Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL ACIDENTE DE VIAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/14/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | 1 - A indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista: visa, por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente 2 - Na fixação de indemnização por danos não patrimoniais deve-se, hoje em dia, ter em conta o contínuo aumento dos seguros obrigatórios e respectivos prémios, não devendo os tribunais, na sua fixação, nortearem-se por critérios miserabilistas. 3 - Não tendo havido actualização das indemnizações arbitradas, os juros devem ser contados a partir da citação, ut nº 3 do art. 805º do C. Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – (P) e (A) intentaram no tribunal de Sintra acção ordinária contra Companhia de Seguros Bonança S. A., pedindo a sua condenação no pagamento dos seguintes montantes: - 7.500.000$00 a cada um pela violação do dano do direito à vida de seu falecido filho; - 4.000.000$00 a cada um pelas dores sofridas pelo filho; - 3.000.000$00 a cada um pelos danos morais que sofreram; - 5.000.000$00 à A. pelos danos patrimoniais sofridos, acrescidas tais verbas de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Em suma, alegaram que o seu filho foi vítima de acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na R., o qual acabou por falecer em consequência do mesmo. A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, defendendo, para tanto, que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente a culpa da própria vítima. Interveio na lide o condutor do veículo seguro na R. que, tal como esta, defendeu que a produção do acidente se ficou a dever a culpa exclusiva da vítima. Em audiência preliminar, foi proferido saneador que julgou competente o tribunal, legítimas as partes e o processo isento de nulidades. Fixaram os factos assentes e elaborou-se a base instrutória. A audiência de discussão e julgamento decorreu com observância de todas as legais formalidades e com gravação da prova, tudo como consta das actas. Após as respostas aos quesitos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar 70% dos seguintes montantes: - a título de indemnização pelo dano morte, o montante global de 39.903,83 €; - a título de danos não patrimoniais sofridos pelo falecido, desde o acidente até à sua morte, o montante de 24.939,89 €; - pelos danos não patrimoniais de cada um dos progenitores, o montante de 7.481,97 € para o pai, e 9.975,96 € para a mãe; - a título de lucros cessantes, o montante de 24.939,89 € a atribuir à mãe, para além de juros sobre 70% dos montantes referidos, vencidos desde a data da citação, às taxas em vigor, e até integral pagamento. Com esta decisão não se conformou a R. que apelou para este Tribunal, pedindo a sua revogação, tendo, para o efeito, produzido alegações que rematou com as seguintes conclusões: O nº 1 do art. 496º do C. Civil diz que deve atender-se à sua gravidade e o nº 3 do mesmo artigo apela à equidade. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, entre outras cousas, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, tomando-se em conta na fixação todas as regras da boa prudência, da justa medida das coisas, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.[1] Também Diogo Leite Campos opina no mesmo sentido.[2] O S.T.J., em acórdão de 23 de Outubro de 1979, reconhecendo a dificuldade da avaliação da compensação por danos não patrimoniais, aponta como critério a comparação de situações análogas aprovadas noutras decisões judiciais.[3] Em anotação a este aresto, Vaz Serra faz notar que este critério não é o único elemento a ter em conta, não sendo senão um dos que podem contribuir para uma equitativa avaliação da indemnização, devendo ter-se em conta além da natureza e da intensidade do dano, outras circunstâncias e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.[4] Maya de Lucena, apoiando-se na opinião de Inocêncio Galvão Telles, defende que na fixação equitativa do montante indemnizatório, previsto no art. 496º do C. Civil, nunca se poderá deixar de atender à culpa do lesante, à sua situação económica, bem com o à do lesado e às demais circunstâncias do caso. E acrescenta: “o grau de culpa do agente é determinante para se estabelecer a amplitude da respectiva indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo”.[5] Almeida Costa, por sua vez, não deixa de salientar que o legislador confiou ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala.[6] De um modo geral, tem-se entendido que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se, hoje em dia ter em conta o contínuo aumento dos seguros obrigatórios e respectivos prémios, não devendo os tribunais na sua fixação nortearem-se por critérios miserabilistas. Na fixação do montante dos danos patrimoniais sofridos pela própria vítima, o Mº juiz a quo, depois de ter trazido à colação os factos julgados pertinentes para o efeito, não deixou de considerar que dos mesmos resultou “com clareza o sofrimento e longa agonia a que a vítima (R) esteve sujeito durante o período de 23.02.99 a 21.02.99” e “a natureza das lesões e intervenções a que esteve sujeito lhe terão trazido um acréscimo de sofrimento”. Para além dos factos referidos, e com vista a apreciar a justeza da decisão neste ponto concreto, há ainda que ter em devida conta que a vítima auferia apenas um salário médio de 100 contos por mês e que vivia com a sua mãe numa casa arrendada. Não resulta dos autos a situação económica da R., mas é um dado que tem de se considerar como assente que, hoje em dia, as companhias seguradoras gozam de boa saúde económica, dado este a ter em conta e legitimado pelo art. 514º, nº 1 do C.P.C.. Ora, ponderando a natureza das lesões sofridas, o tempo de duração das mesmas, as intervenções a que ele foi sujeito, a sua condição económica e a da seguradora, temos como adequada a indemnização que foi fixada. Nas sua minuta de recurso, a apelante defende que a indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima não deveria ser superior a 5.000 € (1.000 contos), “dada a sua natureza meramente compensatória e a contribuição do falecido, pela sua culpa na formação da própria personalidade, para o sofrimento”. Não podemos estar de acordo com a apelante na defesa destes dois pontos de vista. Em 1º lugar, tal com o defende Maya Lucena, para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o art. 494º do C. Civil apenas fornece o critério para estabelecer a própria indemnização, sendo infundada “a afirmação de que o referido artigo não indicia, de todo em todo, a atribuição de uma função punitiva à responsabilidade civil extra-obrigacional”, …, “ já que no que respeita aos danos não patrimoniais, o grau de culpa do agente é determinante para estabelecer a amplitude da indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo.”[7] A este propósito, também Antunes Varela nos elucida, dizendo que a indemnização por danos não patrimoniais, “tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.”[8] O Supremo já defendeu que a indemnização por danos não patrimoniais tem natureza mista: visa, por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente.[9] Ao contrário do que defende a apelante, a indemnização por danos não patrimoniais não tem apenas uma função compensatória, ela tem sobretudo uma função indemnizatória. A razão também não assiste à apelante quando convoca a personalidade da vítima para defender a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em quantia não superior a 5.000 €. É que, por um lado, como já ficou referido, para a fixação da indemnização em causa não é chamada à colação a personalidade da vítima e, por outro, o facto de, no momento do acidente, esta ter acusado um grau de alcoolémia de 1,90 g/l, não pode servir de pretexto para a defesa (incompreensível) de que o seu sofrimento foi potenciado pelo próprio vício do falecido (vício esse que nem sequer ficou provado – o facto de a vítima estar alcoolizada no momento do acidente não permite a conclusão de que tinha o vício do álcool), tal como vem defendido nas alegações de recurso (é importante frisar que a própria apelante não alegou, em sede de contestação, que o estado em que seguia a vítima na altura do acidente potenciou o seu sofrimento, facto que, aliás, seria de todo em todo incompreensível já que o efeito do álcool, como é sabido, passa ao fim de algum tempo). Em suma, tudo ponderado, temos como acertado o montante encontrado de 24.938,89 € para determinação dos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima.
Passemos à questão dos lucros cessantes. A este respeito, o nº 2 do art. 564º do C. Civil prescreve que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Ora, apurou-se que a vítima tinha, na altura do acidente, cerca de 50 anos, era alegre e saudável, auferia cerca de 100 contos por mês de ordenado, vivia com a mãe em casa arrendada, sendo ele quem provia ao sustento desta e pagava a renda, e que a A. tinha à data do acidente 79 anos de idade, precisando de cuidados e vigilância médica. Em abono da tese defendida no recurso, a apelante aponta o facto de a vítima contribuir com 50% do seu ordenado para o sustento da casa da mãe e de ela ser já octogenária. O certo é que não ficou apurado na 1ª instância o montante preciso que a vítima destinava ao sustento da casa da mãe: certo apenas ficou que vivia com ela, a sustentava e pagava a renda. Cremos que isto é suficiente para podermos concluir que a vítima destinava mais de 50% do que ganhava ao sustento de sua mãe e ao pagamento da renda de casa. Por outro lado, o facto de a mãe ter à data do acidente cerca de 79 anos de idade não é argumento para calcular a indemnização contando apenas com uma duração de vida de mais cinco anos. Como bem se refere nas contra-alegações, a realidade acabou, no caso concreto, por contrariar o cálculo avançado pela apelante na justa medida em que a A. continua viva ao fim de todos estes anos que passaram sobre a data em que o acidente ocorreu. Tudo ponderado e tendo em linha de conta a orientação hodierna da jurisprudência no sentido de que na fixação de indemnizações o critério não pode ser miserabilista, entendemos que o valor encontrado na 1ª instância para os lucros cessantes relativos à A.-apelada está conforme aos ditames da Justiça, pelo que entendemos ser de manter o valor de 24.939,89 € como equilibrado para a satisfação da indemnização devida à A. a título de lucros cessantes. Também neste ponto entendemos que não assiste razão à apelante.
Passemos, por último, à questão da contagem dos juros. A sentença sob recurso fixou os juros sobre 70% das importâncias encontradas para as indemnizações arbitradas vencidos desde a data da citação e até integral pagamento. A este respeito, o Mº juiz a quo teve oportunidade de esclarecer a razão da sua decisão: “dúvidas não restam de que são devidos juros aos AA. sobre as importâncias a pagar, desde a citação, até integral pagamento da indemnização devida, à razão das taxas indicadas, uma vez que os quantitativos fixados para ressarcir os danos sofridos pelos AA. não se encontram actualizados em termos de inflação”. Ao contrário do que defende a apelante, a decisão impugnada não esqueceu a doutrina do Acórdão uniformizador 4/2002, de 09 de Maio, já que esclareceu devidamente que os valores encontrados para os diversos tipos de indemnizações arbitrados não estavam actualizados. Com efeito, aquela decisão orientadora de jurisprudência determinou que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. Ora, isto significa que, não tendo havido actualização das indemnizações arbitradas, os juros devem ser contados a partir da citação, ex vi nº 3 do art. 805º do C. Civil: foi precisamente isto que aconteceu no caso presente e que o Mº juiz a quo teve o cuidado de claramente explicar. Ou seja, os valores que foram encontrados para os diversos tipos de indemnizações arbitrados não estão actualizados, pelo que, desta forma, os juros que são devidos devem ser calculados a partir da citação, tal como ficou decidido na 1ª instância. Ainda neste ponto concreto, a razão não assiste à apelante.
Improcede, dest’arte, a tese defendida no recurso.
4 – Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, na improcedência da apelação, confirmar a douta sentença proferida pelo Mº juiz de Sintra. Custas pela apelante.
Lisboa, 14 de Abril de 2005. Urbano Dias Gil Roque Arlindo Rocha _______________________________________________ |