Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA PARDAL | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL LEI APLICÁVEL FORMA ESCRITURA PÚBLICA NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/28/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O contrato de arrendamento comercial e o contrato de cessão de exploração (ou de locação de estabelecimento) são diferentes, na medida em que o primeiro consiste na cedência temporária do gozo de um imóvel mediante retribuição, com o fim de aí ser exercida uma qualquer actividade comercial ou industrial, enquanto o segundo consiste na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado. 2. Para que o contrato seja qualificado como de cessão de exploração, é essencial que se pretenda a manutenção pelo cessionário da exploração do estabelecimento no respectivo ramo de actividade e que a transmissão seja acompanhada de elementos que integram o estabelecimento, mas não é necessário que o estabelecimento já tenha funcionado antes ou já esteja completo. 3. Antes do NRAU (Lei 6/2006 de 27/2), no âmbito dos artigos 1083º e seguintes do código civil na redacção anterior ao RAU (DL 321-B/90 de 15/10) e no âmbito do próprio RAU, não se aplicavam ao contrato de cessão de exploração as regras de denúncia próprias do contrato de arrendamento. 4. É um contrato de cessão de exploração aquele em que as partes declaram expressamente que cedem e aceitam a exploração de fracções de um prédio urbano para uma actividade hoteleira, encontrando-se as fracções equipadas com electrodomésticos para o efeito e mencionando-se ainda que há a possibilidade de renovar o contrato no fim do prazo e tendo a cessionária passado a explorar as fracções nos termos acordados. 4. É nulo por preterição da forma legal, o contrato de cessão de exploração celebrado em 1973 mediante um documento particular simples, pois à data o artigo 89º k) do código do notariado exigia a outorga de escritura pública. ( Da Responsabilidade da Relatora ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO. A e marido B intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra C (…,Lda ) alegando, em síntese, que, desde 14/02/74, está registada a seu favor a aquisição de duas fracções sitas num prédio em regime de propriedade horizontal, e que, por contrato de 20-03-73, os autores haviam prometido dar a exploração comercial destas fracções, mediante o pagamento de uma quantia mensal, na modalidade de habitação para fins turísticos, a António ….e Manuel …, os quais cederam a sua posição contratual à ora ré, que tem vindo a explorá-las no exercício da indústria hoteleira, mas não tendo sido celebrado o contrato definitivo por a ré a tal se ter furtado e sendo as rendas pagas pela ré muito inferiores ao valor real das fracções e verificando-se assim um grande desequilíbrio entre as prestações. Mais alegaram que necessitam das fracções para aí fazerem obras de unificação e estabelecerem a residência da sua filha e neto, os quais residem consigo há três anos, não dispondo estes, nem os autores, de outra casa, própria ou arrendada, nem no Funchal ou na Madeira, pelo que notificaram a ré em 18/06/2008 a sua vontade de não renovar o contrato para o ano de 2009, sem que a ré tivesse desocupado as fracções. Concluíram pedindo que seja declarado findo o contrato de arrendamento relativo às referidas fracções, por denúncia dos senhorios nos termos do artigo 1102º b) do CC, com a condenação da ré a entregar aos autores as fracções, ou, se assim não se entender, a declaração de nulidade do contrato promessa, como consequência de abuso de direito, ou, se assim não se entender, a modificação do contrato, com o aumento equitativo das rendas para 455,00 euros/mês o T1 e para 617,00 euros/mês o T2. A ré contestou alegando, em síntese, que não existe qualquer desproporção no valor das prestações no acordo celebrado entre as partes, nem qualquer abuso de direito, impugnando os demais factos alegados na petição inicial e alegando ainda que o contrato não pode ser denunciado, mesmo porque o contrato