Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
827/08.5TVLSB.L2-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
FACTOS INSTRUMENTAIS
INDEMNIZAÇÃO PELA OCUPAÇÃO
MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: 1. A negação, na contestação, da ocupação ilícita de um imóvel (alegada na petição inicial como fundamento de pedido de restituição e de indemnização por danos daí decorrentes), com a referência de que se tem a residência permanente noutro local, corresponde a defesa por impugnação.
2. É possível adquirir para a acção factos que correspondam à concretização do que foi alegado na petição inicial, dado o (manifestado) interesse da A. nessa matéria e assegurado o exercício do contraditório, sendo, ademais, permitido responder de forma explicativa a pontos de matéria de facto, desde que a resposta se contenha no que foi oportunamente alegado.
3. O art. 1045º do C. Civil aplica-se, como decorre da sua letra, apenas ao locatário, o que se inscreve na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada.
4. A fixação de uma indemnização pela ocupação ilícita de um imóvel não tem de assentar – na determinação do respectivo valor locativo como factor de aferição dessa indemnização – em prova pericial.
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1
"“A”, S.A. – Compañia Nacional de Seguros, com sede em Madrid e agência geral na Rua ..., n.º ..., 4.º esquerdo, em Lisboa, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra “B” e “C”, residentes na Rua ..., n.º 2, 6.º esquerdo, em Lisboa, pedindo:
- a condenação dos Réus a reconhecer a Autora como legítima proprietária do locado ocupado pelos Réus;
- a condenação dos Réus a restituir à Autora o locado que ocupam, entregando-o livre de pessoas e de bens, e
- a condenação dos Réus a pagar solidariamente à Autora, a título de indemnização pelos danos causados com a sua conduta, o valor correspondente às rendas que estava impossibilitada de obter até efectiva entrega do locado e cujo valor locativo é de, pelo menos, € 750,00 mensais.
Requereu, ainda, a condenação dos RR. em sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829º-A do C. Civil, em valor diário não inferior a €50,00, se o locado não lhe fosse entregue após a ordem do Tribunal.

Alegou a A., em resumo, que:
É a legítima proprietária e possuidora do prédio urbano sito no n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, descrito na 4.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., do livro B-7A, por o ter adquirido, por compra, aos anteriores proprietários: “D” e mulher, “E” e “F” e mulher, “G”.
Os Réus ocupavam o 6.º andar esquerdo desse prédio, até àquela data (a petição deu entrada em 26-03-2008), sem qualquer título que o justificasse, fazendo-o, pois, abusivamente e de má fé, contra a vontade da A.
O prédio situa-se numa zona central de Lisboa, tendo o 6º esquerdo ocupado, pelo menos, 170 m2 de área útil e sendo composta de 6 assoalhadas, cozinha e duas casa de banho;
O valor locativo do 6.º esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, é de €750,00.

Os Réus foram citados editalmente e, dado cumprimento ao art. 15º do CPC e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente (fls. 89-102).

A Ré “C” interpôs recurso extraordinário de revisão, que foi julgado procedente, com anulação de todo o processado da acção principal subsequente à petição inicial e apenas referente à Requerente [aqui Ré], mantendo-se válidos todos os actos praticados relativamente ao Réu “B”.

Citada, na Rua dos ..., ..., 1º Dtº, Porto (fls. 112), a Ré apresentou contestação, nos termos constantes de fls. 113-119, referindo, em síntese, que a A. não diz quando terá sido o início ou quando terá cessado a alegada ocupação, não vendo fundamento para a acção, pois nunca teve a sua residência pessoal naquela morada. A sua residência, permanente, sempre foi na Rua dos ..., ..., no Porto.
Concluiu pela absolvição do pedido.

A A. apresentou réplica, conforme consta de fls. 210-214.
Começou por considerar que houve defesa por excepção e, depois, debruçou-se sobre a contestação da Ré, reafirmando, em termos que aqui se dão por reproduzidos, a ocupação, por esta, do prédio, juntamente com o 1º R., desde, pelo menos, 13-05-2007 até 13-07-2009, data em que foi entregue à A. através do próprio mandatário da Ré.
A A. impugnou os documentos juntos pela Ré com a contestação e requereu a condenação desta, como litigante de má fé, em multa não inferior a €1.000,00.

A Ré “C” apresentou requerimento, a fls. 237-241, no qual, considerando que se defendeu apenas por impugnação, pediu o desentranhamento da réplica.

Foi proferido despacho saneador tabelar e organizados os factos assentes e a base instrutória.
A A. veio reclamar da elaboração da base instrutória, considerando que dela deveria constar a referência ao período de ocupação por parte dos RR., conforme o alegado na réplica (fls. 248-249).
A R. opôs-se à reclamação, considerando estar vedado ao Tribunal seleccionar factos plasmados em articulado não permitido nos termos legais (fls. 251-252).
A reclamação foi procedente e aditado um novo quesito (cf. despacho de fls. 254).

Realizou-se, em 22-02-2011, audiência de discussão e julgamento, no início da qual se considerou o rol de testemunhas da Ré extemporâneo, razão por que não foi admitido, como não o foi um documento junto pela mesma Ré.
Este despacho foi objecto de recurso, tendo, nesta Relação, sido proferida decisão (fls. 317-326), na qual se revogou o despacho impugnado, admitindo-se o rol de testemunhas oferecido pela Recorrente/Ré
Ao mesmo tempo, declararam-se inutilizados todos os actos praticados após o proferimento da decisão revogada e dela dependentes, designadamente a audiência final.
Da sentença que, na sequência da realização da audiência, havia sido proferida, também coube recurso, por parte da Ré, de cujo objecto não se chegou a conhecer dada a anulação operada por via da decisão do recurso relativo à extemporaneidade do rol de testemunhas (fls. 333-334).
Teve, de novo, lugar a audiência de julgamento, no decurso da qual se julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de restituição do imóvel, por se verificar que a A. já está na posse do mesmo desde Julho de 2009 (fls. 842-843).
Foi, após a produção da prova e decisão sobre a matéria de facto, proferida sentença, na qual se decidiu:
- Condenar a Ré a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o 6.º andar esquerdo do prédio sito na Rua ..., n.º 2, em Lisboa.
- Condenar a Ré a pagar à A. a quantia de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros) a título de indemnização.
- Condenar a Ré como litigante de má-fé na multa de 3UC.

Inconformada com esta decisão, dela recorreu a ré, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
(…)

Contra-alegou a A., concluindo o seguinte:
(…)
*
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assumem-se, neste caso, como questões centrais a analisar as de saber se deve ser eliminado o quesito aditado aquando da reclamação da base instrutória; se deve ser alterada a matéria de facto, conforme o propugnado pela Apelante; no caso de se entender que deve ser atribuída uma indemnização, que montante será o adequado e se deve (ou não, como se defende no recurso) subsistir a condenação da Ré/Apelante como litigante de má fé.
*
2
Na sentença recorrida, deram-se por provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano sito no n.º2 da Rua ..., em Lisboa, está descrito na 4.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito a favor da autora ““A” – Companhia Nacional de Seguros, S.A.” (alínea A) da matéria assente)
2. A autora adquiriu o 6.º esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, por compra, aos anteriores proprietários “D”, “E”, “F” e “G”. (alínea B) da matéria assente)
3. A ré “C” ocupou o 6.º andar esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, pelo menos desde 13.5.2007 até 13.7.2009, data esta em que a chaves do imóvel foram entregues à autora. (arts. 1.º 2.º e 5.º da base instrutória)
4. O 6.º esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, situa-se numa zona central de Lisboa, tem pelo menos, 170 m2 de área útil e é composto por 6 assoalhadas, cozinha e duas casas de banho. (art. 3.º da base instrutória)
5. O valor locativo do 6.º esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, é de €750,00. (art. 4.º da base instrutória)».

3

3.1.
O primeiro problema colocado pela Apelante é, conforme se retira das suas conclusões, o de se ter aditado um quesito à base instrutória, considerando a Apelante que tal não era permitido por se tratar de matéria alegada numa réplica inadmissível, já que, na contestação, não houve defesa por excepção.
Conforme dispõe o art. 511º, nº3, do CPC, o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
Recapitulemos o que, a propósito da problemática em apreço, se passou no processo:
Tendo a A. alegado, na petição inicial, que os Réus ocupavam o andar em apreço, veio a Ré, na sua contestação, negar essa ocupação, referindo, entre o mais, que a A. não especifica quando terá tido ela início ou terá cessado e sublinhando que a sua residência permanente, habitual e familiar sempre foi no Porto, na Rua dos ..., ....
A A. apresentou réplica, referindo que vinha responder às excepções ao abrigo do disposto no art. 502º do CPC.
Considerou, na verdade, a A. que a Ré se defendera por excepção com invocação de factos que impediam o efeito jurídico por ela (A.) pretendido.
A A. explicou, nesta peça, de que modo e a partir de que data a Ré passou a ocupar o prédio e em que momento deixou de o fazer.
Pediu também, no mesmo articulado, a condenação da Ré como litigante de má fé e juntou diversos documentos aos autos.
A Ré veio, em seguida, requerer o desentranhamento da réplica, vincando que toda a sua defesa foi feita por impugnação e que, assim, tal peça era inadmissível.
No despacho saneador, não se conheceu desta arguição.
Tratou-se de um saneador tabelar, no qual se afirmou, genericamente, a inexistência de excepções, nulidades ou questões prévias.
A A. reclamou da base instrutória, por dela não constar a referência ao período em que os RR. permaneceram no andar em questão, tal como fora alegado na réplica.
A Ré opôs-se à inclusão de tal factualidade na base instrutória, por constar de articulado não permitido legalmente.
Em despacho proferido a fls. 254, deu-se razão à A., mas, também aqui, sem se apreciar a questão suscitada pela Ré.
Foi, assim, aditado à base instrutória um quesito (5º) do seguinte teor:
«Desde, pelo menos, 13/05/2007 até 13/07/2009, a Ré “C” ocupou o 6º esquerdo do nº2 da Rua ..., em Lisboa?».
É contra este aditamento que a Ré se rebela, ao passo que a A. continua – nas suas contra-alegações – a entender que a Ré se defendeu por excepção, ao, nomeadamente, invocar a sua alegada residência no Porto, o que, em sua opinião, se assume como facto extintivo do direito à indemnização pedida pela A.
Vejamos:
No nº2 do art. 487º do CPC, dispõe-se o seguinte:
«O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido».

A propósito desta matéria, referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 291, o seguinte:
«Num sentido lato, a defesa por excepção compreende toda a defesa indirecta, assente num ataque de flanco contra a pretensão formulada pelo autor.
Trata-se da defesa que, sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles se pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor».
A impugnação pode ser de facto ou de direito. No que tange à primeira, pode ela ser directa ou indirecta. «É directa quando o réu nega frontalmente os factos, dizendo que não se verificaram. É indirecta (ou motivada, como também lhe chama a doutrina alemã) quando o réu, confessando ou admitindo parte dos factos alegados, como causa de pedir, pelo autor, afirma, por sua vez, factos cuja existência é incompatível com a realidade de outros também alegados pelo autor no âmbito da mesma causa de pedir, desvirtuando-a, quando alega factos instrumentais probatórios (ver o n.º 4 da anotação ao art. 264) incompatíveis com factos alegados, como causa de pedir, pelo autor e quando com estes é incompatível (está em oposição) o conjunto dos factos alegados pelo réu ou a negação, pelo réu, de um dos factos alegados pelo autor, do qual os restantes dependem (art. 490-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, págs. 315-316).
Na petição inicial, a alegação atinente à “ocupação” foi feita nestes termos:
«4º
Os RR ocupam o referido locado.

Ocupação essa sem qualquer título que a justifique e legitime.

Até à data os RR não entregaram o locado à A.

Os RR detêm abusivamente e de má-fé o locado em causa nos presentes autos, contra a vontade da A.».

Na contestação, a R., como já se referiu, nega que tenha tido a sua residência pessoal naquela morada, pois que a tinha no Porto.
Consideramos que, ao contrariar a alegação de ocupação ilegítima, a Ré se defendeu, apenas, por impugnação.
Alude a A., nas contra-alegações, a facto extintivo do direito invocado. Ora, de acordo com os ensinamentos de Manuel Andrade, factos extintivos «são os que tenham produzido a cessação do direito do Autor, depois de já formado validamente: assim a condição resolutiva, o termo peremptório, o pagamento, o perdão e a renúncia, a caducidade, a prescrição, etc.» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 131). Não parece, com todo o respeito, ser o caso.
Sendo assim, estaria vedada a réplica (art. 502º, nº1, do CPC), na qual – diga-se – a A. acabou por especificar o que, salvo melhor opinião, deveria ter feito na petição inicial, onde, como se viu, se limitou a falar de ocupação ou detenção abusiva do “locado”. Percebe-se, depois, na réplica, o porquê dessa referência a locado. Na verdade, é na réplica que se diz que o imóvel esteve arrendado até à morte da inquilina, mãe do R. “B”, ocorrida em 13-05-2007, tendo os RR, desde essa data, ocupado esse imóvel, aí estabelecendo a sua residência e manifestando o interesse em celebrar um contrato de arrendamento com a A., mas tendo as negociações acabado por fracassar devido à impossibilidade de a 2ª Ré apresentar uma garantia bancária que a A. exigia.
É também na réplica que a A. refere que solicitou aos RR. a entrega do imóvel até 29-02-2008, por cartas registadas de 28-01-08 e 15-02-08, mas tal entrega apenas se verificou em 13-07-2009, através do Mandatário da 2ª Ré.
Salvo o devido respeito, porque a defesa da R. foi tão-só por impugnação, a matéria que figura no quesito 5º não deveria ter sido aditada à base instrutória, sendo certo, como se disse, que não houve pronúncia do Exmº Juiz, nem a seguir ao requerimento da Ré pedindo o desentranhamento da réplica, nem no momento da reclamação da base instrutória.
Há, pois, que dar por não escrito o aludido quesito.
Apesar disso, importará ter em consideração o seguinte:
A factualidade que constitui o ponto 3 da matéria de facto resulta da resposta conjunta aos quesitos 1º, 2º e 5º da base instrutória.
Nos quesitos 1º e 2º, perguntava-se o seguinte:
«1º
A Ré “C” ocupa o 6º esquerdo do nº2 da Rua ..., em Lisboa?


Até à data, a Ré “C” não entregou à Autora o 6º Esquerdo do nº2 da Rua ..., em Lisboa?».

O teor do quesito 5º era – recorde-se, mais uma vez – este:
«Desde, pelo menos, 13/05/2007 até 13/07/2009, a Ré “C” ocupou o 6º esquerdo do nº2 da Rua ..., em Lisboa?».

