Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16/14.0TTVFX.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
IMPOSSIBILIDADE
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Podendo o contrato de trabalho cessar por caducidade, esta ocorre, nomeadamente, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber (arts. 340 e 343, b) do CT/2009).
2. A impossibilidade será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo; será absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, não seja mais viável a prestação ou o recebimento do trabalho;
3. No caso vertente, ficou provado que a doença de que a Autora padece só foi verificada após a constituição do vínculo, sendo uma doença degenerativa crónica, com limitação funcional permanente, tendo a Medicina do Trabalho emitido parecer que a considera "inapta para a função de trabalhadora de limpeza."
4. Ficou ainda assente que, segundo a evidência científica actual ,não é expectável que essa doença sofra melhorias, sendo antes expectável o seu agravamento ou, no limite, a sua estabilização.
5. Destarte, para além de superveniente, a impossibilidade da Autora prestar o seu trabalho há-de ser considerada como absoluta e definitiva.
6. A impossibilidade absoluta há-de reportar-se às funções compreendidas na categoria profissional detida pela trabalhadora, não estando a entidade patronal obrigada a reclassificá-la, uma vez que tal implicava a alteração do objecto contratual que só pode ocorrer com o acordo de ambas as partes.
7. Mesmo que assim se não entendesse, a caducidade operava, uma vez que se provou que a Ré não dispunha de posto de trabalho para a Autora nos serviços administrativos, nem de outros onde esta pudesse trabalhar com "papéis", único que a Autora aceitava ocupar.(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

AA instaurou, em 09/01/2014, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, SA. pedindo a sua condenação no pagamento de € 1.598,90 acrescida da que for apurada a final, e ainda, na sua reintegração ou no pagamento da indemnização de antiguidade.

Para tanto, alega que foi admitida ao serviço da Ré no dia 09/05/2007 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de Trabalhadora de Limpeza. Por razões de saúde, esteve de baixa médica de 19/10/2010 a 10/09/2013, altura em que retomou o serviço, tendo-lhe a Ré comunicado por carta datada de 29/11/2013, a caducidade do seu contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de desempenhar as suas funções, por força da sua inaptidão para o trabalho. Mais alega que sofre de espondiloartrose cervical avançada com mielo radiculopatia crónica, com limitação funcional permanente, que contraindica cargas de pesos superiores a 5 Kg´s e movimentos repetidos que impliquem a elevação dos membros superiores, posição de flexão do tronco ou permanência prolongada em pé, circunstância que, embora a limite e condicione, nomeadamente, no que toca à carga e continuidade nas funções a exercer, limitada pelo peso e tempo de exercício, não a impede de exercer as funções para que foi contratada desde que devidamente acompanhada.

Por fim, refere que a Ré não lhe pagou a retribuição de férias e subsídio de férias no ano de 2010, que se venceram com o regresso ao serviço.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, contestou a Ré que alegou, por sua vez e em resumo, que a Autora tem o 5º ano de escolaridade e sempre exerceu funções de Trabalhadora de Limpeza, limpando os módulos pré fabricados localizados no parque exterior da empresa. Durante o período de baixa médica, visitou várias vezes a empresa, comunicando que estava doente e que dificilmente conseguiria voltar a desempenhar as funções para que foi contratada. Quando a Autora regressou ao trabalho apresentando o relatório médico que junta com a petição inicial, dizendo que tinham que lhe atribuir outras funções por não poder executar as anteriormente desempenhadas. Em consequência, foi avaliada pela medicina do trabalho no dia 04/10/2013, que a julgou temporariamente inapta para o trabalho, e no dia 22/11/2013, donde resultou a sua inaptidão para a função habitual de trabalhadora de limpeza, o que conduziu a que, por carta datada de 29/11/2013, lhe fosse comunicada a caducidade do contrato de trabalho por a mesma se encontrar inapta para o desempenho das funções de Trabalhadora de Limpeza e inexistir na empresa posto de trabalho compatível com as suas condicionantes de saúde.

Foi proferido despacho a identificar o objecto do litígio, tendo sido dispensada a enunciação dos temas da prova.

