Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5473/13.9TDLSB.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
SIMULAÇÃO DE CRIME
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I-Não existe nulidade da sentença por omissão de conhecimento do pedido cível e sua remessa para os meios comuns quando na fundamentação de facto, o tribunal a quo refere que, no que concerne ao exarado no n.º 1 dos factos não provados, o Tribunal decidiu por ausência de prova do efectivo prejuízo, ausência conexa com a impossibilidade de apurar em audiência criminal (em tempo útil e sem retardar excessivamente o processo penal) todos os factos relevantes para a qualificação jurídica da relação subjacente à entrega destes cheques, sua validade e vigência, e concretamente se as rendas cuja garantia de pagamento foi accionada eram devidas e por quem, circunstâncias que motivaram a remessa de demandante e demandado para os meios comuns”.
A discussão sobre a razão pela qual assim se decidiu assentava na dificuldade de ter de se ir na prova do pedido cível muito para além da questão meramente criminal. Ponto em questão e que atravessa a mera causa criminal de um prejuízo à assistente seria ter de discutir a validade da fiança prestada, a obrigação contratual de pagamento e a validade dos cheques reportada a essa relação.
Não sendo matéria de grande complexidade mas sendo muito provável que o problema tivesse de chamar a juízo outros intervenientes e discutir questões de âmbito estritamente cível em matéria criminal, o tribunal não omitiu pronúncia sobre matéria que teria de conhecer, antes mais se pronunciou sobre matéria que, tendo-lhe sido embora pedido que conhecesse, entendeu fundadamente que o processo criminal não oferecia as condições bastantes para que o pudesse fazer com rigor.
A declaração falsa de um extravio de cheques emitidos e assinados pelo participante ( depois arguido em processo crime) implica a comissão de um crime de falsificação, mas essa acção criminal não bastaria por si só para criar um prejuízo à assistente quando sejam alegadas razões de natureza obrigacional cambiária e locatícia que poderão em sede civil, se provadas forem, implicar a falta de razão da assistente para o peticionado prejuízo.
II-O art.º 366.º do CP alude a denúncia de prática de crime praticado por desconhecidos ou não imputado a pessoa determinada ou ainda à criação de suspeita da sua prática.
Numa participação a autoridade policial ( PSP) onde o participante refere apenas o (falso) extravio de cheques –garantia por si emitidos ao seu locador, extravio esse dito por si efectuado e que pretendia que a PSP os recuperasse apenas para salvaguardar a sua posição e responsabilidade quanto à eventualidade de alguém os poder utilizar indevidamente não configura, para além do crime de falsificação declarativa, um outro crime, de simulação de crime.
Essa possibilidade de uso indevido por terceiros não representa por si só a atribuição de um crime de furto a quem quer que fosse ou a desconhecidos nem que a utilização indevida o fosse necessariamente no sentido criminal do termo, não podendo deixar de, também, poder ser entendida como indevida no âmbito meramente contratual ou das relações de natureza meramente cambiária.
A comunicação do extravio ( por si) dos cheques nesses termos ( dito falsamente ocorrido na via pública) não implica se possa presumir que estivesse o participante a imputar a um indivíduo (ou a vários) ou a desconhecidos, a culpa desse extravio nem a suspeita sobre alguém de apropriação ilegítima ou que alguém tivesse efectuado já o uso indevido dos cheques ditos extraviados.”

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


I-RELATÓRIO:


1.1-Por sentença de 1.3.2016 proferida no âmbito do proc.º NUIPC 5473/13.9TDLSB.L1  (Juiz 10 - Sec. Criminal Instância Local Lisboa), foi decidido:

O Ministério Público requereu o julgamento em processo comum perante tribunal singular de
DN,nascido em 24 de Março de 1975, filho de JM e AG, residente ..., Lisboa
imputando-lhe a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelos artigos 256°, n.º 1, alínea d) do Código Penal e um  crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art.º 366º, n.º 1 do mesmo código.;

CMPdeduziu pedido de indemnização civil contra o arguido sustentado nos factos que lhe são imputados no despacho de acusação, reclamando a sua condenação no pagamento de 13.500€, correspondente ao valor inscrito nos cheques e 156e correspondentes a despesas e impostos suportados com a devolução dos cheques.
Alegou sumariamente que arrendou ao arguido, em 13.09.2012 um imóvel destinado a instalação de estabelecimento comercial, tendo o arguido outorgado o respectivo contrato na qualidade de sócio gerente da arrendatária e fiador, contrato celebrado pelo prazo de 1 ano, renovável, que a sociedade representada pelo arguido entregou à demandante, nesta data, montante correspondente a 3 rendas, sendo convencionado a entrega de 9 cheques como garantia de garantia de bom pagamento das restantes rendas., cheques estes emitidos e assinados pelo demandado.
Mais alegou que volvidos dois meses o demandando encetou negociações para cessação do contrato de arrendamento, apresentando à demandante dois potenciais novos arrendatários, com os quais esta veio a celebrar novo contrato de arrendamento, convencionando com o ora demandado que este assumia a posição de fiador no novo arrendamento e que os títulos entregues para garantia de bom pagamento das rendas vencidas no pretérito contrato ficariam em posse da demandante como garantia de bom pagamento das rendas vincendas no novo contrato, este outorgado a 21.12.2012.
Por fim alegou que, vencidas e não pagas, rendas reportadas ao contrato de arrendamento celebrado a 21.12.2012, apresentou a pagamento os cheques entregues pelo arguido, devolvidos pela entidade bancária, com a indicação de cheque extraviado.
Notificado para o efeito o arguido ofereceu o merecimento dos autos e contestou o pedido de indemnização civil, alegando, em suma, que os cheques entregues para garantia de bom pagamento abrangiam apenas as rendas vencidas no período de 12 meses subsequente à assinatura do primeiro contrato de arrendamento – 13.09.2012 – e ainda que a demandante, por via de interpelação que lhe foi dirigida, reconheceu que a sociedade outorgante do segundo contrato de arrendamento (de 21.12.2012) efectuou o pagamento das rendas vencidas nesse contrato até Maio de 2013, e que entregou as chaves do locado a 01.07.2013, com a consequente resolução do contrato, e ainda, por fim, que os cheques garantia foram apresentados a pagamento de Maio a Setembro de 2013 sem que o demandado (na qualidade de fiador) ou a sociedade arrendatária tivessem sido interpelados para pagamento.
Alegou ainda que a “resolução” deste contrato de arrendamento ocorreu por causa imputável à demandante – alteração a licença de funcionamento do espaço das 04h para as 22h e deficiências na insonorização do espaço.
Na ausência de quaisquer questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento do mérito, procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, tal como a acta o documenta.
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Questão prévia:

DO REENVIO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL PARA OS MEIOS COMUNS:

