Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
414/2005-6
Relator: GIL ROQUE
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
LETRA EM BRANCO
PACTO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – O contratos de Crédito ao Consumo deve considerar-se conexo com aquele que esteve na base da concessão do crédito, desde que este, tenha sido entendido pelos três contraentes como condição necessária para a concessão do crédito.
II – Nos contratos de crédito ao consumo, sempre que o preço do bem ou serviço for total ou parcialmente coberto por um crédito concedido pelo fornecedor ou por terceiro com base num acordo entre este e o fornecedor, o contrato de crédito é automática e simultaneamente tido por resolvido, sem direito a indemnização, se o consumidor exercer o seu direito de livre resolução, devendo entender-se que este preceito legal (art.º 19.º3 do DL n.º143/01 de 26/04), assenta no princípio geral do direito, de que o acessório segue o regime jurídico do principal. “acessorium sequitur principale”. Revogado ou resolvido o contrato principal, é posto fim também ao acessório.
III – Num contrato de crédito ao consumo celebrado para a aquisição de uma viatura, tendo sido entregue ao mutuante como garantia, uma letra em branco, cujo preenchimento ficou dependente da verificação do incumprimento do contrato pelo mutuário, esta só pode ser preenchida e apresentada a pagamento se estiverem preenchidos os requisitos do pacto (contrato) de preenchimento, se tiver havido falta de pagamento das prestações.
IV – Não estão preenchidos os requisitos para o preenchimento, se o pacto assentar no incumprimento das prestações para amortização do débito, quando o contrato de compra e venda, que esteve na base do crédito, tenha sido revogado por mútuo acordo entre o vendedor e o comprador, por a coisa vendida estar viciada (automóvel com matrícula falsa), facto de que foi dado conhecimento ao credor (Instituição Bancária), tendo o vendedor assumido e passado a pagar as prestações vincendas, em substituição do mutuário, que o credor passou a receber. O credor ao receber as prestações vincendas do vendedor, aceitou o contrato de cessão da posição contratual, que nasceu com a revogação do contrato de compra e venda.
Decisão Texto Integral:    ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA        
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APELANTE :Ibercrédito - Soc. Financeira P/ Aquisições a Crédito, SA   
APELADA: (A)

    I - RELATÓRIO:
    1- (A), residente na Av. Gago Coutinho, n.º 118 C, r/c d.º posterior,  Miramar, Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, deduziu estes embargos de executado contra Ibercrédito- Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito S.A, sede na Av. da Liberdade,  245, 4° B e C, Lisboa.
    Pretende que se julgue a execução extinta e se condene a embargada como litigante de má fé, em multa e indemnização.
    Para tanto alega, em síntese, que:
   - A letra que constitui titulo executivo se destinava a ser preenchida pela embargada desde que as partes acordassem previamente o respectivo  preenchimento, o que nunca ocorreu; nunca  existiu qualquer convenção de preenchimento; o preenchimento pela embargada foi abusivo; a aquisição financiada pela embargada respeitante à compra de um automóvel, foi celebrada pela Sociedade Hispânica de Automóveis, S. A.; através da sua representante "OLIVICAR" - Comércio de Automóveis, Lda; tratou-se de um contrato de compra e venda, celebrado entre a Olivicar e a embargada em que foi vendida a viatura de marca Seat-Ibiza CL; com a matricula 54-...-FB, pelo preço de 1.834.139$00; tal preço foi pago com uma entrada correspondente ao valor de 599.139$00, que consistiu na entrega da viatura marca RENAULT  5 GTR, com a matricula VI-...-22; o restante preço (1.235.000$00} foi  pago com recurso ao financiamento efectuado pela embargada; o contrato de financiamento supra aludido e que respeita ao documento n° 3 foi celebrado no dia 30 de Março de 1995; com surpresa e pouco mais de um ano após a data da aquisição a embargante veio a ser incomodada por agentes da P. S. P. e por uma proprietária de um outro veiculo da mesma marca; informando-a que conduzia uma viatura falsa, isto é, com matricula e numero de chassis absolutamente iguais a uma outra viatura de marca SEAT conduzida pela sua proprietária (B), que também a havia adquirido ás mesmas vendedoras; envergonhada e com receio de vir a ser vitima de uma acção penal por ser possuidora de uma viatura falsificada, a embargante deu conhecimento de tal facto às empresas vendedoras, recusando-se a conduzir daí para a frente a referida viatura; a embargante assinaria, como assinou uma declaração de venda da aludida viatura a favor da Olivicar ou da Sociedade Hispânica de Automóveis S.A. para que estas firmas após efectuarem as rectificações devidas, quer na viatura adquirida pela embargante, quer na que havia sido comprada às mesmas firmas pela Sra. D. (B), pudessem vendê-las posteriormente; ao que a embargante acedeu tendo assinado a referida declaração de venda em 16/08/95; em consequência do referido acordo a Olivicar assumiu as responsabilidades resultantes do dito contrato celebrado entre a embargante e a embargada. Em consequência   da entrega da viatura a embargante receberia o dinheiro por si entregue- a entrada correspondente ao RENAULT 5; todavia a embargante apenas recebeu 100.000$00 como primeira prestação do sinal que havia dado ( Renault 5) e nada mais recebeu até hoje. Com a anuência da Olivicar e da Sociedade Hispânica de Automóveis, SA, a embargante comunicou à Companhia de Seguros Global a suspensão da apólice n° 94009402, em consequência da venda, comunicando também ao Banco Totta & Açores, instituição bancária onde a embargante desempenha actividade profissional no Serviço de Inspecção a referida resolução cancelando as instruções de débito em conta a Ibercrédito, com efeito a partir daquela data; a embargada tinha conhecimento do acordo que a embargante havia celebrado com as firmas vendedoras e sabia que o contrato de financiamento celebrado entre ambas havia sido resolvido. A embargada sabia que após a resolução do contrato passou a receber prestações correspondentes ao contrato em causa da Olivicar; ao valor inicial do contrato sempre teria de se descontar o valor das prestações pagas pela embargante e pela Olivicar; os juros peticionados são superiores aos legais.
    - A embargada contestou  alegando, em síntese que no exercício da sua actividade comercial, que é o financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços, a exequente celebrou com a executada um contrato de financiamento para aquisição de credito; como garantia do pagamento das obrigações emergentes do referido contrato a executada aceitou e
entregou à exequente uma letra em branco; nos termos do n° 6 das "Condições Particulares” ficou acordado que o montante total a pagar pela Embargante à Embargada seria de 1.671.696$00, montante esse a liquidar em 36  prestações mensais de Esc. 46.436$00, iguais e sucessivas; a embargante deixou de pagar à embargada as prestações vencidas a partir de Janeiro de 1996; dado o não pagamento das prestações por parte da Embargante,a Embargada enviou-lhe uma carta registada com aviso de recepção, datada de  30.10.97, interpelando-a para que procedesse ao pagamento de todas as prestações em dívida; a letra em causa foi preenchida ao abrigo do disposto no contrato de preenchimento do título cambiário celebrado entre embargante e embargada e pelos montantes devidos de acordo com o convencionado, em caso de incumprimento; a Olivicar pagou algumas das rendas devidas no âmbito do contrato em causa mas fê-lo sempre na qualidade de terceiro.
    Conclui pela improcedência dos embargos.
    - Respondeu a embargante nos termos constantes de fls.76 e ss., cujo teor se dá por reproduzido, impugnando os factos alegados pela embargada no que respeita à relação jurídica subjacente ao título exequendo.
Conclui pela improcedência das excepções invocadas e como no requerimento inicial.
    - Instruídos os autos procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença na qual se julgaram procedentes os embargos e o incidente de litigância de má-fé apresentado, condenando-se a embargada/exequente no pagamento da multa de € 500 e no pagamento à embargante/ executada, do montante indemnizatório a liquidar no incidente de que fala o n.º2 do art.º 457.º do CPC e absolvendo-se a embargante/executada julgando-se improcedente o pedido.
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    2 – Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a embargada/exequente, que foi admitido e oportunamente foram apresentadas as alegações e contra-alegações, concluindo a recorrente nas suas pela forma seguinte:
    A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2.ª Secção 12.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa, que julgou procedentes os embargo de executado bem como o pedido de litigância de má fé deduzidos por (A) à execução que lhe é movida por Ibercrédito – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito S.A.
    B) Salvo o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal errou na apreciação da prova junta aos autos e produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, bem como na interpretação e aplicação das normas jurídicas aos factos provados.
   C) Do depoimento das testemunhas em Audiência de Julgamento, e bem assim dos documentos juntos aos autos, não permitem concluir no sentido da redacção dada aos números 13, 16 e 22 dos factos  provados da douta sentença recorrida.
  D) Isto, porque do n° 13 e 16, dos factos provados da douta sentença, não se pode extrair que entre a embargante/recorrida e o vendedor da viatura, (objecto do contrato de financiamento), tenha sido celebrado um acordo.
    E) E, muito menos se pode deduzir os termos do referido acordo.
    F) Os termos do acordo celebrado entre a embargada e o vendedor só se vislumbram com a audição do depoimento prestado pela testemunha Sr. (D), constante da Cassete 1, Lado A, rotação 218 a 274.
  G) Esse acordo, em síntese, baseou-se no facto da embargante ter perdido o interesse em que lhe fosse solucionado a questão da troca de documentação da viatura, e ter entregue o carro ao vendedor ( Olivicar), porquanto o queria vender .
    H) Assim, não foi em consequência do acordo referido em 13, que a Olivicar assumiu as responsabilidades resultantes do contrato de financiamento, mas sim, no dizer da testemunha porque a embargante tinha dificu1dades económicas e por esse motivo queria vender o carro.
   I) Só desta forma faz sentido a matéria constante nos números 14 e 15, dos factos assentes da douta sentença.
  J) Deste modo, deverá ser dada outra redacção ao n°16, devendo constar apenas como provado que "A O1ivicar assumiu as responsabilidades resultantes do contrato celebrado entre a embargante e a embargada".
    K) Do teor do depoimento da testemunha (C), do Relatório Pericial, ao exame da escrituração da recorrente (resposta ao quesito 4 ), assim como da própria acta de Audiência de julgamento, no que respeita à convicção do juiz sobre o depoimento desta testemunha, não
poderia o meritíssimo juiz a quo, julgar como provado o n° 22, designadamente que a recorrente passou a receber prestações correspondentes ao contrato em causa da O1ivicar .
  L) Devendo apenas constar como redacção do n° 22  "A embargada recebeu pagamentos da Olivicar".
  M) Além disso, com o devido respeito, a meritíssima juiz, faz uma errada interpretação jurídica das disposições legais aplicáveis aos factos provados.
  N) A meritíssima juiz do tribunal à quo considerou que o acordo celebrado entre a embargante e o vendedor/Olivicar, para ultrapassar a troca da documentação da viatura consubstancia uma revogação do contrato de compra e venda, e como tal a extinção desse contrato repercute-se no contrato de financiamento por via interpretativa do elemento literal e
sistemático do Art.º 1 do D.L. n° 359/91 de 21 de Setembro.
    O) Sucede que, por força do n° 1 do Art.º 12° do D.L. n°  359/91, a validade do contrato de compra e venda está dependente da validade do contrato de crédito, tratando-se de uma dependência unilateral. Assim a eficácia do contrato de compra e venda afere-se pela eficácia do contrato de crédito, pelo que não tendo o contrato de crédito sido revogado no período de reflexão previsto no Art.º 8° do referido diploma  e nos termos contratuais (clausula 13 das Condições Gerais do Contrato de Financiamento para Aquisições a Crédito), o contrato de compra e venda tornou-se eficaz, não podendo ser posteriormente revogado.
    P) A relação de dependência entre o contrato de compra e venda e o contrato de crédito, apenas se verifica no domínio do cumprimento, e nos casos previstos no n° 2 do Art.º 12° do D.L. 359/91 de 21 de Setembro.
   Q) O n° 2 do Art.º 12° do DL n°  359/91, é taxativo ao exigir dois requisitos, a existência de um acordo prévio entre o credor e o vendedor por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este, e ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio.
  R) Ora, o embargante não alegou na petição inicial, a relação de exclusividade entre o vendedor/Olivicar e a recorrente, como tal não se fez prova em audiência de julgamento da referida relação de exclusividade, pelo que a meritíssima juiz do Tribunal “a quo”, ao retirar
dilações do teor do Exame pericial à Escrituração da recorrente, atribuído a uma relação de colaboração entre a recorrente e o vendedor/Olivicar a equivalência de uma relação de exclusividade violou o Art.º 664° do C.P.C.
    S) Além disso, o n° 2 do Art.º 12 do D.L. n° 359/91, não prevê uma repercussão automática da resolução do contrato de compra e venda no contrato de crédito. Segundo a doutrina, o consumidor deve emitir uma declaração (extrajudicial) dirigida à contra parte  do contrato de crédito. No caso subjudice a embargante/recorrida não fez prova que tenha emitido essa declaração, pelo que não é legitima a recusa da embargante em proceder ao pagamento das prestações do contrato de financiamento.
    T) Deste modo a douta sentença violou a aplicação do Art.º 8 e 12.º do D.L.n° 359/91, de 21 de Setembro, bem como o Art.º664 do C.P.C.
U) No tocante a ter resultado provado que o vendedor/Olivicar assumiu perante a embargante/recorrida, o pagamento das prestações do contrato de financiamento, juridicamente apenas configura uma promessa de liberação, vinculando apenas a embargante e o vendedor/Olivicar, nos termos do n° 3 do Art.º 444° do Código Civil.
   V) Além disso, não resultou provado em audiência de discussão e julgamento que tenha havido uma ratificação expressa da recorrente face à assunção da divida havida entre a embargante e o vendedor/Olivicar, pelo que a assunção de divida não é liberatória, por força do n°2 do Art.º 595° do Código Civil.
    W) Relativamente aos pagamentos efectuados pela  Olivicar, tão só o foram na qualidade de terceiro nos termos do Art.º 767° do Código Civil.
    X) Consequentemente, a douta sentença, não deveria ter considerada extinta a relação contratual entre a recorrente e a embargante/recorrida.
    Y) Deste modo, não tendo sido abusivo o preenchimento da letra, a douta sentença recorrida violou o Art.º 10.º da LULL.
    Z) Relativamente à douta sentença ter julgado procedente o pedido de litigância de má fé, não estão preenchidos os pressupostos de aplicação do Art.º 456° do C.P.C.
   AA) Segundo a  jurisprudência" para se falar em litigância de má fé não basta a culpa, sendo necessário exigir uma actuação maliciosa"(Ac.STJ de 17/03/1999), e dos factos resultados provados não se pode concluir pela conduta maliciosa da recorrente ao longo do processo.
    BB) Aliás, ao longo dos presentes autos a recorrente apenas defendeu uma interpretação e aplicação da lei diferente aos factos provados, e de acordo com a  jurisprudência" não há litigância de má fé processual, quando a parte tenha agido sem dolo, e se trate de uma questão de interpretação e aplicação da lei aos factos" (Ac. ST J de 24/04/1991 ).
   CC) Concluímos que a recorrente não agiu com negligência grosseira na averiguação que fez do substrato que fundamentou a sua pretensão, tendo apenas efectuado uma interpretação jurídica distinta a esses factos, deste modo a sua conduta não pode ser qualificável de má fé.
DD) A Condenação da recorrente numa multa de € 500,00 e em indemnização á parte contrária não pode  proceder, por não se verificarem os pressupostos elencados na douta sentença recorrida.
   EE) Tal condenação é injusta e carece de fundamento já que não estão provados nos autos factos que permitem qualificar a conduta da recorrente como gravemente negligente.
    FF) Face ao exposto a douta sentença recorrida violou a aplicação do Art.º 12 e 8 do D.L. n°  359/91, de 21 de Setembro, Art. ° 595 n° 2 e 797° do Código Civil, Art.º 10° LULL, Art.º 664 ° e 456° n° 2 al. a) do C PC.
    Deverá assim:
   i. Ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes moldes:
  a) modificar-se a resposta ao quesito 6.º (13 dos factos provados), dando-o por não provado e, consequentemente, alterar a primeira parte do n° 16 dos factos provados, constando apenas como provado que “a Olivicar assumiu as responsabilidades resultantes do contrato celebrado entre a embargante e a embargada";
  b) Alterar-se a redacção do n° 22 dos Factos Provados, constando apenas deste que "A embargante recebeu da Olivicar alguns pagamentos."
   ii. Ser revogada a sentença proferida e, em consequência, os embargos e o pedido de condenação em litigância de má-fé julgados improcedentes.
 
    - Nas contra-alegações a apelada pugna pela improcedência do pedido com a consequente confirmação da decisão recorrida.
    - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO:
    A) Factos provados:
    A matéria de facto dada como assente na decisão recorrida é a seguinte, que se assinalam na parte final de cada número com as letras da matéria assente e números provados da base instrutória correspondentes:
    1- No exercício da sua actividade comercial, que é o financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços, a exequente celebrou com a executada um contrato de financiamento para aquisição a crédito (al.A));
    2- Como garantia do pagamento das obrigações emergentes do referido contrato a executada aceitou e entregou à exequente uma letra em branco, letra essa cujo valor, data de emissão e data de vencimento se descreve no quadro seguinte que se encontra junta dando-se por reproduzida para todos os efeitos legais:
DATA DE EMISSÃO                  VENCIMENTO                                        VALOR
       05.04.95                                      19.11.97                                         1.389.696$00 (al.B));
    3- A aquisição financiada pela embargada respeitante à compra de um automóvel, foi celebrada pela Sociedade Hispânica de Automóveis, S.A. (al.C));
    4- Através da sua representante "OLlVICAR" – Comércio de Automóveis Lda.(al.D);
    5- Tratou-se de um contrato de compra e venda entre a Olivicar e a embargante em que foi vendida a viatura de marca Seat-Ibiza CL, com a matrícula 54-...-FB, pelo preço de 1.834.139$00 (al. E));
    6- Tal preço foi pago com uma entrada correspondente ao valor  de 599.139$00, que consistiu na entrega da Viatura de marca RENAULT 5GTR, com a matricula VI-...-22(al.F);
    7- O restante preço (1.235.000$00) foi pago com recurso ao financiamento efectuado pela embargada (al.G));
    8 – O contrato de financiamento supra aludido que respeita ao documento n° 3 foi celebrado no dia 30 de Março de 1995 (al.H));
    9- A referida letra destinava-se a ser preenchida pela exequente, no caso de incumprimento do citado contrato de financiamento por parte da executada, ao abrigo do acordo de preenchimento de titulo cambiário (BI n.º 1º);
   10- A letra ajuizada havia sido entregue pela embargante à embargada nos serviços respectivos da sua filial situada na cidade do Porto (BI n.º 2º);
   11- Com surpresa e pouco mais de um mês após a data da aquisição a embargante veio a ser incomodada por agentes da P.S.P. e por uma proprietária de um outro veículo da mesma marca (BI n.º 4º);
   12- Informando-a que conduzia uma viatura falsa, isto é, com matrícula e número de chassis absolutamente iguais a uma outra viatura de marca SEAT, conduzida pela sua proprietária D. (B), que também a havia adquirido às mesmas vendedoras(BI n.º 5.º);
   13- Aflita, envergonhada e com receio de vir a ser vitima de uma acção penal por ser possuidora de uma viatura falsificado, a embargante deu conhecimento de tal facto ás empresas vendedoras, recusando-se o conduzir daí para a frente a referida viatura (BI n.º 6º);
   14- A embargante assinaria, como assinou uma declaração de venda da aludida viatura a favor da Olivicar ou da Sociedade Hispânica de Automóveis S.A., para que estas firmas após efectuarem as rectificações devidas, quer na viatura adquirida pela embargante, quer na que havia sido comprada, às mesmas firmas pela  Sra. D. (B), pudessem vendê-la posteriormente (BI n.º 7º);
   15- Ao que a embargante acedeu tendo assinado a referida declaração de venda em 16/08/95 (BI n.º 8º);
   16- Em consequência do acordo referido sob o n.º13, a Olivicar assumiu as responsabilidades resultantes do dito contrato celebrado entre a embargante e a embargada (BI n.º 9º);
   17- Em consequência da entrega da viatura a embargante recebeu o dinheiro por si entregue a entrada correspondente ao RENAULT 5 (BI n.º 10º);
   18- Todavia a embargante apenas recebeu 100.000$00 como prestação do sinal que havia dado ( Renault 5) e nada mais recebeu até hoje (BI n.º 11º);
   19- Com a anuência da Olivicar e da Sociedade Hispânica de Automóveis, SA., a embargante comunicou à  Companhia de Seguros Global a suspensão da apólice n° 94009402, em consequência da venda (BI n.º 12);
   20- Comunicando também ao Banco Totta & Açores, instituição bancária onde a embargante desempenha actividade profissional no Serviço de Inspecção a referida resolução cancelando as instruções de débito em conta à Ibercrédito, com efeito a partir daquela data (BI n.º 13º);
   21- A embargada tinha conhecimento do acordo que a embargante havia celebrado com as   firmas vendedoras (BI n.º 14º);
