiu. 4. Momentos depois, repentina e inesperadamente, quando P.M. ainda se encontrava no meio dos dois arguidos, o arguido V. desferiu um soco que atingiu o olho esquerdo do arguido T.. 5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido V., o arguido T. sofreu ferida conjuntival e escleral suturadas, hifema total, hemovítreo de luxação do cristalino do olho esquerdo, lesões que lhe causaram 120 dias de doença, sendo os primeiros 90 dias com incapacidade para o trabalho. 6. Como consequência directa e necessária daquelas lesões, durante o seu internamento no Hospital Garcia de Orta, o arguido T. manteve o olho esquerdo amaurótico (sem percepção luminosa), hipotónico e muito doloroso, existindo o risco de phtisis bulbi, vindo a realizar-se evisceração do olho. 7. Como consequência permanente da conduta referida em 4), o arguido T. sofreu a perda do olho esquerdo. 8. O arguido V. agiu com intenção de atingir o corpo de T., bem sabendo que lhe poderia causar alguma lesão, como causou. 9. O arguido V. sabia que o olho é um órgão sensível, susceptível de ser ofendido com grande facilidade, tendo agido de forma imprudente e não cuidada, sendo-lhe exigível outra determinação. 10. O arguido T. agiu com intenção de molestar o corpo e a saúde do arguido V., conforme quis e concretizou. 11. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 12. Como consequência do referido em 7), o arguido T. sofreu dores. 13. O olho direito de T. tem cataratas. 14. Em virtude da agressão referida no ponto 4), T. sofre de uma incapacidade de 25 pontos. 15. T. fazia trabalhos ocasionais como canalizador. 16. T. deixou de realizar os trabalhos referidos no ponto que antecede, em virtude da agressão referida em 4). 17. Por força da agressão identificada em 4), T. sentiu-se angustiado e revoltado. 18. Os arguidos não têm antecedentes criminais. 19. O arguido T. completou o 4.º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar aos 13 anos. 20. O arguido T. recebe 332€ a título de reforma. 21. O arguido T. é casado e a sua mulher é porteira, auferindo o salário mínimo nacional. 22. O arguido T. reside com a mulher em casa arrendada, sendo o valor da renda parte integrante do salário da mulher. 23. O arguido V. completou o 4.º ano de escolaridade e encontra-se reformado, recebendo 616€ de reforma. 24. Reside em casa de familiares e a sua mulher trabalha. * 2.2. Factos não provados: Não se provou que: A. O arguido V. tenha tido intenção de atingir o olho esquerdo de T., sabendo que se trata de órgão sensível, susceptível de ser ofendido com grande facilidade, tendo consciência de que poderia causar-lhe a cegueira, conforme quis e concretizou. B. V. tem uma prótese na perna esquerda. C. T. pontapeou com mais insistência a perna esquerda de V.. D. V. sentiu dores muito fortes e tomou analgésicos para as dores. E. V .ficou a coxear da perna vários dias e até hoje sente dores na região atingida pelos pontapés, tendo as cicatrizes na cara e orelhas permanecido durante semana e meia. F. V. continua a sofrer dores na perna esquerda. G. Em virtude do descrito nos pontos anteriores, V. ficou entristecido. H. T. recebia cerca de 100 € mensalmente por força dos trabalhos ocasionais que prestava como canalizador. * 2.3. Fundamentação da matéria de facto provada: (…)* III. Enquadramento jurídico: A. Do crime de ofensa à integridade física simples: O arguido T. vem acusado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal. A doutrina tem entendido qualificar este tipo de crime como de resultado, exigindo-se que da conduta do arguido resulte objectivamente uma ofensa efectiva à integridade física ou psíquica do ofendido, entendendo-se ainda que tal ofensa deve ser juridicamente relevante, isto é, tem de ter uma conotação negativa expressiva. O bem jurídico protegido é, assim, tal como resulta da análise sistemática do artigo, a integridade física da pessoa humana, como corolário do direito à inviolabilidade pessoal, previsto nos artigos 25.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 70.º do Código Civil, tanto na sua vertente física, como psíquica, tendo por isso carácter dualista. Na esteira do defendido por Rui Carlos Pereira, «juntamente com a vida, a liberdade e a segurança, a integridade pessoal inclui-se num núcleo de direitos fundamentais que constituem verdadeiras condições antropológicas do livre desenvolvimento da personalidade. Trata-se de direitos cuja denegação afecta irremediavelmente, a essencial dignidade da pessoa humana». Considera-se que o objecto da acção criminosa é o corpo humano da vítima, bastando para o preenchimento do tipo legal a verificação do resultado descrito. Como sublinha Paula Ribeiro de Faria, o tipo objectivo de ilícito fica preenchido com a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma eventual incapacidade para o trabalho, sendo irrelevantes os meios utilizados pelo agressor ou a duração da agressão, embora estas circunstâncias possam ser tomadas em linha de conta pelo julgador para determinação da medida da pena. Salienta Maia Gonçalves que ofensa no corpo é toda a alteração ou perturbação da integridade corporal, do bem-estar físico ou da morfologia do organismo, sendo ofensa na saúde toda a alteração ou perturbação do normal funcionamento do organismo que, em qualquer caso, não sejam insignificantes. É o que Figueiredo Dias apelida de «cláusula restritiva de inadequação social». Resultou demonstrado que o arguido, no contexto de uma discussão com V., se envolveu com este aos murros e pontapés, o que fez de modo livre, voluntário e consciente, mostrando-se preenchidos todos os elementos do tipo. No que respeita às causas de justificação, importa considerar que a lesão da integridade física pode ter lugar em sede de legítima defesa, apesar de não se admitir legítima defesa contra agressões insignificantes. O artigo 32.