Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2037/2005-6
Relator: URBANO DIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1 - A indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista: visa, por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente
2 - Na fixação de indemnização por danos não patrimoniais deve-se, hoje em dia, ter em conta o contínuo aumento dos seguros obrigatórios e respectivos prémios, não devendo os tribunais, na sua fixação, nortearem-se por critérios miserabilistas.
3 - Não tendo havido actualização das indemnizações arbitradas, os juros devem ser contados a partir da citação, ut nº 3 do art. 805º do C. Civil.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

            1 –

           (P) e (A) intentaram no tribunal de Sintra acção ordinária contra Companhia de Seguros Bonança S. A., pedindo a sua condenação  no pagamento dos seguintes montantes:

- 7.500.000$00 a cada um pela violação do dano do direito à vida de seu falecido filho;

- 4.000.000$00 a cada um pelas dores sofridas pelo filho;

- 3.000.000$00 a cada um pelos danos morais que sofreram;

 - 5.000.000$00 à A. pelos danos patrimoniais sofridos,

acrescidas tais verbas de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

            Em suma, alegaram que o seu filho foi vítima de acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na R., o qual acabou por falecer em consequência do mesmo.

            A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, defendendo, para tanto, que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente a culpa da própria vítima.

            Interveio na lide o condutor do veículo seguro na R. que, tal como esta, defendeu que a produção do acidente se ficou a dever a culpa exclusiva da vítima.

            Em audiência preliminar, foi proferido saneador que julgou competente o tribunal, legítimas as partes e o processo isento de nulidades.

            Fixaram os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

            A audiência de discussão e julgamento decorreu com observância de todas as legais formalidades e com gravação da prova, tudo como consta das actas.

           Após as respostas aos quesitos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar 70% dos seguintes montantes:

- a título de indemnização pelo dano morte, o montante global de 39.903,83 €;

- a título de danos não patrimoniais sofridos pelo falecido, desde o acidente até à sua morte, o montante de 24.939,89 €;

- pelos danos não patrimoniais de cada um dos progenitores, o montante de 7.481,97 € para o pai, e 9.975,96 € para a mãe;

- a título de lucros cessantes, o montante de 24.939,89 € a atribuir à mãe,

para além de juros sobre 70% dos montantes referidos, vencidos desde a data da citação, às taxas em vigor, e até integral pagamento.

Com esta decisão não se conformou a R. que apelou para este Tribunal, pedindo a sua revogação, tendo, para o efeito, produzido alegações que rematou com as seguintes conclusões:
- Os danos não patrimoniais sofridos pelo falecido devem ser valorados equitativamente em quantia não superior a € 5.000,00 (cinco mil euros), dado a sua natureza meramente compensatória e a contribuição do falecido, pela sua culpa na formação da própria personalidade, para o sofrimento;
- A equidade aponta também para que os lucros cessantes não ultrapassem o equivalente a 3.000.000$00, ou seja, € 14.963,93;
- A seguradora apelante só responde por 70% das quantias referidas nas conclusões anteriores, conforme o decidido quanto à repartição de culpas na produção do acidente (que não está em causa no presente recurso);
- Os lucros cessantes, os danos patrimoniais futuros previsíveis, foram fixados na data mais recente (art. 663º, nº1 do CPC) e com apelo à equidade;
- Assim, o quantitativo respectivo foi forçosamente actualizado, pelo que só vencem juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença, rectius da decisão actualizadora;
- Os danos não patrimoniais supra referidos estão naturalmente actualizados à data da prolação da sentença recorrida e foram arbitrados também como o recurso à equidade; devem, por conseguinte, só vencer juros à taxa legal de 4% desde aquela data;
- Decidindo de forma diversa e ao arrepio da Jurisprudência nº 4/2002, a sentença recorrida violou, entre outros, os arts. 494º, 496º, 566º, nº2, 805º, nº3 (que deve ser interpretado restritivamente), 806º, nº1, todos do C. Civil e 515º e 663º, nº1, ambos do CPC.