Chegado o processo a julgamento a este se procedeu com observância das formalidades legais, tendo a Autora declarado optar pela indemnização de antiguidade.

DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga a acção totalmente improcedente e, consequentemente, decide:

1. Absolver «bb, SA..» dos pedidos formulados por «MARIA FILOMENA GOUVEIA ÓRFÃO».

2. Determinar, por enfermarem de manifesto lapso, que se corrijam as actas de fls. 115 e 116 dos autos, apondo, a fls. 115 dos autos: “aos autos” onde consta “à petição inicial”, e a fls. 116 dos autos, truncando, por na diligência não ter estado presente, a menção: “Magistrado do Ministério Público: Dr. José João Lopes”.

3. Sem custas.

DN: registo, notificação e baixa.

Contra-alegou a Ré que pugnou pela improcedência do recurso.

Subido o recurso, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.

Colhidos os vitos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a decidir:

1. saber se a sentença enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e ter conhecido de questão da qual não devia tomar conhecimento;

2. saber se o contrato cessou por despedimento ilícito da Autora, por não  ocorrerem os pressupostos para determinar a sua cessação por caducidade e, na afirmativa,  apurar as respectivas consequências em face do pedido por esta formulado.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu como assentes os seguintes factos:

1. A Ré dedica-se, entre outras coisas, ao fabrico, comercialização e aluguer de mobiliário metálico, casas pré fabricadas, pavilhões, mobiliário urbano, módulos pré fabricados próprios ou alheios.

2. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 09/05/2007 para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza, entre as 08h00 e as 17h00, com interrupção para almoço entre as 13h00 e as 14h00, de Segunda a Sexta, mediante o pagamento último de € 500,00 mensais acrescidos de € 4,30 por cada dia efectivo de trabalho a título de subsídio de refeição.

3. Por razões de saúde, a Autora esteve de baixa médica de 19/10/2010 a 10/09/2013.

4. No dia 10/09/2013, a Autora apresentou-se nas instalações da Ré para trabalhar.

5. À data, a Autora sofria de espondiloarterose cervical avançada com mielo-radiculopatia crónica, com limitação funcional permanente.

6. O descrito em 5) contraindica carga de pesos superior a 5 Kg´s e movimentos repetidos que impliquem elevação dos braços, flexão do tronco ou permanência prolongada em pé.

7. A Autora comunicou o descrito em 5) e 6) à Ré.

8. O trabalho da Autora, desde que foi admitida ao serviço da Ré até ao início da baixa médica, consistiu na limpeza de módulos pré fabricados para aluguer no parque exterior das instalações da Ré, em média, com cerca de 1/2 metros de altura e 6/7 metros de cumprimento, e ainda, em limpar e varrer o chão daquele parque e limpar as respectivas paredes, janelas e sanitários.

9. Enquanto de baixa médica, a Autora, quando se deslocou às instalações da Ré, confidenciou a TM, administrativa na Ré, que estava muito doente e que dificilmente conseguiria voltar a desempenhar as mesmas tarefas, pelo que iria requerer a reforma por invalidez.

10. Confidenciou-lhe ainda que se a Ré lhe pagasse um colchão ortopédico e o estrado poria termo ao contrato de trabalho.

11. Regressada da baixa médica, a Autora informou a Ré que, por força do seu estado de saúde, não conseguia fazer mais a limpeza dos monoblocos nem limpar e varrer o parque e respectivas janelas, paredes e sanitários.

12. Em consequência, a Ré propôs à Autora que procedesse à limpeza dos escritórios e/ou do refeitório, lavando a respectiva loiça, e/ou passasse a trabalhar no armazém, limpando equipamentos e peças e/ou separando materiais.

13. A Autora enjeitou o referido em 12), argumentando que o seu estado de saúde só lhe permitia trabalhar com papéis.

14. Em face da posição da Autora, a Ré determinou-lhe que organizasse o arquivo morto e limpasse pastas de arquivo, o que a mesma fez durante alguns dias.

15. Após, a Autora nenhuma outra tarefa concretizou.

16. No dia 17/09/2013, a Autora foi avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou apta condicionalmente para o exercício de funções, contraindicando o manuseamento de cargas superiores a 5 Kg´s e movimento repetidos que impliquem elevação sucessiva dos membros, posição de flexão do tronco e posição em pé prolongada.

17. Por carta datada de 18/09/2013, junta a fls. 11 dos autos, a Ré comunicou à Autora: «No seguimento do seu regresso ao trabalho com as várias condicionantes de que nos deu conhecimento, relativas à sua diminuição de capacidade para o trabalho que até então realizava, somos a comunicar que até nova comunicação, está dispensada de comparecer na empresa, uma vez que a BB ainda não recebeu relatório médico com as tarefas que a senhora pode realizar, nem tão pouco conseguiu a senhora delinear que funções poderá desempenhar, apenas tendo manifestado e recusado prestar as funções que prestava antes da suspensão do contrato por baixa médica.

Assim sendo, informamos que solicitámos ao nosso serviço de saúde que nos seja expressamente certificado que tipo de funções a senhora pode realizar, e bem assim, qual o coeficiente de capacidade efectiva que tem para a prestação das tarefas inerentes à sua profissão.

Até lá, sem prejuízo de nos poder trazer os elementos que lhe aprouverem, e de poder solicitar por escrito a sua pretensão, solicitamos que não compareça na empresa, sem prejuízo de lhe ser paga a remuneração, pois não faz sentido estar presente sem prestar efectivamente trabalho.

Sem outro assunto de momento, os nossos melhores cumprimentos.».

18. Por carta datada de 24/09/2013, junta a fls. 12 dos autos, a Autora comunicou à Ré que: “(…) ao contrário do que referem, não me “recusei a prestar funções…”, antes por razões de saúde, tenho sérias limitações para o exercício de certas (e específicas) actividades profissionais.”.

19. No dia 04/10/2013, a Autora foi novamente avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou temporariamente inapta para o exercício de funções, encaminhando-a para a consulta da especialidade.

20. Por carta datada de 11/10/2013, junta a fls. 13 dos autos, a Ré comunicou à Autora que: “No seguimento do exame à sua saúde realizado pelo serviço externo de medicina no trabalho, do qual resultou a ficha de aptidão de que fomos notificados na qual se lê que se encontra inapta temporariamente para a prestação de trabalho na função para que foi contratada, com necessidade de reavaliação pela medicina do trabalho dentro de 30 dias a contar da data do exame, e com encaminhamento para reavalização em consulta de especialidade, somos a informar nos termos e para os efeitos do disposto no n.º2 da Lei n.º105/2009 de 14 de Setembro, que, nesta data, requeremos a verificação/ reavaliação da situação de doença por médico designado pela segurança social.

Sem outro assunto de momento, os nossos melhores cumprimentos.».

21 Por carta datada de 16/10/2013, junta a fls. 14 dos autos, a Ré comunicou à Autora que não havia recebido qualquer ficha de aptidão e solicitou que a informassem se se mantinha a situação de dispensa de serviço com retribuição.

22. No dia 22/11/2013, a Autora foi novamente avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou temporariamente inapta para o exercício de funções de Trabalhadora de Limpeza, recomendando reavaliação pela Medicina do Trabalho em Março de 2014.

23. Segundo a evidência científica actual não é expectável que a doença degenerativa de que a Autora padece sofra melhorias, sendo expectável o seu agravamento ou, no limite, a sua estabilização.

24. Por carta datada de 29/11/2013, junta a fls. 15-18 dos autos, a Ré comunicou à Autora o seguinte: «Exma. Senhora, Foi celebrado contrato de trabalho a termo certo, que posteriormente se tornou definitivo, em 9 de Maio de 2007;

Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira

Nos termos do referido contrato, foi V. Exa. contratada para a categoria de trabalhadora da limpeza, a fim de desempenhar as funções da sua especialidade ou outras, desde que compatíveis com a sua qualificação profissional, na morada da sede da empresa. Para retribuição da sua prestação aufere o valor de 500,00€ ilíquidos mensais, acrescido de subsídio de alimentação de 4,30€ diários. Tendo o horário de trabalho de quarenta horas semanais, distribuídas de segunda à sexta feira, com entrada às 8 e saída às 17 horas, com intervalo para almoço das 13 às 14 horas. As suas habilitações são o 5.º ano de escolaridade. As tarefas para as quais foi contratada consistiam na limpeza de módulos pré fabricados no parque da empresa, portanto, na rua. Por motivos relacionados com a sua saúde, o contrato de trabalho esteve suspenso no período decorrente entre 19/10/2010 e 10/09/2013. No período supra descrito, V. Exa. teve de baixa médica, auferindo por parte da segurança social o correspondente subsídio de doença. Regressou ao trabalho em 11/09/2013, apresentando relatório médico, no qual se lê: “sofre de espondiloarterose cervical avançada com mielo-radiculopatia crónica com limitação funcional permanente que contraindica carga de pesos superior a 5 kg, movimentos repetitivos que implicam elevação dos membros superiores, posição de flexão do tronco ou permanência em ortostatismo (em pé) prolongada. Em face do regresso de suspensão prolongada do contrato por motivo de doença, foi examinada em 17/09/2013 pela medicina do trabalho, de cujo exame resultaram as mesmas condicionantes constantes do relatório médico entregue. Reavaliada pela medicina do trabalho em 04/10/2013 foi considerada inapta temporariamente, com encaminhamento para medicina no trabalho.

Neste período, a empresa concedeu-lhe dispensa ao trabalho, sem prejuízo da retribuição. Em 11/10/2013, a empresa solicitou aos serviços da Segurança Social a reavaliação da sua situação de doença, de modo a aferir-se se está ou não apta a desempenhar as funções para as quais foi contratada. Em 13/11/2013, a Segurança social comunicou à empresa que a senhora não iria ser sujeita a qualquer exame médico pelo motivo de não se encontrar com incapacidade temporária subsidiária. Em 19/11/2013, a senhora regressou da dispensa ao trabalho, após comunicação da empresa. Em 22/11/2013 foi novamente avaliada pela medicina no trabalho, resultando a consideração de que está inapta para a função habitual (trabalhadora de limpeza), podendo, no entanto, desempenhar tarefas que não impliquem esforço/ carga ou posturas forçadas nem movimentos repetitivos com os membros superiores. No período em que esteve na empresa, sem ter estado a beneficiar da dispensa ao trabalho concedida pela empresa, não realizou as tarefas habituais, como fez até 19/10/2010, tendo ficado ocupada com tarefas mais simples que se procurou por forma a mantê-la ocupada na medida do possível, tarefas essas, inclusivamente, supérfluas, que, como sabe, rapidamente findaram. Por outro lado, tendo sido convidada a desempenhar limpezas mais leves, dentro do escritório, por exemplo, como limpar secretárias, limpar vidros, limpar os sanitários, limpar o refeitório, varrer, lavar o chão, etc., sempre comunicou que não podia por motivos da sua saúde – assim informou a sua superior hierárquica, Sra Eng.ª RJ. Também, em nenhuma ocasião, apresentou formalmente proposta para desempenhar tarefas que não fossem da sua categoria profissional, tendo-se limitado a indicar o que não pode fazer.

E, também nunca apresentou à empresa qual o grau de incapacidade permanente que lhe terá, certamente, sido atestado, tendo tão somente apresentado comprovativo da recusa por parte da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, por deliberação de 21/05/2013, de que V. Exa. não reúne as condições de incapacidade permanente determinantes da atribuição da pensão de invalidez relativa nos termos do artigo 14.º do DL 187/2007 de 10 de Maio. Por sua vez, como se disse, tendo procurado ter conhecimento dessa mesma incapacidade, através do requerimento de avaliação que fez aos serviços da Segurança Social, como se disse, foi recusado à empresa essa mesma reavaliação, pelos motivos invocados. Assim sendo, é de notar alguma falta de colaboração de V. Exa. na tentativa de se encontrarem funções que V. Exa., eventualmente, pudesse prestar à empresa apesar dos seus condicionalismos derivados do seu estado de saúde. Como V. Exa. bem se recordará, tendo os recursos humanos solicitado comprovativo da sua alta médica, com o atestado de incapacidade e com indicação das tarefas que V. Exa. poderia desempenhar, V. Exa. simplesmente alegou que “entregava o que quisesse entregar e que a BB era obrigada a dar-lhe trabalho compatível com a sua saúde.” Desta feita, com os elementos existentes, e com o condicionalismo que V. Exa. apresenta, apesar de toda a boa vontade da empresa, a verdade é que encontrando-se V. Exa. inapta para desempenhar as funções habituais (trabalhadora da limpeza), cabendo à empregadora encontrar outras tarefas que V. Exa. pudesse desempenhar e, bem assim, colocá-la noutro posto de trabalho, julgamos que, não tendo V. Exa. habilitações que lhe permitam exercer trabalho de direcção ou administrativo, nem estando esses postos de trabalho disponíveis, pois, estão todos preenchidos, qualquer outro tipo de trabalho fabril que se exerce na empresa estará contra-indicado para a sua saúde.

Assim sendo, é nossa convicção que estando inapta para desempenhar as funções de trabalhadora da limpeza inexiste na empresa posto de trabalho compatível com as suas condicionantes no que respeita à sua saúde. E assim, entende ser aplicável o disposto na alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho que refere que “O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.” Em face do exposto, entende a Administração da empresa que o contrato de trabalho celebrado entre a empresa e V. Exa. caducou nos termos do art.º 343.º, alínea b) do Código do Trabalho

A Administração».

25. A Autora requereu a atribuição de reforma por invalidez, o que lhe foi negado por se ter considerado que a mesma não reunia as condições de incapacidade permanente, determinantes da atribuição da pensão de invalidez.

26. A Autora sempre foi uma trabalhadora zelosa, diligente e cumpridora.

27. A Autora, enquanto ao serviço da Ré, não sofreu qualquer sanção disciplinar.

28. A Autora tem o 5º ano de escolaridade.

29. A Ré não dispõe de posto de trabalho para a Autora nos serviços administrativos, não dispondo de outros serviços onde a mesma possa trabalhar com “papéis”.

30. A Ré pagou à Autora, em Janeiro/Fevereiro de 2014, a quantia de € 475,00 por conta da retribuição de férias correspondente ao trabalho prestado no ano 2010 e € 475,00 correspondente ao respectivo subsídio de férias.

31. A acção foi proposta no dia 09/01/2014.

Porque esta Relação conhece também de facto, entendemos que merece reparo o ponto 22 que, fundamentando-se na ficha de aptidão que figura a fls 22 dos autos, impõe a sua alteração em conformidade.

Assim, esse ponto passa a ter a seguinte redacção:

22. No dia 22/11/2013, a Autora foi novamente avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou “inapta para a função habitual (trabalhadora de limpeza)”, tendo ainda consignado na respectiva ficha de aptidão que “pode desempenhar tarefas que não impliquem esforços para posturas forçadas ou movimentos repetitivos com os membros superiores”.

No mais, mantém-se a factualidade fixada pela 1ª instância.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Das nulidades da sentença

Vem a Ré invocar a nulidade da sentença, alegando que exite contradição entre os fundamentos e a decisão e ainda excesso de pronúncia porquanto a Julgadora conheceu de questão que lhe estava vedada.

Vejamos então.

As causas de nulidade da sentença são as que, taxativamente, estão elencadas no nº1 do art. 615 do NCPC.

E, efectivamente, esta norma comina de nulidade a sentença em que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)” – al.c); e em que o juiz “(…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – al.d).

A Apelante fundamenta esta sua arguição do seguinte modo:

- embora da factualidade dada como assente conste que, à data em que o contrato de trabalho cessou, a Autora estava temporariamente impedida de exercer as suas funções, com reavaliação em Março de 2014, na apreciação jurídica concluiu-se que esse impossibilidade era definitiva;

- ao ter concluído pela existência de uma impossibilidade definitiva, a Srª Juiz apropriou-se abusivamente de uma opinião de outra disciplina técnica e científica (médica e clínica) da qual não se conhece que tivesse formação para o fazer.

Mas sem razão.

Com efeito, refira-se desde logo que a nulidade prevista na al.c) do nº1 do art. 615 é entre a fundamentação e a decisão e não entre a fundamentação de facto e de direito sendo que esta, a existir, consubstancia antes um erro de julgamento. Assim, a nulidade aí prevista abrange as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz (de facto e de direito) deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na decisão.

Não é o caso. De qualquer forma não se vislumbra qualquer contradição entre a fundamentação de facto e de direito já que esta teve em consideração não só os pontos de facto que a Apelante refere (pontos 19 e 22), mas também a restante factualidade dada como assente, mormente o ponto 23, onde se consigna que, segundo a evidência actual não é expectável que a doença degenerativa de que a Autora padece sofra melhorias, sendo expectável o seu agravamento ou, no limite, a sua estabilização, bem como os pontos 5 e 6 nos quais se descreve a doença que afecta a Autora e as suas condicionantes.

Poderá discutir-se se essa factualidade é suficiente para se concluir pela impossibilidade definitiva da Autora prestar o seu trabalho, podendo comportar aquela decisão uma errada subsunção jurídica. Todavia, não integra um vício da sentença.

Relativamente ao conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento é patente a falta de razão da Apelante.

Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608, nº2 do NCPC), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra, constitui nulidade.

Por sua vez, não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608, nº2) é nula a sentença que o faça (veja-se, a propósito, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, pág. 670, que embora no âmbito do CPC anterior mantém actualidade).

Ora, in casu, a Autora invocou a ilicitude de um despedimento que sustenta estar configurado na declaração de caducidade manifestada pela Ré, sem que estejam verificados os pressupostos para a sua verificação.

Analisando a sentença, a Srª Juiz limita-se a conhecer desta questão, respeitando a causa de pedir invocada, pelo que não se verifica a apontada nulidade.

O facto de, no entender da Arguente, a Srª Juiz ter concluído pela impossibilidade definitiva sem que esta conclusão esteja suportada na factualidade dada como assente poderá, também aqui, constituir um erro de julgamento, mas não traduz qualquer nulidade da sentença. Outrossim, se a Apelante entendia que algum dos factos em que essa conclusão assenta, mormente o ponto 23, não estava suportado na prova produzida, nomeadamente nos relatórios médicos juntos aos autos ou nos depoimentos prestados em julgamento, designadamente pelos médicos inquiridos (embora todos eles estivessem sujeitos à livre apreciação do tribunal), competia-lhe impugnar a matéria de facto, o que também não fez.

2. Da (in)existência da invocada caducidade do contrato de trabalho

A Ré fez cessar o contrato de trabalho por comunicação dirigida à Autora, datada de 29.11.2013, invocando a sua caducidade, pelo facto desta se encontrar “(…)inapta para desempenhar as funções de trabalhadora de limpeza inexiste na empresa posto de trabalho compatível com as suas condicionantes no que respeita à sua saúde.

E assim, entende ser aplicável o disposto na alínea b) do artigo 343º do Código do Trabalho.”

A questão será analisada à luz do regime jurídico do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº7/2009, de 12.2. (cfr. art. 7º, nº1 desta Lei).

Dispõe o art. 340 do CT que “Para além de outros modos legalmente previstos, o contrato de trabalho pode cessar por:

a) caducidade;”

Por sua vez, estipula o art. 343, que tem por epígrafe “causas de caducidade do contrato de trabalho” que este caducará, nos termos gerais, nomeadamente:

a) Verificando-se o seu termo;

b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;

c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

No caso vertente, está em causa a situação prevista na alínea b).

Genericamente a prestação torna-se impossível quando por qualquer circunstância (legal, natural ou humana) o comportamento exigível do devedor se torna inviável (A. Varela, Das Obrigações, 2º vol., 3ª ed., pág. 671).

Como refere Abílio Neto, Código do Trabalho, Notas Práticas, 2000, pág. 804, em comentário ao art. 4ºda LCCT, mas que mantém actualidade, “No que toca especificamente ao contrato de trabalho, nem toda e qualquer impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinante de caducidade: esta só ocorrerá se essa impossibilidade for, simultaneamente, superveniente, absoluta e definitiva.

Será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral, e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; será absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não esteja em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva quando, face a uma evolução normal e previsível, não mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho.”

No caso vertente, está provado que a Autora, que foi admitida ao serviço da Ré para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza e que, após baixa médica prolongada, se apresentou ao serviço em 10.9.2013-Provaram-se ainda, com interesse para apreciação desta questão, os seguintes factos:

5. À data, a Autora sofria de espondiloarterose cervical avançada com mielo-radiculopatia crónica, com limitação funcional permanente.

6. O descrito em 5) contraindica carga de pesos superior a 5 Kg´s e movimentos repetidos que impliquem elevação dos braços, flexão do tronco ou permanência prolongada em pé.

11. Regressada da baixa médica, a Autora informou a Ré que, por força do seu estado de saúde, não conseguia fazer mais a limpeza dos monoblocos nem limpar e varrer o parque e respectivas janelas, paredes e sanitários.

12. Em consequência, a Ré propôs à Autora que procedesse à limpeza dos escritórios e/ou do refeitório, lavando a respectiva loiça, e/ou passasse a trabalhar no armazém, limpando equipamentos e peças e/ou separando materiais.

13. A Autora enjeitou o referido em 12), argumentando que o seu estado de saúde só lhe permitia trabalhar com papéis.

16. No dia 17/09/2013, a Autora foi avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou apta condicionalmente para o exercício de funções, contraindicando o manuseamento de cargas superiores a 5 Kg´s e movimento repetidos que impliquem elevação sucessiva dos membros, posição de flexão do tronco e posição em pé prolongada.

19. No dia 04/10/2013, a Autora foi novamente avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou temporariamente inapta para o exercício de funções, encaminhando-a para a consulta da especialidade.

22. No dia 22/11/2013, a Autora foi novamente avaliada pela Médica especialista em Medicina do Trabalho, que a considerou temporariamente inapta para o exercício de funções de Trabalhadora de Limpeza, recomendando reavaliação pela Medicina do Trabalho em Março de 2014.

23. Segundo a evidência científica actual não é expectável que a doença degenerativa de que a Autora padece sofra melhorias, sendo expectável o seu agravamento ou, no limite, a sua estabilização

Deles resulta, pois, que a Autora sofre de doença degenerativa crónica, com limitação funcional permanente.

Mas será que essa doença permite concluir que estamos em presença de uma incapacidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador prestar o seu trabalho, conducente à caducidade do contrato?

Vejamos.

A referida doença só foi adquirida ou pelo menos diagnosticada depois da constituição do vínculo laboral, pelo que é superveniente.

Mas será também definitiva?

Sustenta a Apelante que as avaliações médicas efectuadas em 4.10.13 e 22.11.13 só permitem concluir que a inaptidão desta para o exercício das suas funções era temporário, pelo que não podia a Srª Juiz a quo ter concluído pela impossibilidade definitiva da trabalhadora prestar a sua actividade.

Mas sem razão.

Com efeito, a avaliação efectuada no dia 22.11.2013 pela Médica do Trabalho, conforme consta do ponto 22 com a alteração que lhe foi introduzida, é clara quando considera a Autora “inapta para a função habitual (trabalhadora de limpeza)” e o facto de ter recomendado uma nova reavaliação pela Medicina do Trabalho em Março de 2014, não permite, sem mais, concluir pela existência de uma incapacidade meramente temporária.

É que há que ter em conta a demais factualidade provada, designadamente que a Autora sofre de espondiloarterose cervical avançada com mielo-radiculopatia crónica, com limitação funcional permanente (facto nº5) e que segundo a evidência científica actual não é expectável que a doença degenerativa de que a Autora padece sofra melhorias, sendo expectável o seu agravamento ou, no limite, a sua estabilização (ponto nº23).

Ou seja, sendo crónica a doença de que a Demandante é portadora, no estado actual do conhecimento científico da mesma, face à sua evolução normal e previsível, não se afigura que a Autora possa vir a prestar o seu trabalho, pelo que deve ter-se por definitiva a impossibilidade de o prestar.

E será absoluta, ou seja, está a Autora totalmente impossibilitada de prestar o seu trabalho?

É que o mesmo parecer da medicina do trabalho refere que “pode desempenhar tarefas que não impliquem esforços para posturas forçadas ou movimentos repetitivos com os membros superiores.”

A este propósito, escreve Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, II vol., Contrato de Trabalho, 2º tomo, 3ª ed., pág. 288) :

 “Se o trabalhador depois de celebrar o contrato, deixa totalmente de poder realizar a tarefa de que se incumbira, há uma impossibilidade que, nos termos do art. 4º, alínea b9 LCCT, gera a caducidade do negócio jurídico. Relativamente ao trabalhador, como o negócio é celebrado intuitu personae, além da impossibilidade objectiva da realização da prestação (art. 790 do CC), também a impossibilidade subjectiva – relativa à pessoa do trabalhador – conduz à extinção do vínculo (art. 791 do CC)”.

E acrescenta a pág. 291 (ob. e local citados):

“Não se encontrando o trabalhador incapacitado para a realização de todo e qualquer trabalho poder-se-á questionar se, em tal caso, a incapacidade é absoluta.

(…)

Estando o trabalhador impedido de realizar parcialmente a sua actividade, continuará a prestar o que for possível (art. 793, nº1 CC) e, em tal caso, tendo emo conta que a impossibilidade é absoluta (art. 4º, alínea b) LCCT), o empregador não pode resolver o contrato invocando perda de interesse (art. 793, nº2 cc).

Do mesmo modo, se o trabalhador, em razão da incapacidade, passar a desempenhar a sua actividade com menos produtividade não está preenchido o pressuposto da impossibilidade absoluta, pois a situação enquadrar-se-ia no agravamento ou mais onerosidade da prestação (difficultas praestandi).

Diferentemente, na eventualidade de a incapacidade do trabalhador abranger todas as actividades compreendidas na sua categoria, a subsistência da relação laboral pressuporia uma alteração do objecto do contrato. Nada obsta a um acordo no sentido de se proceder a uma reclassificação do trabalhador incapacitado, alterando-se o contrato de trabalho, de molde a permitir a subsistência da relação laboral.

Mas como a impossibilidade absoluta se tem de reportar às actividades contratualmente devidas, se o trabalhador não se encontra em condições de as executar, o contrato caduca, pois não há um dever genérico de o empregador modificar o objecto negocial em função das limitações do trabalhador.”

No caso concreto, decorre do ponto 22 que a Autora está inapta para exercer todas as funções compreendidas na categoria profissional que detém, que é a de Trabalhadora de Limpeza e não estando a Ré obrigada a reclassificá-la, uma vez que tal implica a alteração do objecto contratual, que só pode ter lugar por acordo das partes, há que concluir que a impossibilidade da Autora prestar o seu trabalho é também absoluta.

Mas mesmo que assim se não entendesse, ou seja, que a Ré estava obrigada a atribuir-lhe funções correspondentes a outra categoria profissional de entre as desenvolvidas na empresa, compatíveis com as limitações decorrentes da doença de que é portadora, nomeadamente para execução das tarefas referidas pela Médica do Trabalho (que não impliquem esforços para posturas forçadas ou movimentos repetitivos com os membros superiores), designadamente administrativas, únicas que a Autora aceitava desempenhar (vd. facto nº13), certo é que se provou que a Ré não dispõe de posto de trabalho para a Autora nos serviços administrativos, nem de outros onde esta possa trabalhar com “papéis” (facto nº29).

Há, pois, que concluir que estão preenchidos os pressupostos para que a Ré pudesse fazer caducar, validamente, o contrato de trabalho, não se verificando uma situação de despedimento ilícito como pretende a Apelante.

Improcede, pois, o recurso.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                                                                                Custas pela Apelante

Lisboa, 27 de Maio de 2015

Filomena Manso

Duro Mateus Cardoso

Isabel Tapadinhas

Decisão Texto Integral: