Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | PENSÃO DE ALIMENTOS EX-CÔNJUGE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
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Sumário: | I-A acção de simples apreciação aqui em causa, tal como a Autora alegou, visa remover o estado de incerteza objectiva sobre o direito subjectivo da Autora à pensão de sobrevivência, situação de incerteza essa criada pelas Rés relativamente ao facto que a Autora alegou perante as Rés de que recebia do seu ex-marido uma pensão de alimentos, sendo este facto uma das condições para que a Autora seja considerada herdeira hábil para efeitos de recepção de pensão de sobrevivência II-Não se vislumbra no caso que nos ocupa qualquer disposição legal que, no caso de estado de incerteza objectiva do ex-cônjuge sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência a reclamar das Rés, a acção deva correr contra as Rés e contra a viúva do beneficiário das Rés. III- Contudo, estando a viúva e a ex-cônjuge no mesmo grupo de herdeiros hábeis, ambas têm direito à pensão, mas nenhuma delas a pode ter por inteiro, daí que a Segurança Social a haja rateado, cortando a pensão da viúva na proporção de ½, prejudicando-a económica e juridicamente, ou seja a relação jurídica concreta faz com que a viúva também tenha interesse em contradizer os factos alegados pelo ex-cônjuge nesta acção, pelo que o efeito útil normal da acção dos autos só será assim plenamente alcançado com a intervenção da viúva do falecido, sendo as Rés parte ilegítima sem a intervenção da viúva (art.º 33/2) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
APELANTE /TERCEIRA (Art.º 631, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil):A * APELADA/AUTORA na ACÇÃO (Art.ºs 41/1 do DL 142/73 de 31/3 e 11 do DL322/90 de 18/10)M; APELADAS/ RÉS na ACÇÃO (Art.ºs 41/1 do DL 142/73 de 31/3 e 11 do DL322/90 de 18/10: INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP, (sucessor legal do Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Nacional de Pensões; CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
* Com os sinais dos autos. * I.1.Inconformada com a sentença de 14/7/2014, (ref:º 19329138), que, julgando procedente a acção, consequentemente declarou que a autora tinha direito a receber pensão de alimentos do seu ex-cônjuge, D, à data da morte deste e que dele efectivamente os recebeu, até ao momento em que faleceu, dela apelou a viúva, em cujas alegações conclui em suma: I. As Rés não tinham interesse em contradizer o pedido formulado nesta acção de simples apreciação com vista a obter uma declaração judicial de que tinha direito a receber alimentos do seu ex-cônjuge e que os recebia à data do óbito deste, já que nada foi pedido em relação às Rés e por isso não lhes advém qualquer prejuízo com a procedência da acção, não tendo a Caixa Geral de Aposentações qualquer aumento de encargos com a procedência do pedido, pelos que não são parte legítima na acção, o que constitui excepção dilatória que determina a absolvição da instância (conclusões 1 a 7) II. À data do óbito de D, este estava casado com a Apelante sendo titular do direito da pensão de sobrevivência e só assim não seria se à data do óbito houvesse pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou que esta não lhe tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida; com a decisão proferida pelo tribunal a quo a ora apelante vê reduzida a sua pensão de sobrevivência, pois a partir do trânsito em julgado da douta decisão os seus 50% são divididos em 2 partes iguais de 25% cada, sendo uma parte para a ora Apelante e a outra para a Autora ex-cônjuge, pelo que é notório e quantificável o prejuízo que a procedência da acção lhe causa, a Apelante é parte legítima, nos presentes autos e tem interesse directo em contradizer nos termos do art.º 30, n.ºs 1 e 2 do CPC e ao não ser demandada e por ter interesse directo em contradizer existe uma questão e ilegitimidade passiva nos presentes autos (Conclusões 8 a 12) III. O tribunal a quo considerou provados 3.º facto do ponto 1.1. da fundamentação de facto que refere que a Autora desistiu da instância e que recebia a quantia de €1000,00 eur por mês proveniente da renda SP, mas não se infere que a quantia era paga a título de alimentos, nem existe qualquer decisão judicial a determinar o direito à pensão de alimentos, a Autora é beneficiária de uma pensão de reforma da segurança social e é detentora de bens comuns do casal, vive numa moradia bem comum do casal cuja metade faz parte do acervo hereditário entre os quais se conta um menor, estando a partilha por óbito prejudicada por não terem sido partilhados os bens comuns do casal, nunca o D pagou uma pensão de alimentos à Autora entregava-lhe por conta da partilha dos bens a quantia não de 750,00eur mas de 375,00 eur (conclusões 13 a 19) IV. Caso de conclua pela legitimidade passiva das Rés estamos perante um caso de litisconsórcio necessário em que a Apelante também deveria ter sido demandada pois a decisão afecta-a no seu direito e por isso exige a intervenção de todos os interessados sob pena de ilegitimidade nos termos do art.º 33 do CPC (Conclusões 20 e 21) Conclui no sentido do provimento do recurso e em consequência que seja declarada a absolvição da instância I.2 Em contra-alegações, conclui em suma, a Autora: I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo. I.4. Questões a resolver: a) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs 30/3 e 33 do CPC, ocorrendo ilegitimidade passiva das Rés. b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de apreciação da matéria e facto e na subsunção dos mesmos ao conceito de pensão de alimentos. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.1. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que a apelante não impugna nos termos da lei de processo: II.2. Está documentado com relevo nos autos:
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539. III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I. III.3. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs 30/3 e 33 do CPC, ocorrendo ilegitimidade passiva das Rés III.3.1. A questão da ilegitimidade passiva nunca foi suscitada nos autos e por isso nunca foi decidida em concreto podendo ser oficiosamente conhecida ou suscitada pelas partes. No caso concreto a apelante não é parte no processo é a viúva do falecido beneficiário da CNP e contribuinte da CGA, sendo que a Autora no processo é a ex-cônjuge do falecido, assente que a decisão em questão terá directa e efectivamente prejudicado a apelante na medida em que tendo solicitado na qualidade de viúva e obtido a pensão de sobrevivência por morte do mencionado Diogo a viu diminuída a partir de Setembro de 2014 em ½ como decorre de fls. 239. Daí a sua legitimidade ad recursum podendo naturalmente suscitar a excepção dilatória da ilegitimidade passiva das Rés como realmente suscitou na medida em que não obstante ser uma questão nova é de conhecimento oficioso pelo que mesmo sem ter sido suscitada poderia sê-lo nesta fase, oficiosamente. III.3.2. A apelante em suma diz que a acção não visa modificar ou constituir qualquer direito à Autora no confronto das rés nem sequer tão pouco se destina a acção a reconhecer qualquer qualidade ou direito subjetivo da Autora no âmbito do direito das prestações sociais quer no âmbito do DL 322/90 de 18/10 e DR 1/94 de 18/1 ou do Estatuto das Pensões de Sobrevivência porque tal é referido na própria a sentença a fls. 223, sob2-Fundamentação de Direito, § 2.º. É verdade a que a acção é de simples apreciação e sendo verdade que não visa directamente o reconhecimento por parte das rés da sua qualidade de herdeiro hábil para efeitos do direito à prestação social da pensão de sobrevivência por parte do ex-marido, indirectamente é esse o objectivo da acção por parte da requerente tal como decorre dos art.ºs 17 a 20, ou seja o que a Autora pretende com a acção é que seja declarado judicialmente que tinha direito a uma pensão do alimentos do seu ex-cônjuge e que dele efectivamente a recebia até à sua morte porquanto tal é condição para que lhe seja reconhecido o direito a obter das Rés a pensão de sobrevivência nos termos das disposições legais citadas. III.3.3. Nas acções de simples apreciação o requerente pretende tornar certo o direito subjectivo (não o direito objectivo já que não existe direito de acção para as meras questões de direito ou moot cases), insusceptível de discussão, sem necessidade da sua realização imediata contra o obrigado. III.3.5. Mesmo que não exista a necessidade de remover as consequências da violação dum direito (por não ter ocorrido essa violação) a certeza constitui um bem jurídico em si mesmo, digno de tutela por parte do direito. A acção de simples apreciação positiva pode terminar com uma sentença que declare a inexistência do direito e pode vir a redundar a final numa declaração negativa, mas o que interessa para a sua classificação como negativa ou positiva é o teor do pedido. Embora mais frequentes no domínio obrigacional ou real, as acções de simples apreciação podem ter como objecto direitos absolutos não reais, acções de estado.[2] III.3.6. O requisito da acção de simples apreciação é o estado de incerteza objectivo (não uma mera incerteza subjectiva, como é o caso de alguém estar incerto, duvidoso acerca da existência de um seu direito e vir a tribunal solicitar a declaração de tal situação) sobre um direito subjectivo, originado em dúvidas levantadas pela autoridade quando perante ela é invocada a relação jurídica, designadamente. O facto cuja existência ou inexistência está em causa é um facto intimamente conexionado com a relação jurídica em causa. III.3.7. Os divorciados são herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência nos termos dos art.ºs 40/1/1 e 41/2 do DL 147/3 de 3/3, com as alterações introduzidas, mas em determinadas condições.
Com as alterações introduzidas pelo DL 191-B/79, de 23/06
E finalmente na redacção do DL 322/90, de 18/10 posto que o DL 23/2010, de 30/08, não alterou o preceito nesse aspecto:
III.3.8. A acção de simples apreciação aqui em causa, tal como a Autora alegou, visa remover o estado de incerteza objectiva sobre o direito subjectivo da Autora à pensão de sobrevivência, situação de incerteza essa criada pelas Rés relativamente ao facto que a Autora alegou perante as Rés de que recebia do seu ex-marido uma pensão de alimentos, sendo este facto uma das condições para que a Autora seja considerada herdeira hábil para efeitos de recepção de pensão de sobrevivência. Não foi a apelante que criou na Autora o estado de incerteza objectivo sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência antes na alegação da Autora o foram as Rés, que têm, assim, manifestamente interesse em contradizer nos termos do art.º 30/1. E tanto têm interesse em contradizer que impugnaram os factos alegados pelas Autora designadamente não aceitando que a quantia de 1000 euros que a Autora recebia do seu ex-marido de renda de um estabelecimento comercial correspondesse a uma prestação e alimentos, já que o art.º 11 do DL 322/90 exige que à data da morte do beneficiário o ex-cônjuge recebesse do falecido uma pensão de alimentos decretada ou homologada judicialmente. Ora o entendimento da sentença recorrida foi com base nos factos 7, 9, 13 e face ao convencimento do próprio falecido beneficiário das Rés que o fazia como obrigação alimentar, e que era inútil o prosseguimento dos alimentos provisórios que a Autora lhe move a e com base no art.º 2014 do CCiv que não só a Autora tinha direito a receber a pensão alimentar como efectivamente os recebia por comprovada necessidade. E as rés conformaram-se com o decreto da 1.ª instância e dele não recorreram. III.3.9. Acredita-se que a apelante como viúva do falecido, na medida em que viu a sua pensão reduzida tivesse também interesse em contradizer os factos alegados pela Autora. Haverá uma situação e litisconsórcio voluntário ou necessário? III.3.10. No litisconsórcio necessário todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão no litisconsórcio legal e convencional e este último no litisconsórcio natural. O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (cfr. art.ºs 28, n.º 1 e 28.ºA do CPC antigo, actuais 33 e 34) e exemplo disso são as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação que devem ser instauradas contra a seguradora e o sujeito civilmente responsável quando o pedido ultrapassa os limites do seguro obrigatório, assim como devem ser propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e contra o responsável civil que for conhecido e não beneficiar de um seguro válido e eficaz; outro exemplo é o caso de acções que têm por objecto facto praticado por ambos os cônjuges, dívidas contraídas por ambos os cônjuges pelos quais respondem os bens comuns do casal, acções relativas a bens que apenas ambos os cônjuges possam dispor. O litisconsórcio necessário convencional é aquele que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico (art.º 28, n.º 1 actual 33/1), sendo necessário avaliar o regime das obrigações divisíveis e indivisíveis: sendo a obrigação divisível, o litisconsórcio é, em princípio, voluntário, porque se não estiverem presentes todos os interessados activos ou passivos o tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (cfr. art.º 27 do antigo CPC, actual 32/1); assim quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes estipularem que o seu cumprimento só é exigível por todos os credores ou de todos os devedores; sendo a obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das partes), havendo vários devedores, o art.º 535 do CCiv estipula que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles, reconduzindo-se a situação a um litisconsórcio necessário legal. Não se vislumbra no caso que nos ocupa qualquer disposição legal que, no caso de estado de incerteza objectiva do ex-cônjuge sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência a reclamar das Rés, a acção deva correr contra as Rés e contra a viúva do beneficiário das Rés. III.3.11. O litisconsórcio natural é aquele que é imposto pela realização do efeito útil normal da decisão do Tribunal (cfr. art.º 28, n.º 2 do antigo CPC, actual 33/2). Decorre do art.º 33, n.º 3 que, na determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de uma sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes. Numa acção de divisão de coisa comum é necessária a intervenção de todos os interessados pois que qualquer outra divisão da mesma coisa afectará sempre a divisão efectuada na primeira acção.[3] Contudo, estando a viúva e o ex-cônjuge no mesmo grupo de herdeiros hábeis, ambas têm direito à pensão, mas nenhuma delas a pode ter por inteiro, daí que a Segurança Social a haja rateado, cortando a pensão da viúva na proporção de ½, prejudicando-a económica e juridicamente, ou seja relação jurídica concreta faz com que a viúva também tenha interesse em contradizer os factos alegados pelo ex-cônjuge nesta acção. E poderia resultar na sequência da apresentação de prova por parte da viúva uma realidade completamente distinta daquela que resultou do julgamento em que apenas intervieram de um lado a Autora, ex-cônjuge e do outro a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações. III.3.12. O efeito útil normal da acção dos autos só será assim plenamente alcançado com a intervenção da viúva do falecido, sendo as Rés parte ilegítima sem a intervenção da viúva (art.º 33/2). O conhecimento dessa excepção é oficioso, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 278/1/d e 3, 261, 576/2, 577/e, 579, 608/1, 663/2. III.3.13. Fica prejudicado o conhecimento da questão b). IV- DECISÃO Tudo visto acordam os juízes em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida, julgam as rés parte ilegítima na acção por preterição de litisconsórcio natural que no caso obrigava à intervenção da apelante nos termos do art.º 33/2, absolvendo-as da instância, sem prejuízo do disposto no art.º 261. Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da apelada Autora que decai e porque decai (art.º 527)
Lxa.,
João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Ondina Carmo Alves ____________________________________________________________
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