Analisada a prova produzida, os documentos juntos aos autos, concretamente os juntos a fls. 155 a 176, 188 a 195 e 222 a 227, apurou-se que os cheques objecto dos autos foram emitidos (integralmente preenchidos) e assinados pelo arguido e entregues à demandante como garantia de bom pagamento das rendas vencidas na pendência do contrato de arrendamento que com aquele foi celebrado, na qualidade de gerente da arrendatária e de fiador.
Mais se apurou que tais cheques foram apresentados a pagamento pela demandante nas datas exaradas no despacho de acusação, para pagamento de rendas vencidas no âmbito do contrato de arrendamento celebrado entre demandante e outra sociedade, no qual o arguido interveio na qualidade de fiador.
A demandante alega que ficou convencionando com o ora demandado que os títulos entregues para garantia de bom pagamento das rendas vencidas no pretérito contrato ficariam na sua posse como garantia de bom pagamento das rendas vincendas no novo contrato, este outorgado a 21.12.2012, e que, vencidas e não pagas, rendas reportadas a este contrato de arrendamento, apresentou a pagamento os cheques entregues pelo arguido, devolvidos pela entidade bancária, com a indicação de cheque extraviado.
O demandado alega que os cheques entregues para garantia de bom pagamento abrangiam apenas as rendas vencidas no período de 12 meses subsequente à assinatura do primeiro contrato de arrendamento (de 13.09.2012 a 13.02.2013) e que a demandante, por via de interpelação que lhe foi dirigida, reconheceu que a sociedade outorgante do segundo contrato de arrendamento (de 21.12.2012) efectuou o pagamento das rendas vencidas nesse contrato até Maio de 2013.
Alegou ainda que o segundo contrato de arrendamento no qual interveio na qualidade de fiador se “resolveu” em 01.07.2013, não sendo por isso devidas rendas desde essa data, e que os cheques foram apresentados a pagamento de Maio a Setembro de 2013 sem que o demandado (na qualidade de fiador) ou a sociedade arrendatária tivessem sido interpelados para pagamento.
Alegou, por fim que a “resolução” deste contrato de arrendamento ocorreu por causa imputável à demandante – alteração a licença de funcionamento do espaço das 04h para as 22h e deficiências na insonorização do espaço.
Em face destas questões, oferece-nos reflectir sobre o disposto no art.º 82º do Código de Processo Penal.
O nosso Código de Processo Penal, através do art.º 71º, que dispõe que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, consagra, como regra, o princípio da adesão obrigatória da acção cível ao processo penal e como excepção a dedução da acção cível fora do processo penal.
Optou assim o legislador por conhecer e decidir, em princípio, a acção penal e o pedido cível num único e mesmo processo, consagrando uma adesão obrigatória do mecanismo civil ao penal.
São vistas como vantagens deste sistema, razões de economia processual e economia de meios, pretendendo-se que num único processo se resolvam todas as questões que envolvem o facto criminoso, sem que os interessados tenham que despender e dispersar custos acrescidos, e ainda razões de prestígio institucional, evitando-se deste modo julgados contraditórios.
As excepções ao princípio da adesão vêm previstas no art.º 72º do Código de Processo Penal, aí se enumerando taxativamente os casos em que o pedido cível pode ser deduzido, ab initio, em separado perante o tribunal civil. De realçar que, mesmo nestes casos, a dedução em separado é sempre uma opção, “pode ser” deduzido em separado diz o texto da lei, consagrando-se assim a regra da opção que faculta ao lesado a possibilidade de se subtrair ao processo penal.
Uma dessas excepções, e bem importante, são os crimes semipúblicos e particulares, o que atendendo ao grande número destes crimes, há quem coloque em dúvida que se possa continuar a afirmar o princípio da adesão obrigatória como o princípio regra.
Outra excepção ao princípio de adesão decorre do reenvio do pedido de indemnização civil para os tribunais civis, nos termos previstos no nº 3 do art.º 82º, do Código de Processo Penal.

Dispõe o citado nº 3 do art.º 82º, que “O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”.

Decorre deste preceito legal que são duas as situações em que o tribunal pode remeter as partes para os meios comuns:

a)Surgindo questões atinentes ao pedido cível que inviabilizam uma decisão rigorosa;
b)Surgindo questões atinentes ao pedido cível susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal.

À luz deste preceito legal, o Tribunal avalia as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, e reenvia para os meios comuns, se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, ou porque as questões suscitadas inviabilizam uma “solução rigorosa”, havendo assim desvantagem para o pedido cível, ou “retardam intoleravelmente o processo penal”, havendo assim desvantagem para o processo penal.
E concluindo pela ocorrência de desvantagens na manutenção da adesão, a remessa para os meios comuns vai permitir que o pedido seja julgado em melhores condições e/ou sem custos de protelamento do processo penal.
O reenvio é no fundo um mecanismo que tem em vista evitar os prejuízos que podem ocorrer com a manutenção da adesão, designadamente, quando está em causa a boa decisão da causa cível e/ou o julgamento da causa penal num prazo razoável.
Acresce ainda realçar que este poder do tribunal de remeter as partes para os meios comuns não é um poder arbitrário ou discricionário, mas que obedece a rigorosa fundamentação dentro do quadro da previsão daquela norma.
Dito isto, vejamos agora se no caso em apreço havia fundamento legal para o reenvio das partes para os meios comuns.
Em face das questões acima enumeradas, entende o Tribunal que está inviabilizada a prolação de decisão rigorosa acerca do pedido de indemnização civil, mormente face às questões supra enunciadas que ficaram por apurar, atinentes ao enquadramento legal dos cheques entregues à demandante (garantia de bom pagamento de que obrigações?); à validade/vigência do contrato de arrendamento nas datas em que os cheques foram apresentados a pagamento e consequente existência da obrigação de pagar as rendas, e por fim a legitimidade da apresentação dos cheques (garantia) antes de interpelação do devedor para pagar.
Assim, no propósito de permitir à demandante e ao demandada o recurso à acção civil, onde, de forma exaustiva e completa poderão resolver, com exactidão, as questões acima referidas, fazendo intervir, se nisso virem utilidade, os demais sujeitos da relação controvertida, logrando desta forma alcançar uma decisão justa, inalcançável nesta sede, decide-se, ao abrigo do disposto no art.º 82º, n.º 3 do Código de Processo Penal remeter as partes para os Tribunais Civis.
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2.FUNDAMENTOS DE FACTO:

2.1.FACTOS PROVADOS:

a)A Denunciante é uma Associação sem fins lucrativos, dedicada em especial à música clássica e tutela a Orquestra Sinfónica Juvenil.
b)De modo a rentabilizar o espaço que constitui o imóvel onde se situa a sua sede, iniciou um projecto de reconversão de parte do imóvel, transformando-o em Bar de música clássica, o qual abriu em Dezembro de 2011.
c)Em 2012, decidiu-se arrendar o espaço, e celebrou com o arguido um contrato de arrendamento do referido espaço, em 13-09-2012.
d)O arguido assinou o contrato na qualidade de sócio-gerente da referida sociedade Arrendatária "Cartola de Sucessos, Lda.", e na qualidade de Fiador daquela.
e)Foi convencionado e aceite pela queixosa e pelo arguido, que haveria uma garantia adicional que passava pela entrega de 9 cheques pessoais do arguido para garantia de pagamento de nove meses de contrato.
f)Os referidos cheques foram subscritos e assinados pelo arguido, e nele apostas as respectivas datas, valores e assinatura pelo seu punho.
g)Passados cerca de dois meses, o arguido solicitou uma negociação para a cessação do contrato, tendo sido aceite desde que fosse apresentado outro arrendatário para o local.
h)O arguido apresentou dois jovens interessados em explorar o Bar que constituiriam uma sociedade comercial para esse efeito.
i)Porque a referida Sociedade ora apresentada, era nova e os seus sócios gerentes também jovens e não apresentavam quaisquer garantias sólidas que permitissem assegurar uma maior previsibilidade no cumprimento da obrigação, de pagamento da renda, ficou acordado que o arguido ficaria como fiador neste novo contrato e que os cheques pré-datados que haviam sido entregues com o primeiro contrato ficariam na mesma na posse do senhorio como garantia no caso de não serem pagas as rendas.

j)Nas datas abaixo discriminadas a queixosa apresentou a pagamento os referidos cheques, em virtude do não pagamento das rendas por parte dos novos arrendatários:
-Cheque n.º 2948527453, com a data de 01/05/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros;
-Cheque n.º 2948527550, com a data de 01/06/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros;
-Cheque n.º 2948527647, com a data de 01/07/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros.
-Cheque n.º 2948527162, com a data de 01/02/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros;
-Cheque n.º 2948527259, com a data de 01/03/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros;
-Cheque n.º 2948527356, com a data de 01/04/2013, passado sobre o Millennium BCP, no valor de € 2.250,00 euros; k)Apresentados a pagamento, em 10 de Maio, 18 de Junho, 9 de Julho, e 16 de Setembro de 2013, os referidos cheques vieram a ser devolvidos com a indicação de "extravio", que consta pela indicação do carimbo aposto no verso dos cheques pelo banco sacado.