A resposta que foi dada aos três quesitos em apreço foi a seguinte:
Provado apenas que a Ré “C” ocupou o 6.º andar esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, pelo menos desde 13.5.2007 até 13.7.2009, data esta em que a chaves do imóvel foram entregues à autora. (arts. 1.º 2.º e 5.º da base instrutória)
Crê-se que esta resposta pode ter como suporte apenas os quesitos 1º e 2º, ou seja, pode subsistir, desde que se entenda que a prova produzida é suficiente para o efeito, mesmo eliminando (como se entende que deve ser feito) o quesito 5º.
É preciso ter em conta a amplitude da alegação de ocupação ilegítima feita na p.i. e se, em nossa opinião, se devia, nessa peça, ter desdobrado tal alegação na factualidade que, afinal de contas, apareceu na réplica, também o conjunto de elementos (maxime, documentais) que os autos fornecem revela que a Ré não podia desconhecer o que a A. visava com aquela alegação constante da petição inicial.
Veja-se que, na resposta ao recurso de revisão, já a A. expusera, com detalhe, toda a situação atinente à dita “ocupação”, juntando a documentação que veio depois, igualmente, juntar ao processo principal.
É certo que, nos termos do art. 664º do CPC, o julgador só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, mas importa, por um lado, considerar que, nos termos do nº1 do art. 264º do mesmo Código, podem tomar-se em consideração, mesmo oficiosamente, os factos que resultem da instrução e discussão da causa ou os essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
Ora, o estabelecimento dos limites temporais da permanência dos RR. no prédio assume-se como a concretização ou desenvolvimento de um dos aspectos da ocupação alegada na petição inicial, sucedendo que essa matéria foi objecto de discussão na audiência de julgamento, ou seja, foi submetida ao contraditório.
Tratando-se, pois, da concretização ou complemento do que fora alegado na petição inicial, tendo o A., desde cedo, manifestado interesse na consideração desse aspecto e tendo havido exercício do contraditório quanto a ele, entende-se nada obstar ao respectivo aproveitamento ou aquisição para os autos, mesmo entendendo-se que, por razões adjectivas, o dito quesito 5º não devesse ter sido incluído na base instrutória.
Além disso, como é sabido, as respostas aos quesitos podem ser restritivas ou explicativas, desde que se contenham na matéria articulada e parece-nos ser o caso, ainda que se prescinda do dito quesito 5º. Na verdade, a ampla alegação da ocupação parece consentir que, em termos de resposta, seja ela circunscrita no tempo, reportando-se o início da ocupação à data da morte da mãe do 1º R. – em 13-05-2007 (fls. 216-217) – que era a arrendatária (aliás, a própria Ré/Apelante não deixa de se referir a essa baliza temporal no que tange à fixação de um montante indemnizatório que se entenda ser devido), bem como no que concerne à cessação, em 13-07-2009 (que, aliás, foi tomada em conta para, em matéria de restituição, se julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide).

3.2.
A R. impugna a resposta em causa, face à prova produzida, como impugna também a resposta atinente ao valor locativo do prédio.

Dispõe o nº1 do art. 712º do CPC:
«1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou».

A R. refere (recordemo-lo), nas suas conclusões, relativamente à resposta que recaiu sobre os quesitos 1º, 2º e 5º, o seguinte:
«7ª - Ainda a douta sentença, sob censura, cometeu um grave erro de julgamento ao ter dado como provado e assente que a Recorrente/Apelante ocupou o andar reivindicado nestes autos e no período também aqui referido, com clara violação das regras sobre a apreciação crítica das provas propostas pelas partes.
8ª - Já que, na verdade, e atenta a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas por si arroladas, o que se alcança com facilidade da respectiva transcrição, resulta claro que a Recorrente teve, tinha e tem a sua residência na Rua dos ..., ... -1.° Dt.°, em ..., no Porto.
9ª - Sendo certo que nenhum dos depoimentos das testemunhas arroladas pela A./Apelada, como se alcança da respectiva transcrição, conseguiu provar e demonstrar com uma descrição circunstanciada de actos e factos atinentes ao que vulgarmente se classifica de residência (receber amigos, tomar refeições, receber correspondência, dormir, conviver, ir às compras, etc., etc.) que se reconduzissem a uma plena e total ocupação do imóvel reivindicado.
10.a- Porquanto "ocupar", "morar", "residir" permanentemente, não se contenta com uma ida ao local y ou x, ou ser vista uma vez aqui ou ali, ou ir visitar a pessoa a ou etc., etc., etc., já que terminologicamente tais vocábulos significam ter naquele imóvel, locado ou não, o centro ou a sede da sua vida social, familiar e da sua economia doméstica.
11.a- Pois se assim não fosse então teríamos que o médico tal morava no hospital da cidade a); o polícia x morava na esquadra do bairro z, o Juiz y morava no palácio da justiça da cidade b), o comerciante morava no seu estabelecimento do bairro ou da rua c) da cidade d), já que todos os dias ali são vistos a entrar e a sair, e algumas, aliás várias vezes ao dia, saem e entram de carro, outras vezes são vistos a conversar ou a discutir com o Sr. tal ou a Sra. tal.
12.a- Foi este raciocínio empírico, superficial e leviano que levou o Sr. Dr. Juiz "a quo" a dar como provados factos que não estão sustentados em provas produzidas no processo, fazendo-o portanto ou à sua revelia ou com clara oposição ou contradição com a mesma, enveredando por uma livre apreciação da prova que não se coaduna com as regras atinentes a análise crítica das provas, já que tal princípio não significa, nem arbitrariedade, nem uma apreciação imotivável e incontrolável».