º do Código Penal prescreve a este respeito: «constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro». Com efeito, para se consubstanciar uma situação de legítima defesa, importa que se verifiquem os seguintes requisitos: a) actualidade ou iminência da agressão (entendido como o momento até ao qual a defesa é susceptível de deter a agressão); b) ilicitude da agressão; c) animus defendendi; d) impossibilidade de recurso à força pública; e) adequação do meio empregue no afastamento da agressão (traduzida na utilização do meio menos gravoso para o agressor) – princípio da necessidade. Adiante-se, desde já, que o juízo de necessidade a que alude a legítima defesa se reporta ao momento da agressão, tem natureza ex ante e nele deve ser avaliada objectivamente toda a dinâmica do acontecimento, devendo merecer especial atenção as características pessoais do agressor, os instrumentos de que este possui, a intensidade e a surpresa do ataque, em contraposição com as características pessoais do defendente e os instrumentos de que este poderia ter lançado mão. No caso concreto, o tribunal entende não se mostrarem preenchidos os requisitos a que alude o citado preceito legal. Com efeito, não resultou provado que o arguido V. tenha iniciado a contenda e que o arguido T. tenha agido apenas com intenção de se defender, razão pela qual se afasta a aplicação do artigo 32.º do Código Penal. Por esse motivo, o tribunal entende que inexiste qualquer causa de justificação da conduta adoptada pelo arguido. Todavia, e sendo a conduta do arguido ilícita [como supra se concluiu], importa considerar que houve lesões recíprocas, não se tendo logrado provar qual dos contendores agrediu primeiro. Com efeito, os arguidos envolveram-se em confronto físico, do qual resultaram lesões para ambos, não tendo sido produzida prova contundente sobre qual dos arguidos agrediu primeiro. Para efeitos do disposto no artigo 143.º, n.º 3, alínea a), visando apurar-se se deverá ou não haver lugar à dispensa da pena, importa apurar se se mostram preenchidos os requisitos gerais de dispensa de pena a que alude o artigo 74.º do Código Penal [designadamente por força do previsto no n.º 3 do citado preceito]. Os requisitos cumulativos previstos no artigo 74.º, n.º 1 do Código Penal são: - que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas; - que o dano tenha sido reparado; - que à dispensa de pena se não oponham razões de prevenção. No caso concreto, entendo mostrarem-se preenchidos todos os pressupostos a que alude o citado normativo, porquanto a ilicitude e culpa do agente foram diminutas [atendendo ao tipo de agressão desferida e ao contexto em que a mesma ocorreu], não foram invocados danos que mereçam tutela penal e não existem razões de prevenção que se oponham à dispensa de pena [atente-se que o arguido não tem averbados quaisquer antecedentes criminais]. Nestes termos, determino a dispensa de aplicação de pena ao arguido T.. Atenta a natureza do crime praticado, e atendendo às diligências efectuadas, vai o arguido condenado em taxa de justiça que fixo em 2 UC’s. * B. Do crime de ofensa à integridade física grave: Vem o arguido V. acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea a) do Código Penal. Estabelece o citado preceito: «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente; (…) É punido com pena de prisão de dois a dez anos.» No caso concreto, dúvidas não restam de que foi o murro desferido por V. no olho esquerdo de T. a causa adequada da evisceração do olho e da consequente perda de tal órgão fundamental, que integra um dos cinco sentidos do ser humano. Todavia, no que diz respeito ao tipo subjectivo, não resultou provado que o arguido V. tivesse agido com o intuito de causar a perda do olho de T.ou que tenha agido conformando-se com esse resultado. Por esse motivo, entendo ter resultado provado que o arguido V. agiu determinado a agredir T., tendo de tal agressão resultado a perda do olho esquerdo deste, consequência que V. não previu na sua actuação. Assim, dado que da agressão levada a cabo de forma dolosa teve lugar um resultado não previsto pelo agente (a perda de um olho, resultado este imputável ao agente a título negligente), entendo proceder a uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido V., entendendo-se que os mesmos enquadram a prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, agravado pelo resultado, nos termos do disposto no artigo 147.º, n.