Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
303/13.4TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
ESTATUTOS
NULIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Do confronto entre o número 2 do art.º 449.º com o n.º 8 do art.º 447.º do C.T. de 2009 resulta que ali só se prevê a nulidade das alterações dos Estatutos das Associações, ao passo que na segunda regra se coloca ao lado de tal nulidade a possibilidade de se proceder à extinção das mesmas, explicando-se tal distinção do legislador pelo facto do artigo 447.º visar, como a própria epígrafe diz, a «constituição, registo e aquisição de personalidade» das Associações, ao passo que o artigo 449.º se destina ao controle da posterior «Alteração de Estatutos».
II – O n.º 8 do art.º 447.º do C.T. de 2009 traça dois cenários distintos, referindo-se a 1.ª parte dessa regra à constituição da associação ou publicação dos seus estatutos originais ou iniciais, o que pode acarretar a extinção do organismo sindical ou patronal, ao passo que a 2.ª parte dessa norma radica-se na ilicitude ou desnecessidade de cláusulas avulsas dos estatutos, sendo a nulidade das mesmas a consequência jurídica derivada dessa desconformidade ou inutilidade legais.
III – A não notificação da associação, nos termos do n.º 5 do art.º 447.º do C. T. de 2009, traduz-se na omissão de uma formalidade essencial por parte dos serviços do Ministério do Emprego e da Economia, como implica não se mostrarem reunidos os pressupostos legais para ser feita a comunicação ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Lisboa, para efeitos deste último desencadear a ação dos n.ºs 8 do art.º 447.º ou n.º 2 do art.º 449.º.
IV – Tal notificação prévia do n.º 5 do art.º 447.º do C. T. de 2009 não se reduz a um mero formalismo de índole burocrática, sem sentido ou alcance práticos e jurídicos, mas antes visa regularizar, de forma cautelar e administrativa, situações de nulidade de cláusulas de Estatutos, evitando assim o recurso aos tribunais e, mais importante ainda, procurando sanar de uma forma expedita e com a colaboração da associação visada um vício dos seus Estatutos.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO veio, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009, instaurar, em 23/01/2013, os presentes autos de ação declarativa de nulidade, com processo especial (artigos 164.º-A e 165.º a 168.º do Código do Processo do Trabalho) contra a ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º …, …,   0000-000, Lisboa, pedindo, em síntese, que seja declarada a nulidade do ato de constituição e dos Estatutos da Ré, bem como, em consequência, a extinção da mesma.
*
Para tal alega, muito em síntese, que os estatutos da Ré foram alterados parcialmente mas uma das suas normas enferma de nulidade por violação de normas legais de natureza imperativa determinante da nulidade global do ato de constituição e dos seus estatutos.  
*
Foi ordenada a citação da Ré, o que veio a concretizar-se a fls. 12 e 13, mediante carta registada com Aviso de Receção, assinadas em 07/02/2013.
Na sequência da citação da Ré para, no prazo e sob a cominação legal contestar a ação, veio a mesma a fazê-lo, em tempo devido, e nos termos constantes de 14 e seguintes, tendo na sua contestação[1], pugnando pela improcedência da pretensão formulada pelo Ministério Público, nos seguintes moldes finais:
«Nestes termos e nos mais de direito ao caso aplicáveis que V. Excelência doutamente suprirá, deve a presente ação, nos termos em que é formulada, ser julgada totalmente improcedente, por não provada e não fundamentada na lei e, em consequência:
- Não ser declarada a nulidade do ato de constituição da aqui Ré;
- Não ser declarada a nulidade total dos seus Estatutos;
- Não ser declarada a extinção da Ré, conforme peticionado pelo Ministério Público».    
*
O Ministério Público veio apresentar a resposta de fls. 61 e seguintes, relativamente à exceção arguida pela Ré na sua contestação (não notificação da mesma para os efeitos do n.º 5 do artigo 447.º do Código do Trabalho de 2009), tendo pugnado pela sua improcedência.    
*
Foi então proferido, a fls. 72 a 75 e com data de 18/10/2013, saneador sentença que culminou na seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se procedente a presente ação e, em consequência, declara-se a nulidade do artigo 37.º n.º 2 dos Estatutos da ré e a sua extinção judicial.
Custas pela ré.
Registe, notifique e comunique para registo e publicação.”
*
Tal sentença fundou tal decisão na seguinte argumentação jurídica:
(…)
*
A Ré, inconformada com tal saneador/sentença, veio, a fls. 79 e seguintes, interpor recurso de Apelação, que foi admitido a fls. 104 dos autos, como Apelação, a subir, de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
A Apelante apresentou, a fls. 81 e seguintes, alegações de recurso e formulou, em jeito de conclusões, os Pontos 20 e seguintes:
(…)
O Ministério Público, notificado de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal, tendo para o efeito apresentado as contra-alegações de fls. 93 e seguintes, aí tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