Vejamos, em primeiro lugar, de que modo a Exmª Juíza fundamentou a aludida resposta aos quesitos 1º, 2º e 5º:
«(a resposta dada pelo tribunal resulta da análise conjugada, crítica e comparativa, vista à luz das regras da experiência, dos seguintes elementos probatórios: depoimento das testemunhas:
-”H”, trabalhador na autora, desde 1978, como responsável pelos imóveis pertença da companhia e respectivos arrendamentos, tratando de assuntos com eles relacionados; declarou conhecer pessoalmente ambos os réus porque teve uma reunião com eles, explicando as razões de tal encontro, as quais se prendem com o falecimento da inquilina, mãe do réu “B”, o qual nesse sequencia comunicou à autora estar interessado no arrendamento, o que motivou carta da seguradora a propor uma renda de 700/750 euros mas com a condição de uma garantia bancária (tendo a testemunha declarado ter subscrito a carta de fls. 218 onde é feita tal proposta), e foi em seguida que houve a reunião, tendo estado presente a ré “C”. Mais disse que nessa reunião ambas manifestaram interesse na casa, acrescentando que depois disso ainda houve mais conversas com eles mas não fizeram o contrato. Acrescenta que é de sua autoria a nota manuscrita que se vê na carta de fls. 219. Mais disse que chegou a ver ambos os réus a sair e entrar na casa e que os mesmos lá ficaram até à entrega da chave em 2009, sendo que na altura da mudança a ré estava presente.
-”I”, porteira, ao serviço da autora no prédio em causa nos autos desde Novembro de 2007, ficando na portaria 8h por dia. Relatou a testemunha, de forma considerada credível, que via ambos os réus a entrar no prédio a várias horas do dia e que a ré lá residia com o réu, mais afirmando que assim sucedeu até à mudança que foi feita pelos dois, altura em que levaram as coisas que estavam mo apartamento, acrescentando que na altura dessa mudança a ré lhe ofereceu uma cama de bebé e uma banheira. Mais disse que a ré lhe deu ordens para receber as cartas registadas que lhe eram dirigidas, tendo a testemunha recebido algumas destinadas à ré, afirmando por isso que havia correspondência dirigida à ré para aquela morada.
- “J”, pedreiro e que como tal trabalha para a autora desde há 14 anos, conhecendo o prédio dos autos e os réus. Declarou a testemunha que ainda falou algumas vezes com o réu “B” e que viu uma senhora que andava sempre com ele, vendo-os sair do prédio por volta das 10/11h. Mais relatou que na altura da mudança, em Junho ou Julho de 2009, estava a fazer obras no 3.º andar do prédio e nessa altura a ré até disse “por minha vontade já tinha saído há mais tempo”.
- “L”, moradora no prédio em causa nos autos, no 6.º andar direito, desde os 15 anos (tem 71 anos) como inquilina da autora, declarando que conhece o réu desde criança e conhece também a ré. Mais declarou que os réus moravam no prédio, sendo que viu lá a ré ainda antes do falecimento da mãe do réu (o réu apresentou a ré à testemunha), sendo que depois do falecimento ainda lá ficaram uns anos. Explicou que via a ré entrar e sair e que acabaram por sair ambos na altura da mudança.
- “M”, recepcionista ao serviço da autora desde Novembro de 1998. Declarou conhecer ambos os réus pessoalmente e conhecia também a inquilina falecida (mãe do réu “B”) e em conversas com esta ficou a saber que ela tinha um filho e uma nora. Mais disse que recebeu uma carta a comunicar a morte da inquilina e depois disso houve contactos com os réus por causa do arrendamento, sendo que a ré chegou a ir à companhia de seguros identificando-se como esposa do réu “B”, e também fazia telefonemas para lá por causa desse assunto. “Ela depois é que tratou mais de tudo”, acrescentou a testemunha.
Importou também, conjugadamente, a análise dos testemunhos de “N”, amiga da ré “C” desde 2002, referindo que conhece o réu como pai da filha da ré, e que declarou que a ré tinha uma casa no Porto e sempre via a ré no Porto, resultando do depoimento que não a conhecia como tendo morada em Lisboa. Analisado tal depoimento, concluímos que não se mostra suficiente para em causa o declarado pelas testemunhas arroladas pela autora, sendo que nem evidencia a testemunha, apesar de se afirmar amiga da ré, conhecimento circunstanciado da vida desta, desde logo nada sabendo em concreto a actividade a que a ré se dedicava, do que vivia, pelo que, não se evidencia sequer que a testemunha tivesse que saber onde é que a ré morava em cada momento ou período de tempo. No que concerne ao depoimento da testemunha “O”, pessoa que declarou conhecer a ré porque possui um negócio de garagem de carros, em ..., Porto, e a ré guarda o carro nessa garagem, sendo que já antes a conhecia através dos respectivos pais. Declarou que a ré lhe paga 50 euros pelo parqueamento do carro na dita garagem e que a vê frequentemente, ou seja, no Porto. De igual modo, do declarado por esta testemunha não se conclui qualquer impossibilidade ou inverosimilhança da ré poder ocupar a casa da autora nos termos declarados pelas demais testemunhas, pois nada impede, aliás disso ficou o tribunal plenamente convencido, que a ré tivesse a uma casa no Porto, onde se podia deslocar frequentemente (e onde grande parte do tempo se encontrava a sua filha menor, com os avós, circunstancia esta também explicada pelo conjunto da prova em face do que é relatado quanto à vida dos réus, e que determinava que chegasse a casa a horas já tardias da noite), e ocupasse, juntamente com o réu, a casa da autora quando estava em Lisboa. Relevou ainda a análise do testemunho de “P”, pessoa que conhece a ré por morar no mesmo prédio dos pais dela, no Porto, e onde a ré tem possui também um andar, sendo que conhece também o réu por o encontrar nesse prédio. Declarou a testemunha que a ré mora no 1.º andar desse prédio e os pais no 3.º andar, acrescentando que às vezes ausentava-se. Declarou não saber se a ré trabalha, nem em quê e ás vezes via no prédio o réu “B”. Visto tal depoimento, mais uma se conclui que a testemunha não relata qualquer facto de onde se extraia a impossibilidade da ré morar também em Lisboa ou cá permanecer no período em causa. Efectivamente, não lhe conhece trabalho ou actividade de onde decorresse que a ré tinha que permanecer no Porto todos os dias da semana, de modo a descredibilizar o declarado quanto à permanecia em Lisboa ou a ter aqui também morada. Por seu turno a testemunha “Q”, pessoa que tem um estabelecimento por baixo do prédio da Rua dos ... e antes estava estabelecido na mesma rua, em frente desse prédio, conhecendo por isso quer a ré quer os seus pais, referindo conhecer também o réu “B” como namorado da ré. Declarou a testemunha que via a ré, no Porto com muita frequência e que ela e o réu faziam compras no seu estabelecimento, admitindo que há semanas em que não a veria. Não relata também esta testemunha nenhum facto objectivo que inverta o sentido do declarado pelas testemunhas que afirmam que a ré morava no prédio da autora, devendo fazer notar-se que estamos em duas cidades diferentes, Lisboa e Porto, sendo perfeitamente compatível o facto da ré ter uma casa no Porto, onde era vista com regularidade, e estar a morar, quando em Lisboa, na casa dos autos. Finalmente, a testemunha “R”, tia da ré, e que também declarou conhecer o réu “B”, disse que a ré morava na casa dos pais e quando começou a trabalhar foi para o 1.º direito desse prédio, não se evidenciando com clareza que trabalho tinha a ré a não ser o acompanhamento que a testemunha diz que a ré fazia na vinha pertença de uma sociedade agrícola a que a testemunha está ligada. Efectivamente, neste segmento a testemunha relata que quando precisavam telefonam a ré para que fizesse tal acompanhamento, mas não se tratava de nenhuma avença mensal, sendo a ré gratificada por esse serviço em função do resultado da exploração. Apesar desse relato, a testemunha não evidenciou nenhum conhecimento detalhado nem da vida da ré nem da sua actividade profissional, mormente tratando-se de uma familiar. O certo é que também deste depoimento nada resulta em concreto e objectivamente que imponha a conclusão de que a ré, pela vida que tinha e actividade que desenvolvia, não podia viver no prédio dos autos, em Lisboa, nem o dito acompanhamento da vinha o inviabilizava, pois a ré apenas era chamada quando era necessário, não tendo nenhum vínculo laboral a esse nível.
Visto, por isso, o conjunto da prova testemunhal e bem assim a prova documental existente nos autos (quer seja os documentos que mencionam o andar em causa como morada da ré, o de fls. 226 – cópia do BI - o de fls. 234 – certidão da matrícula de uma sociedade em que os réus figuram como únicos sócios e com morada nesse prédio, quer seja os documentos juntos pela ré relativos a consumos de água a e luz atinentes ao 1.º andar da Rua dos ... (alguns há que respeitam ao 3.º andar desse prédio) quer sejam as cartas que eram dirigidas à ré para a morada do Porto e nessa morada a dão por domiciliada, fls.122 a 208, ou ainda o assento de nascimento junto em audiência, reportado, aliás, a período anterior) o tribunal ficou plenamente convencido que no período em causa a ré ocupava o apartamento do 6.º esquerdo, como declarado pelas testemunhas primeiramente identificadas com ligação a esse prédio. Efectivamente, para que tal ocupação ocorra não é mister que a ré aí tenha que permanecer diariamente ou durante todo o tempo do mencionado período, nem sequer que essa seja a única residência da ré, sabido que é perfeitamente normal e natural que as pessoas possam ter mais de uma residência consoante os seus interesses em cada momento ou período de tempo, sobretudo se têm ligações – sejam de que natureza for – com várias cidades distanciadas entre si. O que importa, no caso, é que a ré – quando em Lisboa – fazia a sua vida a partir daquela casa, casa essa relativamente à qual manifestou interesse pessoal no respectivo arrendamento, ainda que também com o réu e tratou ela mesma de assuntos a isso relativos, deslocando-se à seguradora para o efeito. Tais factos relatados de forma credível pelas testemunhas, atestam, a nosso ver, uma ligação efectiva e interessada, em nome próprio, à casa, credibilizando e objectivando o mais declarado quanto a nela residir a ré, juntamente com o réu, e nela entrar e sair como se fosse a sua habitação em Lisboa, o que tudo é compatível com a presença da ré na altura da mudança e com o recebimento de correspondência a si dirigida para essa morada com indicação à porteira para a receber. O que acaba de se dizer, como sobressai da análise já feita dos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré, não sai prejudicado nem desarmonioso com a circunstância da ré ser vista, até com regularidade no Porto e aí ter uma casa (entretanto doada – fls. 228 dos autos), sendo certo que não resulta da prova nenhum facto concreto de natureza pessoal, familiar ou profissional que leve à conclusão de que a ré não podia ser vista em Lisboa, no prédio dos autos, nos moldes em que as testemunhas o relatam. Ao invés, o que se sabe é que a ré era sócia e gerente de uma sociedade que se dedica entre outras, à realização e promoção de eventos e espectáculos, cuja sede era no prédio dos autos, sendo que as testemunhas relatam que o réu era músico e que ambos regressavam à noite, já tarde, à casa dos autos, o que indicia que os réus estariam ligados aquela actividade, assim se percebendo a permanência da ré em Lisboa, ainda que sem perder a sua ligação ao Porto e, naturalmente, a residência que lá tinha, sendo por isso perfeitamente normal a existência de consumos relativos a essa casa, embora se veja dos respectivos documentos que a sua maioria são consumos estimados e analisada em detalhe essa documentação e levando em conta que leituras reais só se repercutirão mais tarde na respectiva factura, até se evidencia em certos períodos, sobretudo 2008, consumos muito reduzidos para quem lá vivesse diária a permanentemente. Por tudo o exposto, se consideraram provados os factos que constam da resposta cuja motivação agora se faz.)».