        Os apelados, por seu turno, defenderam a manutenção do julgado.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            2 –
            Foram dados como provados os seguintes factos:
- No dia 23 de Fevereiro de 1999, pelas 04H09, na E.N. nº 249, ao Km 1.7, ocorreu um trágico acidente de viação;
- Nesse acidente foram intervenientes o automóvel ligeiro de matricula XH-...-95, marca Citroen, e o falecido (R);
- O XH era conduzido pelo seu proprietário (J);
- O referido veículo automóvel circulava no sentido Albarraque/Abrunheira;
- O condutor (J) era proprietário do veículo automóvel de matrícula XH-...-95 e havia transferido a responsabilidade civil, por danos causados por esse veículo a terceiros, para a companhia de seguros Bonança, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº AU 20934673;
- O (R) era filho (P) e (A);
- Faleceu no estado de solteiro com 50 anos de idade, e não deixou descendentes;
- A A. nasceu no dia 1 9 de Dezembro de 1919;
- (R) faleceu no dia 23/03/1999;
- Com efeito, logo após o acidente modal que vitimou o peão (R) o condutor foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, registando, na altura, uma taxa de alcoolizai de 1,69 g/l;
- Foi feita a colheita de sangue no Hospital de S. Francisco Xavier e o (R) acusou uma taxa de alcoolemia de 1,90 g/l;
- Por efeito do acidente do (R) foi aberto inquérito, a que foi dado o nº 1 17/99.2 GCSNT-03, que correu termos na 3ª Secção do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Sintra;
- O referido inquérito viria a ser arquivado;
- O cidadão (R) veio a falecer em consequência do acidente ocorrido em 23/2/1999 pelas 04H09 na Estrada Nacional 249, ao Km 1,7;
- O (R), transitava a pé, no sentido Abrunheira/ Albarraque;
- Deslocava-se do seu emprego, da fábrica - Crometal, Lª (sita na Zona Industrial da Abrunheira) onde trabalhava por turnos, para sua casa, sita em Rua do Moinho, 49, Albarraque;
- Conhecia bem o local, pois todos os dias fazia aquele trajecto a pé;
- Sensivelmente, ao km 1.7 da referida E.N. 249, o XH conduzido pelo seu proprietário (J) colheu o (R);
- O embate do automóvel com o (R) ocorreu em frente à fábrica ENERIZ, sobre o asfalto, a cerca de 2,20 metros da berma esquerda da estrada, em direcção contrária ao sentido de marcha do veículo automóvel;
- O acidente ocorreu dentro de uma localidade denominada Abrunheira, sendo que a velocidade máxima permitida é de 50Km/hora;
- No local do acidente a estrada tem cerca de 6,90 m de largura;
- É a mesma uma recta com boa visibilidade antecedida de curva com lomba;
- A referida estrada é bem iluminada havendo no local do acidente vários postos de electricidade;
- Durante o dia, a estrada onde ocorreu o acidente, tem tráfego intenso, atravessando uma zona com muita densidade de edifícios industriais, com iluminação;
- O veículo automóvel atingiu o peão (R) com a sua frente lateral direita, sendo que a violência do embate foi de tal modo elevada que o guarda-lamas e o farolim, ambos do lado direito do XH, ficaram partidos;
- As fotos constantes de fls. 20 dos autos foram obtidas após o acidente referido;
- O condutor (J), não efectuou antes do embate no peão qualquer travagem, nem qualquer manobra no sentido de desviar a viatura para a sua esquerda, nem reduziu a velocidade de modo a evitar o embate;
- No momento do embate o condutor (J) conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,69 g/l no sangue e a uma velocidade não inferior a 80 km/hora;
- O condutor (J) foi colher o peão (R) a mais de 20 metros após descrever a curva, já em plena recta e local iluminado;
- Na E.N. 249, e no local do acidente existem bermas de terra batida;
- Em resultado do embate, o peão (R) foi projectado a cerca de 15 metros sendo que o automóvel só imobilizou a sua marcha mais de 20 metros após ter atropelado o peão;
- Conduzido ao Hospital S. Francisco Xavier, o (R) veio a falecer no dia 21 de Março de 1999, em resultado das gravíssimas lesões sofridas no acidente, provocadas pelo embate do referido automóvel;
- Com efeito, conforme melhor consta dos relatórios médicos referentes ao internamento hospital do (R) este sofreu com o acidente as seguintes lesões:
- traumatismo cranio-encefálico com perda de consciência (à entrada no Hospital estava em coma);
- traumatismo facial com fractura dos ossos próprios do nariz;
- feridas múltiplas e complexas na face e no couro cabeludo;
- traumatismo torácico com pneumotórax bilateral; e
- traumatismo ortopédico com fractura exposto grau dois da tíbia direita que foi imobilizada;
- Apresentava feridas no couro cabeludo com hemorragias activas feridas em ambas as pernas que necessitaram de ser suturadas;
- No doente foram colocadas 3 drenagens torácicas, uma à direita e duas à esquerda;
- No dia 23 .02.99 o doente foi submetido a intervenção cirúrgica para reconstrução do lábio superior e das fossas nasais;
- Desde 23.02.99 o (R) esteve entubado e conectado a prótese ventilatória até ao dia 08.03.99;
- Em 26.02.99 a vítima foi novamente submetida a intervenção cirúrgica para retirar a drenagem torácica esquerda;
- Foi-lhe colocado tala gessada ao nível do membro inferior direito, ficando imobilizado;
- Em 08.03.99 foi transferido para o Hospital Ortopédico Dr. (JA) para tratamento da fractura exposta da tíbia direita tendo já nesta unidade médica sido operado, em 19.03.99, para encavilhamento da tíbia direita;
- A vítima era saudável e alegre;
- Auferia cerca de 100.000$00 líquidos por mês do seu trabalho como empregado da firma "Crometal, Lda;
- O (R) vivia com a mãe numa casa arrendada, sita em Albarraque, sendo aquele quem provia ao sustento da mãe e pagava a renda;
- A A. (A) necessita de cuidados e vigilância médica;
- Entre a data do acidente (23.02. 1999) e a data do falecimento do (R) (21.03.1999), sempre permaneceu o mesmo hospitalizado, sofrendo angústias, fortes dores, medo, tendo-lhe sido administrado vários tratamentos e objecto de várias intervenções cirúrgicas;
- Durante cerca de um mês o (R) permaneceu sempre hospitalizado, sendo que ao longo desse período atravessou momentos de grande sofrimento;
- Logo após o atropelamento de que foi vitima, entrou em estado de coma, tendo sido hospitalizado sem ainda recuperar os sentidos;
- Estado em que se manteve durante cerca de 3 dias após o seu internamento;
- Cerca de 4 dias após ter dado entrada no hospital recuperou os sentidos, tendo a partir de então consciencializado a grave situação em que se encontrava;
- Nos dias subsequentes sofreu imensas dores tendo sido necessário administrar-lhe analgésicos para as minorar;
- Angustiado pela situação em que se encontrava tentou por diversas vezes levantar-se da cama, tentando caminhar pelo seu pé, com vista a sair do hospital, o que obrigou os enfermeiros assistentes a amarrá-lo ao leito;
- Tendo, assim, ficado imobilizado nas semanas seguintes;
- Resulta também dos relatórios médicos já juntos, que o (R) durante mais de 30 dias esteve entubado, ligado à prótese ventiladora, com a perna direita engessada sem se poder mexer;
- As lesões sofridas pelo (R) causaram-lhe dor e sofrimento durante o período que mediou o acidente e a sua morte;
- A morte do (R) causou nos AA. desgosto e tristeza;
- Foi o (J) que, após o embate, foi pedir assistência, uma vez que nenhum outro condutor se disponibilizou a prestar auxilio.

  3 – Quid iuris?
Como inicialmente ficou dito, os AA. peticionaram a condenação da R. no pagamento das seguintes indemnizações:
- 7.500.000400 a cada um deles pela violação do dano do direito à vida do seu falecido filho;
- 4.000.000$00 a cada um deles pelos danos morais sofridos pelo filho;
- 3.000.000$00 a cada um pelos danos morais que sofreram;
- 5.000.000$00 à A. a título de danos patrimoniais,
para além de juros desde a citação.
            A sentença proferida na 1ª instância acabou por considerar que na produção do acidente houve concorrência de culpas, fixando em 70% a do condutor do veículo seguro na R. e 30% a da vítima.
            E, ponderados os factos apurados, entendeu o Mº juiz a quo, em consonância com as percentagens referidas, condenar a R. em 70% de 39.903,83 € a título de indemnização pelo dano da morte, de 24.939,89 € a título de danos patrimoniais sofridos pela vítima, de 7.481,97 € a título de danos não patrimoniais sofridos pelo A. e 9.975,96 a título de danos não patrimoniais sofridos pela A., de 24.939,89 € a título de lucros cessantes sofridos pela A., para além de juros sobre 70% das referidas importâncias desde a citação até integral pagamento.
    Em face das conclusões da apelante, temos de concluir que ela apenas discorda do quantitativo fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima, do montante arbitrada à A. a título de lucros cessantes e, ainda, da data em que os juros devem ser contados (que em seu entender devem ser a partir da data da sentença e não desde a citação).
            Ou seja, somos chamados a pronunciarmo-nos apenas sobre a bondade da decisão que fixou em 24.939,89 € (5.000 contos) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, em 24.939,89 € (5.000 contos) a indemnização a título de lucros cessantes sofridos pela A. e que fixou a contagem dos juros a partir da citação.
Claro que só os montantes encontrados para cada uma das indemnizações referidas é que foram postos em crise, sendo certo que as indemnizações fixadas definitivamente reflectirão a percentagem de 70% que é devida pela R.-apelante, a qual não foi posta em causa neste recurso.

            Analisemos, separadamente, cada uma destas questões:

            Os danos não patrimoniais sofridos pela vítima.
É difícil fixar indemnização por tais danos.

            O nº 1 do art. 496º do C. Civil diz que deve atender-se à sua gravidade e o nº 3 do mesmo artigo apela à equidade.

            Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, entre outras cousas, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, tomando-se em conta na fixação todas as regras da boa prudência, da justa medida das coisas, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.[1]

            Também Diogo Leite Campos opina no mesmo sentido.[2]

            O S.T.J., em acórdão de 23 de Outubro de 1979, reconhecendo a dificuldade da avaliação da compensação por danos não patrimoniais, aponta como critério a comparação de situações análogas aprovadas noutras decisões judiciais.[3]

            Em anotação a este aresto, Vaz Serra faz notar que este critério não é o único elemento a ter em conta, não sendo senão um dos que podem contribuir para uma equitativa avaliação da indemnização, devendo ter-se em conta além da natureza e da intensidade do dano, outras circunstâncias e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.[4]

            Maya de Lucena, apoiando-se na opinião de Inocêncio Galvão Telles, defende que na fixação equitativa do montante indemnizatório, previsto no art. 496º do C. Civil, nunca se poderá deixar de atender à culpa do lesante, à sua situação económica, bem com o à do lesado e às demais circunstâncias do caso.

            E acrescenta: “o grau de culpa do agente é determinante para se estabelecer a amplitude da respectiva indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo”.[5]

            Almeida Costa, por sua vez, não deixa de salientar que o legislador confiou ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala.[6]

            De um modo geral, tem-se entendido que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se, hoje em dia ter em conta o contínuo aumento dos seguros obrigatórios e respectivos prémios, não devendo os tribunais na sua fixação nortearem-se por critérios miserabilistas.

            Na fixação do montante dos danos patrimoniais sofridos pela própria vítima, o Mº juiz a quo, depois de ter trazido à colação os factos julgados pertinentes para o efeito, não deixou de considerar que dos mesmos resultou “com clareza o sofrimento e longa agonia a que a vítima (R) esteve sujeito durante o período de 23.02.99 a 21.02.99” e “a natureza das lesões e intervenções a que esteve sujeito lhe terão trazido um acréscimo de sofrimento”.

            Para além dos factos referidos, e com vista a apreciar a justeza da decisão neste ponto concreto, há ainda que ter em devida conta que a vítima auferia apenas um salário médio de 100 contos por mês e que vivia com a sua mãe numa casa arrendada.

            Não resulta dos autos a situação económica da R., mas é um dado que tem de se considerar como assente que, hoje em dia, as companhias seguradoras gozam de boa saúde económica, dado este a ter em conta e legitimado pelo art. 514º, nº 1 do C.P.C..

            Ora, ponderando a natureza das lesões sofridas, o tempo de duração das mesmas, as intervenções a que ele foi sujeito, a sua condição económica e a da seguradora, temos como adequada a indemnização que foi fixada.

            Nas sua minuta de recurso, a apelante defende que a indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima não deveria ser superior a 5.000 € (1.000 contos), “dada a sua natureza meramente compensatória e a contribuição do falecido, pela sua culpa na formação da própria personalidade, para o sofrimento”.

            Não podemos estar de acordo com a apelante na defesa destes dois pontos de vista.

            Em 1º lugar, tal com o defende Maya Lucena, para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o art. 494º do C. Civil apenas fornece o critério para estabelecer a própria indemnização, sendo infundada “a afirmação de que o referido artigo não indicia, de todo em todo, a atribuição de uma função punitiva à responsabilidade civil extra-obrigacional”, …, “ já que no que respeita aos danos não patrimoniais, o grau de culpa do agente é determinante para estabelecer a amplitude da indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo.”[7]

            A este propósito, também Antunes Varela nos elucida, dizendo que a indemnização por danos não patrimoniais, “tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.”[8]

            O Supremo já defendeu que a indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista: visa, por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente.[9]

            Ao contrário do que defende a apelante, a indemnização por danos não patrimoniais não tem apenas uma função compensatória, ela tem sobretudo uma função indemnizatória.

            A razão também não assiste à apelante quando convoca a personalidade da vítima para defender a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em quantia não superior a 5.000 €.

            É que, por um lado, como já ficou referido, para a fixação da indemnização em causa não é chamada à colação a personalidade da vítima e, por outro, o facto de, no momento do acidente, esta ter acusado um grau de alcoolémia de 1,90 g/l, não pode servir de pretexto para a defesa (incompreensível) de que o seu sofrimento foi potenciado pelo próprio vício do falecido (vício esse que nem sequer ficou provado – o facto de a vítima estar alcoolizada no momento do acidente não permite a conclusão de que tinha o vício do álcool), tal como vem defendido nas alegações de recurso (é importante frisar que a própria apelante não alegou, em sede de contestação, que o estado em que seguia a vítima na altura do acidente potenciou o seu sofrimento, facto que, aliás, seria de todo em todo incompreensível já que o efeito do álcool, como é sabido, passa ao fim de algum tempo).

            Em suma, tudo ponderado, temos como acertado o montante encontrado de 24.938,89 € para determinação dos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima.

            Passemos à questão dos lucros cessantes.

            A este respeito, o nº 2 do art. 564º do C. Civil prescreve que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.

            Ora, apurou-se que a vítima tinha, na altura do acidente, cerca de 50 anos, era alegre e saudável, auferia cerca de 100 contos por mês de ordenado, vivia com a mãe em casa arrendada, sendo ele quem provia ao sustento desta e pagava a renda, e que a A. tinha à data do acidente 79 anos de idade, precisando de cuidados e vigilância médica.

            Em abono da tese defendida no recurso, a apelante aponta o facto de a vítima contribuir com 50% do seu ordenado para o sustento da casa da mãe e de ela ser já octogenária.

            O certo é que não ficou apurado na 1ª instância o montante preciso que a vítima destinava ao sustento da casa da mãe: certo apenas ficou que vivia com ela, a sustentava e pagava a renda.

            Cremos que isto é suficiente para podermos concluir que a vítima destinava mais de 50% do que ganhava ao sustento de sua mãe e ao pagamento da renda de casa.

            Por outro lado, o facto de a mãe ter à data do acidente cerca de 79 anos de idade não é argumento para calcular a indemnização contando apenas com uma duração de vida de mais cinco anos. Como bem se refere nas contra-alegações, a realidade acabou, no caso concreto, por contrariar o cálculo avançado pela apelante na justa medida em que a A. continua viva ao fim de todos estes anos que passaram sobre a data em que o acidente ocorreu.

            Tudo ponderado e tendo em linha de conta a orientação hodierna da jurisprudência no sentido de que na fixação de indemnizações o critério não pode ser miserabilista, entendemos que o valor encontrado na 1ª instância para os lucros cessantes relativos à A.-apelada está conforme aos ditames da Justiça, pelo que entendemos ser de manter o valor de 24.939,89 € como equilibrado para a satisfação da indemnização devida à A. a título de lucros cessantes.

            Também neste ponto entendemos que não assiste razão à apelante.

            Passemos, por último, à questão da contagem dos juros.

            A sentença sob recurso fixou os juros sobre 70% das importâncias encontradas para as indemnizações arbitradas vencidos desde a data da citação e até integral pagamento.

            A este respeito, o Mº juiz a quo teve oportunidade de esclarecer a razão da sua decisão: “dúvidas não restam de que são devidos juros aos AA. sobre as importâncias a pagar, desde a citação, até integral pagamento da indemnização devida, à razão das taxas indicadas, uma vez que os quantitativos fixados para ressarcir os danos sofridos pelos AA. não se encontram actualizados em termos de inflação”.

            Ao contrário do que defende a apelante, a decisão impugnada não esqueceu a doutrina do Acórdão uniformizador 4/2002, de 09 de Maio, já que esclareceu devidamente que os valores encontrados para os diversos tipos de indemnizações arbitrados não estavam actualizados.

            Com efeito, aquela decisão orientadora de jurisprudência determinou que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

            Ora, isto significa que, não tendo havido actualização das indemnizações arbitradas, os juros devem ser contados a partir da citação, ex vi nº 3 do art. 805º do C. Civil: foi precisamente isto que aconteceu no caso presente e que o Mº juiz a quo teve o cuidado de claramente explicar.

            Ou seja, os valores que foram encontrados para os diversos tipos de indemnizações arbitrados não estão actualizados, pelo que, desta forma, os juros que são devidos devem ser calculados a partir da citação, tal como ficou decidido na 1ª instância.

            Ainda neste ponto concreto, a razão não assiste à apelante.

            Improcede, dest’arte, a tese defendida no recurso.

            4 –

            Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, na improcedência da apelação, confirmar a douta sentença proferida pelo Mº juiz de Sintra.

            Custas pela apelante.

            Lisboa, 14 de Abril de 2005.

            Urbano Dias

            Gil Roque

            Arlindo Rocha

_______________________________________________
[1] In Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 474.
[2] In A Indemnização do Dano da Morte, pág. 16.
[3] In B.M.J. 290- 390.
[4] In R.L.J., Ano 113, pág. 104.
[5] In Danos Não Patrimoniais, pág. 21 e ss..
[6] In Direito das Obrigações – 9ª edição – pág. 550.
[7] In obra citada, pág. 23.
[8] In Das Obrigações em geral, Vol. I, - 8ª edição -, pág. 617.
[9] Acs. de 01/02/94, in processo 84692, e de 22/11/02, in processo 2851/02