é de cessão de exploração e as fracções se destinam à exploração de indústria hoteleira e não para habitação. Concluiu pedindo a improcedência da acção com todas as consequências legais. Frustrada uma tentativa de conciliação e saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que decidiu: (i) declaro findo o contrato referido na alínea C. dos factos provados, referente às fracções identificadas pelas letras A9-N e B9-N, a primeira tipo T-1 e a segunda tipo T-2, registadas na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o nº 0000/0000000, sitas no 9º andar esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito à Rua ……na ..., no Funchal, por denúncia dos senhorios, aqui autores; (ii) condeno a ré C, Lda a entregar aos autores A e B e a desocupar, no prazo de 30 dias, as referidas fracções livres de pessoas e coisas; (iii) absolvo a ré C dos demais pedidos formulados pelos autores A e B .. * Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões: 1- O contrato subscrito pelas partes deve ser qualificado como de arrendamento misto para indústria, como decidiu em situação idêntica o STJ. 2- Não há necessidade de habitação para a descendente em 1º grau dos apelados. 3- A apelante mantém-se no arrendado há mais de 30 anos, pelo que fica também excluído o direito de denúncia. 4- O Tribunal a quo com base na causa de pedir e no pedido formulado pelos apelados não podia decidir como o fez, violando a alínea e) do nº1 do art. 668 do CPC, enfermando das nulidades previstas nas alíneas b), d) e e) do referido artigo. 5- Violou o Tribunal a quo o art. 107 do RAU, por aplicação do art. 26 do NRAU (alínea a) do nº1 e a) do nº4). 6- Há manifesto erro na determinação de norma aplicável, devendo sim aplicar-se o que dispõe o Código Civil (art.1108 e seguintes), o NRAU (art. 26) e o RAU (art. 107). * Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões: 1) Não está ferida de nulidade a douta sentença judicial por excesso de pronúncia e/ou condenação em objecto diferente, já que a sentença, na sequência da interpretação dos pedidos e da causa de pedir deduzidos pelos autores na petição inicial, limitou-se a atender aos pedidos de declaração de extinção do contrato e condenação da ora apelante e a entregar aos ora apelados as fracções, objecto do contrato, livres de pessoas e coisas, em ordem a permitir a recuperação da posse daquelas duas fracções autónomas, para as cederem à filha e neto necessitados de um espaço para habitar e para aí fixarem a sua residência e ter o seu desfruto exclusivo, conforme resulta dos factos provados e contidos nos itens 23 a 41. 2) Em matéria de direito, tanto na sua determinação, como na interpretação e na aplicação, o juiz não está sujeito às alegações das parte, sendo totalmente livre, podendo servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na acção, alegados pelas partes seja qual for a natureza e o tipo de acção, ao abrigo do disposto no artigo 664º do CPC. 3) No rigoroso cumprimento dos dispositivos legais previstos nos artºs 664º, 514º, 665º e 264º, nºs 2 e 3, todos do CPC, a Meritíssima Juiz serviu-se, e bem, da denúncia do contrato, objecto dos presentes autos, efectuada em Junho de 2008, pelos apelados através de notificação judicial avulsa, a qual impediu a renovação do mesmo que deveria ter tido lugar em Janeiro de 2009, factos estes dados como provados no item 40 da matéria de facto em que se alicerçou a douta sentença. 4) No tocante à questão da caracterização do contrato em apreço que os autores e a ré quiseram celebrar, não se pode deixar de ter presente a cláusula terceira, devidamente introduzida na convenção negocial, a qual estabeleceu um prazo de exploração de 5 anos (60 meses) com início reportado a um de Dezembro do corrente ano ou a 1 de Janeiro de 1974, conforme interessasse aos primeiros outorgantes, aqui apelados e a prorrogação poderia acontecer por períodos iguais ou diferentes mediante acordo das partes. 5) Tal cláusula aponta que as partes pretenderam celebrar um contrato não sujeito ao regime dos contratos de arrendamento, ou seja, pretenderam celebrar um contrato (atípico, inominado, que intitularam contrato de exploração), com um regime específico: o fixado pelas cláusulas validamente queridas. 6) Com a inclusão de tal cláusula, pretendeu-se celebrar um contrato que não tivesse natureza locativa, ou seja, pretendeu-se celebrar um contrato em que o gozo da coisa fosse limitado no tempo, cuja duração não dependesse apenas da vontade do outorgante a quem a coisa foi entregue. 7) Com a inclusão desta cláusula pretenderam as partes introduzir no contrato cláusulas próprias do contrato de cessão de exploração, conforme devidamente realçado na douta sentença em apreço, cuja caracterização jurídica foi expressamente reconhecida e confessada pela ré no item 57º da respectiva contestação. 8) Caso o contrato em apreço seja caracterizado como contrato de arrendamento para a indústria hoteleira, sempre se dirá que a apelante não logrou fazer uma correcta interpretação e aplicação do Novo Regime de Arrendamento Urbano ao contrato dos autos. 9) Ainda que se trate de um contrato de arrendamento para a indústria hoteleira, conforme defendido em desespero de causa pela aqui apelante, sempre se dirá que se impunha atender, como fez o Tribunal “a quo”, igualmente à denúncia do contrato, objecto dos presentes autos, em Junho de 2008, efectuado pelos apelados, através de notificação judicial avulsa, a qual impediu a renovação do mesmo que deveria ter tido lugar em Janeiro de 2009. 10) Já que relativamente aos contratos de duração limitada, o nº3 do artigo 26º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, estabelece igualmente a possibilidade legal dos mesmos serem denunciados por qualquer das partes no fim do prazo pelos qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional, sendo tal possibilidade aplicável ao contrato dos autos porque destinado à indústria hoteleira e por conter a cláusula terceira de duração limitada. 11) Quanto à excepção deduzida nas alegações de recurso pela apelante referente ao decurso do prazo de 30 anos previsto no artigo 107º do RAU (al. a) do nº4 aplicável por força do artigo 107 do NRAU), importa realçar que se trata de uma excepção peremptória, atípica ou inominada, diferente da caducidade. 12) Já que não se trata de um direito que deva ser exercido dentro de certo prazo, em conformidade com o disposto no nº2 do artigo 298º do CC, mas antes de uma circunstância impeditiva do exercício do direito de denúncia que visa proteger a estabilidade habitacional do arrendatário que permanece no local arrendado por um longo período de tempo, aplicando-se às situações verificadas no momento em que a denúncia deva produzir efeitos. 13) A prova desses factos, porque impeditiva do direito invocado pelo senhorio, competia ao arrendatário (artº 342º, nº2 do Código Civil). 14) No caso dos autos, a ré não satisfez esses ónus de alegação e de prova, por não ter alegado na respectiva contestação, para depois poder provar, factos que permitissem concluir que permaneceu no local arrendado durante aquele período, como arrendatário. 15) A idêntica conclusão se chegaria, mesmo que se entendesse que se tratasse de um prazo de caducidade. 16) É que esta também não é de conhecimento oficioso, pois não estamos perante matéria excluída da disponibilidade das partes, necessitando, para ser eficaz, de ser invocada pelo interessado, o que no caso dos autos não sucedeu (cfr. artºs 303º e 333º, nº2, ambos do Código Civil). 17) Neste particular, carece igualmente de razão a apelante pelo facto de não poder ser considerada em sede de recurso por absoluta falta de alegação, pela ré, dos factos integradores de tal excepção na respectiva contestação e consequentemente não pode proceder. * Foi proferido despacho que indeferiu a arguição de nulidade da sentença e admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo. * As questões a decidir são: I) Nulidade da sentença. II) Qualificação do contrato em apreço. III) Vigência do contrato. * * FACTOS. Os factos considerados provados pela sentença recorrida são os seguintes: A. Na Conservatória do Registo Predial do Funchal está inscrita a aquisição do direito de propriedade, pela AP 7 de 14.02.74, a favor de B , do prédio descrito sob o nº 0000/00000000-A9-N sito na Rua do ….., ..., 0000-000 Funchal (“fracção A9-N”). B. Na Conservatória do Registo Predial do Funchal está inscrita a aquisição do direito de propriedade, pela AP 7 de 14.02.1974, a favor de B, do prédio descrito sob o nº 000000000000-B9-N sito na Rua ……,..., 0000-000 Funchal (“fracção B9-N”). C. Por escrito particular, sob a epígrafe “contrato de exploração”, outorgado a 20 de Março de 1973, pelo autor e por António …..e Manuel ….., por si ou por uma sociedade que viessem a constituir, foi acordado o seguinte: “é estabelecido, por este documento, uma promessa de contrato, cujo objecto e mais condições são as seguintes: Primeira – o outorgante B vai adquirir, por compra, todo o 9º andar (décimo piso) da coluna voltada a norte do prédio que está a ser construído no Gaveto da ... com a Rua …., para ser sujeito ao regime de propriedade horizontal por Dona Conceição …., viúva e filhos desta (actuais donos do mesmo). Este piso é constituído por quatro unidades ou fracções, sendo duas delas duplas e duas simples. Segunda – titulada a venda definitiva, e se o for, o primeiro outorgante obriga-se a dar de exploração, todo o referido piso, formado, como se disse, por quatro unidades, aos segundos outorgantes, para uma exploração de natureza comercial a exercer na modalidade de habitação para fins turísticos, consequentemente para ocupações rotativas de mais ou menos duração e não para a residência principal, ou de fixação dos ocupantes com exclusão, portanto, da figura corrente de subarrendamento. Terceira – o prazo de exploração será o de 5 anos (60 meses), com início reportado a um de Dezembro do corrente ano ou ao dia um de Janeiro de 1974, conforme ao primeiro outorgante convier, e a prorrogação poderá acontecer, por períodos iguais ou diferentes, mediante acordo das partes (…). Quarta – como compensação pela exploração agora prometida os segundos outorgantes pagarão mensalmente e até ao dia 8 de cada mês a que respeitar a importância de 15 800$00 ou 16 750$00, conforme o prédio em que o referido piso se integra, for classificado, para fins turísticos, como sendo, respectivamente, de Hotel Apartamentos de 3 ou 4 estrelas (…). Sexta (…) Parágrafo único: os segundos outorgantes reconhecem que o mobiliário e apetrechamento a que vão proceder exclui os frigoríficos, fogões, esquentadores eléctricos e mais todos os elementos que se compõem as duas kitchenettes instaladas nas unidades duplas, as quais, sendo pertença exclusiva do senhorio, não poderão nunca ser levantadas e devem, findo que seja o contrato, permanecer em bom estado de conservação, admitindo a despeito dos mesmos apenas o desgaste resultante do uso normal dos respectivos objectos (…) Oitava – qualquer uma das partes que se recusar a titular em definitivo e por escritura o contrato agora prometido, ficará constituído na obrigação de indemnizar a não faltosa por todos os prejuízos e danos que causar (…)”. D. Os segundos outorgantes do escrito referido em C cederam a respectiva posição contratual à ré. E. A fracção A9-N e B9-N são contíguas. F. A fracção A9-N é composta por uma divisão ampla, uma casa de banho, uma cozinha e duas varandas, ambas com vista para o mar. G. A fracção B9-N é composta por duas divisões separadas por uma porta, duas casas de banho, duas varandas e uma kitchenet que está incluída dentro da divisão mais ampla. H. As fracções estão inseridas num edifício denominado Hotel G…., Aparthotel de 3 estrelas. I. As fracções foram entregues à ré com os respectivos frigoríficos, fogões, esquentadores e exaustores. J. A ré vem explorando as fracções para fins hoteleiros. K. As fracções encontram-se próximas do centro do Funchal, cerca de 15 minutos a pé e situam-se na zona turística da cidade, confrontando o Edifício, onde se inserem, com a .... L. O edifício situa-se em frente ao mar. M. As fracções dispõem de luminosidade e boa exposição solar. N. O edifício situa-se em frente ao mar. O. Na zona envolvente, o m2 de construção chega aos 2 000 euros/m2 para prédios com infra-estruturas. P. Actualmente, a remuneração paga pela ré aos autores nos termos do escrito referido em 3, pelas duas fracções, ascende a um total mensal de 300,59 euros. Q. O autor nasceu em 20.03.1928. R. A autora nasceu em 4.01.1932. S. Os autores residem num imóvel com 3 quartos, dispondo de 80 m2 de área coberta e de 250 m2 de área descoberta, sito na Rua ….., nº7, Funchal. T. O autor sofre de insuficiência respiratória crónica irreversível, necessitando de suporte contínuo de oxigénio suplementar seja durante o dia ou à noite. U. O funcionamento da máquina de suporte contínuo de oxigénio faz um barulho ensurdecedor. V. Por esse motivo, a autora tem de dormir noutro quarto de dormir, para conseguir descansar desde há cerca de 5 anos. W. A filha dos autores Ana …. e o respectivo filho, …. Vieira, residem com os autores há cerca de 3 anos. X. …. Vieira nasceu em 30.08.1999. Y. Ana …. nasceu em 17.01.1965. Z. Ana ….e …. Vieira dormem no mesmo quarto. AA. …..Vieira pede à mãe um quarto só para si, onde possa ter o seu espaço e o seu destino exclusivo. BB. Ana ….. sente-se vexada por ter de compartilhar o mesmo quarto que o filho. CC. ….Vieira revela pudor em estar nu na presença da progenitora. DD. Ana ….. não tem na Ilha da Madeira casa própria ou arrendada. EE. Os autores não têm outros imóveis devolutos ou arrendados que possam ceder à filha Ana ….. na Ilha da Madeira. FF. Ana ….. exerce as funções de gerente de loja da Pronto a Vestir, Lda, com sede na Avenida ….., Funchal. GG. Cristina ….., filha dos autores, é sócia e gerente da ……Pronto a Vestir, Lda, com sede na ….., 24, Funchal. HH. O progenitor de ….Vieira não contribui para as despesas de manutenção, escolares e com actividades extra escolares e de saúde do filho. II. As despesas com ….. Vieira ascendem a cerca de 350 euros/mês. JJ. Ana …. é empresária. KK. Os autores pretendem unir as fracções A9-N e B9-N, para em ambas a filha Ana ……fixar a sua residência com o filho …Vieira. LL. O escrito referido em 3C foi participado à Repartição de Finanças do Funchal, encontrando-se cumpridas as correspondentes obrigações fiscais. MM. Os autores não têm meios financeiros para auxiliar Ana a adquirir um imóvel. NN. Os autores deram a conhecer à ré, através da Notificação Judicial Avulsa, n qual foi aposto o carimbo de entrada do Tribunal Judicial do Funchal, datado de 18 de Junho de 2008, a vontade de impedir a próxima renovação contratual, a verificar-se no mês de Janeiro de 2009. OO. A ré não devolveu as fracções aos autores. PP. As fracções A9-N e B9-N têm licença de habitação e de utilização. QQ. O Aparthotel G…..é considerado de “interesse para o turismo” pela Direcção Regional de Turismo da Região Autónoma da Madeira. RR. Um dos proprietários de outras fracções efectuou obras de unificação e reside nas mesmas todo o ano, sem usufruir das instalações hoteleiras. * * ENQUADRAMENTO JURÍDICO. I) Nulidade da sentença. Os apelantes alegam que a sentença enferma das nulidades previstas nas alíneas b), d) e e) do nº1 do artigo 668º do CPC, ou seja, falta de fundamentação, omissão ou excesso de pronúncia e condenação em quantidade superior ou objecto diverso do pedido. Não se descortina as invocadas nulidades. A sentença encontra-se fundamentada, de facto e de direito, não devendo confundir-se falta de fundamentação e a discordância com a decisão. A decisão, por outro lado, não violou o disposto no artigo 661º do CPC, não se tendo pronunciado sobre matéria que não podia conhecer, nem tendo condenado e em objecto diverso do pedido, na medida em que, nos termos do artigo 664º do CPC, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. O Tribunal limitou-se a conhecer da questão e pedido que lhe era colocado, embora usando fundamento jurídico diferente. Improcede pois a arguição de nulidade da sentença. * II) Qualificação do contrato em apreço. A sentença recorrida qualificou o contrato dos autos como um contrato de cessão de exploração e não como um arrendamento comercial. Como se vê dos articulados e das alegações de recurso, as próprias partes, ao longo do processo, alteraram a qualificação atribuída ao contrato dos autos. Os autores, ora apelados, na petição inicial começam por designar o contrato como de cessão comercial, mas terminam com o pedido de denúncia ao abrigo das regras do arrendamento e, nas contra-alegações, defendem que se trata de um contrato de cessão comercial. A ré, ora apelante, na contestação, alega que estamos perante um contrato de cessão comercial, mas, nas alegações de recurso, defende que se trata de um contrato de arrendamento. O contrato de locação está previsto nos artigos 1022º e 1023º do CC, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, designando-se arrendamento quando incide sobre coisa imóvel e aluguer quando incide sobre coisa móvel. Antes de 15 de Novembro de 1990 (data da entrada em vigor do DL 321-B/90 de 15/10), o arrendamento de prédios urbanos estava regulado nos artigos 1083 e seguintes do CC, estabelecendo o artigo 1086º nº1 que o arrendamento podia ter como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio e o artigo 1112º que “considera-se realizado para comércio ou indústria o arrendamento de prédios urbanos ou rústicos tomados para fins directamente relacionados com uma actividade comercial ou industrial”. Nessa altura, estabelecia o artigo 1085º nº1 do CC, que “não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”, previa-se, ainda, no nº2 deste artigo que “se, porém, ocorrer alguma das circunstâncias previstas no nº2 do artigo 1118º, o contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio”. E as circunstâncias previstas no nº2 do artigo 1118º eram: “a) quando, transmitida a fruição do prédio, passe a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria, ou quando, de um modo geral, lhe seja dado outro destino; b) quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento”. Com a entrada em vigor do DL 321-B/90 de 15/10 em 15 de Novembro de 1990 (artigo 2º deste decreto-lei), o regime do arrendamento urbano (RAU) passou a ser regulado neste diploma, que revogou os artigos 1085º a 1120º do CC, ficando previsto o arrendamento comercial no seu artigo 110º e sendo transcrito, no essencial, o conteúdo dos revogados artigos 1085º e 1118 nºs 1 e 2 respectivamente para o artigo 111º e para o artigo 115º nºs 1 e 2, do RAU. Actualmente, com a entrada em vigor da Lei 6/2006 de 27/2, que aprovou o novo regime do arrendamento urbano (NRAU), o arrendamento comercial passou a designar-se arrendamento para fins não habitacionais, contemplado nos artigos 1108º e seguintes do CC, prevendo-se, no artigo 1109º nº1, com a designação de “locação de estabelecimento” que “a transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações”; por seu lado, o nº2 do artigo 1112º do CC tem a mesma redacção do revogado artigo 115º nº2 do RAU, pelo que, prescrevendo o artigo 1109º que à locação de estabelecimento são aplicáveis as regras do arrendamento para fins não habitacionais, deverá entender-se aplicável o nº2 do artigo 1112º (cfr. Gravato Morais em “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, 2ª edição, página293 e 294). Destas normas retira-se que o conceito de “cessão de exploração” ou “locação de estabelecimento” se manteve igual nos três regimes, sendo a única diferença, introduzida pelo NRAU, o facto de, ao contrário do que acontecia no RAU e no regime anterior ao RAU, actualmente o artigo 1109º nº1 do CC equiparar o seu regime ao regime dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais. No caso dos presentes autos, o contrato foi celebrado em 1973, sendo, portanto aplicáveis, na sua qualificação jurídica, as normas anteriores ao RAU, ou seja, o código civil na redacção anterior ao DL 321-B/90 de 15/10. Ora da redacção dos mencionados artigos 1086º, 1112º e 1085º, conjugada com a definição de contrato de arrendamento que resulta dos artigos 1022º e 1023º, o contrato de arrendamento comercial difere do contrato de cessão de exploração em virtude de o primeiro consistir na cedência do gozo do imóvel temporariamente mediante retribuição com o fim a nele ser desenvolvida uma qualquer actividade comercial ou industrial, enquanto o segundo consiste na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a própria fruição do prédio onde ele está instalado (acs STJ 19/04/2012- p.5527/04, 29/11/11- p.1072/07, RL 3/03/2011-p.539709, RC 17/04/2012-p.221/09, 21/04/2009-p.255/2002, todos em www.dgsi.pt). A cessão de exploração, distingue-se ainda do trespasse (artigo 1118º nº1 do regime anterior ao RAU, artigo 115º nº1 do RAU e artigo 1112º nº1 do CC no NRAU), porque trata da transmissão temporária da exploração do estabelecimento, enquanto no trespasse a transmissão do estabelecimento é definitiva, sendo sempre efectuada pelo titular da exploração. A fim de interpretar e qualificar o contrato dos autos, celebrado em 1973, haverá que recorrer ao disposto no artigo 236º nº1 do CC, segundo o qual “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Ora, do contrato em causa consta expressamente que o primeiro outorgante dá aos segundos a exploração das fracções, “para uma exploração de natureza comercial a exercer na modalidade de habitação para fins turísticos, consequentemente para ocupações rotativas de mais ou menos duração e não para a residência principal, ou de fixação dos ocupantes com exclusão, portanto, da figura corrente de subarrendamento”. Consta ainda do contrato que “os segundos outorgantes reconhecem que o mobiliário e apetrechamento a que vão proceder exclui os frigoríficos, fogões, esquentadores eléctricos e mais todos os elementos que as duas kitchenettes …”, sendo certo que ficou provado que as fracções foram entregues à ré com os respectivos frigoríficos, fogões, esquentadores e exaustores (ponto I. dos factos provados). Assim, não só o elemento literal do contrato aponta para um contrato de cessão de exploração, como outros elementos o confirmam, como é o caso de as fracções estarem apetrechadas com bens necessários à exploração de um estabelecimento do ramo de actividade mencionado no contrato e assim terem sido entregues à ré. O facto – que parece resultar dos factos provados – de que, antes da entrega das fracções à ré, não se verificava o funcionamento e a exploração do estabelecimento não obsta à qualificação do contrato como cessão de exploração, pois, como tem sido entendido pela jurisprudência, este contrato pode ter como objecto um estabelecimento que ainda não existe ou está incompleto, bem como uma exploração que ainda não se tenha iniciado ou esteja interrompida (cfr acs STJ 19/04/2012, RC 17/04/2012 e 21/04/2009, acima citados). O que é essencial e resulta da conjugação dos artigos 1085º e 1118º nº2 do CC (e dos artigos 111º e 115º nº2 do RAU e 1009º e 1112º nº2 do CC no NRAU) é que o ramo do comércio e indústria que vier a ser exercido no estabelecimento seja o mesmo que se pretende transmitir e que a transmissão seja acompanhada de um mínimo de bens que caracterizem esse ramo de actividade e não outro qualquer. Estes requisitos verificam-se no caso em apreço, pois, para além de constar expressamente no contrato que as partes pretendem celebrar um contrato de cessão de exploração, a actividade que a cessionária veio efectivamente a desenvolver nas fracções foi a actividade que se pretendeu transmitir e a entrega das fracções à cessionária foi acompanhada de electrodomésticos ligados a tal actividade. Acresce ainda que no contrato consta também que a prorrogação do prazo do contrato “poderá acontecer, por períodos iguais ou diferentes, mediante acordo das partes”, o que indicia a vontade dos outorgante em possibilitar a não prorrogação do prazo, o que seria impossível num contrato de arrendamento, cujas regras de denúncia, na época, não eram livres, mas sim imperativas para o locador (tal como acontecia no RAU, só deixando de ser assim no NRAU com o artigo 1110º do CC). Conclui-se, portanto, que o contrato em causa é um contrato de cessão de exploração e não um contrato de arrendamento comercial. * III) Vigência do contrato. A qualificação do contrato como cessão de exploração ou como arrendamento comercial é, aparentemente, relevante pois, tendo em conta a data da sua celebração – no ano de 1973 –, na cessação por denúncia não eram aplicáveis à cessão de exploração as regras restritivas e imperativas do contrato de arrendamento, como aliás, também continuou a suceder no âmbito da vigência do RAU (artigos 1095º e 1096º do CC antes do RAU e artigos e artigos 68º e seguintes do RAU). Só com o NRAU, na nova redacção dos artigos 1009º e 1110º do CC, as regras relativas à duração e denúncia do contrato de arrendamento passaram a ser livremente estipuladas pelas partes, regime extensivo ao contrato de cessão de exploração ou locação de estabelecimento, o qual, porém, não é aplicável aos contratos celebrados antes da vigência do NRAU, nos termos dos artigos 26º nº4 c) e 27º da lei 6/2006 (cfr Gravato Morais, obra citada, página 52). Deste modo, sendo o contrato dos autos um contrato de cessão de exploração, não lhe são aplicáveis os artigos 1095º e 1096º do CC relativos à denúncia do arrendamento pelo senhorio, ficando prejudicadas as questões relativas à necessidade da casa pelos autores para residência da sua filha. Contudo, desde logo se constata que o contrato de cessão de exploração celebrado em 1973 foi outorgado por documento particular simples, quando, em 1973 o contrato de cessão de exploração tinha de ser celebrado por escritura, por força do artigo 89º, alínea k) do Código do Notariado. Esta imposição manteve-se com o DL 40/96 de 7/5, no âmbito do qual a escritura pública era imposta na alínea m) nº2 do artigo 80º do código do notariado, sendo certo que, só com o DL 64-A/2000 de 22/4, a lei deixou de exigir a outorga de escritura pública, passando a impor apenas a outorga de um documento escrito na celebração do contrato de cessão de exploração. Conclui-se, portanto, que o contrato de cessão de exploração celebrado em 1973 é nulo, nos termos do artigo 220º do CC, por preterição de forma legal, nulidade esta que é de conhecimento oficioso e tem como consequência a obrigação da ré de restituir as fracções aos autores, de acordo com os artigos 286º e 289º do mesmo código. Não nos parece que, como foi entendido na sentença recorrida, haja abuso de direito dos autores na declaração de nulidade do contrato, como previsto no artigo 334º do CC. Tal como se expõe no acórdão da RC de 16/03/2010-p.631/02, em www.dgsi.pt, também a propósito de um contrato de cessão de exploração que não foi celebrado por escritura pública quando esta era legalmente imposta, o comportamento do titular do direito manifestamente violador dos limites da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico do direito, mantendo uma conduta que cria uma expectativa à outra parte de que o direito não será exercido, não se verifica quando ambos acordaram em aceitar a vigência de um contrato com a preterição da forma que a lei imperativamente exige em função do interesse público. De facto, não se apurou qualquer facto de que se pudesse concluir que a conduta do cedente da exploração assumisse uma manifesta e intolerável má fé, nomeadamente que tivesse dado causa à omissão da outorga da escritura, de forma ocorrer o mencionado instituto de abuso de direito a obstar à nulidade do contrato. Mas mesmo que assim não se entendesse, não se tratando de um contrato de arrendamento, sempre a ré estaria obrigada a restituir as fracções aos autores, por via da cessação do contrato operada com a denúncia do mesmo, feita por estes na notificação de 18 de Junho de 2008. Improcedem, pois, as alegações da apelante, que está obrigada a restituir as fracções aos apelados. * DECISÃO. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida apenas na parte em que declara findo o contrato em causa, que oficiosamente agora se declara nulo e confirmando-se a sentença em tudo o restante. * Custas pela apelante. 2012-06-28 Maria Teresa Pardal Tomé Ramião Jerónimo Freitas |