Considera a Apelante que houve um clamoroso erro de julgamento (fala mesmo de «erro grosseiro do tribunal "a quo" na apreciação das provas produzidas em sede de audiência de julgamento»).
Invoca a Apelante prova documental, para demonstrar que, no período em causa, sempre residiu no Porto, inicialmente na Rua dos ..., ... - 3.° Dt.° e mais tarde na Rua dos ..., ... -1.° Dt.°: atestado de residência passado pela Junta de Freguesia de ... (Porto) em 18.02.2010; correspondência fiscal remetida à Recorrente em 14.01.2008, que prova que a Recorrente tem o seu domicílio fiscal naquela mesma morada; correspondência da Segurança Social remetida à Recorrente em 03.05.2008 e 21.12.2009, comprovativa de que a residência que a Recorrente tem naquele organismo público é na morada já referida; declaração da D.G.A.Interna emitida à Recorrente em 18.02.2010 comprovativo de que a Recorrente está recenseada na sua residência, sita na Freguesia da ..., Concelho do Porto; cartão de utente do Ministério da Saúde emitido em nome da Recorrente, comprovativo de que a Recorrente está inscrita nos serviços de saúde pública pelo Concelho do Porto; carta de condução da Recorrente emitida em 24.04.1996 pela Direcção-Geral de Viação do Norte; correspondência variada, proveniente de entidades oficiais e privadas e remetida e recebida na residência da Recorrente e pela Recorrente, correspondente a notificações judiciais, factura de telecomunicações, pagamento de prestações financeiras, recibo de donativo, declarações para IRS (Compª de seguros) e extractos bancários; recibos comprovativos dos pagamentos efectuados pela Recorrente e respeitantes ao consumo de água havidos na referida residência da Recorrente; recibos comprovativos dos pagamentos efectuados pela Recorrente e respeitantes aos consumos de energia eléctrica havidos na residência pessoal da Recorrente e certidão de nascimento da filha, nascida a 07-09-2006, da qual consta que reside na sua morada sita no Porto.
Considera a Apelante que desses documentos decorre inequivocamente que, residindo na Rua das ... nº...-1º Dtº, no Porto, lhe era impossível “ocupar” o imóvel referido nos autos.
Cita, a propósito, o Ac. do STJ de 25-03-2009 – Revista nº 654/09-6º, estabelecendo um paralelismo com a situação dos autos.
Dos pontos I e II do sumário desse Acórdão (de que foi Relator João Camilo) consultado em www.stj.pt, consta o seguinte:
«I - Provado que há mais de três anos os réus deixaram de morar no arrendado, tendo ido viver para outra casa, e desde então não comem, não dormem, nem recebem os seus familiares e amigos no arrendado, não tendo aí organizada a sua economia doméstico-familiar; no prédio arrendado, os réus deixaram os seus cães e de vez em quando, visitam o arrendado, para dar de comer aos cães e tratar do jardim; no locado recebem a correspondência, têm o seu telefone fixo, a morada do seu telemóvel e mantêm aí a sua residência oficial referida no cartão de eleitor, bilhete de identidade, número de contribuinte e de segurança social, daqui resulta claramente que não é no locado que os réus têm nem a sua residência permanente, nem uma residência alternada.
II - Por um lado, o cerne da vida familiar - comer, dormir e receber os familiares e amigos – está arredado do locado, pelo que nunca se poderia dizer que os réus aí mantivessem uma residência permanente, mas apenas uma ocupação esporádica e de forma tão parcial que não permite a conclusão que reivindicam de manter a residência permanente no locado».
A Apelante trouxe ainda à colação os depoimentos das testemunhas por si arroladas, concluindo que, face a tais depoimentos, «fica claro que a residência e permanência da Recorrente no tal período referido na sentença é na sua casa de morada de família sita no Porto, pois é nesta casa que a Recorrente tem o centro ou a sede da sua vida familiar e social e da sua economia doméstica, a casa onde a Recorrente habitualmente dorme, tomas as suas refeições, convive e recolhe a sua correspondência., o local em que tem instalada e organizada a sua vida familiar, em suma – o seu lar, que constitui o centro ou sede dessa organização (Acórdão do STJ de 05.03.1985, in RLJ, Ano 123, pág.148)».
Acrescentou que isso «nem sequer é descaracterizado ou beliscado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela A./Apelada, cuja narração individual dos factos foi claramente "ensaiada e ajeitada" já que se trata de testemunhas todas elas com vínculo de subordinação laboral ou económica ou outro à A., quer directa quer indirectamente, seja por serem empregadas, seja por serem empreiteiros, seja por serem inquilinos e que de forma alguma iriam "morder na mão do dono".

Parece-nos, com todo o respeito, que há aqui um equívoco da Apelante quando se reporta à residência permanente e faz menção a acórdãos que incidem sobre essa problemática. Ora, tais acórdãos referem-se à falta de residência permanente como causa de resolução do contrato de arrendamento.
Não é isso que está em causa nesta acção. Não estamos perante uma acção de despejo por falta de residência permanente. O que aqui se discute é a ocupação ilegítima do prédio por parte dos RR., ou seja, a manutenção do mesmo na sua posse sem título para tanto, impedindo a A., proprietária, de dele retirar proveito, maxime, através do arrendamento a terceiros.
Em termos de matéria de facto – que é do que se cuida neste momento – está, na verdade, em causa saber se a Ré (em relação ao 1º R. já tal está provado) manteve o prédio em seu poder, impedindo a A. de a ele aceder e de dele fruir como entendesse, designadamente arrendando-o a outrem.
Depois de ouvir todos os depoimentos das testemunhas da A. e da Ré, há que concluir que a Exmª Juíza procedeu a uma adequada análise da prova, não ignorando qualquer dos seus aspectos.
Resulta do depoimento de “H”, além do mais, que, no âmbito dos contactos havidos no sentido de os RR. celebrarem contrato de arrendamento do andar em causa, após a morte da mãe do 1º R., que era a arrendatária, houve uma reunião com os dois RR., manifestando ambos (portanto, também a Ré) o interesse no arrendamento. Referiu a testemunha que é da sua autoria a nota manuscrita, de 15-01-2008, constante do doc. de fls. 219: «O Dr. ... falou com a “esposa” do Sr. “B” e ficou acordada a renda de 850€ + Garantia bancária de 6 meses, bem como preenchimento de um formulário».
Referiu, igualmente, a testemunha que contactou, ainda, com a Ré pelo telefone e que foi a falta de garantia bancária, sem a qual o arrendamento não se faria, que inviabilizou este.
Disse também que chegou a ver os RR. a entrar e a sair do prédio e que eles ficaram lá até à entrega das chaves em 2009.
À entrega das chaves reporta-se o doc. de fls. 225.
A testemunha “I”, porteira do prédio e que nele vive, no espaço destinado em que desempenha essa função, desde Novembro de 2007, depôs no sentido de que os RR. habitavam no 6º andar esquerdo, vendo-os a entrar e sair regularmente, a várias horas, tendo ambos a chave do prédio.
Dá-se aqui por reproduzido o mais que a Exmª Juíza fez constar da fundamentação decisão da matéria de facto quanto ao depoimento desta testemunha, designadamente no que concerne à mudança que os RR. efectuaram em conjunto, tendo inclusive a Ré oferecido à testemunha uma cama de bebé e uma banheira.
Igualmente se dá por reproduzido o que foi vertido pela Exmª Juíza relativamente à testemunha “J”, pedreiro, há 14 anos ao serviço da A., fazendo trabalhos nos prédios desta, conhecendo, por isso, o prédio em causa nestes autos, revelando ter visto os RR, tal com é relatado, e que se encontrava nesse prédio na altura da mudança.
Da mesma forma se dá por reproduzida a narração feita pela Exmª Juíza quanto ao que de mais relevante disseram as testemunhas da A. “L” (moradora no 6º andar direito do prédio, ou seja, em situação privilegiada, quando está aqui em causa o 6º andar esquerdo, no qual atestou que os RR. moravam) e “M”.
No que tange às testemunhas da Ré, entende-se que a análise feita pela Exmª Juíza está de acordo com os respectivos depoimentos, que também, no essencial, foram sintetizados correctamente na fundamentação transcrita e tal fundamentação mostra-se de acordo com as exigências legais, verificando-se ter-se procedido não só ao resumo do que disseram as testemunhas, mas a uma análise crítica das provas (cumprindo-se, assim, o exigido pelo art. 653º, nº2, do CPC).
Consideramos que a ocupação do andar em apreço, por parte da Ré, juntamente com o 1º R., se mostra provada pelo conjunto de elementos oferecidos pelo A., tal como resulta da douta fundamentação, tendo as testemunhas da A. deposto, naquilo que foi colocado em destaque pela Exmª Juíza, de modo seguro e convincente, independentemente da sua ligação à A., não se vendo razões para se falar – conforme faz a Ré – de uma narração “ensaiada e ajeitada”.
A circunstância de a Apelante ter uma série de documentos reportados à Rua das ... das ..., no Porto, e os depoimentos das testemunhas oferecidas pela Ré no sentido de esta ali residir, não constituem obstáculo a que se dê por demonstrada a ocupação relativamente ao andar da A., pois, como é acertadamente vincado na fundamentação, «para que tal ocupação ocorra não é mister que a ré aí tenha que permanecer diariamente ou durante todo o tempo do mencionado período, nem sequer que essa seja a única residência da ré, sabido que é perfeitamente normal e natural que as pessoas possam ter mais de uma residência consoante os seus interesses em cada momento ou período de tempo, sobretudo se têm ligações – sejam de que natureza for – com várias cidades distanciadas entre si. O que importa, no caso, é que a ré – quando em Lisboa – fazia a sua vida a partir daquela casa, casa essa relativamente à qual manifestou interesse pessoal no respectivo arrendamento, ainda que também com o réu e tratou ela mesma de assuntos a isso relativos, deslocando-se à seguradora para o efeito».
No que concerne a prova documental, não se poderão olvidar os documentos de fls. 226 e 234-235: o primeiro, atinente ao bilhete de identidade da Ré, do qual (em pesquisa feita em 30-05-2008) consta que a sua residência era na Rua ..., nº2, 6º Esq., ..., Lisboa; o segundo, referente a uma certidão da sociedade “...-Audiovisuais, Lda.”, aí constando como respectivos sócios os RR. neste processo, sendo a Ré gerente e indicando-se como sede, e também como residência da Ré, a Rua ..., nº2, 6º Esq., em Lisboa.

A Apelante também discorda da resposta – de provado – dada ao quesito 4º (no qual se perguntava se o valor locativo do 6º esquerdo do nº2 da Rua ..., é de €750,00).
A Exmª Juíza fundamentou a resposta pela seguinte forma:
«(a resposta positiva assenta também no depoimento das duas testemunhas referidas na motivação ao artigo anterior, que conhecem quer o prédio quer o andar, e de cujos depoimentos resulta que o valor de 750 euros não é excessivo como valor locativo do andar, sendo, aliás, dito por ambas as testemunhas que é um valor que peca por defeito pois o valor das rendas praticadas era superior. Por outro lado, esse valor corresponde ao valor proposto para arrendamento do andar pela carta de fls. 218, valor esse que, como se extrai da carta de fls. 220, não foi considerado exagerado para os efeitos mencionados nessa carta. Assim, tudo conjugado e à luz das regras da experiência o valor em causa resulta consentâneo com a localização e composição do imóvel.)».
As testemunhas referidas na motivação do quesito anterior são «“S” – engenheiro civil, pessoa que presta serviços à autora desde 1987 relacionados com reparações de equipamentos e reparações dos imóveis pertença da seguradora - , o qual declarou conhecer o prédio onde se situa à fracção, prédio onde vai com regularidade, acrescentando que há cerca de 3 anos fez um levantamento dos prédios da autora e sua configuração, tendo explicado a zona de Lisboa onde fica o imóvel e a composição do 6.º esquerdo, corroborando, assim, o perguntado quer quanto à área quer quanto o número de assoalhadas» e «“H”, já acima melhor identificado, o qual também confirmou a composição da andar em causa. Mais relevou o depoimento da testemunha “J” que a este respeito declarou que o apartamento tem 5 ou 6 assoalhadas, cozinha e duas casas de banho.)».

A Apelante considera que:
«[…] não foi provado ou documentado que o andar em causa valeria no mercado do arrendamento uma renda de 750,00€.
47 - Aliás o que foi dito pelas testemunhas da A./Apelada é que tal imóvel valeria no mercado do arrendamento uma renda de 1.000,00€ ou de 1.100,00€ ou de 1.200,00€ ou de 2.000,00€ ou de 2.200,00€ ou ainda de 2.300,00€.
48 - Contudo a A./Apelada não apresentou qualquer relatório ou avaliação onde fosse possível e devidamente justificado e fundamentado, apurar que o valor x ou y era o mais adequado para o referido imóvel.
49 - Também não apresentou qualquer documento comparativo que atestasse que o imóvel x ou y perto do imóvel em causa, com as mesmas características e nas mesmas circunstâncias, estava arrendado por este valor ou por aquele, para aferir da bondade do valor pretendido.
50 - Não ficou esclarecido em sede de audiência de julgamento se o valor de 750,00€ era a renda correspondente ao imóvel no preciso estado em que se encontrava ou se era após as obras de remodelação e conservação efectuadas no mesmo imóvel.
51 - Por isso o Sr. Dr. Juiz "a quo" não poderia ter fixado um valor mensal a título de indemnização pelo recurso ao seu livre arbítrio, sem qualquer base probatória e sobre a quantificação em causa era ou não justificada ou fundamentada».

Salvo o devido respeito, não está vedada a prova testemunhal numa matéria desta natureza (arts. 392º e 393º do C. Civil) e estamos mesmo num domínio em que «não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo» (Ac. do STJ, de 28-05-2009 – Rel. Oliveira Rocha – publicado em www.dgsi.pt).
Não era, por isso, imprescindível que fosse apresentado qualquer relatório pericial/avaliação, que, de qualquer modo, sempre ficaria sujeito ao crivo do tribunal (art. 389º do C. Civil).
É preciso não dissociar a resposta ao quesito 4º da que foi dada ao quesito 3º, que é do seguinte teor:
«O 6.º esquerdo do n.º 2 da Rua ..., em Lisboa, situa-se numa zona central de Lisboa, tem pelo menos, 170 m2 de área útil e é composto por 6 assoalhadas, cozinha e duas casas de banho».
Há, pois, desde logo, nesta resposta, dados que se nos afiguram relevantes quanto à determinação do valor locativo do imóvel.
Depois há que tomar em consideração que as testemunhas da A. – “S” e “H” – revelaram dominar a matéria em apreço, por exercerem a sua actividade nessa área, o primeiro, engenheiro civil que presta serviços de reparação, conservação e restauro de equipamentos e imóveis e o segundo, que trabalha para a A. precisamente no departamento ligado a imóveis e inquilinos –, tendo apontado para valores superiores aos €750,00 – conforme, aliás, é reconhecido pela Apelante – tendo em conta a localização e características do prédio e os preços praticados. Ademais, haveria aceitação quanto a um novo arrendamento por aquele montante, o que apenas resultou inviabilizado pela exigência de uma garantia bancária por parte da A. (docs. de fls. 218 a 220 e depoimento da testemunha “H”).
O que se pode concluir, como concluiu o Tribunal a quo, é que o aludido montante não é excessivo (antes pelo contrário), razão por que não nos parece ser de alterar a resposta ao quesito.

3.3.
Pelo exposto, considera-se não escrito o quesito 5º, mas mantém-se a resposta que foi dada, em conjunto, a esse quesito e aos quesitos 1º e 2º, ficando, em consequência, agora, circunscrita a estes.
Mantém-se também, no mais, a decisão sobre a matéria de facto.

4

A A. pediu a condenação dos Réus a reconhecê-la como legítima proprietária do andar ocupado pelos Réus e a entregá-lo livre de pessoas e bens.
Quanto ao direito de propriedade da A. não foram levantados quaisquer dúvidas no processo.
Não foi também invocado qualquer direito que obstasse à entrega à A., entrega que, aliás, já foi feita, tendo sido proferida decisão extintiva da instância relativamente a essa vertente.
Mas, a A. pediu ainda a condenação dos Réus a pagar-lhe, solidariamente, a título de indemnização, o valor correspondente às rendas que estava impossibilitada de obter até efectiva entrega do locado e cujo valor locativo é de €750,00.
Sobre esta matéria, exarou-se, na sentença recorrida, o seguinte:
«Assim, a autora logrou provar que é dona da coisa e logrou provar que a ré a ocupou em certo período, ou seja, provou a detenção dela pela ré e esta não provou que essa detenção se fundasse em qualquer título que lho permitisse, donde essa detenção (ocupação) por parte da Ré tem que se considerar não titulada e, por isso, ilícita. Não fora a circunstância de na pendência da acção o imóvel ter sido entregue o pedido de restituição havia de proceder.
Ora a ocupação do imóvel pela ré, impediu a Autora de usufruir o seu direito de propriedade em pleno, atento o disposto no art. 1305.º do C.C.. Efectivamente, como decorre do facto do imóvel estar ocupado pela ré, a autora estava impossibilitada de exercer os poderes de facto inerentes ao seu direito e dar ao imóvel o uso que lhe aprouvesse, o que se tem que considerar um dano imputável à conduta abusiva da Ré em permanecer no prédio da A. sem titulo que o justifique, donde decorre a sua culpa na produção do dano atento o disposto no art. 483.º do C.C. e origina o dever de indemnizar. Havendo violação do direito de propriedade da A., podem estes efectivar tal direito pedindo o seu reconhecimento e a entrega da coisa detida e, por outro lado, pedir o ressarcimento dos danos que derivem da conduta ilícita violadora do seu direito. Correspectivamente aquele que com dolo ou mera culpa viola o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (art. 483.º do CC, já antes referido). Ademais, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado mas os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, nos termos do art. 564.º do C.C.
Está provado que o valor locativo do andar ocupado pela ré é de 750 euros, proveito que a autora não teve em face da ocupação da ré como desta ocupação decorre. É pedida indemnização em tal montante, e o dano apurado corresponde a tal quantia, devendo por isso ser a R. condenada a pagá-la à A, por cada mês em que durou a ocupação. Por outro lado, os factos permitem concluir que essa ocupação durou 2 anos e dois meses, donde o total da indemnização devida cifra-se em €19.500,00, quantia pela qual a ré é responsável, solidariamente com o réu já condenado nos autos.
Nessa medida procede o pedido».
Face à matéria apurada, no sentido de que teve lugar a ocupação do andar em causa, por parte dos RR., sem título legítimo para tanto, ficando, em consequência, a A. privada, durante o período em que os RR. ali permaneceram, de extrair as utilidades de tal andar, que – ressalta dos autos – se destinava a arrendamento (estava arrendado à mãe do 1º R.), não pode, na verdade, conforme se pondera na sentença, deixar de atribuir-se uma indemnização à A. pelos danos daí decorrentes
A Apelante defende a aplicação ao caso do art. 1045º do C. Civil, no qual se dispõe o seguinte:
«1 — Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2 — Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro».
Ora, salvo o devido respeito, este preceito apenas se aplica ao “locatário” (como decorre da respectiva letra), não sendo de estender a outros ocupantes, tendo a sua razão de ser na «ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada» (Ac. do STJ, de 24-01-2006 (Rel. Fernandes Magalhães), publicado em www.dgsi.pt).
A Apelante cita este acórdão em seu abono. A verdade é que da leitura de tal aresto resulta que os réus, nesse processo, eram locatários, sucedendo que o contrato de arrendamento (que lhes respeitava) caducou. Não é o caso dos RR no presente processo.
Tendo em atenção que se provou que o prédio tinha o valor locativo mensal de €750,00, será esse o valor a ter em conta como critério indemnizatório pela privação da coisa por parte da proprietária, em consequência da ocupação dos RR. (Ac. do STJ, de 26-05-2009 – Rel. Moreira Alves – publicado em www.dgsi.pt), concordando-se, pois, com a sentença, relativamente a esse aspecto.
Há, porém, no que ao montante a indemnizar concerne, uma correcção que, salvo o devido respeito, deve ter lugar. Vejamos:
A A. pediu a condenação dos RR. numa indemnização pelos danos causados com a sua conduta, de valor correspondente às rendas que a A. está impossibilitada de obter até efectiva entrega do locado e cujo valor locativo actualizado é de, pelo menos, €750,00 (setecentos e cinquenta euros mensais).
A A. não alegou na petição inicial desde quando a ocupação se verificava, nem pediu a condenação em tal montante a partir de determinada data anterior à petição. Daí que, na primeira sentença, que subsistiu em relação ao 1º R., tenham os RR. sido condenados a pagar à A. o montante mensal de €750,00, a partir de Abril de 2008 (mês seguinte à entrada da acção).
Apesar de entendermos que os quesitos 1º e 2º consentem uma resposta como a acima referida, na qual é feita menção ao período de ocupação (cujo termo final importou, por exemplo, para a extinção da instância quanto ao pedido de entrega do andar), certo é que isso não tem a virtualidade de modificar o pedido ou a causa de pedir. Ora, parece-nos que o modo como foi deduzido o pedido (e o Tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir – art. 661º, nº1, do CPC), não permite que a condenação na indemnização seja reportada a data anterior à petição inicial. Nem, salvo melhor opinião, faria muito sentido que a Ré, após a anulação do processado (na parte que lhe respeitava), decorrente da procedência do recurso de revisão, tendo apresentado contestação, viesse a ser objecto de uma condenação, no que toca à indemnização, superior àquela que, assente no mesmo pedido (considerado procedente) e na mesma causa de pedir, sofrera em situação de revelia. E a sentença, então proferida, serviu mesmo de base a uma execução (como se retira da leitura dos documentos juntos com a resposta ao recurso de revisão).
Por outro lado, não se compreenderia que, estando-se perante litisconsórcio necessário (art. 28º, nº2, do CPC), atribuindo-se aos dois RR. a ocupação conjunta do prédio, sem destrinça, entre eles, de tempo ou de outras circunstâncias, tendo o Réu “B” sido condenado apenas numa indemnização a partir de Abril de 2008, seja Ré “C” agora condenada, e solidariamente com o 1º R., num montante superior ao dele, tendo como ponto de partida Maio de 2007.
Considera-se, pelo exposto, que a condenação da Ré não deverá ser diversa da que foi efectuada em relação ao R. “B”, ou seja, apenas será de atribuir uma indemnização contada a partir de Abril de 2008, o que significa que, tendo o andar sido entregue em Julho de 2009, o montante respectivo se deverá fixar em €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros).

A Ré mostra-se, ainda, inconformada com a condenação por litigância de má fé.
Considera estar-se perante «uma prepotência e perseguição intolerável» e que «volta a afirmar e a reafirmar que nunca ocupou ou teve sequer essa intenção quanto ao imóvel em causa e daí não ter actuado com dolo ou negligência grave na defesa que fez e sempre fará da imputação que lhe é atribuída pela A., com o beneplácito do tribunal, não contribuindo, portanto, para a ofensa ao valor público da boa administração da justiça».

Recordemos o que se explanou na sentença, relativamente a esta matéria:
«A autora, na réplica, pediu a condenação da ré em multa (não pedindo indemnização para si), em virtude de ter litigado de má-fé.
O art. 456.º n.º1 do CPC determina que tendo a parte litigado de má-fé é condenada em multa e indemnização à parte contrária se esta a requerer. A lei define o litigante de má fé como aquele que com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (al. a) do n.º 2), tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (al. b), tiver praticado omissão grave do dever de cooperação (al. c), tiver feito do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão (al. d).
Tendo em conta os factos provados, há que concluir que a ré ocupou o imóvel da autora, como por esta alegado. Na contestação a ré apresenta-se como alheia a essa ocupação, negando-a e assumindo um posicionamento de alguma vitimização, afirmando não saber porque é que está envolvida nesta acção e imputando esse envolvimento à imaginação da autora, alegando que se trata de uma acção ridícula intentada contra si, perguntando-se até como é que conseguiria ocupar o imóvel da autora. Assim, a ré negou os factos – pessoais – que vieram a provar-se, sendo certo que contrariamente ao que defendia não podia deixar de saber porque razão estava a ser demandada, sendo a sua postura de incompreensão e censura perante a instauração da acção contra si, forte sinal da falta de fundamento da sua oposição fundada tão só nessa negação dos factos como se os mesmos quanto a si fossem impossíveis e fruto da imaginação da autora. E o seu comportamento processual deve ser sancionado à luz da norma acima mencionada, por dele decorrer uma oposição infundada, e a alteração da verdade que escamoteia com a negação simples da ocupação, esta pessoal e que decorreu por mais de dois anos, pelo que só por má fé poderia a ré alegar que não sabe porque está a ser demandada.
Assim, levando em conta, no que ao montante da multa respeita, o disposto no art.27.º n.º 3 e 4 do RCJ (redacção da Lei 7/12), entende-se adequada a multa de 3 UC, por não se poderem considerar graves, mormente para a pretensão da autora, os efeitos decorrentes da litigância de má-fé».

Dispõe o art. 456º do CPC:
«1 - Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da Justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé».
De acordo com o previsto no art.º 266.º,nº1, do CPC, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
A cooperação, quanto às partes, assenta no dever de litigância de boa fé (art. 266º-A do CPC).
Conforme se escreveu no Ac. do STJ de 07-10-2004 (Rel. Maria Laura Leonardo, em www.dgsi.pt., «[n]o artº 266º-A do CPC consagra-se um dever geral de probidade. “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.”
É a violação deste dever (conduta ilícita), de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé».
Tendo A., proprietária, alegado que os RR. ocupavam ou detinham, sem título que o justificasse e contra a sua vontade, o 2º andar da rua ..., nº6, em Lisboa, veio a Ré, na sua contestação, dizer, além do mais, o seguinte:
« 1.°
A R. sem saber porquê vê-se envolvida neste processo sem saber ler nem escrever, a não ser pela pura e fértil imaginação da A.
2.°
Aliás a R., e di-lo mais uma vez, sem perceber a razão de tão estranha, quanto infeliz e medíocre atitude da A., está implicada nestes autos sem descortinar qualquer razão válida ou proveitosa com a pretensão aduzida pela A.
3.0
Tal não evitará, obviamente, de se defender por todos os meios ao seu dispor, como de seguida se fará.
40
A presente acção de reivindicação encontra o seu fundamento, no dizer da A., pela razão da R., ocupar o referido locado (art.° 4.° da pi); ocupação essa sem qualquer título que o legitime (art.° 5.° da pi) e até à data a R. não entregou o locado à R. (art.° 6.° da pi).
5.0
Aliás antes de mais, importa referir que a R. não contesta o que vem referido no art.° 1.°, 2.° e 3.° da aliás douta p.i.
6.°
Já, porém, contesta e impugna especificadamente toda a demais matéria factual constante da mesma peça processual, não só por não corresponder à verdade, mas também por estar em total contradição com a defesa da R., ou, então, por não saber e não ter obrigação de saber da veracidade de tais factos.
Senão vejamos:

7.0
Segundo a tese da A., a R."ocupa" o seu imóvel sito na Rua ..., 2 — 6.° Esq.°, em Lisboa.
8.°
A A. porém não diz, nem especifica, quando terá tido o seu início o tal "ocupação" ou quando terá cessado tal "ocupação".
9.0
A A. também não adianta a razão pela qual a R. se terá atrevido à insolência de tal "ocupação" nem sequer vem invocada que a R. pertença à organização "Okupa" de Lisboa ou outra qualquer!?...
10.°
Por isso a R. não alcança que razão ou fundamento terá animado a A. para tão insólita, quanto ridícula acção intentada contra a R.
11.°
Tanto mais que a R. nunca teve a sua residência pessoal naquela morada».

Em nenhum momento a R. admite ter tido alguma ligação, ainda que pautada pela intermitência, de forma esporádica ou circunstancial, com o prédio em apreço. Refere que não sabe por que é demandada, qualifica a atitude da A. de estranha, infeliz e medíocre e a acção de ridícula. Ora, face aos factos provados, é patente ter a A. detido o andar em apreço, juntamente com o 1º R., durante mais de 2 anos, sem ter título para tal. Mesmo que não seja de rotular essa permanência no prédio como de uma residência única (o que não obsta à conclusão da detenção ilícita), a verdade é que, tendo em atenção a factualidade apurada, a Ré sabia por que motivo era demandada. Poderia, obviamente, procurar caracterizar a sua permanência ou ligação ao dito prédio como insusceptível de configurar uma ocupação ilícita e, como tal, incapaz de fundar um direito a indemnização, ou poderia atacar a petição por não esclarecer devidamente essa situação, ou seja, por não conter factos suficientes para o efeito pretendido pela A., mas não, o que a Ré fez foi – sabendo, naturalmente, do que tratava a acção – negar, pura e simplesmente, qualquer ocupação, adjectivando o acto de instaurar a acção do modo constante da passagem citada, como se estivéssemos perante um capricho ou acto assente na imaginação da A. (como, alias, se diz no art. 1º da contestação), ou seja, contrariando, de forma consciente, a verdade que resulta da prova produzida e que não podia deixar de ser conhecida da Ré.
Considera-se, pelo exposto, que a condenação por litigância de má fé não merece reparo.


5
Por tudo o que se deixou exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, alterando-se a condenação, no que tange à indemnização, para €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros), revogando-se, em consequência, a decisão na parte que excede esse montante.
No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
- Custas da apelação por Apelante e Apelada na proporção do vencido (tendo em atenção a alteração da condenação quanto à indemnização).
- Custas da acção tal como foi decidido na 1ª Instância (considerando-se que o valor ora fixado para a indemnização corresponde à procedência do pedido, tal como o interpretamos).
*
(…)
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Lisboa, 11 de Julho de 2013

Tibério Silva
Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Decisão Texto Integral: