Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GOES PINHEIRO | ||
Descritores: | EXTRADIÇÃO OPOSIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/25/2004 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | EXTRADIÇÃO | ||
Decisão: | DEFERIMENTO | ||
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Sumário: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: O Magistrado do Ministério Público requereu, nos termos dos artigos 31º e 50º da Lei nº 144/99, de 31/6 e do Tratado de Extradição celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, aprovado pela resolução da Assembleia da República nº 5/94, de 3/2 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 3/94, da mesma data, a extradição do cidadão brasileiro (A), detido no Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária, alegando o seguinte: 1º. O Requerido (A) foi pronunciado, a 17 de Junho de 1991, no Processo n.° 2241/91, da Vara Criminal da Comarca Itanhomi, Estado de Minas Gerais, da República Federativa do Brasil, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p.° e p.° pelo art. 121.°, § 2.°, inciso II do Código Penal Brasileiro. 2.° O extraditando esteve detido preventivamente, à ordem desse processo de 17 de Março de 1991 a 18 de Junho de 1991, data em que foi restituído, provisoriamente à liberdade, o que foi posteriormente revogado. Com efeito, o Juiz desse Tribunal, com base na dita revogação, emitiu a 31.10.1994, um "mandado de prisão" com vista à detenção do Requerido. 4°. Tal mandado resulta, resumidamente, dos seguintes factos: o (A) ter atingido um tal W com 3 disparos à queima-roupa, na sequência deste o ter agarrado pelo colarinho, não gostando da brincadeira de antes o arguido lhe ter dado um encontrão que o levou a urinar um pouco nas calças. 5°. O requerido veio a ser localizado em Portugal, em 22.07.2004, vindo a ser detido e confirmada posteriormente a detenção, situação em que se encontra desde essa data. 6°. Os factos são os que constam estão descritos no pedido formal apresentado integram a prática de crime punível com pena de prisão superior a l ano — 12 a 20 anos, segundo o art.° 132.° n.° 2 al. c) do Código Penal Português, na sua redacção original, mais favorável que a actual; 12 a 30 anos, segundo o art. 121.°, § 2.°, inciso II do Código Penal Brasileiro. 7°. O procedimento criminal relativamente a este crime não se encontra extinto por prescrição, nem por amnistia em nenhum dos dois países. 8°. Este crime é determinante de extradição, em conformidade com o Artigo 2.° n.° l do dito Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e Portugal, assinado em Brasília em 7/5/1991, e artigo 31°. da Lei n°.144/99 de 31 de Agosto. 9.° Uma vez que o requerido se encontra localizado na área do Tribunal da Relação de Lisboa, é este Tribunal da Relação o competente para apreciação da fase judicial do pedido de extradição (artigo 49°. da Lei n°. 144/99 de 31 de Agosto). 10.° Não se alteraram os pressupostos que determinaram a prisão preventiva do extraditando, razão porque deve a mesma manter-se nos termos dos artigos 202°., n°.l, al. a) e 204°., ai. a), ambos do C.P.P.. 12.° Nada de formal ou substancial obsta à extradição do requerido. 13°. O pedido de extradição, encontra-se devidamente instruído de acordo com os artigos 23°. e 44°. da Lei n°. 144/99 e o dito Tratado de Extradição entre Brasil e Portugal. 14°. Sua Excelência o Sr. Ministro da Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 31.° e 48°. n.° 2 da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto, e verificados os requisitos previstos no dito Tratado Bilateral, considerou admissível o pedido de prosseguimento do processo de extradição para a República Federativa do Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira (A) por ter sido pronunciado no processo n.° 241/91, da Vara Criminal da Comarca Itanhomi, Estado de Minas Gerais, da República Federativa do Brasil de um crime de homicídio qualificado. Procedeu-se a audição do Requerido, tendo o mesmo declarado não aceitar a extradição. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55º da citada Lei nº 144/99, veio o Requerido deduzir oposição ao pedido de extradição, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O extraditando, por via da naturalização adquiriu a nacionalidade portuguesa embora se tivesse identificado com o nome de (J). 2. Enquanto essa nacionalidade persistir não poderá o mesmo ser extraditado ao abrigo da Constituição da Republica Portuguesa. bem como ao abrigo do Tratado de Extradição celebrado ente o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, sob pena de violação dessas normas. 3. Os requisitos para atribuição da nacionalidade por naturalização são pessoais e comportamentais, tal como o define o artigo 6º da Lei 37/81, de 03 de Outubro, requisitos que o extraditando cumpriu, pelo que se entende que o registo da mesma é susceptível de rectificação ao abrigo do artigo 94º do C. do Registo Civil, isto é, o acto é susceptível ser aproveitado. 4. O extraditando encontra-se em Portugal há 13 anos e meio, é casado com uma portuguesa, tem quatro filhos menores de dois, três, seis e oito anos de idade, nascidos em Portugal e filhos do seu cônjuge. 5. Todo o agregado familiar depende economicamente do extraditando, pelo que a partida do mesmo para o Brasil, implica, por um lado, na prática, a expulsão de cinco Portugueses, caso acompanhem o marido e o pai (expulsão essa proibida pela norma Constitucional) ou a desintegração familiar, e o corte da ligação entre filhos e pai, caso, em alternativa, optem por ficar a viver em Portugal. situação também proibida pela norma Constitucional, e por outro lado, uma ameaça séria e fundamentada à sobrevivência dos menores e ao direito que lhes assiste a uma vida condigna. 6. São assim também razões humanitárias que deverão nos termos do nº 2 do artigo 6º do Tratado de Extradição supra referido, levar a que o Estado Português sugira ao Estado Brasileiro que retire o pedido de extradição, quando se entenda que não procede a impossibilidade de extradição supra referida, consequência da nacionalidade portuguesa do extraditando, e das violações das normas Constitucionais que tal extradição implicaria, nomeadamente ao poder conduzir ainda que por via reflexa à expulsão dos menores Portugueses e/ou ao afastamento destes do pai. 7. Não se verificando em qualquer dos casos os pressupostos da extradição, deve a mesma ser recusada ou sugerido ao Estado requerente que retire o pedido - nos termos do nº 2 do citado artigo 6º do Tratado ao abrigo do qual o pedido é formulado[...]. O Requerido arrolou testemunhas e juntou vários documentos, designadamente: - Cópia autenticada de certidão do assento de nascimento referente a (J) emanada da Conservatória dos Registos Centrais; - Cópia autenticada de certidão de assento de casamento católico de (J)com (O); - Cópias autenticadas de assentos de nascimento de quatro menores, registados como filhos de (J)e (O). - Cópias autenticadas de petições iniciais de acções de justificação judicial intentadas no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa e nas quais o Extraditando e (O) pedem a rectificação dos assentos de nascimento referidos imediatamente atrás por forma a que deles fique a constar que os menores a que respeitam são filhos de (A) e ainda do assento de casamento mencionado, por forma a que dele fique a constar que o nubente é, também, (A). Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas. O Ministério Público veio então ao processo alegar que o extraditando conseguiu obter, no Brasil, novo registo de nascimento como (J), que foi com base em certidão extraída desse registo que logrou que, por Decreto do Ministro da Administração Interna, publicado no Diário da República, IIª Série, de 29/5/2004, lhe fosse atribuída a nacionalidade portuguesa e que, não tendo essa atribuição obedecido aos requisitos estabelecidos na Lei nº 37/82, deveria decretar-se, nos presentes autos, atento o preceituado no artigo 7º, nº 1, do Código de Processo Penal, a perda da nacionalidade. O extraditando respondeu, dizendo que, não obstante o princípio da suficiência do processo penal consagrado no referido nº 1 do artigo 7º do C.P.P., o nº 2 do mesmo artigo permite a suspensão do processo a fim de que se decida no tribunal normalmente competente questão não penal que interesse à decisão da causa penal e que, no caso, considerando, por um lado, a complexidade do processo donde pode vir a resultar a perda da nacionalidade e, por outro, que o extraditando tem em preparação a formulação de pedido de rectificação do registo de nacionalidade, a posição expressa pelo Magistrado do Ministério Público não deve ser acolhida. Apresentou ainda o extraditando alegações finais nas quais formulou as seguintes conclusões: 1 - Face à prova produzida nos autos, entende-se, em primeiro lugar que enquanto o extraditando tiver nacionalidade portuguesa não pode o pedido de extradição ser deferido. 2 - Quando assim não se entenda, deve ser apreciada nos presentes autos a sua situação familiar, designadamente o facto de possuir quatro filhos menores, perfeitamente integrados em Portugal, que de um dia para outro se poderão ver privados do pai e bem assim de condições mínimas de sobrevivência, - para que, a partir dessa apreciação, o estado português possa requerer ao estado brasileiro que retire o pedido de extradição, tal como o prevê o nº 2, do artigo 5º, do Tratado de Extradição celebrado entre estes dois estados. 3 - Finalmente, quando assim não se entenda, também sempre a extradição deverá ser negada, pelas mesmas razões, ao abrigo do disposto no nº 2, do artigo 18º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, prática aliás já seguida pelos nossos Tribunais – vide, entre outros o Acórdão da Relação do Porto de 14.01.98- proferido no processo 9711078, disponível na Net [...]. O Ministério Público veio ainda aos autos requerer a junção de cópia do Decreto proferido em 3 de Novembro corrente por Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna e que revoga, por invalidade, o anterior Decreto que concedeu a nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao cidadão brasileiro (A), identificado no processo de naturalização como (J). O Requerido, notificado dessa junção, nada disse. Corridos os vistos, cumpre decidir. * A matéria em causa é regulada pelo Tratado de Extradição celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, aprovado pela resolução da Assembleia da República nº 5/94, de 3/2 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 3/94, da mesma data, sem prejuízo da aplicabilidade do regime estabelecido na Lei nº 144/99, de 31/8, como decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1º deste último diploma. Nos termos do artigo 2º, nº 1, do referido Tratado, dão lugar a extradição os factos puníveis, segundo as leis de ambas as Partes, com pena privativa da liberdade de duração máxima superior a 1 ano. Ora, o Requerido (A) foi pronunciado, a 17 de Junho de 1991, no Processo n.° 2241/91, da Vara Criminal da Comarca Itanhomi, Estado de Minas Gerais, da República Federativa do Brasil, pela prática de factos que, resumidamente, são os seguintes: No dia 16/03/91, cerca das 0 horas, o requerido, entrou nas instalações sanitárias de uma “lanchonete”, na cidade de Itanhomi, Brasil, e aí encontrou W, que estava a urinar. Deu-lhe então uma palmada nas costas, o que fez com que o W urinasse nas calças e, por não ter gostado da brincadeira, o levou a agarrar o requerido pelo colarinho. Acto contínuo, este sacou de uma arma de fogo que levava consigo e fez três disparos contra aquele, do que veio a resultar a sua morte (cfr. fls. 59 e seguintes). Tais factos integram um crime de homicídio qualificado, p. e p. no art. 121.°, § 2.°, inciso II do Código Penal Brasileiro, a que corresponde pena de prisão de 12 a 30 anos (cfr. fls. 237); e um crime de furto qualificado p. e p. no art.° 132.° n.° 2 al. c) do Código Penal Português, a que corresponde, na sua redacção original, mais favorável que a actual, pena de prisão de 12 a 20 anos. Mostra-se, pois, cumprido aquele requisito. * A extradição foi pedida pelas autoridades do Brasil, tendo Sua Excelência o Ministro da Justiça autorizado o prosseguimento do processo – cfr. artigo 48º da Lei nº 144/99. Também os demais requisitos exigidos pelos artigo 2º, 11º e 12º do Tratado e 31º da Lei nº 144/99 se mostram satisfeitos. * No artigo 3º do Tratado prevêem-se diversos casos de inadmissibilidade da extradição e, no artigo 5º, nº 1, casos de recusa do pedido de extradição. O requerido opôs-se à extradição invocando o disposto na alínea a) daquele artigo 3º e alegando ter a nacionalidade portuguesa. Efectivamente, naquela norma exclui-se a possibilidade de extradição quando a pessoa reclamada for nacional da Parte Requerida. Ora, demonstram os autos que o requerido, sob o nome falso de (J), pediu e obteve, por naturalização, a nacionalidade portuguesa. A discussão que, em devido tempo, se travou no processo em redor dessa atribuição da nacionalidade portuguesa – se devia valer enquanto tal, se o respectivo registo era passível de rectificação para que dele ficasse a constar o verdadeiro nome do requerido, se devia decretar-se, pelo uso de uma falsa identidade, a perda da nacionalidade e se tal devia ter lugar nestes autos ou em processo próprio instaurado para o efeito – tornou-se absolutamente inútil, uma vez que a entidade que concedeu a nacionalidade – o Secretário de Estado da Administração Interna – revogou o acto de concessão e, consequentemente, não pode já o requerido pretender prevalecer-se da sua condição de cidadão nacional. Invocou também o requerido o disposto no nº 2 do artigo 5º do Tratado, segundo o qual “a Parte requerida poderá sugerir à parte Requerente que retire o seu pedido de extradição, tendo em atenção razões humanitárias que digam nomeadamente respeito à idade, saúde ou outras circunstâncias particulares da pessoa reclamada”. E apelou para a sua situação familiar e profissional e de plena integração na sociedade portuguesa. Ora, é manifesto que a esta Relação cabe apenas, nos termos do Tratado e da Lei nº 144/99, apurar se estão reunidos os requisitos de ordem convencional e legal para o deferimento do pedido de extradição. Sugerir ao Estado Brasileiro a retirada do pedido é matéria que extravasa o foro jurídico que é o deste Tribunal e que, por isso, está fora da sua competência. Essa providência caberá, sim, na competência da entidade política – o Ministro da Justiça – que intervêm na fase administrativa do processo (artigo 48º da Lei nº 144/99). É também nessa perspectiva que deve, a nosso ver, ser entendido o preceituado no artigo 18º, nº 2, da Lei nº 144/99, que o requerido veio também, com o mesmo fundamento de facto, invocar em seu favor na alegação final. Determina essa norma que a cooperação internacional (de que a extradição é uma das modalidades) pode ser negada quando, tendo em conta as circunstância do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão de idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal. Cremos que é na fase administrativa do processo que a o uso de tal faculdade poderá e deverá ser ponderado. Mas mesmo que se entenda que é a fase judicial a apropriada para a aplicação da norma em causa, a verdade que se não vê que esteja, no caso, reunido o condicionalismo necessário para o efeito. Efectivamente, não foram alegadas quaisquer razões de saúde ou de idade do requerido que tornem a extradição especialmente gravosa para ele. O requerido apela é para a sua situação familiar e, designadamente, para a existência de quatro filhos menores, perfeitamente integrados em Portugal e que se poderão ver, com a extradição, privados do pai e, bem assim, das condições mínimas de sobrevivência, uma vez que é ele o esteio da família. A prova documental junta aos autos demonstra que o requerido tem efectivamente quatro filhos menores, do casamento que contraiu em Portugal, e a prova testemunhal produzida revela que é ele que provê ao seu sustento. Todavia, não pode olvidar-se que a situação criada é imputável em exclusivo ao requerido, que saiu do Brasil para se furtar à acção da justiça e se estabeleceu em Portugal sob nome falso, porventura convencido que, com tal artifício, teria atingido a paz jurídica a que, seguramente, sabia não ter direito. Por outro lado, a separação dos filhos –que, apesar de tudo, podem contar com a mãe - e as dificuldades económicas com que estes previsivelmente se debaterão não constituem motivos de carácter pessoal suficientemente ponderosos para obstar à extradição, do mesmo modo que tais circunstâncias não constituem factor impeditivo do exercício do ius puniendi pelo Estado Português (e, designadamente, da aplicação de uma pena efectiva e eventualmente longa de prisão) relativamente às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Acresce a isto que o crime que o requerido indiciariamente praticou é grave, pelo que nem sequer pode falar-se numa qualquer desproporção entre os facto e as respectivas circunstâncias e o gravame para a vida do requerido que a extradição implica. * O caso dos autos não é subsumível a qualquer outra das hipóteses previstas nos citados artigos 3º e 5º, nº 1 do Tratado. É, pois, de deferir o pedido de extradição. * Por todo o exposto, acorda-se neste Relação em deferir o requerido e, consequentemente, autorizar a extradição, para o Brasil, do cidadão brasileiro (A). Sem custas. Lisboa, 25 de Novembro 2004 Goes Pinheiro Silveira Ventura Margarida Vieira de Almeida __________(vencida, com dúvidas, mas entendo que cumpre ainda tutelar o direito dos familiares constitucionalmente previsto.__________________________________________________________________ Em meu entender, e tal com defendi já no TEP, a extradição , neste caso, poderá em concreto violar o direito dos menores à protecção da família. O extraditando poderia em alternativa, e a pedido do Estado Brasileiro revista a decisão penal, cumprir pena em Portugal o qual possibilitaria o contacto mais próximo com os familiares.______________________________________________________________ |