l)Tal deveu-se ao facto de no dia 15 de Fevereiro de 2013, o arguido a fim de obstar ao pagamento dos mesmos, ter participado na PSP, que havia extraviado os referidos cheques no dia 13 de Setembro de 2012, no Largo do Chiado, em Lisboa, ali referindo a possibilidade de os mesmos virem a ser utilizados por terceiros indevidamente, face ao seu extravio.
m)Após, obteve da entidade policial uma declaração, da referida participação, e solicitou à entidade bancária a revogação dos referidos cheques com justa causa, justificando a mesma com a participação policial que juntou.
n)O arguido, ao dar instruções ao banco sacado para a revogação da ordem de pagamento contida naqueles cheques, comunicando-lhe que os mesmos haviam sido, extraviados, quis, e alcançou, que esse banco devolvesse esses referidos cheques com a indicação nele aposta.
o)O arguido bem sabia que as razões invocadas junto daquele banco eram falsas, como sabia que a denunciante era a legítima dona e portadora desses cheques, por lhe terem sido entregues por ele.
p)O arguido com a sua conduta quis, e conseguiu, impedir o pagamento da quantia titulada nesses cheques pelos banco sacado com intenção de, deste modo, alcançar benefício para si, ao impedir o débito das quantias tituladas nos cheques, na respectiva conta, benefícios que bem sabia não lhe caber.
q)O arguido, com a descrita conduta, sabia ainda que afectava a confiança e segurança na veracidade do conteúdo de tais comunicações à entidade bancária, o que aconteceu e colocou em crise a fidedignidade das mesmas, lesando a fé pública do conteúdo da mesma perante o banco respectivo e a pessoa a quem o entregou.
r)No dia 19 de Fevereiro de 2013, o arguido apresentou participação na esquadra da PSP, Praça do Comércio, contra desconhecidos, afirmando que havia extraviado os referidos cheques, facto que sabia não corresponder à verdade.
s)O arguido sabia que tais condutas lhe estavam vedadas por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de as realizar.
t)O arguido não tem antecedentes criminais.
u)O arguido vive com uma companheira e filha de 8 meses, alterna a sua residência entre Portugal e Espanha, local onde exerce a actividade profissional de engenheiro informático, auferindo mensalmente a quantia de 1.200€, a companheira está desempregada, contribui com 600€ para as despesas mensais do agregado familiar, despende cerca de 150€/200e em deslocações e contribui com 100€ mensais para os encargos inerentes à sua residência em Espanha.
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2.2.FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou que:

1.Com a descrita conduta o arguido causou prejuízo patrimonial à denunciante, pelo menos, de valor igual ao dos montantes titulados naqueles cheques.
2.Previu e quis ainda o arguido apresentar a aludida participação à autoridade policial com o propósito de imputar a desconhecidos a suspeita da apropriação ilegítima e utilização daqueles cheques.
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2.3.MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:

O Tribunal formou a sua convicção por efeito da conjugação das declarações do arguido, com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente dos contratos de arrendamento de fls. 10 a 16 e 25 a 31; das cópias dos cheques de fls. 42 a 48; certidão permanente de fls. 51 a 53; declaração de extravio de fls. 69, documento de fls. 70 e participação ao órgão de polícia criminal de fls. 74 e 75.
Na verdade a convicção do Tribunal alicerçou-se no teor das declarações do arguido que, imediatamente confessou integralmente os factos decididos como provados.
A sua confissão foi espontânea, objectiva e coerente com o circunstancialismo que envolveu a prática dos factos, nada ressaltando que justifique duvidar da sua credibilidade.
Já quanto aos factos não provados, e não obstante a produção de prova para além das declarações do arguido, a convicção do tribunal adveio também da ponderação deste meio de prova, conjugado com o teor da participação de fls. 74/75, cuja autoria o arguido também reconheceu.
Com efeito, as testemunhas inquiridas nada esclareceram, por nada saberem, relativamente à participação ao órgão de polícia criminal efectuada pelo arguido relativa ao extravio dos cheques.
O arguido assumiu esta participação, e bem assim estar consciente de que relatava a órgão de polícia criminal facto que não correspondia à verdade, todavia, foi bem claro e convincente (porque coerente com o circunstancialismo que envolveu toda a conduta criminosa, centrado na discussão acerca da validade/vigência do contrato de arrendamento celebrado em Dez. 2012 no período a que se reportam as rendas de que a queixosa pretendia pagar-se por via do accionamento dos cheques e na legitimidade do accionamento dos cheques em posse da queixosa como garantia de pagamento de rendas), ao explicar que nunca teve o propósito de fazer recair sobre terceiros, ainda que desconhecidos, a prática de um crime, mas somente obstar ao pagamento dos cheques, e que, segundo afirmou, terá sido sugerido por funcionário bancário ser esta (falsa declaração de extravio) a via mais eficaz de obstar a esse pagamento.

Na fundamentação de facto, o tribunal a quo refere: “(…) Ora, confrontada esta postura com o conteúdo da participação feita pelo arguido – fls. 74 – de imediato se conclui que os factos participados não incluem a imputação a terceiros (ainda que desconhecidos e sob a forma de suspeita) da prática de crime, mas somente a comunicação de extravio dos documentos.
Em conformidade, decidiu-se este facto como não provado.
No que concerne ao exarado no n.º 1 dos factos não provados, o Tribunal decidiu como consta por ausência de prova do efectivo prejuízo, ausência conexa com a impossibilidade de apurar em audiência criminal (em tempo útil e sem retardar excessivamente o processo penal) todos os factos relevantes para a qualificação jurídica da relação subjacente à entrega destes cheques, sua validade e vigência, e concretamente se as rendas cuja garantia de pagamento foi accionada eram devidas e por quem, circunstancias que motivaram a remessa de demandante e demandado para os meios comuns.
No mais, a ausência de antecedentes criminais consta documentada no certificado de registo criminal junto aos autos e a situação pessoal, profissional, familiar e financeira do arguido foi esclarecida pelo próprio.
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3.FUNDAMENTOS DE DIREITO:

3.1.ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:

3.1.1.Crime de falsificação de documento:
(…)

Compulsados os factos dados como provados verifica-se o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço.
O arguido, ciente da falsidade do que declarava, com o propósito de obstar ao pagamento dos cheques e depois de participar na PSP o seu extravio, munido de uma declaração emitida pelo órgão de polícia criminal, solicitou à entidade bancária a revogação dos referidos títulos com justa causa, justificando a mesma com a participação policial que juntou.
Ao dar instruções ao banco sacado para a revogação da ordem de pagamento contida naqueles cheques, comunicando-lhe que os mesmos haviam sido, extraviados, quis, e alcançou, que esse banco devolvesse esses referidos cheques com a indicação nele aposta.
O arguido sabia que as razões invocadas junto do banco eram falsas, actuou livre, deliberada e conscientemente, com o propósito alcançado de obstar ao pagamento dos cheques, sabendo que com esse comportamento colocava em crise a segurança e certeza jurídicas nos documentos particulares emitidos pelos cidadãos, que incorporam declarações susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, como foi o caso.
Sabia também que esta conduta é punida por lei.    
Encontrando-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo, mais não resta senão concluir pela condenação do arguido.
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3.1.2.Crime de simulação de crime – art.º 366º, n.º 1 do Código Penal:

Vem o arguido acusado da prática do crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art.º 366º, n.º 1 do Código Penal.
Conforme dispõe o normativo em apreço, comete esta infracção quem, sem o imputar a pessoa determinada, denunciar crime ou fizer criar suspeita da sua prática à autoridade competente, sabendo que ele se não verificou
A simulação de crime configura uma manifestação paradigmática de crime contra a realização da justiça, um valor de índole supra-individual que a lei erige em bem jurídico típico.
Comete a infracção quem“denunciar”ou“fizer criar suspeita"da prática de um crime, contra-ordenação ou ilícito disciplinar. E isto “sem o imputar a pessoa determinada”.
Esta última é uma exigência que afasta a relevância típica da falsa imputação a uma pessoa da autoria duma infracção: tanto duma infracção efectivamente cometida (ou que se acredita ter sido cometida), como duma infracção inteiramente inventada.
A conduta não tem que assumir a forma de comunicação verbal, oral ou escrita, podendo concretizar-se através da manipulação de indícios ou meios de prova. Pela simples invenção ou modificação de vestígios pode perfeitamente “converter-se” um simples acidente na suspeita de um crime. O mesmo se diga para a encenação de um “crime” perante alguém que, normal e previsivelmente, levará o caso ao conhecimento das autoridades.
Outro dos pressupostos nucleares do tipo objectivo é a falsidade da denúncia ou suspeita. Nos termos da lei, a denúncia (ou suspeita) é falsa quando tem por objecto um facto (crime, contra-ordenação ou ilícito disciplinar) que não verificou.
No que concerne ao tipo subjectivo, o facto só é punível a título de dolo, exigindo-se um dolo qualificado em relação à falsidade da denúncia ou suspeita “(...)sabendo que ele se não verificou(...)”. O agente tem de actuar conhecendo a falsidade ou tendo-a como segura, uma exigência que equivale a afastar a relevância do dolo eventual. Mas esta modalidade de dolo será já bastante em relação aos demais elementos da factualidade típica.
O dolo deve estender-se à idoneidade – elemento implícito da factualidade típica – da conduta para induzir a autoridade em erro e, consequentemente, para desencadear a sua acção infundada e inútil.

Compulsados os autos, verifica-se que a conduta do arguido não preenche integralmente sequer os elementos objectivos do tipo de crime em apreço.
Vejamos:
São elementos objectivos do tipo a imputação da prática de um crime a pessoa indeterminada.
Ora, tal como dos autos consta e se salientou na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o arguido limitou-se a participar a órgão de polícia criminal o extravio dos títulos de crédito, não imputando a desconhecidos nem a titulo de suspeita, a prática de qualquer ilícito criminal ou disciplinar, posto que a perda de documentos em via publica não configura nenhum ilícito.
Ora, em face do exposto, cai por terra o preenchimento deste elemento objectivo do tipo.
Ainda que assim não fosse, sempre ficaria por preencher um dos elementos subjectivos típicos, posto que não se provou que o arguido tenha querido (ou previsto), com a aludida participação à autoridade policial fazer recair sobre desconhecidos a suspeita da apropriação ilegítima e utilização daqueles cheques.
Em conclusão, não estando preenchidos os elementos objectivos nem os subjectivos do tipo de crime, impõe-se, sem mais considerações, concluir pela absolvição do arguido.
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3.2. PENA A APLICAR:

Resta agora determinar qual a pena concreta que deve ser aplicada à arguida.
Ao crime de falsificação de documento em apreço corresponde pena de prisão até 3 anos ou pena de multa (cf. artigos 256º, n.º 1 do Código Penal).
Conforme prescreve o art. 70.º do Código Penal, sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com tal normativo visa o legislador combater as penas detentivas, reconhecidamente mais estigmatizantes e com menores potencialidades de ressocialização, sempre que as finalidades das penas possam ser alcançadas de outro modo, o que vale com especial pertinência quando estamos em face de penas de prisão de curta duração.
Assim, a opção por pena de prisão ou de multa é algo que não tem directamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição.[1

Dentro dos critérios fornecidos pelo art.º 70º, e sendo as finalidades da punição a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou o mesmo é dizer, a satisfação das exigências de prevenção geral e especial, no caso dos autos, ponderando:
-A sua estabilidade pessoal, familiar e financeira do arguido;
-O lapso de tempo já decorrido desde a data da prática dos factos (3 anos);
-A ausência de antecedentes criminais;
-O impacto comunitário moderado da conduta praticada;

Entende-se que a aplicação da pena de multa traduz suficiente censura do facto, bem como garantia para a comunidade da validade e vigência das normas violadas.
Partindo da moldura penal abstracta da multa (10 a 360 dias), e de acordo com o sistema dos dias-de-multa, previsto entre nós, na determinação da pena de multa em concreto aplicável ao agente pela prática deste crime, a primeira operação a realizar visa fixar, dentro dos limites legais, o número de dias de multa, em função dos critérios gerais de determinação concreta da pena.[2]
A segunda operação é a que visa determinar, dentro dos limites legais previstos no n.º 2 do art. 47.º do Código Penal, o quantitativo diário em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Ao proceder-se a esta determinação do quantitativo de cada dia de multa, não se poderá perder de vista que “o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa humana, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas...” (não deverá retirar ao condenado a possibilidade de, sem dano injusto, fazer face aos gastos absolutamente indispensáveis).[3

Considerando que:

-O dolo do arguido é directo, apontando para um comportamento intencional;
-A ilicitude dos factos é mediana – a falsificação do documento não foge ao comportamento padrão, não se detectando (nestes autos) lesão de quaisquer outros bens jurídicos para além do protegido com a norma incriminadora como reflexo da prática do crime;
-A culpa que entendemos ser mediana como reflexo da ilicitude;
-A ausência de antecedentes criminais ou registo da prática de crimes em data posterior;
-A sua estabilidade financeira, pessoal e familiar.
Entende-se que é adequada e suficiente a pena de 100 (cem) dias de multa.
Relativamente à taxa diária, tendo presentes os rendimentos e encargos declarados pelo arguido, vertidos na matéria de facto dada como provada e considerando o disposto no art.º 47º, n.º 2 do Código Penal fixa-se a taxa diária em 7€ (sete euros), perfazendo o total de 700€ (setecentos euros).
*

4.DECISÃO:

Pelo exposto decido:

-Absolver o arguido DNda prática de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art.º 366º, n.º 1 do Código Penal;
-Condenar o arguido DNpela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7€ (sete euros), perfazendo o total de 700€ (setecentos euros) e a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 49º do Código Penal. “

1.2–Desta decisão recorreu aassistentee demandante cívelCírculo Musical Português dizendo em conclusões da motivação apresentada:

“A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença, nos autos supra identificados, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, em 01/03/2016. versando sobre matéria de Facto e de Direito na parte em que:
i.  Reenvia o Pedido de Indemnização Civil para os meios comuns; e, ii. Decide absolver o Arguido da prática de um Crime de Simulação de Crime, previsto e punido pelo artigo 366.° n° 1 do Código Penal; e, Motiva-se ainda o presente recurso através da Nulidade da Douta Sentença, uma vez que o Tribunal não conheceu de matéria que devesse apreciar, nomeadamente no que respeita à pronúncia sobre o Pedido de Indemnização Civil, (conforme resulta do disposto no artigo 379.° n° 1 alínea c) do C.P.P.) e, sem conceder, caso seja aceite uma interpretação que não considere os cheques na presente acção, títulos cambiários, a dualidade de critérios na condução do Julgamento.

l.Do Reenvio do Pedido de Indemnização Civil para os Meios Comuns

C.De modo a enquadrar devidamente todas as questões, nos presentes autos para além das matérias sobre as quais versará o presente recurso, na Sentença ora em crise, foi o Arguido DN condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°. n. 1. al. d) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7€ (sete euros), perfazendo o total de 700€ (setecentos euros) e a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 49° do Código Penal.
D.O Pedido de Indemnização Civil apresentado nos autos, relacionado quase na totalidade com o valor dos cheques, ascende a € 14.656,00. Vejamos,
E.De acordo com o PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL, previsto no artigo 7.° do C.P.P., o qual impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa.
F.Para além disso acresce que o artigo 71° do Código de Processo Penal consagra como regra o PRINCÍPIO DA ADESÃO OBRIGATÓRIA DA ACÇÃO CÍVEL AO PROCESSO PENAL e, como excepção, a dedução da acção cível fora do processo penal.
G.O poder do Tribunal de remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário.
H.A opção pelo reenvio impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de particular fundamentação. O que não foi o caso!
I.O douto Tribunal a quo fez gorar as legítimas expectativas da Assistente, que visse respeitados os seus direitos em particular e os princípios constitucionais em geral, nomeadamente, o direito à decisão em prazo razoável, constitucionalmente consagrado e uma das dimensões do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20°/4 da C.R.P.).
J.Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12-09-2006, Relator: AZEVEDO RAMOS, Processo: 06A2100 / N.° convencional JSTJ000:"O cheque éum título de crédito que enuncia uma ordem de pagamento dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado) para que pague determinado montante por conta de dinheiros depositados - art. V e 2° da LUC. Mais precisamente, o cheque é um título cambiário, "à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada de pagar a soma nele inscrita, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis "(Ferrer Correia e António Caeiro, Revista de Direito e Economia, n" 4, pág. 47). (...) fundamental.
K.Ora, tendo em conta o entendimento que subscrevíamos e patente no Acórdão do STJ atrás transcrito, relativamente aos cheques dos autos, porque são títulos cambiários, interessa-lhes sobretudo e determinantemente a relação cambiária e não já a relação subjacente.
L.No entanto, na 2.a sessão de julgamento, apesar da Testemunha CR nada saber acerca dos cheques e dos factos relacionados com os crimes em causa e tão só sobre as questões do arrendamento, não teve qualquer reparo a própria testemunha ou a Ilustre Defensora do Arguido nas suas instâncias.
M.Só agora, quase três anos depois do início do processo sem que nada o fizesse prever e ao contrário de todos supra elencados Princípios e das legítimas expectativas da Assistente, é que o Tribunal a quo vem, s.m.o., erradamente e fora de tempo, remeter as partes para os meios comuns com o fundamento, note-se, de se poder retardar o fim do processo penal.
N.A Decisão recorrida carece fundamentação, dado que não enuncia minimamente quais as questões levantadas pelo Demandante e pelo Demandado que, pela sua particular complexidade, viriam provocar um retardamento intolerável do processo.
O.Foram violadas e erradamente interpretadas e aplicadas as seguintes disposições legais: artigo 71.°, artigo 82.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, bem como os Princípios da Celeridade e da Economia Processuais e o Princípio da Adesão Obrigatória do Sistema de Dependência da Decisão Civil da Decisão Penal.
P.As questões que foram reputadas como sendo susceptíveis de inviabilizar uma decisão rigorosa e poderem vir a gerar incidentes retardadores do processo penal, considera a Recorrente não serem suficientes para justificar a remessa dos sujeitos processuais para os meios civis, como supra referimos.
Q.Existe nos autos prova documental suficiente, sendo ainda que, tais questões não se antolham geradoras de incidentes ou demoras que inviabilizem uma decisão rigorosa ou que possam gerar incidentes que viessem retardar intoleravelmente o processo penal, nem se descortinando outros incidentes que, pela sua complexidade ou morosidade, possam ser retardadores de uma decisão rigorosa no processo penal.

2.DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA.

R.Salienta a Douta Sentença que não ficou provado que:
"com a descrita conduta o arguido causou prejuízo patrimonial à denunciante, pelo menos, de valor igual ao dos montantes titulados naqueles cheques.", nem que; "previu e quis ainda o arguido apresentar a aludida participação à autoridade policial com o propósito de imputar a desconhecidos a suspeita da apropriação ilegítima e utilização daqueles cheques".
S.Relativamente ao ponto i., não é de aceitar que não tenha ficado provado que com a descrita conduta o arguido causou prejuízo patrimonial à denunciante, pelo menos, de valor igual ao dos montantes titulados naqueles cheques", se a confissão do Arguido e toda a documentação de devolução dos cheques provam cabalmente o contrário!
T.E não esquecendo o que já atrás se disse acerca dos cheques enquanto títulos cambiários que aqui se dá por reproduzido.
U.Com efeito, a intenção e actuação do Arguido prejudicaram a Denunciante, aqui Recorrente, no valor já mencionado nos autos. O extravio dos cheques e posterior ineptidão dos mesmos, clarifica o prejuízo pecuniário, e não só, da ora Recorrente.

3. Do Crime de Simulação de Crime

V.Na aludida participação aos órgãos de polícia criminal, com o propósito de forjar a entrega, legitimamente reconhecida, à Recorrente, o Arguido previu e quis imputar a suspeita sobre desconhecidos da apropriação ilegítima e utilização daqueles cheques (sabendo, de antemão, que os factos participados não tinham ocorrido).
W.Refere a Douta Sentença (Ponto 2.1. i)) que ficou provado que os cheques extraviados haviam sido dados como garantia, não só pelo primeiro como também, pelo segundo contrato celebrado.
X.Ou seja, os cheques foram entregues como garantia do cumprimento do primeiro contrato (celebrado entre Arguido e Recorrente) bem como do segundo contrato, celebrado em dezembro (entre Recorrente e Sociedade), acrescendo também a menção do aqui Arguido na qualidade de Fiador.
Y.Ainda no âmbito dos factos dados como provados na Douta Sentença, resulta da mesma que na participação feita à PSP, o Arguido, com a indicação de extravio dos cheques, mencionou ainda "a possibilidade de os mesmos virem a ser utilizados por terceiros indevidamente, face ao extravio"(Ponto 2.1. 1)). logrando assim a tese de imputabilidade do Crime de Simulação de Crime ao Arguido.
Z.A decisão pela absolvição do Arguido da prática do crime de simulação de crime, não merece portanto a nossa concordância.
AA.Ora, entendemos que o Arguido quando comunica o extravio dos cheques sem imputar a um indivíduo (ou a vários) a culpa desse extravio, ele está a imputar a desconhecidos o extravio dos títulos de crédito.
BB.Parece-nos claro que o Arguido ao participar na PSP o extravio dos cheques, expressando a possibilidade de utilização indevida dos mesmos por terceiros, o que quis efectivamente foi imputar aquele extravio a desconhecidos, desconhecidos esses que se iriam apropriar dos presentes cheques, alegadamente extraviados e porque o fez junto de um OPC, saberia naturalmente que iria dessa forma dar início a um processo de inquérito.
CC.No que respeita ao elemento subjectivo do tipo legal de crime, também discordamos da Douta Sentença uma vez que entendemos não restarem quaisquer dúvidas quanto à actuação de forma consciente por parte do Arguido.
DD.Os documentos juntos aos autos, nomeadamente os juntos a fls. 155 a 176, 188 a 195 e 222 a 227, após análise e produção de prova, demonstraram indubitavelmente que o Arguido participou de forma activa, consciente da sua prática, no que concerne à assinatura e entrega dos cheques (objecto dos autos).
EE.Os títulos de crédito em análise foram entregues, pelo Arguido, à Assistente/Demandante (aqui Recorrente), como garantia de bom pagamento das rendas vencidas, por força da celebração dos dois contratos de arrendamento, um deles entre o Arguido e a Recorrente e outro entre uma Sociedade indicada pelo Arguido e a ora Recorrente, de onde também constava o Arguido na qualidade de Fiador.
FF.Face a isto, a Recorrente tentou proceder ao depósito bancário dos referidos cheques tempestivamente, acção essa que lhe foi negada em virtude da conduta descrita do Arguido que falsamente invocou o extravio dos mesmos, para uma devolução pela entidade bancária que efectivamente conseguiu.
GG.Os cheques abarcam as rendas vencidas no período de 12 meses posteriores à celebração do primeiro contrato de arrendamento (de 13.09.2012 a 13.02.2013) bem como o segundo contrato de arrendamento celebrado (21/12/2012), uma vez que, conforme se referiu, o Arguido constava como Fiador neste mesmo vínculo contratual, facto pelo mesmo confessado.

4.NULIDADE DA SENTENÇA

HH.A Douta Sentença encontra-se ferida de nulidade, por força da recusa do Tribunal em apreciar o Pedido de Indemnização Civil.
II.O Tribunal em apreço é competente para apreciar e julgar o Pedido de Indemnização Civil, em sede penal não logrando assim, pela tese de reenvio para os tribunais comuns do Pedido de Indemnização Civil.
JJ.De igual forma, a ser aceite uma interpretação que retiraria aos aludidos cheques a natureza detítulos cambiários, não se pode aceitar que o Tribunal ouça o Arguido e Testemunha indicada por si acerca da relação subjacente — Arrendamento e questões conexas — mas tenha impedido, como se viu, que a Digna Magistrada do M.P. e a Assistente ouvissem o Arguido e as restantes Testemunhas sobre tais questões, tendo inclusive, como se viu, rejeitado a junção de documentos sobre as questões mencionadas quer pelo Arguido, quer pela Testemunha CR, o que fere de NULIDADE a Sentença de que se recorre.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o vosso mui douto suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que, determine:
A)O reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art." 426 do C.P.P., relativamente à totalidade do processo (1); ou, caso assim não se entenda, sobre a matéria respeitante ao pedido de indemnização civil.(2), e sobre o Crime de Simulação de Crime p.p. art.° 366.° n° 1 do Código Penal.
Ou, sem conceder, caso assim não se entenda,
B)Declarar a nulidade da Sentença uma vez que o Tribunal não conheceu de matéria que devesse apreciar, nos termos do disposto no artigo 379.° n° 1 alínea c) do C.P.P. e, em consequência,
C)Julgar totalmente procedente o Pedido de Indemnização Civil face à matéria de facto provada.
D)Ou, sem conceder, caso assim não se entenda, alterar as respostas dadas à matéria de facto não provada e considerá-las provadas e, em consequência,
Revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene o Arguido por um Crime de Simulação de Crime, p.p. art.° 366.° n° 1 do Código Penal.”

1.3-Em resposta disseram quer o MºPº quer o arguido, em síntese:

A)O M.ºP.º

“Entendemos que não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, a decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art° 127° do CPP, pelo que aderimos à exaustiva e criteriosa apreciação feita pelo tribunal, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
Assim, entendemos que bem decidiu a Mma Juíza ao absolver o arguido da prática do crime de simulação de crime p. e p. pelo artigo 366° do Código Penal.
Não existe qualquer nulidade no despacho que decidiu o reenvio do pedido de indemnização civil para os meios comuns.
De facto, tal despacho mostra-se devidamente fundamentado.
Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos. ”

B)O arguido

“A)Vem a Recorrente aos presentes autos interpor recurso da douta sentença proferida pelo tribunal a quo não se conformando com o reenvio do Pedido de Indemnização Civil para os meios comuns, a absolvição do arguido da prática do crime de simulação de crime, bem assim arguir a nulidade da douta sentença porquanto no referido entendimento, o tribunal a quo não conheceu de matéria de que devesse apreciar no que concerne ao pedido de indemnização civil.
B)O Tribunal aquo andou bem na decisão ora em crise, não assistindo qualquer razão de facto nem de direito ao Recorrente conforme se explanará.

I.Do Reenvio do Pedido Civil para os Tribunais Comuns

C)A sentença ora em crise no que ao reenvio diz respeito, não foi fundamentada em "dois curtos parágrafos" como pretende fazer crer a Recorrente, mas sustentada na inviabilidade de prolação de decisão rigorosa sobre o pedido de indemnização civil atentas as diversas questões que ficaram por apurar.
D)O Tribunal a quo entendeu que apenas o recurso à acção civil poderia alcançar uma decisão justa, inalcançável em sede penal.
E)A decisão ora em crise, foi proferida com base nas diversas questões de natureza civil, mormente de apuramento de responsabilidade civil contratual que se levantaram em sede de audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos.
F)A fundamentação do Tribunal a quo não se resumiu aos tais "dois curtos parágrafos" mas sim às diversas questões que ponderadas e analisadas originaram a decisão em crise, mormente inúmeras situações do âmbito do direito civil, mormente relativas à garantia de bom pagamento de que  obrigações?; a questão de validade/vigência do contrato de arrendamento nas datas em que os cheques foram apresentados a pagamento e consequente existência da obrigação de pagar as rendas? À alegada legitimidade ou não da apresentação dos cheques (garantia) antes da interpelação do devedor para pagar, e que poderiam resultar na responsabilidade civil contratual deveriam ser resolvidas de forma mais exaustiva e justa em sede civil.
G)O Tribunal a quo explicou e fundamentou a sua decisão de forma criteriosa e sem qualquer poder arbitrário.
H)E nem se diga, conforme aduziu a Recorrente, que o facto do arguido ter confessado o crime, no caso sub judice, "simplifica e /ou evita de alguma forma e em alguma medida algumas questões complexas em qualquer processo penal".
I)A posse dos títulos de crédito por parte da demandante, e a devolução dos mesmos por indicação de extravio não originam por si só o direito a qualquer quantia a título indemnizatório.
J)O ónus de prova dos prejuízos patrimoniais decorrentes da prática do crime cabe à demandante não bastando para tal juntar como prova cheques que ademais forma colocados ao banco em datas muito posteriores à da sua emissão.
K)A jurisprudência invocada pela Recorrente não é aplicável ao caso sub judice porquanto a mesma se refere a cheques que devem ser apresentados no prazo de 8 dias após a sua emissão e não após 5, 6 e 7 meses a após a data de emissão conforme documento n° 3 do pedido de indemnização civil junto pela demandante a fls 189 dos autos).
L)Do depoimento da testemunha Sr. VM, representante legal da demandante, que tratou directamente dos contratos de arrendamento juntos aos autos, bem assim da interpelação datada de 21/10/2013 dirigida ao Recorrido, resultou claramente o desnorte sobre as questões colocadas. bem assim a confissão de que teria colocado ao banco cheques em setembro de 2013 datados de fevereiro de 2013, conforme resulta da reprodução escrita do depoimento da referida testemunha nas alegações da Recorrente.
M)Bem como resulta clara e inequivocamente através de declaração verbal da referida testemunha, a sua autoria na interpelação enviada ao Recorrente apenas 21/10/2013 a dar conhecimento das alegadas rendas vencidas a partir de Junho de 2013 e não liquidadas mas também da resolução do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 01/07/2013.
N)Conjugados os documentos juntos aos autos com as declarações prestadas pela testemunha, legal representante da Recorrente, resultaram claramente diversas dúvidas para o Tribunal a quo sobre questões de natureza civil e eventual existência ou não de responsabilidade civil contratual, culminando e bem na decisão de reenviar o pedido de indemnização civil para os meios comuns.
O)O Tribunal a quo socorreu-se da alínea a) do n° 3 do art° 82 do Código de Processo Penal que se cita: "a) surgindo questões atinentes ao pedido cível que inviabilizam uma decisão rigorosa" para decidir reenviar o pedido de indemnização civil para os meios comuns.
P)O tribunal a quo foi claro e objectivo quando sustentou e reitera-se: ""Assim, no propósito de permitir à demandante e ao demandado o recurso à acção civil, onde, de forma exaustiva e completa poderão resolver, com exactidão, as questões acima referidas, fazendo intervir, se nisso virem utilidade, os demais sujeitos da relação controvertida, logrando desta forma alcançar uma decisão justa, inalcançável nesta sede, decide-se ao abrigo do disposto no art° 82°, n° 3 do Código de processo penal remeter as partes para os tribunais Civis.)"negrito nosso).

II-Da Matéria de Facto Não Provada

Q)A Recorrente sustenta que a conduta do arguido lhe causou prejuízo patrimonial pelo menos de valor igual ao dos montantes dos cheques reiterando que o extravio dos cheques só por si clarificam o prejuízo pecuniário.
R)Os cheques a que a Recorrente faz alusão foram colocados ao banco 5,6 e 7 meses após da sua data de emissão, sem qualquer interpelação prévia ao Recorrido da alegada dívida (relativas a rendas vencidas após 01/06/2013) o que conjugado com a resolução do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 01/07/2013 não poderá por si só configurar qualquer prejuízo patrimonial para a demandante.

Ill-Do Crime de Simulação de Crime

S)Vem a Recorrente alegar que o arguido quis com a sua conduta imputar a suspeita sobre desconhecidos da apropriação ilegítima e utilização dos cheques, socorrendo-se do despacho de acusação para sustentar a sua tese.
T)A condenação ou absolvição dos arguidos não depende nem se sustenta no teor dos despachos de acusação, mas sim resulta da prova apurada em sede de audiência de julgamento.
U)O próprio Ministério Público, em sede de alegações no decurso da audiência de discussão e julgamento entendeu que o arguido, após a prova produzida, deveria ser absolvido do crime de Simulação de Crime , discordando assim com o pugnado no despacho de acusação.
V)Andou bem assim o Tribunal a quo, quando absolveu o Recorrido do crime de Simulação de Crime, considerando que não se provou que o arguido quis e previu aquando da participação do extravio dos cheques junto da autoridade policial o propósito de imputar a desconhecidos a suspeita de apropriação dos referidos cheques, atento o facto da perda dos cheques em via publica não configura nenhum ilícito.
Y)Por outro lado, a decisão ora em crise refere que o elemento objectivo do tipo de crime não se encontra preenchido, porquanto o arguido apenas se limitou a participar o extravio dos cheques, não imputando a desconhecidos nem sequer a titulo de suspeita, a prática de qualquer crime / ou ilícito disciplinar.
X)Considerou igualmente o Tribunal a quo que não se provou que o arguido tenha querido ou previsto com a sua participação à policia fazer recair sobre desconhecidos a suspeita de apropriação ilegítima dos cheques ou utilização dos mesmos, afastando assim igualmente o preenchimento do elemento subjectivo.

IV-Nulidade Da Sentença

Z)Face a todo o exposto, para o que se remete, resulta claro que a doutra sentença proferida não está ferida de qualquer tipo de nulidade, atento o facto de o tribunal a quo ter conhecido sobre todas as questões que deveria apreciar.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por falta de fundamento, e consequentemente confirmar-se e manter-se a Douta Decisão nos exactos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo.

1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido de   acompanhar as razões do seu par na 1ª instância no sentido da manutenção do decidido.
1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II- CONHECENDO

2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo  do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP[4].
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[5].
Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis  no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em  discussão para apreciação, em síntese,  o seguinte  conjunto de questões:

A)Nulidade da sentença por omissão de conhecimento do pedido cível e sua remessa para os meios comuns.
B)Não condenação pelo crime imputado de “simulação de crime”
C)Possibilidade ou não de conhecimento do pedido cível e eventual condenação no âmbito do processo penal sem reenvio para os tribunais cíveis.

2.3-A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL

2.3.1-Nulidade da sentença por omissão de conhecimento do pedido cível e sua remessa para os meios comuns.
Alega a assistente que o tribunal omitiu conhecimento sobre matéria que poderia e deveria ter conhecido e referente  às questões levantadas no pedido cível.

Na fundamentação de facto, o tribunal a quo refere:

No que concerne ao exarado no n.º 1 dos factos não provados, o Tribunal decidiu como consta por ausência de prova do efectivo prejuízo, ausência conexa com a impossibilidade de apurar em audiência criminal (em tempo útil e sem retardar excessivamente o processo penal) todos os factos relevantes para a qualificação jurídica da relação subjacente à entrega destes cheques, sua validade e vigência, e concretamente se as rendas cuja garantia de pagamento foi accionada eram devidas e por quem, circunstâncias que motivaram a remessa de demandante e demandado para os meios comuns.
Na sentença, logo no início, encontra-se a explicação já transcrita acerca das razões detalhadas dessa remessa para os meios comuns.
Na verdade, cremos que foi solução acertada. A discussão sobre a razão pela qual assim se decidiu assentava na dificuldade de ter de se ir na prova do pedido cível muito para além da questão meramente criminal.
Ponto em questão e que atravessa a mera causa criminal de um prejuízo à assistente seria ter de discutir a validade da fiança prestada, a obrigação contratual de pagamento e a validade dos cheques reportada a essa relação.
Não sendo matéria de grande complexidade, seria provável porém que o problema tivesse de chamar a juízo outros intervenientes e discutir questões de âmbito estritamente cível em matéria criminal.
Por isso, e como a final mais complementarmente assinalaremos, o tribunal não omitiu pronúncia sobre matéria que teria de conhecer, antes mais se pronunciou sobre matéria que, tendo-lhe sido embora pedido que conhecesse, entendeu fundadamente que o processo criminal não oferecia as condições bastantes  para que o pudesse fazer com rigor.
Consequentemente, não se verifica nulidade alguma.

2.3.2-Da questão da não condenação pelo crime imputado de “simulação de crime”

O tribunal  a quo considerou o seguinte:
Provado que:

No dia 19 de Fevereiro de 2013, o arguido apresentou participação na esquadra da PSP, Praça do Comércio, contra desconhecidos, afirmando que havia extraviado os referidos cheques, facto que sabia não corresponder à verdade. O arguido com a sua conduta quis, e conseguiu, impedir o pagamento da quantia titulada nesses cheques pelos banco sacado com intenção de, deste modo, alcançar benefício para si, ao impedir o débito das quantias tituladas nos cheques, na respectiva conta, benefícios que bem sabia não lhe caber.
Com a descrita conduta o arguido causou prejuízo patrimonial à denunciante, pelo menos, de valor igual ao dos montantes titulados naqueles cheques.

E Não provado que:

Com a descrita conduta o arguido causou prejuízo patrimonial à denunciante, pelo menos, de valor igual ao dos montantes titulados naqueles cheques.
Previu e quis ainda o arguido apresentar a aludida participação à autoridade policial com o propósito de imputar a desconhecidos a suspeita da apropriação ilegítima e utilização daqueles cheques.
*

Na fundamentação de facto, o tribunal a quo refere:

“(…) Ora, confrontada esta postura com o conteúdo da participação feita pelo arguido – fls. 74 – de imediato se conclui que os factos participados não incluem a imputação a terceiros (ainda que desconhecidos e sob a forma de suspeita) da prática de crime, mas somente a comunicação de extravio dos documentos.
Em conformidade, decidiu-se este facto como não provado.”

Decorre do exposto e do texto da decisão em confronto com a prova produzida:

a)A referência ao dia 19 de Fevereiro como sendo a  data da participação é lapso manifesto, devendo antes entender-se o dia 15 como a data correcta em que a participação ocorreu.
Aliás, é esta, inclusive, a data que é mencionada no facto provado em l).Tal dia da participação (15) resulta dos documentos de  participação policial a fls  74. Apesar de inócuo para a decisão da questão e ser aspecto que ninguém  contestou, entendemos que este lapso dever ser rectificado por uma questão de verdade e de maior exactidão.
b)A participação em causa refere de facto que o arguido ali mencionou apenas o extravio por si efectuado e que pretendia que a PSP os recuperasse  apenas salvaguardar a sua posição e responsabilidade  quanto à eventualidade de  alguém os poder   utilizar indevidamente.
Esta possibilidade não representa a atribuição de um crime  de furto a quem quer que fosse ou a desconhecidos nem que a utilização indevida o fosse necessariamente no sentido criminal do termo, não podendo deixar de, também, poder ser entendida como indevida no âmbito meramente contratual ou das relações de natureza meramente cambiária.
Não se revela de todo concludente que, na participação policial, o Arguido, quando comunicou o extravio dos cheques, estivesse a imputar a um indivíduo (ou a vários) ou a  desconhecidos, a culpa desse extravio.

Porém, tal conclusão entra em contradição com o facto provado no ponto 2.1 al. r) quando ali se menciona que :

"No dia 19 de Fevereiro de 2013 o Arguido apresentou participação na esquadra da P.S.P., Praça do Comércio, contra desconhecidos, afirmando que havia extraviado os referidos cheques, facto que sabia não corresponder à verdade."

Este facto não podia ser dado provado como tal, no sentido e segmento em que se refere ter sido efectuada participação contra desconhecidos , já que essa imputação não resulta do texto da fundamentação nem do sentido e alcance da  dita participação.
A única menção relevante foi o extravio na via pública e o receio do arguido em os cheques poderem ser usados indevidamente. Não atribuíu suspeita a ninguém de apropriação ilegítima nem que alguém tivesse efectuado uso indevido dos cheques (10) ditos extraviados.
Por sua vez, na declaração que fez ao banco para revogação de cheque, assinou (fls 69) documento onde a noção de extravio se reporta a caso em que o sacador desconhece o paradeiro do módulo do cheque  sobre a respectiva conta por si já sacado  e emitido, ou não. ( alª c) da legenda de fls 69, vº.)
Nesses termos, concorda-se que não tenha ficado provada a intenção do Arguido em imputar a desconhecidos o extravio dos títulos de crédito em apreço nos autos.

Esta menção expressa a desconhecidos, em sede de extravio, retira-se ter sido claramente um lapso do tribunal e que deve ser retirado do contexto dos factos provados e da fundamentação.
Não se pode pois concordar com a interpretação da assistente quando refere que “(…)o arguido, ao participar na PSP o extravio dos cheques, expressou a possibilidade de utilização indevida dos mesmos por terceiros pretendendo imputar aquele extravio a desconhecidos, desconhecidos esses que se iriam apropriar dos presentes cheques, alegadamente extraviados e porque o fez junto de um OPC, sabendo naturalmente que iria dessa forma dar início a um processo de inquérito.”

O arguido nunca imputou na participação o extravio por terceiros para que o extravio foi feito por si mesmo : “ (…) o participante  afirma que no dia , hora e local referidos extraviou os cheques mencionados em campo próprio”

“Extraviou”, na 1ª pessoa do singular, não é o mesmo que dizer “ terem sido extraviados por terceiros”. E, ademais, o facto de ter receio de alguém os poder usar indevidamente só por si não significa que o uso indevido criminalmente ilícito tivesse ocorrido.

O art.º 366.º do CP alude a denúncia de prática de crime praticado por desconhecidos ou não imputado a pessoa  determinada ou ainda à criação de suspeita da sua prática. Nenhuma prova foi feita nesse sentido, pelo que a argumentação da recorrente não procede.
Quanto à contradição no facto provado, relativa à alusão a participação contra desconhecidos, como se viu essa referência não é exacta, decorre da fundamentação que o tribunal quis dizer exactamente o contrário e a sua convicção não se sufraga  em prova alguma, pelo que parece-nos evidente tratar-se de um lapso  de escrita, provavelmente mimetizado da acusação sem qualquer consistência.

O facto provado em r)  deve ser pois dado como apenas escrito assim:

“No dia 19 de Fevereiro de 2013, o arguido apresentou participação na esquadra da PSP, Praça do Comércio afirmando que havia extraviado os referidos cheques, facto que sabia não corresponder à verdade.”

Em consequência, deve ser levado à matéria não provada que a participação policial referida em r) foi apresentada pelo arguido contra desconhecidos.
E, em derradeira conclusão, improcede pois o pedido de alteração da sentença para condenação também pelo crime de simulação de crime.

2.3.3-Possibilidade ou não de conhecimento do pedido cível e eventual condenação no âmbito do processo penal sem reenvio para os tribunais cíveis (a resposta a esta questão dependia da não prejudicialidade da resposta às anteriores).
Decorre pois das respostas anteriores que esta questão fica prejudicada, porquanto a questão do prejuízo, vital para o sucesso do recurso, não se esgota numa causa de pedir criminal nem num problema de relações cambiárias  mediatas e assenta em grande parte em questões contratuais de natureza e validade do arrendamento e da fiança que devem ser discutidas com mais rigor no âmbito civilístico onde todos os intervenientes possam  ver expostos os seus pontos de vista  sobretudo no âmbito dessas relações contratuais e de garantia cambiária, tal como avisadamente se apercebeu o tribunal recorrido.
Embora um elemento intrigante possa ser aduzido em sinal contrário desta afirmação, e que se atém a ter-se dado como provado que  o arguido pretendeu obter benefícios que“bem sabia não lhe caber “ (vide segmento final do facto provado em p), mostra-se aparentemente incompreensível ou sem aparente base alguma de prova ou de apoio argumentativo como é que o tribunal concluiu que o arguido quis obter benefícios que bem sabia não lhe caberem e, mesmo assim, remete a questão do pedido cível para os meios comuns.
Contudo, convenhamos que o arguido quis obter benefícios para si, isso não está em questão e está demonstrado. Mas já o problema de saber se esses benefícios eram ou não devidos ou  se sabia não lhe caberem é uma questão de melhor e mais correcta interpretação.
Na verdade, o tribunal declarou como provado que o arguido sabia não lhe serem devidos (não lhe caberem) , do que percebemos da leitura da decisão e da fundamentação no seu todo, com o alcance apenas de que não lhe eram devidos mas apenas  por via de uma falsa declaração de extravio.
E, tão somente, por essa via, o que não significa que não lhe fossem devidos (matéria essa a discutir em via comum civil) por via de excepção de incumprimento  cambiário.
Só neste sentido se compreende aquela afirmação, a qual poderia induzir a uma interpretação mais ampla do seu alcance, o que poderia ser um problema gerador de contradição.
O arguido agiu mal ao declarar um extravio e por isso cometeu um crime de falsificação.  Mas essa causa criminal não bastaria por si só para criar um prejuízo à assistente já que são alegadas razões de natureza obrigacional cambiária e locatícia que poderão em sede civil, se provadas forem, implicar a falta de razão da assistente para o alegado prejuízo.
Dito isto e com esta explicação,  soçobra pois o recurso.

III- DECISÃO:

3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, sem prejuízo das rectificações à matéria de facto referidas no texto da presente decisão irrelevanets porém para o fundo da questão.
3.2 - Taxa de justiça criminal a cargo da assistente em 3 UC.

Lisboa,  15 de Dezembro  de 2016

                                                          

Agostinho Torres (texto elaborado em  suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)
João Carrola                                                          
                                                                         
                       
                                         
                                                                 


1Como melhor refere Maia Gonçalves em anotação ao art. 70º do Código Penal, 14.ª edição, 2001, pag. 234 e também o Ac. RC de 17/01/1996, CJ, Ano XXI, tomo I, pag. 38. “(...) a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”.
[2]O que significa “que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art. 72.º, n.º 1 (actual art. 71.º, n.º 1), concretizadas no n.º 2 do mesmo preceito” - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 127.
[3cfr. ob. cit. p. 119
[4vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95
[5]vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e  o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de  Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda  jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.