º 2, ambos do Código Penal. * IV. Medida concreta da pena: Realizado pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar, considerando que o crime imputado ao arguido é punido com pena de prisão até três anos e nove meses ou com pena de multa. O Código Penal traça um sistema punitivo que parte do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. A determinação da medida concreta da pena será efectuada segundo os critérios consignados no artigo 71.º do Código Penal. Este dispositivo impõe o entendimento de que o julgador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Segundo Figueiredo Dias o poder punitivo do Estado exerce-se «primariamente no sentido do controlo do crime; ou vistas as coisas do outro lado, no sentido da protecção das condições essenciais da vida do homem na comunidade e, assim, de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada um». Saliente-se que o Tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. Assim, a aplicação de pena de substituição depende, em primeira linha, de considerações de prevenção especial, nomeadamente das exigências de socialização, e de prevenção geral em função das expectativas da comunidade e da garantia de defesa do ordenamento jurídico. No caso concreto, há a ponderar: - A média/elevada ilicitude da conduta – o arguido V. agiu de forma inesperada, no momento em que já havia terminado a contenda, tendo provocado a perda do olho esquerdo de T.; - O grau de intensidade do dolo, que é directo; - O modo como o arguido se encontra inserido na sociedade – encontra-se social e familiarmente inserido; - A ausência de antecedentes criminais do arguido. Deste modo, tendo em conta as considerações da prevenção geral e especial, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, verifica-se que só uma pena de prisão se mostra suficiente a acautelar as finalidades da punição. Assim, considera o Tribunal que ponderando conjuntamente as circunstâncias atrás referidas, as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes e atendendo à moldura penal prevista para o crime de ofensa à integridade física cometido, agravado pelo resultado, tem-se por adequado aplicar ao arguido a pena de um ano e seis meses de prisão. Atendendo às circunstâncias do caso concreto, cumpre apurar se se mostram reunidos os pressupostos de aplicação do instituto de suspensão da execução de pena, previsto no artigo 50.º do Código Penal. Nos termos do n.º 1 deste artigo, na versão actualmente em vigor, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição». Ensina Figueiredo Dias que «pressuposto da aplicação material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente». A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, tendo por base o princípio ressocializador que orienta o nosso ordenamento jurídico-penal. Tendo presente a matéria de facto apurada, pode concluir-se que a ideia da prevenção encontra eco na matéria de facto dada como provada. Com efeito, verifica-se que o arguido não tem antecedentes criminais, entendendo o tribunal que a execução da pena de prisão não contribuirá para o reforço da sua consciência cívica, não favorecendo a sua integração sócio-comunitária. A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que pode salvaguardar as expectativas comunitárias na validade das normas violadas e, ao mesmo passo, aqui prioritariamente, conduzir o arguido para parâmetros de comportamento mais adequados aos valores sociais dominantes. Assim, sem embargo da potencialidade do risco de cometer novos delitos, neste momento a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo mesmo período (artigo 50.º, n.º 5), sujeitando-se a suspensão a regime de prova. Mais se determina, como condição da suspensão da pena de prisão aplicada, que o arguido efectue, no período da suspensão, o pagamento da quantia de 5 000 € (cinco mil euros) ao ofendido T., a título de reparação pelos prejuízos causados [a deduzir no montante fixado a título de indemnização requerida no pedido de indemnização civil], nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. Atenta a natureza do crime praticado e as diligências efectuadas, vai o arguido V.condenado em 3 UC de taxa de justiça. * V. Pedido de indemnização civil: Sob a epígrafe “responsabilidade civil emergente de crime” dispõe o artigo 129.º do Código Penal: «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil», logo, nos termos do disposto nos artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil. O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos encontra-se consagrado no artigo 483.º do Código Civil: «1 – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 – Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei». Da simples leitura do preceito conclui-se que são vários os pressupostos que, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesado. São elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude do facto; o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Verificados todos estes pressupostos, o agente fica constituído na obrigação de indemnizar. Na operação de determinação do respectivo montante da indemnização, cumpre distinguir o dano patrimonial ou material do dano não patrimonial. No respeitante aos danos patrimoniais, importa aferir a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação – meramente hipotética – em que este se encontraria caso não se tivesse verificado o facto lesivo, devendo considerar-se não só os danos emergentes de tal facto, como também os lucros cessantes, isto é, os benefícios que o lesado deixou de auferir em virtude da verificação do dano. Com efeito, tal como prevê o artigo 562.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria «se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». O princípio fundamental que tutela esta matéria é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, por ser esta a forma mais genuína de reparação, excepto se a reconstituição não for possível, por não reparar integralmente os danos ou por ser excessivamente onerosa para o devedor – conforme n.º 1 do artigo 566.º do citado diploma. Da conjugação dos dois referidos artigos, resulta, assim, que a lei pretere a indemnização em dinheiro pela reconstituição natural. A par destes danos pecuniários avaliáveis, outros prejuízos há que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome), apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente. Com efeito, a indemnização por danos não patrimoniais não consubstancia uma indemnização em sentido próprio, na medida em que não visa repor as coisas no estado em que existiam antes da prática do facto danoso, mas sim proporcionar uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido. Neste sentido, no Acórdão da Relação do Porto de 9 de Julho de 1998, entendeu-se que «mais do que uma verdadeira indemnização o montante em dinheiro a arbitrar por danos não patrimoniais representa antes a possibilidade de o lesado conseguir outros prazeres que, de alguma forma, lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão». O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil delimita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais «aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Como refere A. Varela, a gravidade do dano deve ater-se a padrões objectivos «e não à luz de factores subjectivos». Em conformidade com o n.º 3 da aludida disposição, «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º». Como ensina Ana Prata, «chama-se juízo de equidade àquele em que o juiz resolve o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que parece ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação». Com efeito, a equidade pauta-se por uma decisão por parte do tribunal que seja o mais justa possível para o caso concreto, com abstracção de critérios formais, puros ou rigorosos que se encontrem fixados na lei. Deve atender-se assim, nos termos desta disposição, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular do direito de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência. Em suma, a indemnização por danos não patrimoniais deve tender efectivamente a confortar o lesado, com um alcance significativo e não meramente simbólico, observando, porém, uma ponderada e adequada proporção à gravidade do dano. * V. deduziu pedido de indemnização cível contra o demandado T., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 1 250 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais pelas dores sofridas. Analisemos, então, se in casu se verificam os elementos constitutivos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Quanto ao primeiro factor a ter em consideração, o tribunal deu como provados os factos ilícitos, pois o demandado cível praticou os factos descritos supra que consubstanciam a prática de um crime de ofensa à integridade física. Ficou igualmente provado que o agente actuou com dolo, o que significa que o pressuposto da actuação culposa do demandado/arguido também se mostra preenchido. Todavia, não resultaram provados quaisquer danos, razão pela qual, falecendo tal elemento, importa concluir pela absolvição do demandado do pedido de indemnização civil contra si formulado. As custas cíveis ficarão a cargo da parte que a elas deu causa, o demandante V., sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n) do Regulamento das Custas Processuais. * T. deduziu pedido de indemnização cível contra o demandado V., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 45 000 (quarenta e cinco mil euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pelas dores sofridas. Analisemos, então, se in casu se verificam os elementos constitutivos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Quanto ao primeiro factor a ter em consideração, o tribunal deu como provados os factos ilícitos, pois o demandado cível praticou os factos descritos supra que consubstanciam a prática de um crime de ofensa à integridade física simples agravado pelo resultado. Ficou igualmente provado que o agente actuou com dolo quanto à agressão física, o que significa que o pressuposto da actuação culposa do demandado/arguido também se mostra preenchido. Não resultaram provados os danos patrimoniais, razão pela qual, nesse particular, importa absolver o demandado do peticionado. Por outro lado, provou-se que os danos não patrimoniais advieram em consequência dos ilícitos praticados, ou seja: o demandante, por força do murro que lhe foi desferido no olho perdeu tal órgão, perda essa definitiva. Relativamente ao nexo causal, também ficou provado que os danos resultaram como consequência directa e necessária da actuação ilícita do demandado/arguido. Relativamente aos danos não patrimoniais, tendo em conta o tipo de factos imputados, que violaram de forma ilícita e dolosa a integridade física do ofendido, atendendo ao circunstancialismo em que o foram e as repercussões que tiveram no lesado, determinando a sua cegueira do olho esquerdo, entende o Tribunal, de acordo com os critérios determinados pela lei civil, fixar como compensação a quantia de €. 10 000,00 (dez mil euros), acrescida de juros legais, desde a data da notificação até efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. Assim, julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condeno o demandado no pagamento da quantia de 10 000 € (dez mil euros), acrescidos de juros legais, desde a data da notificação até efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. As custas do decaimento no pedido de indemnização civil ficarão a cargo de demandante e demandado, na proporção do decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.” ******* 9. Apreciando, agora, o objecto do recurso aqui em causa: -Dos danos patrimoniais: O recorrente veio recorrer da parte da decisão recorrida que considerou não se terem provado danos patrimoniais, não arbitrando, por isso, qualquer indemnização a esse título, invocando que existe contradição entre este facto (não existência de danos patrimoniais) e os pontos 14, 15 e 16 dos factos dados como provados. O recorrente pretende, assim, ser indemnizado por danos patrimoniais, na vertente de danos funcionais / biológicos, peticionados, provados, mas não tidos em conta na sentença recorrida. Apreciando: Efectivamente, ainda que não conste dos factos não provados, afirma expressamente a decisão recorrida (cf. fls. 439) que “não resultaram provados os danos patrimoniais, razão pela qual, neste particular, importa absolver o demandado do peticionado.” Ora, no pedido de indemnização civil deduzido pelo aqui recorrente havia sido peticionada a condenação do arguido / demandado no pagamento de indemnização, a título de danos patrimoniais, segundo critérios de equidade, num valor não inferior a 10.000,00 euros, por referência ao art. 23º da peça em causa, onde se alegou que “o ofendido, que, à data dos factos, tinha 65 anos, além de já estar reformado, fazia trabalhos de construção civil na parte referente a esgotos e canalizações”. Para o que aqui nos interessa o tribunal recorrido considerou provado, para além do mais, que: “4. Momentos depois, repentina e inesperadamente, quando P.M. ainda se encontrava no meio dos dois arguidos, o arguido V. desferiu um soco que atingiu o olho esquerdo do arguido T.. 5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido V., o arguido T. sofreu ferida conjuntival e escleral suturadas, hifema total, hemovítreo de luxação do cristalino do olho esquerdo, lesões que lhe causaram 120 dias de doença, sendo os primeiros 90 dias com incapacidade para o trabalho. 6. Como consequência directa e necessária daquelas lesões, durante o seu internamento no Hospital Garcia de Orta, o arguido T. manteve o olho esquerdo amaurótico (sem percepção luminosa), hipotónico e muito doloroso, existindo o risco de phtisis bulbi, vindo a realizar-se evisceração do olho. 7. Como consequência permanente da conduta referida em 4), o arguido T. sofreu a perda do olho esquerdo. 8. O arguido V. agiu com intenção de atingir o corpo de T., bem sabendo que lhe poderia causar alguma lesão, como causou. 9. O arguido V. sabia que o olho é um órgão sensível, susceptível de ser ofendido com grande facilidade, tendo agido de forma imprudente e não cuidada, sendo-lhe exigível outra determinação. 10. O arguido T. agiu com intenção de molestar o corpo e a saúde do arguido V., conforme quis e concretizou. 11. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 12. Como consequência do referido em 7), o arguido T. sofreu dores. 13. O olho direito de T. tem cataratas. 14. Em virtude da agressão referida no ponto 4), T. sofre de uma incapacidade de 25 pontos. 15. T. fazia trabalhos ocasionais como canalizador. 16. T. deixou de realizar os trabalhos referidos no ponto que antecede, em virtude da agressão referida em 4).” Não existe qualquer dúvida que se verificam, no caso, os pressupostos do dever de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil extracontratual, a saber: facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano. A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil. Como refere, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 591, 7ª edição: “Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”, e, segundo o mesmo autor, ao lado do dano assim definido, há “o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”. Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado. “O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” - Antunes Varela, obra citada, pág. 593. A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, a lei contempla também a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados – art. 496º, n.º 1, do Código Civil – por atingirem bens do patrimonial moral intangível, direitos de personalidade de carácter absoluto como a incolumidade física. O art. 566º do citado Código consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade. Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos, ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil. “A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” – Antunes Varela, obra citada, pág. 906. A lei consagra a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º nº2 do Código Civil. E o art. 564º nº2 do Código Civil manda atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis. O n.º3 do art. 566º do Código Civil confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível, face, mormente, à imprecisão dos elementos de cálculo a atender, fixar o valor exacto dos danos. O recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade. As fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas – cf., neste sentido, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 26.01.2016, in CJ Ac STJ, Ano xxiv, t. 1, p, 324. Como se pode ler no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.3.97, in CJ/STJ, 1997, II, 24: “Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”. A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida (longevidade). Como se refere no já citado o Ac. do STJ de 26.01.2016, in CJ Ac STJ, Ano xxiv, t. 1, p, 324, “Sem dúvida, que é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia ou não e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual será o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, o progresso tecnológico com repercussão no emprego, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, os impostos. Daí que, nos termos do nº3 do art. 566º do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.” Reportando-nos, agora, ao caso em apreço, observamos que o recorrente, em consequência da apurada conduta do arguido, “sofreu a perda do olho esquerdo”. Mais se apurou que “em virtude da agressão de que foi vítima sofre de uma incapacidade de 25 pontos; fazia trabalhos ocasionais como canalizador; deixou de realizar os trabalhos referidos no ponto que antecede, em virtude da agressão referida em 4) ”. A sentença recorrida considerou que não resultaram provados danos patrimoniais, mas sem fazer qualquer referência a que está em causa um maior esforço despendido na actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional, sendo, hoje, indiscutível que se trata de um dano patrimonial futuro, indemnizável, com base na equidade, como dano biológico. Com efeito, é inequívoco que o recorrente, em consequência do comportamento do arguido, tem uma incapacidade – IPP de 25 pontos, que, só por si, é um dano patrimonial, que o afecta no âmbito da sua vida diária, quer no aspecto familiar, quer social, quer na actividade profissional, designadamente para a actividade de canalizador que o Recorrente tinha. Mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou, exercendo-a, não houve perda de salário ou de rendimento, a doutrina e a jurisprudência têm sido unanimes no sentido da ressarcibilidade do dano funcional / biológico (reparação do dano futuro pela ofensa da integridade física em si, independentemente da perda da capacidade de ganho directa). Efectivamente, existe uma infinidade de tarefas desempenhadas pelo corpo, no dia-a-dia, para além da actividade profissional específica propriamente dita, que são afectadas no seu exercício diário, pois, embora possam continuar a ser exercidas, perdem qualidade, exigem do lesado maior dispêndio de energia, de tempo, de desgaste físico adicional, que, não fosse o dano, seriam dirigidos para outras tarefas, com real e efectivo valor económico / patrimonial, consequência de o lesado ter deixado de dispor da plenitude das faculdades do seu corpo ao nível dos sentidos ou das capacidades corporais, físicas, fisiológicas, funcionais, que terão de ter expressão com valor patrimonial. No caso, o recorrente, embora não tenha visto reduzido o rendimento auferido no exercício da sua actividade profissional, por se encontrar reformado, vê-se, contudo, diminuído fisicamente, pela perda do olho esquerdo, que o levou à cegueira, pois, embora, dispondo de outro olho, reduz de forma significativa o sentido da visão essencial ao desempenho das tarefas do dia-a-dia, desde as tarefas domésticas até aos pequenos trabalhos indiferenciados, passando pelas actividades de lazer. A indemnização, como vimos supra, não sendo possível a restauração natural, visa colocar o lesado na situação em que este estaria se não fosse o evento lesivo. A indemnização em dinheiro, restituição por equivalente, deve partir da situação do lesado, antes do evento lesivo, e projectá-la no futuro para ressarcir o dano não só directo (emergente), como o dano futuro previsível (lucro cessante). A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral representa, em si mesma, um dano patrimonial. “O lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente, prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho (diminuição da capacidade geral de ganho) ” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.1.2004, acessível no sítio da Internet – www.dgsi.pt. A decisão recorrida não teceu qualquer consideração sobre a indemnização do dano biológico sofrido pelo recorrente, por causa das lesões irreversíveis que, afectando a sua visão, se repercutirão pela sua vida activa expectável e na sua longevidade. “A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima. É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt e o Ac. do STJ de 26.01.2016, in CJ Ac STJ, Ano xxiv, t. 1, p, 324. “O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. Nº 07B2957 – in www.dgsi.pt. O dano biológico implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico, compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais ou de relação, já que as lesões afectam o padrão de vida, havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida – vide Ac. do STJ de 26.01.2016, in CJ Ac STJ, Ano xxiv, t. 1, p, 324. “O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão do Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt. “O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt. A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, tendo em conta o rebate das sequelas na actividade laboral cujo exercício será mais penoso com o decurso do tempo. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.6.2015 – 1166/10.7TBVCD.P1.S1 – in www.dgsi.pt – de que foi Relatora a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza – sobre o dano biológico, pode ler-se: “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, Proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, Proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que “os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cf. também os acórdãos do Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, Proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, Proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – Acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, Proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cf. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, Proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;“uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º” (acórdão do Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1)”. O dano biológico resulta da afectação da integridade psicossomática da pessoa e deve ser primordialmente qualificado como dano patrimonial se o acidente causou ao lesado sequelas físicas permanentes que, se no imediato e por razões conjunturais não afectam o aferimento de réditos laborais, no futuro terão repercussão na actividade física do lesado, do ponto em que a sua capacidade laboral está irreversivelmente afectada. O dano é assim presente e futuro devendo, por regra, ser indemnizável como dano patrimonial. De notar que a Portaria nº377/2008, de 26.5, regulamentadora do DL.nº291/2007, de 21.9, autonomizou a categoria do “dano biológico” no contexto da chamada “proposta razoável de indemnização”, que incumbe às seguradoras apresentar às vítimas de acidentes de viação para efeito de composição amigável da indemnização por danos sofridos – cf. o Ac. do STJ de 26.01.2016, in CJ Ac STJ, Ano xxiv, t. 1, p, 324 Visando a indemnização repor a situação que existia à data do acidente (o evento lesivo), e sendo um dos elementos nucleares do cálculo, sempre aleatório, da perda da capacidade de ganho, que é um dano futuro, o salário, a idade do lesado, o grau de incapacidade, o tempo provável de vida activa laboral e a esperança de vida, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros factores, como sejam o progresso tecnológico, a política fiscal e de emprego, as regras da legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade, a lei aponta como critério determinante a equidade – nº3 do art. 566º do Código Civil. “É entendimento pacífico entre nós que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida” – cf. Acs. STJ de 17/2/92, in BMJ, 420, 414, de 31/3/93 in BMJ, 425, 544; de 8/6/93 in ACSTJ, II, 138; de 11/10/94 in ACSTJ, II, 8916/3/99 in ACSTJ, I, 167; de 15/12/98 in ACSTJ, III, 155. A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida, daí que haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos futuros – nº3 do art. 566º do Código Civil. A indemnização por lesões físicas permanentes não deve apenas atender à capacidade laboral do lesado, enquanto trabalhador por conta própria ou de outrem, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade. Reportando-nos ao caso em apreço e sendo incontestável que a perda do olho esquerdo condiciona de forma significativa, limitando-a, com repercussões, desde logo, na vida futura do recorrente, na perspectiva do exercício da generalidade das tarefas do dia-a-dia, constituindo menos valia física permanente, em função do grau de incapacidade actual de 25%, implicando maior penosidade com o decurso da idade e considerando a idade do lesado, reputa-se equitativa – nº3 do art. 566º do Código Civil – a compensação por danos patrimoniais, a indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros), o que se determina, nesta parte se dando provimento parcial ao recurso. * - Dos danos não patrimoniais: O recorrente insurge-se, também, em sede de recurso, quanto ao valor indemnizatório atribuído, na sentença recorrida, em termos de danos não patrimoniais – 10.000,00 euros - que considera diminuto, em face da matéria provada. Apreciando: Dispõe o art. 496º do Código Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. (...) 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.” Como ensina Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571, “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”. E nos termos do preceituado no nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil, “são indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”. Ainda seguindo, de perto, a lição dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501, para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de dano: “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”. Neste sentido pode ver-se, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, assim, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, devendo, por isso, reflectir a censura de que é merecedor o autor do facto ilícito gerador de danos, a sua situação económica e as do lesado e do titular da indemnização, os padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc. No que concerne à componente ressarcitória / punitiva da compensação por danos não patrimoniais, ensinam, entre outros: Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288, “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”; Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 299, “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”. No caso em apreço, a decisão recorrida, na parte da fixação da indemnização por danos não patrimoniais, devida ao aqui recorrente, decidiu: “Por outro lado, provou-se que os danos não patrimoniais advieram em consequência dos ilícitos praticados, ou seja: o demandante, por força do murro que lhe foi desferido no olho perdeu tal órgão, perda essa definitiva. Relativamente ao nexo causal, também ficou provado que os danos resultaram como consequência directa e necessária da actuação ilícita do demandado/arguido. Relativamente aos danos não patrimoniais, tendo em conta o tipo de factos imputados, que violaram de forma ilícita e dolosa a integridade física do ofendido, atendendo ao circunstancialismo em que o foram e as repercussões que tiveram no lesado, determinando a sua cegueira do olho esquerdo, entende o Tribunal, de acordo com os critérios determinados pela lei civil, fixar como compensação a quantia de €. 10 000,00 (dez mil euros), acrescida de juros legais, desde a data da notificação até efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.” No caso, relevam para a ponderação da compensação pecuniária pelo dano não patrimonial, devida ao recorrente, a censurável actuação do arguido demandado, pois se é certo que ambos foram arguidos e que não se provou que foi o arguido V. que começou a agredir o Recorrente, todavia, não se provou qualquer lesão naquele, pelo que é bastante censurável a sua conduta, por grave e traiçoeira, e de que resultou a perda do olho esquerdo do ofendido, com consequências inevitáveis e sofrimento para a sua vida, num momento em que tudo levava a pensar que tinham terminado as agressões e o arguido o vem agredir, nos termos apurados. Acrescem as dores, o internamento, todos os tratamentos médicos, as cirurgias a que foi sujeito o recorrente, as angústias e as sequelas permanentes da lesão, além da parte estética e psicológica, relacionadas sempre com este tipo de lesões de perda de visão. Temos, assim, que os danos não patrimoniais foram e são de acentuada gravidade, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada em € 20. 000,00. Assim, procedendo parcialmente o recurso, vai o arguido condenado a pagar ao recorrente a quantia global de € 30.000,00 (trinta mil euros),sendo 10.000,00 euros a título de danos morais e 20,000,00 euros a título de danos não patrimoniais. Sobre os valores em causa incidem juros de mora, desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil, às taxas legais sucessivamente vigentes – artigos 559º, n.º1, 804º, n.º1, 805º, n.º1, 806º, nº1, todos do Código Civil e Portaria n.º291/03, de 8 de Abril e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002, D.R. I Série A, n.º 146 de 27 de Junho de 2002. * Decisão: Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes, neste Tribunal, em julgar parcialmente procedente o presente recurso, e, em consequência: a- Revoga-se a sentença recorrida na parte em que absolveu o arguido V.do pagamento ao recorrente T. de indemnização, a título de danos patrimoniais, que se fixam em 10.000,00 euros (dez mil euros), quantia em que o arguido vai agora condenado; b- Altera-se a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido V. a pagar ao recorrente T. o valor de 10.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, que se fixam, agora, em 20.000,00 euros (vinte mil euros). c- Sobre os valores mencionados em a) e b) incidem juros de mora, desde a notificação para contestar, às taxas legais sucessivamente vigentes, o que se determina. d- No mais, mantem-se a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 10 de Abril de 2018 Anabela Simões Cardoso Cid Geraldo | ||
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