A factualidade com relevância para o julgamento do litígio dos autos que foi dada como provada pelo tribunal da 1.ª instância é a seguinte:

1. Em assembleia geral realizada em 26.09.2012 a Ré procedeu à alteração parcial dos seus Estatutos, designadamente o seu artigo 37.º n.º 2.
2. A seu requerimento, tais estatutos foram objeto de registo no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social em 26.12.2012, sob o n.º 66, fls. 114 do livro 2 e foram publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1/13 de 8 de janeiro de 2012, in http.gep.mtss.gov.pt. 
3. Após prévia apreciação das alterações aos estatutos da Ré, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social deu das mesmas conhecimento ao Ministério Público através de Ofício que deu entrada nos Serviços do Ministério Público no tribunal do Trabalho de Lisboa em 08.01.2013.
4. A Ré foi notificada em 05.07.2012 para, querendo, promover a alteração das normas estatutárias contrárias às disposições legais indicadas, no prazo de 180 dias.
5. Decorrido tal prazo, a Ré não efetuou qualquer alteração aos estatutos (eliminado).

NOTA: Este Tribunal da Relação de Lisboa já fez refletir na Factualidade dada como Assente a sua decisão oficiosa, tomada ao abrigo do número 1 do artigo 662.º do NCPC, no sentido da eliminação do último Ponto de Facto, com o n.º 5).  
           
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 23/01/2013, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e sucessivamente em vigor desde 31/03/2009 mas este último regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.
Importa ponderar a aplicação do regime resultante do Novo Código de Processo Civil à fase de interposição e julgamento deste recurso, dado a sentença impugnada ter sido proferida após a entrada em vigor de tal diploma legal (1/9/2013) e o artigo 5.º do diploma legal que aprovou a lei processual civil em vigor determinar a aplicação do correspondente normativo às ações declarativas pendentes, não cabendo a situação que se vive nos autos nos números 2 a 6 da referida disposição[2], nem no número 2 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (procedimentos cautelares), não se aplicando o número 1 desta última disposição a esta Apelação, dado a respetiva ação ter dado entrada em juízo em 03/07/2012[3]
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho, da reforma do processo civil de 2007 e do NCPC como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2003, dado o Código do Trabalho de 2009 só ter entrado em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação.  

B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Realce-se que a Recorrente não impugnou a Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, o Ministério Público requerido a ampliação subsidiária do objeto do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C – OBJETO DO RECURSO

A Ré impugna a sentença dos autos por várias ordens de razões, que se podem sintetizar da seguinte forma:
a) Interpretação e natureza do artigo 37.º;  
b) Nulidade da cláusula dos Estatutos e não extinção da Ré;
c) Falta de notificação prévia;
   
D – REGIME LEGAL APLICÁVEL

O regime legal aplicável ao litígio dos autos encontra-se vertido, fundamentalmente, nos artigos 447.º, 449.º e 450.º do Código do Trabalho de 2009, que possuem o seguinte teor:

Artigo 447.º
Constituição, registo e aquisição de personalidade
1 - A associação sindical ou a associação de empregadores constitui-se e aprova os respetivos estatutos mediante deliberação da assembleia constituinte, que pode ser assembleia de representantes de associados, e adquire personalidade jurídica pelo registo daqueles por parte do serviço competente do ministério responsável pela área laboral.
2 - O requerimento do registo de associação sindical ou associação de empregadores, assinado pelo presidente da mesa da assembleia constituinte, deve ser acompanhado dos estatutos aprovados e de certidão ou cópia certificada da ata da assembleia, tendo em anexo as folhas de registo de presenças e respetivos termos de abertura e encerramento.
3 - Os estatutos de associação sindical ou associação de empregadores são entregues em documento eletrónico, nos termos de portaria do ministro responsável pela área laboral.
4 - O serviço competente do ministério responsável pela área laboral regista os estatutos, após o que:
a) Publica os estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego, nos 30 dias posteriores à sua receção;
b) Remete ao magistrado do Ministério Público no tribunal competente certidão ou cópia certificada da ata da assembleia constituinte, dos estatutos e do pedido de registo, acompanhados de apreciação fundamentada sobre a legalidade da constituição da associação e dos estatutos, nos oito dias posteriores à publicação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
5 - Caso os estatutos contenham disposições contrárias à lei, o serviço competente, no prazo previsto na alínea b) do número anterior, notifica a associação para que esta altere as mesmas, no prazo de 180 dias.
6 - Caso não haja alteração no prazo referido no número anterior, o serviço competente procede de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 4.
7 - A associação sindical ou a associação de empregadores só pode iniciar o exercício das respetivas atividades após a publicação dos estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego, ou 30 dias após o registo.
8 - Caso a constituição ou os estatutos iniciais da associação sejam desconformes com a lei imperativa, o magistrado do Ministério Público no tribunal competente promove, no prazo de 15 dias a contar da receção dos documentos a que se refere a alínea b) do n.º 4, a declaração judicial de extinção da associação ou, no caso de norma dos estatutos, a sua nulidade, se a matéria for regulada por lei imperativa ou se a regulamentação da mesma não for essencial ao funcionamento da associação.
9 - Na situação referida no número anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral, em caso de extinção da associação, segue o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 456.º ou, em caso de nulidade de norma dos estatutos, promove a publicação imediata de aviso no Boletim do Trabalho e Emprego.
Artigo 449.º
Alteração de estatutos
1 - A alteração de estatutos fica sujeita a registo e ao disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 447.º, com as necessárias adaptações.
2 - Caso as alterações dos estatutos da associação sejam desconformes com lei imperativa, o magistrado do Ministério Público no tribunal competente promove, no prazo de 15 dias a contar da receção dessas alterações, a declaração judicial de nulidade das mesmas, mantendo-se em vigor os estatutos existentes à data do pedido de registo.
3 - Na situação referida no número anterior, é aplicado o n.º 9 do artigo 447.º
4 - As alterações a que se refere o n.º 1 só produzem efeitos em relação a terceiros após publicação no Boletim do Trabalho e Emprego ou, na falta desta, 30 dias após o registo.

Artigo 450.º
Conteúdo dos estatutos
1 - Com os limites dos artigos seguintes, os estatutos de associação sindical ou associação de empregadores devem regular:
a) A denominação, a localidade da sede, o âmbito subjetivo, objetivo e geográfico, os fins e a duração, quando a associação não se constitua por período indeterminado;
b) Os respetivos órgãos, entre os quais deve haver uma assembleia geral ou uma assembleia de representantes de associados, um órgão colegial de direção e um conselho fiscal, bem como o número de membros e o funcionamento daqueles;
c) A extinção e consequente liquidação da associação, bem como o destino do respetivo património.
2 - Os estatutos de associação sindical devem ainda regular o exercício do direito de tendência.
3 - A denominação deve identificar o âmbito subjetivo, objetivo e geográfico da associação e não pode confundir-se com a de outra associação existente.
4 - No caso de os estatutos preverem a existência de uma assembleia de representantes de associados, esta exerce os direitos previstos na lei para a assembleia geral, cabendo aos estatutos indicar, caso haja mais de uma assembleia de representantes de associados, a que exerce os referidos direitos.
5 - Em caso de extinção judicial ou voluntária de associação sindical ou associação de empregadores, os respetivos bens não podem ser distribuídos pelos associados, exceto quando estes sejam associações.

Será, portanto, do cruzamento entre tais regras legais e os factos dados como assentes e os documentos que os complementam que poderemos proceder ao julgamento do objeto da presente Apelação.

E – INTERPRETAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA CLAÚSULA

Chegados aqui, procedamos à análise da cláusula, no sentido da sua licitude ou ilicitude, bem como à sua natureza jurídica meramente instrumental e não essencial, como defende a Apelante.
Tal artigo 35.º dos Estatutos da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES, que se mostra inserido no CAPÍTULO IX, denominado “Da dissolução e liquidação” possui a seguinte redação:

Artigo 37.º
1- A associação dissolve-se por deliberação da assembleia geral que envolva o voto favorável de três quartas partes da totalidade do número de associados.
2- A assembleia geral que deliberar a dissolução decidirá também o destino a dar aos bens da associação, que não podem ser distribuídos pelos associados, exceto quando estes sejam associações.

Diremos, antes de mais, que o artigo 450.º, número 1, alínea c) do Código do Trabalho de 2009 aponta em sentido inverso, ao determinar o seguinte: «1- Com os limites dos artigos seguintes, os estatutos de associação sindical ou de empregadores devem regular: (…) c) A extinção e consequente liquidação da associação, bem como o destino do respetivo património».
Face ao teor dessa regra, encontramo-nos perante matéria que não é meramente acessória ou instrumental mas essencial à validade dos Estatutos da Ré, não se acompanhando, nessa medida, a posição da recorrente no que toca a essa problemática (sendo certo que o carácter supérfluo da cláusula também conduziria à sua nulidade, nos termos da parte final do n.º 8 do artigo 447.º, caso fosse aqui aplicável).   
Impõe-se, contudo, realçar que a desconformidade com as normas imperativas conjugadas dos artigos 440.º e 442.º do C.T. de 2009 não é total mas somente parcial, afetando unicamente o excerto final da dita cláusula: «…,exceto quando estes sejam associações.»
Tal ilegalidade nasce, curiosamente, da circunstância dos órgãos sociais da recorrente terem transcrito, no derradeiro excerto do n.º 2 do artigo 37.º, a parte final do n.º 5 do artigo 450.º do Código do Trabalho de 2009, sem atentarem devidamente na contradição interpretativa que iam gerar, já para não falar do desfasamento formal que, em termos legais, se verifica.    
Afigura-se-nos importante, nesta matéria, enquadrar devida e juridicamente o artigo 37.º dos Estatutos da Ré, começando por frisar o óbvio e referir que a mesma se refere apenas à dissolução e liquidação voluntárias da dita Associação e não à sua constituição ou princípio de filiação, que se acham antes consagrados no artigo 6.º[4].
Temos ainda para nós que não se pode interpretar o número 2 do artigo 37.º, de forma isolada e sem o conjugar com os restantes artigos dos Estatutos (v. g., com o transcrito artigo 6.º), ou seja, não se pode assacar aquela cláusula intenções e sentidos que, manifestamente, não cabem dentro da sua letra e espírito.
Dito de outra maneira, a porta de entrada para a ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES acha-se colocada no artigo 6.º dos Estatutos, só a podendo franquear pessoas individuais ou coletivas que se dediquem à atividade económica da suinicultura, o que exclui, naturalmente, associações de empregadores como a própria Ré.
Ora, tal proibição de inscrição a outras entidades que não as acima referidas – pessoas singulares e coletivas – retira, desde logo, qualquer conteúdo útil à parte final do número 2 do artigo 37.º, pois, não podendo ser admitidas associações patronais como associados da Apelante, também nunca poderá haver lugar à distribuição do património a liquidar da Ré pelas mesmas.
Estamos, nessa medida, perante uma desconformidade parcial e meramente formal do número 2 do artigo 35.º com o disposto nos artigos 440.º e 442.º do Código do Trabalho de 2009, que se reconduz, numa palavra e como já antes realçámos, a uma reprodução literal e cega do número 5 do artigo 450.º do mesmo diploma legal, que também deixámos acima reproduzido.
Tal nulidade parcial pode desaparecer do mundo do direito através da singela eliminação da última frase do n.º 2 do artigo 37.º dos Estatutos da recorrente (cfr. art.º 292.º do Código Civil).
Esse vício formal, nas circunstâncias e condições concretas descritas, não justifica minimamente a extinção jurídica da Ré, que, sendo a medida mais gravosa das que se acham previstas no regime legal aplicável, não foi certamente pensada para um caso menor como o dos autos.
Sustentar tal extinção, num quadro como o analisado, viola manifestamente os princípios constitucionais da adequação e proporcionalidade das sanções à gravidade e consequências das infrações ou vícios cometidos pelos particulares, que decorrem da consagração de um sistema jurídico fundado num Estado de Direito.          

F – PRETENSÃO FORMULADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Importa atentar na circunstância do Ministério Público ter proposto esta ação ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 449.º do Código do Trabalho de 2009 que, muito embora faça uma remissão para os números 2 a 6 e 9 do artigo 447.º do mesmo diploma legal, tem, no seu número 2, uma norma paralela à do número 8 daquela outra disposição, assim se explicando que não haja no artigo 449.º qualquer menção a esse número 8 (bem como, compreensivelmente, aos números 1 e 7).
Ora, do confronto entre o número 2 do artigo 449.º com o número 8 do artigo 447.º resulta uma diferença de peso, que importa assinalar: ali só se prevê a nulidade das alterações dos Estatutos das Associações, ao passo que na segunda regra se coloca ao lado de tal nulidade a possibilidade de se proceder à extinção das mesmas.
Tal distinção do legislador explica-se pelo facto do artigo 447.º visar, como a própria epígrafe diz, a «constituição, registo e aquisição de personalidade» das Associações, ao passo que o artigo 449.º se destina ao controle da posterior «Alteração de Estatutos», muito embora nos pareça haver pontos de contacto entre uma e outra disposição legal.    
Ora, a ser assim, mal se compreende que o Ministério Público tenha acabado por pedir igualmente, ao abrigo do n.º 2 do artigo 449.º do Código do Trabalho, a extinção da Ré, quando tal não se mostra consentido por essa norma substantiva.                 

G – INTERPRETAÇÃO DO NÚMERO 8 DO ARTIGO 447.º

Mesmo que se sustente que é o número 8 do artigo 447.º acima transcrito o mecanismo adjetivo aqui aplicável, afigura-se-nos crucial fazer uma cuidada e rigorosa interpretação jurídica de tal norma, dado nos parecer que dela, ao contrário do que foi reconhecido na sentença impugnada, não decorre a extinção da Ré.
Se lemos bem tal regra complexa, esta decompõe-se em duas partes, a saber:
1) Caso a constituição ou os estatutos iniciais da associação sejam desconformes com a lei imperativa, o magistrado do Ministério Público no tribunal competente promove, no prazo de 15 dias a contar da receção dos documentos a que se refere a alínea b) do n.º 4, a declaração judicial de extinção da associação;
2) Ou, no caso de norma dos estatutos, a sua nulidade, se a matéria for regulada por lei imperativa ou se a regulamentação da mesma não for essencial ao funcionamento da associação.
Um cenário é o que se mostra previsto na primeira parte da regra jurídica transcrita – constituição da associação ou publicação dos seus estatutos originais ou iniciais – e que pode implicar a extinção do organismo sindical ou patronal e outro prende-se com uma outra situação, coincidente com a que está em julgamento nos autos, em que somente estão em causa cláusulas avulsas de estatutos (ou, pelo menos, a sua desconformidade superveniente, por força de entrada de um novo regime legal substantivo, conforme aconteceu com o Código do Trabalho de 2009 e com a norma de direito transitório contida no artigo 8.º da Lei n.º 7/2009, de 12/2[5]), sendo a nulidade das mesmas a consequência jurídica derivada da ilicitude ali prevista.
Tal interpretação do número 8 do artigo 447.º do atual Código do Trabalho, que não é contrariada pelos restantes números da mesma disposição legal e que nos parece ser a mais razoável e proporcional aos interesses em jogo nos dois cenários descritos, implica, desde logo, o afastamento da extinção da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES como efeito jurídico necessário da nulidade parcial do número do artigo 37.º dos seus Estatutos, ao contrário do peticionado pelo Ministério Público e do declarado na sentença do tribunal da 1.ª instância.        

H – NOTIFICAÇÃO PRÉVIA À APELANTE

A recorrente sustenta que não foi previamente notificada para alterar o referido artigo 37.º dos Estatutos, considerando tal omissão como impeditiva do procedimento judicial levado a cabo pelo Ministério Público e que conduziu à declaração da sua extinção[6]
Analisando esta questão e tendo em atenção os factos dados como assentes e os documentos que os suportam e complementam, diremos, desde logo, que a notificação que se mostra assente no Ponto 4. (A Ré foi notificada em 05.07.2012 para, querendo, promover a alteração das normas estatutárias contrárias às disposições legais indicadas, no prazo de 180 dias) e junta a fls. 63 e seguintes não se pode referir à alteração estatutária que está em causa nos autos mas sim aquela que foi efetuada no âmbito da Assembleia Geral Extraordinária da recorrente realizada no dia 18/04/2012, conforme Documento n.º 8, junto a fls. 46 (Cópia de BTE n.º 24, de 29/6/2012) e onde não se procedeu a qualquer modificação do artigo 37.º aqui em discussão.
Tal resulta ainda do confronto entre a referida notificação, relativa ao processo n.º 2.5.14.405.2012.8, e a comunicação de fls. 9, feita ao Ministério Público e referente também ao processo n.º 2.5.14.797.2012.4, bem como, finalmente, do próprio teor deste último documento, onde se faz menção, não somente, aquela outra modificação de Estatutos como a uma alteração estatutária publicada no BTE 1/13, de 08/1 que, contudo, não foi objeto, ao contrário da primeira, de notificação prévia por parte dos serviços competentes do Ministério da Economia e do Emprego, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 447.º do Código do Trabalho de 2009.
Ora, como já se referiu, a primeira alteração estatutária, provocada pela Divisão de Organizações de Trabalho da Direção de Serviços da Regulamentação Coletiva e Organizações de Trabalho, por força do artigo 8.º da Lei n.º 7/2009, de 12/2, não incluía o artigo 37.º, que só surge alterado de forma ilícita na última alteração publicada no BTE n.º 1/13, inexistindo no articulado do Ministério Público qualquer outro fundamento para a pretendida nulidade dos Estatutos e extinção da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES.
Sendo assim, não somente existiu a omissão de uma formalidade essencial por parte dos referidos serviços do Ministério do Emprego e da Economia, como não se mostravam reunidos os pressupostos legais para ser feita a comunicação de fls. 9 ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Lisboa e para este último desencadear a presente ação.
Importa talvez lembrar que a notificação em apreço, que se mostra prevista no n.º 5 do artigo 447.º do Código do Trabalho de 2009, não se reduz a um mero formalismo de índole burocrática, sem sentido ou alcance práticos e jurídicos, mas antes visa regularizar, de forma cautelar e administrativa, situações como a dos autos, evitando assim o recurso aos tribunais e, mais importante ainda, procurando sanar de uma forma expedita e com a colaboração da Associação Patronal visada, que está constituída desde 1977, um vício como o apontado aos seus Estatutos.
Ora, a ser assim, também não parece corresponder à realidade, conforme ressalta dos factos e documentos juntos aos autos, que a Ré não tenha dado resposta à notificação de 5/07/2012, pois tudo indica que a mesma se terá traduzido na alteração aos Estatutos registada em 26/12/2012 (logo, ainda dentro do prazo de 180 dias do n.º 5 do artigo 447.º do Código do Trabalho de 2009).
Sendo assim, nos termos do n.º1 do artigo 662.º do Novo Código de Processo Civil, decide-se eliminar o Ponto 5. da Factualidade dada como Provada, por não se mostrar suficientemente demonstrado pelos documentos juntos aos autos.
Nesta outra perspetiva, impõe-se dar também razão à recorrente nesta outra vertente do recurso de Apelação por si interposto.    

I – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Analisadas as diversas questões suscitadas pela recorrente nas suas alegações de recurso, importa retirar as consequências jurídicas da nossa análise, atendendo, por um lado, às pretensões formuladas pelo Ministério Público, por outro, ao decidido na sentença impugnada e, finalmente, ao requerido pela ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES no final do seu requerimento recursório.
Ora, afigura-se-nos que os efeitos jurídicos da argumentação desenvolvida na Fundamentação deste Aresto passam, inevitavelmente, pela revogação da decisão judicial recorrida e pela absolvição da Ré das pretensões contra ela deduzidas pelo Ministério Público, pois só assim se leva às últimas consequências a falta de notificação prévia da aqui Apelante para regularizar a desconformidade assinalada do número 2 do artigo 37.º dos seus Estatutos, que constitui pressuposto necessário e obrigatório da propositura da ação do n.º 2 do artigo 449.º do Código do Trabalho de 2009, assim se indo igualmente ao encontro da Ré no que toca à forma como conclui a sua contestação e às duas primeiras alíneas da parte final das suas alegações, não havendo lugar ao cumprimento do n.º 9 do artigo 447.º, por remissão do n.º 3 do art.º 449.º, por, de acordo com a leitura que fazemos do preceito, tal só acontecer após ser proferida a competente sentença judicial, em que seja declarada a nulidade da cláusula ou cláusulas (al. c) das alegações).                 
  
IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de Apelação interposto por ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SUINICULTORES, com a revogação da decisão recorrida e a inerente absolvição da Ré das pretensões contra ela formuladas pelo Ministério Público.

Sem custas, quer no quadro da ação, como do presente recurso de Apelação – artigos 446.º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de Março de 2014     

José Eduardo Sapateiro
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Que denominou de “Alegações”.
[2] O artigo 5.º da Lei n.º 21/2003, de 26/06, que aprovou o Novo Código de Processo Civil estatui, em termos de direito transitório, o seguinte:
Artigo 5.º
Ação declarativa
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.
2 - As normas relativas à determinação da forma do processo declarativo só são aplicáveis às ações instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
3 - As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
4 - Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
5 - Nas ações pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sida admitida a intervenção do tribunal coletivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão.
6 - Até à entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário, competem ao juiz de círculo a preparação e o julgamento das ações de valor superior à alçada do tribunal da Relação instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, salvo nos casos em que o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, excluía a intervenção do tribunal coletivo.   
[3] O artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, possui a seguinte redação:
Artigo 7.º
Outras disposições
1 - Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
2 - O Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, não é aplicável aos procedimentos cautelares instaurados antes da sua entrada em vigor.
[4]                     Artigo 6.º
1- Têm direito a pertencer à associação todas as entidades singulares ou coletivas que exerçam, ou se proponham exercer, a atividade suinícola em qualquer das suas modalidades.
2 - A atribuição do título de sócio honorário será efetuada nos termos do artigo 20.º do presente estatuto.
3 - As entidades coletivas serão representadas por uma só pessoa, por elas indicada, habilitada com amplos poderes de representação.
4 - Os associados singulares, quando devidamente comprovada a impossibilidade da sua intervenção pessoal, podem delegar apenas num familiar, ou noutro associado no pleno uso dos seus direitos, a sua representação.
5 - Em qualquer dos casos a indicação será feita por simples carta dirigida aos presidentes da assembleia geral ou da direção.
[5] Afigura-se-nos que o regime do referido artigo 8.º da Lei n.º 7/2009, aponta também no mesmo sentido, referindo-se o número 6 de tal disposição a processos judiciais já em curso à data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, quer com vista à extinção da associação, quer com vista à mera nulidade de cláusula ou cláusulas dos seus Estatutos.   
[6] Importa dizer que foi sempre essa a posição por si manifestada nos autos (contestação e alegações).
Decisão Texto Integral: