Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PAULA SÁ FERNANDES | ||
| Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DEBILIDADE MENTAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/17/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1. A garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art.º542 do CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b), do seu nº2. Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má-fé.
2. As declarações confessórias do autor deveriam ser desconsideradas, ao invés de serem utilizadas pelo tribunal recorrido para o condenar como litigante de má -fé. Na verdade, resultou provado, que o autor sofre de uma debilidade emocional muito grande, sofre de atraso mental moderado e apresenta um QI de sessenta e tal quando o QI normal é de noventa ou mais e, por isso, não se consegue explicar bem, sendo normal apresentar-se muito confuso em Tribunal, tendo o próprio tribunal recorrido constatado que o autor sofre de importantes limitações ao nível da compreensão mental. 3. Face às condições de debilidade mental do autor concluímos que na sua versão dos acontecimentos relatada ao tribunal, o autor não agiu com qualquer espécie dolo ou sequer com negligência grosseira como é exigido para condenação por má-fé. 4. Se é certo que o autor não conseguiu fazer a prova do seu despedimento, tal não significa que, no seu entender, tenha falta à verdade dos factos tal como eles foram por si representados, em virtude das suas limitações evidentes, nomeadamente, pelo facto não saber ler, nem escrever e ter um atraso mental e um coeficiente de inteligência bastante abaixo da média, razões suficientes para não se condenar o autor como litigante de má –fé. (Elaborada pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
AA, (…), intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra: BB, Ld.ª, (…): - a declaração de ilicitude do despedimento; pessoa, sentindo-se, também, enganado por aquele. Na sequência do despedimento foi diagnosticado ao autor "perturbação depressiva" e " ansiedade generalizada reactiva", tendo-lhe sido prescrita medicação. Conclui que foi despedido ilicitamente assistindo-lhe o direito à legal indemnização, bem como ao pagamento das retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado. Também, deve ser ressarcido por danos não patrimoniais. Reclama, ainda, o direito ao pagamento do trabalho suplementar por si prestado na vigência da relação laboral. A ré na contestação impugna parte dos factos invocados, nomeadamente, no que respeita às concretas funções do autor e ao horário do mesmo, ainda, impugnou os factos relativos ao invocado despedimento afirmando que o autor, quando confrontado com o facto de levar peixe da ré, e após admitir tal facto acabaria por assinar uma carta de despedimento. Impugnou, igualmente, o facto do autor não saber ler nem escrever e ter prestado trabalho suplementar bem como os invocados danos não patrimoniais. Sustenta que o autor ao invocar o seu despedimento ilícito invoca factos que sabe não corresponder à verdade, sendo que a ré com a pendência da presente acção está a ser penalizada já que lhe foi cortado um seguro à facturação e viu suspenso um processo de empréstimo numa instituição bancária até estar o processo resolvido. Afirma, que o autor litiga de má-fé. Conclui, pugnando pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição dos pedidos e pela condenação do autor em multa e indemnização por litigância de má-fé. Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto: a) julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados: b) julgo procedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, condenando o autor, a esse título, na multa de 3 UC e em indemnização a favor da ré consistente no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado, incluindo os honorários dos mandatários e a fixar depois de ouvidas as partes nos termos do disposto no artigo 457°, n°. 2 do CPC. O autor, inconformado, interpôs recurso, tendo para o efeito impugnado a matéria de facto relativa aos factos dados como provados nos n.ºs15 a 30 da matéria de facto dada como provada e que sustentaram a condenação como litigante de má-fé do autor, que deve ser revogada. Nas contra-alegações a ré pugna pela confirmação do decidido Colhidos os vistos legais Cumpre apreciar e decidir
I. Como resulta das conclusões do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, importa apreciar a impugnação à matéria de facto deduzida pelo autor e a invocada decisão sobre a litigância de má-fé.
II - Fundamentos de facto Foram considerados provados os seguintes factos: (…) (…) Vejamos então Nos termos do art.542º, n.º 2 alíneas a), b), c) e d) do CPC, aplicável por força do art.1º, n.º 2, alínea a) do CPC, considera-se litigante de má-fé aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. A litigância de má-fé constitui, pois, o reverso dos deveres de cooperação, probidade e de boa-fé processual impostos às partes. Na revisão do CPC de 1995, o legislador ampliou o âmbito de aplicação do referido instituto, assumindo que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má- fé, enquanto até então só uma conduta dolosa dava lugar a uma condenação dessa natureza. Assim, as partes têm o dever de não formular pedidos injustos, não deduzir oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o intuito de entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o andamento do processo e não requerer diligências meramente dilatórias têm o dever de proceder de boa- fé. No caso, concordamos com o recorrente quando refere que as declarações confessórias do autor deveriam ser desconsideradas, ao invés de serem utilizadas pelo tribunal recorrido para o condenar como litigante de má -fé. Na verdade, resultou provado, face ao depoimento da testemunha RB, médico psiquiatra do autor, que este sofre de uma debilidade emocional muito grande, sofre de atraso mental moderado e apresenta um QI de sessenta e tal quando o QI normal é de noventa ou mais e, por isso, não se consegue explicar bem, sendo normal apresentar-se muito confuso em Tribunal, tendo ainda referido que o autor assinou um documento que não sabia que era o seu despedimento, pensava que era o pagamento das férias e outros créditos. Aliás, como resulta da inquirição ao autor, o próprio tribunal recorrido constatou que este sofre de importantes limitações ao nível da compreensão mental. Assim, face às condições de debilidade mental do autor reconhecidas em audiência de julgamento, concluímos que na sua versão dos acontecimentos relatada ao tribunal, e transmitida ao seu advogado, o autor não agiu com qualquer espécie dolo ou sequer com negligência grosseira como é exigido para condenação por má-fé. Se é certo que o autor não conseguiu fazer a prova do seu despedimento, tal não significa que, no seu entender, tenha falta à verdade dos factos tal como eles foram por si representados, em virtude das suas limitações evidentes, nomeadamente, pelo facto não saber ler, nem escrever e ter um atraso mental e um coeficiente de inteligência bastante abaixo da média, razões suficientes para não se condenar o autor nestes autos como litigante de má -fé, devendo dela ser absolvido. IV. Decisão Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo autor e revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o autor da condenação como litigante de má-fé, que consistiu no pagamento de multa de 3 UC e em indemnização a favor da ré consistente no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado, incluindo os honorários dos mandatários e a fixar depois de ouvidas as partes nos termos do disposto no artigo 457°, n.º 2 do CPC. Custas pela recorrida Lisboa, 17 de Dezembro de 2014. Paula Sá Fernandes Filomena Manso Duro Mateus Cardoso | ||
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