Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
611/13.4TVLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I-A acção de simples apreciação aqui em causa, tal como a Autora alegou, visa remover o estado de incerteza objectiva sobre o direito subjectivo da Autora à pensão de sobrevivência, situação de incerteza essa criada pelas Rés relativamente ao facto que a Autora alegou perante as Rés de que recebia do seu ex-marido uma pensão de alimentos, sendo este facto uma das condições para que a Autora seja considerada herdeira hábil para efeitos de recepção de pensão de sobrevivência
II-Não se vislumbra no caso que nos ocupa qualquer disposição legal que, no caso de estado de incerteza objectiva do ex-cônjuge sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência a reclamar das Rés, a acção deva correr contra as Rés e contra a viúva do beneficiário das Rés.
III- Contudo, estando a viúva e a ex-cônjuge no mesmo grupo de herdeiros hábeis, ambas têm direito à pensão, mas nenhuma delas a pode ter por inteiro, daí que a Segurança Social a haja rateado, cortando a pensão da viúva na proporção de ½, prejudicando-a económica e juridicamente, ou seja a relação jurídica concreta faz com que a viúva também tenha interesse em contradizer os factos alegados pelo ex-cônjuge nesta acção, pelo que o efeito útil normal da acção dos autos só será assim plenamente alcançado com a intervenção da viúva do falecido, sendo as Rés parte ilegítima sem a intervenção da viúva (art.º 33/2)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE /TERCEIRA (Art.º 631, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil):A


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APELADA/AUTORA na ACÇÃO (Art.ºs 41/1 do DL 142/73 de 31/3 e 11 do DL322/90 de 18/10)M; APELADAS/ RÉS na ACÇÃO (Art.ºs 41/1 do DL 142/73 de 31/3 e 11 do DL322/90 de 18/10: INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP, (sucessor legal do Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Nacional de Pensões; CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;


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Com os sinais dos autos.

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I.1.Inconformada com a sentença de 14/7/2014, (ref:º 19329138), que, julgando procedente a acção, consequentemente declarou que a autora tinha direito a receber pensão de alimentos do seu ex-cônjuge, D, à data da morte deste e que dele efectivamente os recebeu, até ao momento em que faleceu, dela apelou a viúva, em cujas alegações conclui em suma:
I. As Rés não tinham interesse em contradizer o pedido formulado nesta acção de simples apreciação com vista a obter uma declaração judicial de que tinha direito a receber alimentos do seu ex-cônjuge e que os recebia à data do óbito deste, já que nada foi pedido em relação às Rés e por isso não lhes advém qualquer prejuízo com a procedência da acção, não tendo a Caixa Geral de Aposentações qualquer aumento de encargos com a procedência do pedido, pelos que não são parte legítima  na acção, o que constitui excepção dilatória que determina a absolvição da instância (conclusões 1 a 7)
II. À data do óbito de D, este estava casado com a Apelante sendo titular do direito da pensão de sobrevivência e só assim não seria se à data do óbito houvesse pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou que esta não lhe tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida; com a decisão proferida pelo tribunal a quo a ora apelante vê reduzida a sua pensão de sobrevivência, pois a partir do trânsito em julgado da douta decisão os seus 50% são divididos em 2 partes iguais de 25% cada, sendo uma parte para a ora Apelante e a outra para a Autora ex-cônjuge, pelo que é notório e quantificável o prejuízo que a procedência da acção lhe causa, a Apelante é parte legítima, nos presentes autos e tem interesse directo em contradizer nos termos do art.º 30, n.ºs 1 e 2 do CPC e ao não ser demandada e por ter interesse directo em contradizer existe uma questão e ilegitimidade passiva nos presentes autos (Conclusões 8 a 12)
III. O tribunal a quo considerou provados 3.º facto do ponto 1.1. da fundamentação de facto que refere que a Autora desistiu da instância e que recebia a quantia de €1000,00 eur por mês proveniente da renda SP, mas não se infere que a quantia era paga a título de alimentos, nem existe qualquer decisão judicial a determinar o direito à pensão de alimentos, a Autora é beneficiária de uma pensão de reforma da segurança social e é detentora de bens comuns do casal, vive numa moradia bem comum do casal cuja metade faz parte do acervo hereditário entre os quais se conta um menor, estando a partilha por óbito prejudicada por não terem sido partilhados os bens comuns do casal, nunca o D pagou uma pensão de alimentos à Autora entregava-lhe por conta da partilha dos bens a quantia não de 750,00eur mas de 375,00 eur (conclusões 13 a 19)
IV. Caso de conclua pela legitimidade passiva das Rés estamos perante um caso de litisconsórcio necessário em que a Apelante também deveria ter sido demandada pois a decisão afecta-a no seu direito e por isso exige a intervenção de todos os interessados sob pena de ilegitimidade nos termos do art.º 33 do CPC (Conclusões 20 e 21)