   22- A embargada sabia que passou a receber prestações correspondentes ao contrato em causa da Olivicar (BI n.º 15º);
   23- Nos termos do n° 6 das "Condições Particulares”, ficou acordado que o montante total a pagar pela Embargante à Embargada seria de Esc. 1.671.696$00, montante esse a liquidar em 36 prestações mensais de Esc. 46.436$00, iguais e sucessivas (BI n.º 16º);
   24- A embargante deixou de pagar à embargada as prestações vencidas partir do mês de Janeiro de 1996 (BI n.º 18º);
   25- Dado o não pagamento das prestações da Embargante, a Embargada enviou-lhe uma carta registada com aviso de recepção, datada de 30.10.97, interpelando-a para que procedessem ao pagamento de todas as prestações em divida (BI n.º 19º);

    B) Direito aplicável:
    A apelante tira das alegações 30 conclusões, que ela própria acaba por enquadrar em três questões essenciais que consistem, na modificação da resposta ao quesito 6.º (13 dos factos provados), dando-o por não provado e, consequentemente, entende que se deve alterar a primeira parte do n° 16 dos factos provados, constando apenas como provado que “a Olivicar assumiu as responsabilidades resultantes do contrato celebrado entre a embargante e a embargada, na alteração da redacção do n° 22 dos Factos Provados, devendo em seu entender constar apenas deste  que " A embargante recebeu da Olivicar alguns pagamentos" e por último sustenta que deve ser revogada a sentença proferida e, em consequência, quer os embargos quer o pedido de condenação em litigância de má-fé, devem ser julgados improcedentes.
    Sabendo-se que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões, como resulta do disposto nos art.º 684º nº3 e 690º nºs 1 e 4 do Cód. Proc. Civil e vem sendo orientação da jurisprudência[1], a elas nos cingiremos na apreciação do recurso.
    1- O apelante começa por sustentar logo nas primeiras conclusões que tira das suas alegações que o tribunal recorrido errou na apreciação da prova junta aos autos e da produzida em julgamento, mas não esclarece de forma clara e inequívoca onde estão os erros.
 Assim, procedemos a uma análise cuidada e ponderada de toda a prova não só porque essa a primeira das discordâncias do recurso, como porque é esse o nosso dever para que daí possa resultar uma apreciação  e decisão em conformidade com o direito enquadrável à situação dos autos. 
    Analisámos a prova e as respostas aos factos n.ºs 13, 16 e 22, bem como a fundamentação dessas respostas exaradas no despacho de fls.412 a 415, e entendemos que as respostas dadas aos números que constituem a base instrutória, se mostram em conformidade com a prova e com uma fundamentação que não merece a menor censura.
Na verdade da análise do despacho em que se responde à matéria relativa à base instrutória verifica-se que a fundamentação é satisfatória, e não devemos esquecer que mesmo após a revisão do Código ficaram intocáveis as disposições relativas à força probatória dos depoimentos das testemunhas, que continua a ser apreciada livremente pelo tribunal (artº 396º do Cód. Civil), e por outra banda, recorde-se que o tribunal colectivo e o singular, “aprecia livremente as provas, decidindo os juizes segundo a sua convicção acerca de cada facto”  (artºs 655º nº1 e 791º nº3 do C.P.Civil).
De resto, em nosso entender, na sequência da maioria da jurisprudência, a utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela de forma diversa o princípio da prova livre, insito nas  aludidas disposições legais, nem dispensa as operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada[2]
De qualquer modo, embora seja permitida a reapreciação dos elementos de prova constantes do processo, podendo a 2ª instância adquirir uma convicção diferente daquela a que chegou a 1.ª , e expressá-1a em  concreto, alterando a decisão do tribunal inferior nos pontos questionados, quanto a nós, semelhante ampliação de poderes, como se diz no sumário do Acórdão da Relação do Porto de  19.9.00[3], não se impõe a realização  de novo e integral julgamento nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto.
    Na verdade, mantendo-se em pleno vigor os  princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação das provas, e orientando-se o julgamento humano  por padrões de probabilidade e nunca de absoluta certeza, o uso pela Relação dos  poderes de alterar a decisão da, 1ª instância acerca da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão nos concretos pontos questionados.
    Com efeito, este Tribunal já se pronunciou por diversas vezes sobre esta importante matéria firmando uma jurisprudência que não se afasta da indicada, que a modificação das respostas aos quesitos só se justifica quando haja um erro evidente, na  apreciação da matéria de facto (depoimentos que contradigam patentemente a resposta da 1.ª instância aos números da Base Instrutória. Isto porque  estando o juiz perante a pessoa que depõe, melhor do que ninguém se apercebe, da forma como ela realiza, o seu depoimento, da convicção com que  o presta, da espontaneidade, que revela as imprecisões que deixa  escapar, de tudo,  enfim o que serve para fundamentar a impressão que o depoimento deixa no  espírito do  julgador e contribui em menor ou maior grau para formar a sua convicção.
     Na mesma linha de orientação, escrevemos que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas estabelecido no artº 655º nº1 do CPC, que na formação da convicção do julgador; entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação, seja áudio, seja mesmo vídeo.
   Compete ao tribunal de segunda jurisdição apurar a razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que lhe são apresentados nos autos e que desta forma, o tribunal de segunda instância não vai à procura de uma nova convicção mas procura saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo, tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os elementos existentes nos autos) pode exigir perante si.
    Como se deixou dito, o que se pretende com o registo da prova é evitar erros ou vícios de julgamento. Não tem por fim pôr em causa a apreciação efectuada na primeira instância.
 Pelos motivos que temos vindo a alinhar, não se pode deixar de entender que não assiste ao  apelante qualquer razão nesta parte do recurso, uma vez que depois de termos analisado com cuidado toda a prova produzida na primeira instância, reconhecemos que ali foi feita uma apreciação ponderada, que reflecte a prova efectivamente produzida sem lugar para dúvidas, não sendo assim oportuna qualquer censura susceptível de por em causa a decisão sobre a matéria de facto e a sua interpretação na aplicação do direito adequado.
   Improcedem assim, pelas razões referidas, as conclusões A), B), C), E),  F), J), K) e L).
   Sustenta depois a apelante que o acordo se baseou no facto da embargante ter perdido o interesse em que lhe fosse solucionada a troca de documentação da viatura.
   É verdade que a agravante perdeu o interesse, em continuar proprietária daquela viatura,
Quando, a “pouco mais de um mês após a data da aquisição veio a ser incomodada por agentes da P.S.P. e por uma proprietária de um outro veículo da mesma marca, informando-a que conduzia uma viatura falsa, isto é, com matrícula e número de chassis absolutamente iguais a uma outra viatura de marca SEAT, conduzida pela sua proprietária D. (B), que também a havia adquirido às mesmas vendedoras” do mesmo modo que é normal que tivesse ficado, “ Aflita, envergonhada e com receio de vir a ser vitima de uma acção penal por ser possuidora de uma viatura falsificado, e por isso, “deu conhecimento de tal facto ás empresas vendedoras, recusando-se o conduzir daí para a frente a referida viatura” (Factos provados n.ºs 11, 12 e 13).
   Perante tal situação, não é pelo facto de uma testemunha ir a tribunal de dizer que a agravante estava com dificuldades económica que o tribunal iria pensar que o acordo celebrado com a Firma vendedora tinha sido celebrado com base em dificuldades económicas no facto da sua viatura circular com documentos e número de matrícula e chassis falsificados.
   Qualquer pessoa consciente e honesta  se sentiria aflita e envergonhada e procuraria por fim, imediatamente ao contrato de compra e venda que a havia conduzido a essa situação e não aguardaria que lhe substituíssem os documentos, que até poderia não vir a acontecer.   Como diz o povo, “vox populi“ gato escaldado de água fria tem medo.  
   Que houve um acordo entre as  firmas vendedoras e a embargante, que consistiu na revogação do contrato, por acordo entre vendedores e compradora, não há quaisquer dúvidas (Factos provados n.ºs 14, 15 a 20).
     Estranha-se a conduta da própria exequente assumida nas conclusões que tira das alegações, porquanto está também provado que:” A embargada tinha conhecimento do acordo que a embargante havia celebrado com as   firmas vendedoras” , mas mais espantoso é que,  “ A embargada sabia que passou a receber prestações correspondentes ao contrato em causa da Olivicar”, (Factos provados n.ºs 22 e 22).
    De resto, da leitura das próprias conclusões resulta claramente, em nosso entender que a embargada tinha conhecimento desse acordo, conhecimento que de resto, ressalta das conclusões H) e I) que a apelante tira das suas alegações.
   Entende-se assim que a interpretação que a Senhora Juiz da 1.ª instância, foi a adequada e a que em termos normais se esperaria dum julgador ou interprete que decidisse forma ponderada.
   
                                                                        *
    2 – Apreciada e decidida a parte da sentença recorrida relativa à matéria de facto, passaremos a apreciar o enquadramento jurídico da matéria de facto dada como assente.
    Como se vê da matéria assente, a situação dos autos deu lugar, em nosso entender a  três contratos que consideramos conexos: Um “contrato de compra e venda”, que é o principal, que deu causa ou fez surgir ao segundo, “contrato de crédito ao consumo” e em consequência da revogação por mútuo acordo pelos contraentes do primeiro, surgiu o terceiro que considerando-se ou não, como “contrato de cessão da posição contratual”, conduz sempre a nosso ver ao mesmo resultado jurídico.
   Não há lugar a quaisquer dúvidas, que há uma conexão estreita entre os contratos de compra e venda e o contrato de crédito ao consumo, de tal modo que é entendimento generalizado de que este se repercute e estende ao contrato de compra e venda, de tal modo que é a própria lei que claramente assim o entende, quer na defesa do consumidor, quer na do próprio vendedor ou fornecedor.
    É esse o sentido que nos aponta a lei, como meio de defesa tanto do consumidor como do vendedor ao determinar que, se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, “ a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade do contrato de crédito, sempre que existe qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato”, e por esta mesma razão, não se pode deixar de ter em conta que, “O consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este último; b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior”(art.º 12.º n.º1 e 2 do Dec.Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro).
    Ora, dos documentos juntos ao processo, resulta claramente que existia acordo entre as entidades vendedoras e a embargada, pois ressalta da análise desses documentos que o crédito foi concedido e entregue para pagamento da aquisição da referida viatura.
    Contudo, decorridos cerca de dez anos, após a entrada em vigor o diploma legal donde as disposições citadas são oriundas, o legislador transpôs para a ordem jurídica portuguesa, a directiva comunitária n.º 97/7/CE, do Parlamento Europeu e Conselho de 20 de Maio, relativa à protecção dos consumidores, embora em relação a matéria de contratos celebrados à distância e aos negociados fora do estabelecimento, que permitem a resolução dos contratos de forma unilateral pelo consumidor em certas circunstâncias.
    Dispõe-se aí designadamente que: “Sempre que o preço do bem ou serviço for total ou parcialmente coberto por um crédito concedido pelo fornecedor ou por um terceiro com base num acordo celebrado entre este e o fornecedor, o contrato de crédito é automática e simultaneamente tido por resolvido, sem direito a indemnização, se o consumidor exercer o seu direito de livre resolução em conformidade com o art.º 6.º n.º1 ou 18.º n.º1 ” (art.ºs 8.º n.º3 e 19.ºn.º 3 do Dec-Lei n.º 143/2001 de 26 de Abril).
Isto, mesmo que não exista qualquer fundamento para que o consumidor ponha fim ao contrato, resolvendo-o unilateralmente.
    Por maioria de razão o poderá fazer se o contrato estiver viciado, por culpa do fornecedor.    
   As disposições legais referidas, embora oriundas de diplomas que regulam aspectos dos contratos de crédito ao consumo diferentes, o primeiro com vista às vendas nos estabelecimentos e as segundas às vendas efectuadas fora dos estabelecimentos comerciais,  como os contratos ao domicílio e outros equiparados, ambos tiveram como origem a transposição de directivas comunitárias com vista à protecção do consumidor em matéria de contratos, divergindo apenas quanto ao local da sua celebração.
   De tudo o que fica dito, ressalta claramente, a nosso ver,  que nenhuma destas questões, que aparentemente surgem em defesa do consumidor em obediência a imperativos constitucional (art.º60.º da Constituição da República) e comunitários, são novos porquanto existindo conexão entre os contratos de compra e venda e o de concessão de crédito para a concretização do primeiro, sendo aquele sem dúvida, o contrato principal e o contrato de crédito o acessório (com vista à concretização do primeiro). É princípio geral do direito, que o acessório segue o regime jurídico do principal. “acessorium sequitur principale”. Revogado ou resolvido o contrato principal, é posto fim também ao acessório. 
    Assim, mostrando-se Revogado por mútuo acordo o contrato de compra e venda do automóvel, em consequência do vício que foi reconhecido pela vendedora (factos provados n.ºs 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17), o contrato acessório de concessão do crédito, para levar a efeito aquele, ficou “ipso facto”, resolvido ou revogado, assumindo a vendedora que havia recebido o montante do crédito como pagamento da viatura vendida, a responsabilidade perante a exequente aqui embargada, pelo pagamento das prestações vincendas, que até então eram da responsabilidade da embargante.
    De toda esta sucessão de factos foi dado conhecimento à embargada, Ibercrédito, pois mostra-se provado que: “A embargada tinha conhecimento do acordo que a embargante havia celebrado com as   firmas vendedoras”, e que aA embargada sabia que passou a receber prestações correspondentes ao contrato em causa da Olivicar (factos provados n.ºs 21 e 22).  Assim embora se mostre provado que a embargante deixou de pagar as prestações a partir de do mês de Janeiro de 1996, o contrato de compra e venda já havia sido revogado em 16/08/1995, facto de que foi dado conhecimento à Embargada (factos provados n.ºs 15, 24, e 21).
Não se aceita, por tudo isto que, como pretende a apelante, o enquadramento da situação dos autos se enquadre na figura da assunção de dívida, regulada pelo disposto nos art.ºs 595.º e segs. do Código Civil. Isto, tendo-se em conta que, o contrato de concessão de crédito, como queremos ter deixado bem claro, não se mostra desligado do contrato de compra e venda. Existe entre eles conexão estreita, como a própria embargada reconhece ( conclusão O), embora defenda tratar-se de uma dependência unilateral dos contratos, mas que a nosso ver, não tem cabimento, não se aceitando essa asserção, nem o enquadramento pretendido.
    Resulta pois, de forma clara e inequívoca que a embargada, não só sabia como aceitou a revogação do contrato de compra e venda do automóvel, e a cessão da posição contratual do contrato de concessão de crédito para a Olivicar (art.º 424.º do Código Civil).
   De contrário não teria recebido algumas das prestações que  entretanto se foram vencendo, da Olivicar, como consta da matéria provada acima referida.
   Por tudo o que fica dito, mostra-se claro que não houve incumprimento do contrato de concessão de crédito pela embargante e que por isso, não se vislumbram motivos para que fosse preenchida a letra em branco que a exequente, aqui embargada tinha em seu poder, uma vez que o pacto de preenchimento, só a habilitava a preencher esse título e a exigir da embargante o seu pagamento se da parte desta houvesse incumprimento do contrato.
      Assim, a Senhora Juiz, apreciou de forma cuidadoso e com justiça os embargos, sem ter violado qualquer das disposições referidas pela apelante, nem quaisquer outras, pelo que a decisão certa, não poderia ter sido outra que não fosse, a procedência dos embargos.

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    3 – Resta apreciar a decisão relativa à condenação da exequente, como litigante de má fé.
     Da análise da matéria dada como assente, resulta claro que a exequente, que estava recebendo da Olivicar, as prestações relativas ao contrato que tinha celebrado com a embargante, apesar disso, preencheu a letra em branco que lhe tinha sido entregue pela embargante, ao arrepio do contrato de preenchimento, uma vez que o contrato foi de que a letra só seria preenchida, se a embargante, não cumprisse o contrato de concessão de crédito que com ela havia celebrado e isso não se provou que tenha acontecido.
   O que se infere, da conduta da exequente ao preencher a letra em branco que tinha em seu poder subscrita pela embargante, sem necessidade de grande reflexão é que a embargada, pretendia receber o mesmo crédito de duas entidades, ou seja em duplicado, da Olivicar, recebendo as prestações acordadas inicialmente com a embargante e desta através da letra que usou como título executivo que serviu de base à execução e que deu causa aos embargos  de oposição à execução.
   Na verdade, a embargada ao preencher a letra que lhe foi entregue em branco, com quebra do convencionado que consistia no preenchimento só quando se verificasse a situação de incumprimento e tendo-o o feito com conhecimento de que esse incumprimento não se havia verificado, o preenchimento foi não só abusivo como arbitrário, tendo sido efectuado com violação do contrato de preenchimento e com o conhecimento claro e evidente, de que não havia incumprimento por parte da executada[4].
Tal procedimento caracteriza claramente uma actuação de má fé material e ao preencher a letra para se servir do título obtendo através dele o valor nela aposto intentando a acção executiva como veio a acontecer, agiu também como manifesta má fé instrumental.
    Na verdade, a embargada, tendo preenchido a letra que serviu de base à execução que intentou contra a executada aqui embargante, não só violou de forma grave o dever de cooperação a que está vinculada (art.ºs 266.º e 266-A do CPC), como fez uso do processo executivo contra a embargante , com o fim de conseguir um objectivo ilegal, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer, que consistiu em tentar receber o crédito em duplicado de duas entidades diversas. Procedendo desse modo, tentou intorpecer a acção da justiça, com conhecimento claro, ou pelo menos, com a obrigação desse conhecimento, agindo, como se nos afigura cristalino com manifesta má fé  material e instrumental. Com tal conduta agiu de má fé, violando pelo menos com negligência grave, o preceituado no disposto no n.º2 als. c) e d) do art.º 456.º do C.P.Civil.   
   Pelas razões que vimos alinhando, verifica-se que ao contrário do que sustenta a apelante, esta não se limitou a defender uma interpretação jurídica que entende acertada. Se assim acontecesse, efectivamente, não haveria motivos para considerar que a sua conduta caracterizava litigância de má fé. Na verdade, também nós entendemos que, é lícito defender todas as interpretações, já que em direito, ninguém se pode arvorar senhor ou conhecedor de toda a ciência, mas a questão aqui não é apenas uma questão de interpretação nem de enquadramento jurídico do título dado à execução, mas de tentar o pagamento duma quantia de quem não a deve.
   O que a nosso ver, constitui a actuação censurável da apelante, está no facto, não só de ter preenchido a letra em branco com violação manifesta do contrato de preenchimento, mas sobretudo, no facto de estar a receber prestações da Olivicar relativas ao contrato celebrado com a executada, saber da revogação do contrato e da existência de novo contrato da mesma viatura já com outro comprador (consumidor) e apesar disso, ter instaurado a execução para se ressarcir do valor da letra por si preenchida e dada à execução.
    Não é, a nosso ver minimamente aceitável que para justificar toda esta actuação, venha ainda defender como faz, que a situação é a prevista no disposto no art.º 767.º do CC. , sem sequer ter em conta que não se preenchendo o preceituado no n.º2 deste mesmo preceito legal, não é permitido o enquadramento jurídico pretendido para justificar a actuação manifestamente, a nosso ver de má fé.
   Bem andou a Senhora Juiz do Tribunal “a quo” ao decidindo, a questão da litigância de má fé pela forma como o fez, que consideramos acertada.
   Também esta parte da decisão não pode deixar de ser confirmada na integra.
   Não colhem assim, as restantes conclusões que a apelante tira das suas alegações, que se julgam improcedentes, sem necessidade de mais alongadas considerações.
   
III – DECISÃO:
Em face de todo o circunstancialismo descrito, e das aludidas disposições legais, julga-se improcedente por não provado o recurso e em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
   
Lisboa, 17-02-2005
Gil Roque
Sousa Grandão
Arlindo Rocha
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[1]  - Vejam-se entre outros os Acs. STJ. de 2/12/82, 25/07/86, 3/03/91, 29/05/91 e 4/02/93, do STA de 26/04/88 (in BMJ, nº 322º- 315, 359º-522, 385º- 541, Acórd.Doutrin.364-545, Col.Jur./STJ,1993, 1º-140 e Ac.Dout.,322 -1267 respectivamente).
[2] - Veja-se entre outros o neste sentido,  Ac. da Relação de Lisboa de  27.3.01, na CJ. XXVI, tomo 2, 86.
[3] - Col. Jur., Ano XXV, Tomo 4, 186.
[4] - Demonstrada a excepção, nos casos em que é oponível, impõe-se a absolvição do devedor de toda a responsabilidade. Ver – Prof.º Vaz Serra, in BMJ n.º 61.º - 288 e G.DIAS , Da Letra e da Livrança 4.º -530.