Conclui no sentido do provimento do recurso e em consequência que seja declarada a absolvição da instância

I.2 Em contra-alegações, conclui em suma,  a Autora:
I. A apelante não é afectada directamente pela decisão judicial (Conclusões A) a C];
II. A decisão não condenou as Rés a pagar à Autora qualquer pensão de sobrevivência pois é o resultado de acção declarativa de simples apreciação positiva que não de condenação, não prejudica de forma directa o direito da Autora a receber uma pensão de sobrevivência pois esse direito é apenas e só um direito originário do falecido que se transmite por morte aos herdeiros que reúnam as condições e qualidades na lei, quanto muito o prejuízo ocorreria se e quando nos termos do art.º 41/1 do DL 142/73 de 31/3 e 11 do DL 322/90 de 18/10 se apresentar junto da CGA e do Centro Nacional de Pensões e aí habilitar-se a receber a parte que lhe compete da pensão de sobrevivência que o falecido na qualidade de contribuinte daquela instituição de previdência, auferida quando era vivo (Conclusões D) a F]
III. A legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes mas uma certa posição delas em face da relação material litigada: ser sujeito da relação material controvertida o que se traduz em o demandante ser o titular do direito (legitimação activa) e o demandado o titular da obrigação (legitimação passiva) no pressuposto de que o direito e a obrigação na verdade existam; as acções de simples apreciação (art.º 10/3 do CPC) têm por finalidade única a de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência de um direito ou de um facto (com relevância jurídica), quem tem legitimidade para esta acção é a pessoa que veio criar a situação de incerteza e não qualquer pessoa indiretamente prejudicada com o resultado prático que poderá advir da procedência da mesma e quem criou a situação de incerteza foi a Caixa Geral de Aposentações e o Centro Nacional de Pensões (não a recorrente) pelo facto de as mesmas terem entendido que a recorrida por não estar munida (em vida do contribuinte) de uma sentença judicial que decretasse o seu direito a uma pensão de alimentos do seu ex-marido (ou homologasse o acordo extrajudicial existente), não reuniria as condições exigidas por Lei para se candidatar à sucessão do direito daquele em receber aquelas pensões de sobrevivência, como se entendeu no Ac RLxa de 15/4/1997 processo 2371 (Conclusões  G) a P]
IV. A Alegação pela recorrente de que a prova em que assentou a decisão judicial recorrida foi obtida pela inquirição de familiares da recorrida, que nem sequer é verdade e que a recorrente caso fosse chamada à lide como conhecedora dos factos provaria com toda a facilidade que os mesmos não correspondem à realidade e cairia por terra todos os factos alegados pela Autora e que focaram provados sem que as Rés os tenham impugnado porque deles ficaram convencidas, não é suficiente para por em causa a decisão de facto, não havendo dúvidas de que a recorrida que nunca exerceu uma actividade profissional sempre tendo cuidado do marido, dos filhos dos netos e do lar, sempre tendo sido os rendimentos auferidos pelo ex-marido enquanto gerente de empresas familiares que responderam às necessidades quotidianas de todo o agregado familiar, tendo-se obrigado perante a Autora a , á após o divórcio ser decretado a pagar uma pensão de alimentos ainda que não homologada judicialmente como se decidiu no AcSTJ de 7/10/03 proc.º 3ª2768 (Conclusões Q) a Z]

I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.

I.4. Questões a resolver:

a) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs 30/3 e 33 do CPC, ocorrendo ilegitimidade passiva das Rés.

b) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de apreciação da matéria e facto e na subsunção dos mesmos ao conceito de pensão de alimentos.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.1. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que a apelante não impugna nos termos da lei de processo:
1. A Autora M Pires casou com D em 17/4/1996 sem convenção antenupcial
2. Casamento esse dissolvido por sentença proferida em 31/01/07 transitada em julgado em processo de divórcio litigiosos n.º 5619/05.0TBSXL, do 2.º juízo do Tribunal de Família e Menores do Seixal, instaurado em 30/06/2005 decretado por culpa exclusiva do cônjuge
3. A Autora instaurou procedimento cautelar de alimentos provisórios contra D que correu termos no 1.º juízo do Tribunal de Família e Menores do Seixal sob o n.º 7193/06.1TBSXL e do qual veio a desistir da instância consignado em acta de 12/02/07 que “…Recebe a quantia de 1.000€ por mês proveniente da renda do estabelecimento comercial SP, sito em Lagoa, pelo que não tem já interesse no prosseguimento dos presentes autos, requerendo a desistência da instância, a qual foi homologada por sentença dessa data.
4. AW – Clube de Férias de Portugal, Ld.ª, é uma sociedade por quotas, registada pela Ap.01/19780614 com capital social de 40.000€ tendo como sócios D com uma quota de 39501,20€ eJ pela Ap. 5/20060719 foi registada a dissolução da sociedade. Não tendo sido registado o encerramento da liquidação.
5. Mostra-se registada a aquisição, por compra, a favor daW – Clube de Férias de Portugal, Ld.ª, pela Ap2, de 1978/07/06 do imóvel sito no lugar de Canada, composto por edifício com 4 compartimentos, cozinha, copa, várias despenas e vários sanitários, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.ç 4178/20110217, freguesia do Carvoeiro.
6. D faleceu em 10 de Abril de 2012.
7. Desde o início do ano de 2007 que o D passou a entregar mensalmente à autora o valor de 750€ que passava a 1000€ nos meses de verão.
8. Essa quantia mensal era proveniente da renda do estabelecimento comercial “SP” sito em Lagoa.
9. A Autora recebeu mensalmente aquelas quantias até ao óbito do D.
10.  O estabelecimento comercial “SP” está instalado no prédio referido em 5.º
11.  A Autora nunca trabalhou nem tinha rendimentos
12. O falecido D era militar da Armada e auferida rendimentos que lhe permitiam entregar alimentos à autora.
13. O D entregava as quantias referidas em 7.º à autora convencido que lhe prestava alimentos.

II.2. Está documentado com relevo nos autos:

    • A Autora propôs contra as Rés a presente acção declarativa que qualificou de simples apreciação onde pede que se declare que a Autora tinha o direito a receber uma pensão de alimentos do seu ex-cônjuge e que dele efectivamente recebia tal pensão desde a data em que a mesma ficou acordada até à sua morte em suma dizendo que casou com o falecido D em 17/4/1966 e que o casamento foi dissolvido por divórcio por sentença proferida em 31/1/07, acção que a Autora instaurou resultando que o ex-marido deixou o lar conjugal em 2003, deu entrada a uma providência cautelar de alimentos provisórios que terminou por desistência nos termos do art.º 5, data a partir da qual o falecido passou a pagar como se comprometera à Autora a quantia de 1000 euros/mês, e que se processava através da transferência directa do valor da renda do estabelecimento comercial SP, umas vezes em numerário outras em cheque outras por transferência bancária, o que sempre fez até à data da suam morte em 10/4/2012, a Autora só é herdeira hábil para efeitos de pensão de sobrevivência por morte do seu ex-marido se demonstrar que recebia à data sua morte uma pensão de alimentos, mas tal deve ser reconhecido judicialmente por sentença que se destina a obter da CGA e do CNP as citadas prestações por morte do seu ex-cônjuge.
    • O Instituto de Segurança Social IP veio impugnar os factos alegados pela Autora e motivadamente diz que a obrigação de alimentos nos termos dos art.ºs 2003/2045 tem de ser reconhecida judicialmente não bastando acordo verbal, extrajudicial fixado entre as partes para que produza efeitos não se podendo aceitar que o valor que a Autora recebia da renda correspondesse a uma prestação e alimentos
    • A CGA apresentou contestação em moldes em tudo idênticos aos do Instituto
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.

III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.

III.3. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs 30/3 e 33 do CPC, ocorrendo ilegitimidade passiva das Rés

III.3.1. A questão da ilegitimidade passiva nunca foi suscitada nos autos e por isso nunca foi decidida em concreto podendo ser oficiosamente conhecida ou suscitada pelas partes. No caso concreto a apelante não é parte no processo é a viúva do falecido beneficiário da CNP e contribuinte da CGA, sendo que a Autora no processo é a ex-cônjuge do falecido, assente que a decisão em questão terá directa e efectivamente prejudicado a apelante na medida em que tendo solicitado na qualidade de viúva e obtido a pensão de sobrevivência por morte do mencionado Diogo a viu diminuída a partir de Setembro de 2014 em ½ como decorre de fls. 239. Daí a sua legitimidade ad recursum podendo naturalmente suscitar a excepção dilatória da ilegitimidade passiva das Rés como realmente suscitou na medida em que não obstante ser uma questão nova é de conhecimento oficioso pelo que mesmo sem ter sido suscitada poderia sê-lo nesta fase, oficiosamente.

III.3.2. A apelante em suma diz que a acção não visa modificar ou constituir qualquer direito à Autora no confronto das rés nem sequer tão pouco se destina a acção a reconhecer qualquer qualidade ou direito subjetivo da Autora no âmbito do direito das prestações sociais quer no âmbito do DL 322/90 de 18/10 e DR 1/94 de 18/1 ou do Estatuto das Pensões de Sobrevivência porque tal é referido na própria a sentença a fls. 223, sob2-Fundamentação de Direito, § 2.º. É verdade a que a acção é de simples apreciação e sendo verdade que não visa directamente o reconhecimento por parte das rés da sua qualidade de herdeiro hábil para efeitos do direito à prestação social da pensão de sobrevivência por parte do ex-marido, indirectamente é esse o objectivo da acção por parte da requerente tal como decorre dos art.ºs 17 a 20, ou seja o que a Autora pretende com a acção é que seja declarado judicialmente que tinha direito a uma pensão do alimentos do seu ex-cônjuge e que dele efectivamente a recebia até à sua morte porquanto tal é condição para que lhe seja reconhecido o direito a obter das Rés a pensão de sobrevivência nos termos das disposições legais citadas.

III.3.3. Nas acções de simples apreciação o requerente pretende tornar certo o direito subjectivo (não o direito objectivo já que não existe direito de acção para as meras questões de direito ou moot cases), insusceptível de discussão, sem necessidade da sua realização imediata contra o obrigado.

III.3.5. Mesmo que não exista a necessidade de remover as consequências da violação dum direito (por não ter ocorrido essa violação) a certeza constitui um bem jurídico em si mesmo, digno de tutela por parte do direito. A acção de simples apreciação positiva pode terminar com uma sentença que declare a inexistência do direito e pode vir a redundar a final numa declaração negativa, mas o que interessa para a sua classificação como negativa ou positiva é o teor do pedido. Embora mais frequentes no domínio obrigacional ou real, as acções de simples apreciação podem ter como objecto direitos absolutos não reais, acções de estado.[2]

III.3.6. O requisito da acção de simples apreciação é o estado de incerteza objectivo (não uma mera incerteza subjectiva, como é o caso de alguém estar incerto, duvidoso acerca da existência de um seu direito e vir a tribunal solicitar a declaração de tal situação) sobre um direito subjectivo, originado em dúvidas levantadas pela autoridade quando perante ela é invocada a relação jurídica, designadamente. O facto cuja existência ou inexistência está em causa é um facto intimamente conexionado com a relação jurídica em causa.

 III.3.7. Os divorciados são herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência nos termos dos art.ºs 40/1/1 e 41/2 do DL 147/3 de 3/3, com as alterações introduzidas, mas em determinadas condições.

Com as alterações introduzidas pelo DL 191-B/79, de 23/06

E finalmente na redacção do DL 322/90, de 18/10 posto que o DL 23/2010, de 30/08, não alterou o preceito nesse aspecto:

III.3.8. A acção de simples apreciação aqui em causa, tal como a Autora alegou, visa remover o estado de incerteza objectiva sobre o direito subjectivo da Autora à pensão de sobrevivência, situação de incerteza essa criada pelas Rés relativamente ao facto que a Autora alegou perante as Rés de que recebia do seu ex-marido uma pensão de alimentos, sendo este facto uma das condições para que a Autora seja considerada herdeira hábil para efeitos de recepção de pensão de sobrevivência. Não foi a apelante que criou na Autora o estado de incerteza objectivo sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência antes na alegação da Autora o foram as Rés, que têm, assim, manifestamente interesse em contradizer nos termos do art.º 30/1. E tanto têm interesse em contradizer que impugnaram os factos alegados pelas Autora designadamente não aceitando que a quantia de 1000 euros que a Autora recebia do seu ex-marido de renda de um estabelecimento comercial correspondesse a uma prestação e alimentos, já que o art.º 11 do DL 322/90 exige que à data da morte do beneficiário o ex-cônjuge recebesse do falecido uma pensão de alimentos decretada ou homologada judicialmente. Ora o entendimento da sentença recorrida foi com base nos factos 7, 9, 13 e face ao convencimento do próprio falecido beneficiário das Rés que o fazia como obrigação alimentar, e que era inútil o prosseguimento dos alimentos provisórios que a Autora lhe move a e com base no art.º 2014 do CCiv que não só a Autora tinha direito a receber a pensão alimentar como efectivamente os recebia por comprovada necessidade. E as rés conformaram-se com o decreto da 1.ª instância e dele não recorreram.

III.3.9. Acredita-se que a apelante como viúva do falecido, na medida em que viu a sua pensão reduzida tivesse também interesse em contradizer os factos alegados pela Autora. Haverá uma situação e litisconsórcio voluntário ou necessário?

III.3.10. No litisconsórcio necessário todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão no litisconsórcio legal e convencional e este último no litisconsórcio natural. O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (cfr. art.ºs 28, n.º 1 e 28.ºA do CPC antigo, actuais 33 e 34) e exemplo disso são as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação que devem ser instauradas contra a seguradora e o sujeito civilmente responsável quando o pedido ultrapassa os limites do seguro obrigatório, assim como devem ser propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e contra o responsável civil que for conhecido e não beneficiar de um seguro válido e eficaz; outro exemplo é o caso de acções que têm por objecto facto praticado por ambos os cônjuges, dívidas contraídas por ambos os cônjuges pelos quais respondem os bens comuns do casal, acções relativas a bens que apenas ambos os cônjuges possam dispor. O litisconsórcio necessário convencional é aquele que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico (art.º 28, n.º 1 actual 33/1), sendo necessário avaliar o regime das obrigações divisíveis e indivisíveis: sendo a obrigação divisível, o litisconsórcio é, em princípio, voluntário, porque se não estiverem presentes todos os interessados activos ou passivos o tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (cfr. art.º 27 do antigo CPC, actual 32/1); assim quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes estipularem que o seu cumprimento só é exigível por todos os credores ou de todos os devedores; sendo a obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das partes), havendo vários devedores, o art.º 535 do CCiv estipula que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles, reconduzindo-se a situação a um litisconsórcio necessário legal.

Não se vislumbra no caso que nos ocupa qualquer disposição legal que, no caso de estado de incerteza objectiva do ex-cônjuge sobre o seu direito subjectivo à pensão de sobrevivência a reclamar das Rés, a acção deva correr contra as Rés e contra a viúva do beneficiário das Rés.

III.3.11. O litisconsórcio natural é aquele que é imposto pela realização do efeito útil normal da decisão do Tribunal (cfr. art.º 28, n.º 2 do antigo CPC, actual 33/2). Decorre do art.º 33, n.º 3 que, na determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de uma sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes. Numa acção de divisão de coisa comum é necessária a intervenção de todos os interessados pois que qualquer outra divisão da mesma coisa afectará sempre a divisão efectuada na primeira acção.[3] Contudo, estando a viúva e o ex-cônjuge no mesmo grupo de herdeiros hábeis, ambas têm direito à pensão, mas nenhuma delas a pode ter por inteiro, daí que a Segurança Social a haja rateado, cortando a pensão da viúva na proporção de ½, prejudicando-a económica e juridicamente, ou seja relação jurídica concreta faz com que a viúva também tenha interesse em contradizer os factos alegados pelo ex-cônjuge nesta acção. E poderia resultar na sequência da apresentação de prova por parte da viúva uma realidade completamente distinta daquela que resultou do julgamento em que apenas intervieram de um lado a Autora, ex-cônjuge e do outro a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações.

III.3.12. O efeito útil normal da acção dos autos só será assim plenamente alcançado com a intervenção da viúva do falecido, sendo as Rés parte ilegítima sem a intervenção da viúva (art.º 33/2). O conhecimento dessa excepção é oficioso, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 278/1/d e 3, 261, 576/2, 577/e, 579, 608/1, 663/2.

III.3.13. Fica prejudicado o conhecimento da questão b).

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida, julgam as rés parte ilegítima na acção por preterição de litisconsórcio natural que no caso obrigava à intervenção da apelante nos termos do art.º 33/2, absolvendo-as da instância, sem prejuízo do disposto no art.º 261.

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da apelada Autora que decai e porque decai (art.º 527)


Lxa.,

João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves


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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente às acções declarativas pendentes, não estando a situação ressalvada no art.º 7 , atendendo a que a acção foi intentada via electrónica em 29/3/2013, foi distribuída e autuada na então 5.ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa (actual Instância Central de Lisboa, 1.ª Secção Cível, Juízo 1 da Comarca de Lisboa) e a data da decisão recorrida que é de 14/7/2014; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. Contudo, por força n.º 3 do art.º 5  da lei 41/2013 as normas reguladoras dos actos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às acções pendentes na data da entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013
[2] A. Castro Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 254, Almedina 1982 vol. I, pág. 115 referindo-se concretamente às antigas acções de paternidade ilegítima.
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo  Processo Civil, Lex, 1997, págs. 156ª 162.