Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI VOUGA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO CADUCIDADE LEGITIMIDADE PASSIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/29/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado.
II – O objecto da sentença coincide com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido. III - Entre as questões de que a Relação pode e deve conhecer oficiosamente figura a da legitimidade ou ilegitimidade das partes (por se tratar duma excepção dilatória [cfr. o art. 494º, alínea e), do C.P.C], salvo se, no despacho saneador, o tribunal de primeira instância se tiver ocupado, em concreto, da questão da legitimidade das partes, não se quedando pela afirmação genérica, em termos tabelares, de que as partes seriam legítimas IV - Numa acção em que o Autor formula, explicitamente, o pedido de reconhecimento da sua qualidade de arrendatário habitacional, fundando essa sua qualidade na alegação de que se teria transmitido para ele, por morte da anterior arrendatária, a posição contratual desta, nos termos do art. 85º, nº 1, alínea c), do RAU, um tal pedido não pode ser formulado apenas no confronto do terceiro que, alegadamente, ocupa ilegitimamente a casa objecto de tal arrendamento, devendo antes sê-lo também no confronto do proprietário do imóvel em questão e senhorio no contrato de arrendamento em causa. V – O nº 2 do art. 28º do CPC impõe a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – o que ocorre sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (cfr. a parte final do mesmo preceito). VI - Entre os exemplos paradigmáticos de litisconsórcio natural (por contraposição ao litisconsórcio legal [o que é imposto por lei: art. 28º, nº 1, do CPC] e ao litisconsórcio convencional [o que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico: cit. art. 28º, nº 1, do CPC], figuram a anulação do contrato-promessa de compra e venda, que deve ser requerida por todos os promitentes compradores e a acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio. VII - Tendo o contrato de arrendamento para fins habitacionais como sujeito activo, na veste de senhorio, o actual proprietário do imóvel, o litígio existente entre o Autor/Apelante e o Réu/Apelado acerca da titularidade da posição contratual de arrendatário da casa em discussão nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, do mencionado senhorio de tal contrato, sob pena de o caso julgado que aqui se formar a respeito de tal questão lhe não ser, de todo, oponível. VIII - A constatação, por esta Relação de que foi preterido o litisconsórcio necessário natural passivo imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, por a acção ter sido intentada apenas contra o ocupante da casa objecto do contrato de arrendamento no qual o Autor ocupa, alegadamente, a posição contratual de inquilino, mas não também contra o proprietário do imóvel e senhorio de tal contrato, não pode, sem mais, conduzir à procedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva e à consequente absolvição do Réu da instância, antes se impondo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., que seja proferido um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento daquela excepção dilatória, convidando o Autor a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada do senhorio do aludido contrato de arrendamento. F.G. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa:
JOÃO, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Filipe, pedindo a condenação deste: a) a reconhecer o A. como arrendatário da casa identificada nos autos; b) a restituir ao A. o gozo da mesma; c) a pagar ao A. a quantia de 17.450,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) bem como a pagar ao A. 500,00 €/dia, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da sentença. Para o efeito, alegou, em síntese, que: - o A. é arrendatário do 7º andar direito do prédio sito na Rua Rui de Sousa, lote 65-A, corpo 2, Chelas, Zona I, na medida em que viveu com a anterior arrendatária, em condições análogas às dos cônjuges, durante cerca de cinco anos e até à data da sua morte; - o senhorio IGAPHE reconheceu que o direito ao arrendamento se transmitiu para o A.; - o R. é neto da falecida arrendatária e em Março de 2003 introduziu-se no andar e impediu o A. de nele voltar a residir.
O Réu contestou, pugnando pela total improcedência da acção e pela sua consequente absolvição dos pedidos formulados pela Autora. Para tanto, alegou, resumidamente, que vivia com a sua avó e última arrendatária desde Janeiro de 1997, pelo que é ele o titular do direito à transmissão do arrendamento, sendo ainda certo que, à data da morte da sua avó (17/2/2003), o A. tinha uma casa arrendada no Barreiro.
O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos. Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 3/4/2006) sentença final que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo o R. dos pedidos contra si formulados.
Inconformado com tal decisão, dela apelou o Autor, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões: “1. A sentença proferida nos autos padece das NULIDADES previstas nos art°s 668°, n° 1, alíneas d) e e) do Cód. Proc. Civil, sendo também certo que atentos os pedidos formulados na acção e a matéria de facto tida por provada, necessariamente outra solução de direito seria de extrair, havendo pois manifesto erro de julgamento. 2. O Tribunal não pode decidir fora dos limites do pedido e da causa de pedir. Ora , tal não ocorreu na sentença proferida nos autos. 3.O A. ora Apelante alega como causa de pedir nos presentes autos, o facto de ser o actual arrendatário da casa referenciada nos autos desde 3 de Julho de 2003, pagando desde então ao senhorio uma renda. Que o R., sem qualquer título se introduziu na casa referenciada, impedindo o A. de entrar na mesma, estando desde então o A. privado no exercício dos seus direitos de utilização e gozo da casa de que é efectivo arrendatário. 4. Pugnando pela procedência da acção, conclui em consequência formulando os pedidos: Reconhecer-se que o A. é o arrendatário da casa identificada nos autos. Condenando-se o R a restituir ao A. o gozo e fruição da aludida casa, entregando-a ao A. livre e devoluta. 5. Mostrou-se provada nos autos toda a matéria factual que suporta a causa de pedir do A. (v. entre outros Pontos 1 a 6, 10 a 12 a 15 dos Factos Provados constantes da sentença). Da qual no essencial resulta extrair-se , - Que o A. é o actual arrendatário da mencionada casa, já que o senhorio lhe reconheceu expressamente o direito de transmissão da mesma e pela qual e como contrapartida o A. paga mensalmente uma renda, sendo os respectivos recibos emitidos em seu nome. - Que o R. introduziu-se no locado no início de Março de 2003, impedindo desde então o acesso ao mesmo ao A. 6. É que adequando a factualidade tida por provada ao direito e a sua conformidade com as pretensões (pedidos) apresentados pelo A., conhecendo de mérito, numa correcta aplicação do direito aos factos, forçoso seria o Tribunal "a quo" concluir, como corolário lógico, pela procedência daqueles pedidos formulados pelo A. Tal não aconteceu, tendo a acção sido julgada totalmente improcedente, havendo pois manifesto erro de julgamento. 7.O Mmo Juiz "a quo" julgou a acção improcedente por entender que procede uma circunstância (a de o A. possuir casa arrendada em localidade límitrofe de Lisboa), susceptível de impedir a transmissão do direito ao arrendamento ao A. Ora, conforme resultou provado nos autos, o arrendamento da casa transmitiu-se efectiva e consumadamente ao A., já que o respectivo proprietário e senhorio (IGAPHE), reconheceu expressamente ao A. o direito de transmissão do contrato de arrendamento da aludida casa (pontos 3 e 4 dos Factos Provados), sendo pois o A. o actual arrendatário da mesma. Aliás, o IGAPHE ao reconhecer o A. como arrendatário fê-lo também no uso do seu direito de livremente contratar. 8. Não está em apreciação nos presentes autos, qualquer pedido de impugnação da validade ou da existência do arrendamento em vigor entre o A. e o IGAPHE, com o fundamento na bondade da transmissão do arrendamento da casa ao A., já consumada e reconhecida pelo senhorio. Essa questão não foi colocada à apreciação do Tribunal. Nos presentes autos não foi deduzido qualquer pedido reconvencional no sentido de "desfazer" a existência do contrato de arrendamento que se encontra plenamente em vigor entre o A e o IGAPHE (conforme se encontra provado nos presentes autos), sendo certo que nem o presente processo se mostra idóneo, do ponto de vista das partes, para atingir tal desiderato, já que não pode fazer qualquer caso julgado em relação ao senhorio IGAPHE, numa questão em que este, como parte contratante no arrendamento plenamente em vigor com o A., necessariamente teria manifesto interesse directo em contradizer tal pedido. 9. Os pedidos formulados na presente acção são apenas e tão só os que o A. formula, designadamente os que se menciona no supra IV. 10. Ora, o Tribunal "a quo" não apreciou tais pedidos, pelo que a sentença padece da nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do art° 668°, n° 1 do Cód. Proc. Civil. 11. Ao decidir como decidiu o Tribunal "a quo" fê-lo com omissão de pronúncia, nulidade da sentença que prevista no arte 668°, n° 1 alínea d), que se traduz no incumprimento por parte do julgador do dever prescrito no n° 2 do art° 660° do CPC, que é do de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras causas de pedir e pedidos. 12. Tendo-se mostrado provados todos os factos invocados pelo A. como consubstanciadores duma consumada e em vigor relação jurídica de arrendamento, não pode agora vir o Tribunal "a quo" denegar-lhe o direito de vê-la reconhecida só porque, em sede abstracta de transmissibilidade do arrendamento, a mesma estaria eventualmente questionada pelo facto de o A. ser titular de uma outra casa. Não é na verdade objecto do processo o de sindicar da bondade ou eventuais vícios dessa transmissão, já consumada e reconhecida pelo senhorio, e pelos vistos, conforme resulta dos autos, sem qualquer atropelo dos direitos do R. E como se alegou o IGAPHE ao reconhecer o A. corno arrendatário fê-lo também no uso do seu direito de livremente contratar. 13. Ao decidir como decidiu o Tribunal "a quo" fê-lo assim e também com excesso de pronuncia e com clara violação do principio dispositivo, segundo o qual cabe às partes delimitar a "causa petendi" e o "thema decidendo", estando pois ferida da nulidade constante da segunda parte alínea d) do n° 1 do art° 668° do Cód. Proc. Civil. 14. O Tribunal "a quo" faz tábua rasa de toda a factualidade provada nos autos (como se a mesma fosse inexistente) e sua apreciação e valoração perante os pedidos formulados pelo A., em clara violação do disposto no art° 659°, n° 2 do Cod. Proc. Civil. 15. Ao julgar a acção improcedente o Tribunal "a quo" cometeu manifesto erro de julgamento, já que atenta a prova produzida nos autos, outra solução de direito seria de extrair — a da procedência total daqueles citados pedidos formulados pelo A. ora Apelante. 16. Por tudo o que fica exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal "a quo" violou expressamente o constante dos art°s 659°, n° 3, 660°, nº 2, 661°, n° l do C.P.Civil e art° 1037°, n° 2 do Código Civil. 17. Restará referir que da presente sentença resultou uma situação jurídica verdadeiramente absurda: - O A. arrendatário da casa em questão, qualidade que lhe é reconhecida pelo respectivo senhorio e a quem paga como contrapartida mensalmente uma renda (factualidade provada nos autos), perante ocupação da mesma pelo R., sem qualquer título (provado nos autos), que vem impedido o A. de entrar e ter acesso à mesma (provado nos autos), vê-se impossibilitado - por via da presente sentença - de judicialmente lhe ser assegurado o direito à restituição da posse da casa arrendada, conforme direito que lhe assiste e o permite o art° 1037°, n° 2 do C. Civil. 18. Impõe-se assim concluir que a douta sentença, para além de padecer das NULIDADES supra referidas, e violando os preceitos legais supra mencionados, não enquadrou correctamente o direito aplicável à matéria de facto provada, em manifesto erro de julgamento, pelo que se impõe a sua revogação, pelo que em substituição, deve ser proferido Acordão em que a presente acção seja julgada procedente e provada, reconhecendo-se que A. ora Apelante é o arrendatário da casa identificada nos autos, condenando-se o R. ora Apelado a restituir ao A. o gozo e fruição da mesma, entregando-a ao A. livre e devoluta, assim se fazendo justiça.
O Réu, ora apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2). Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Autor ora Apelante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber: 1) Se a sentença recorrida padece da nulidade de sentença prevista na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil (indevida omissão de pronúncia), por a mesma não haver, alegadamente, apreciado os pedidos formulados pelo A. (reconhecimento deste como arrendatário da fracção identificada nos autos e condenação do R., a restituí-la ao A., livre e devoluta); 2) Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n° 1 do cit. art° 668° do CPC (excesso de pronúncia), ao denegar o reconhecimento da posição contratual de arrendatário da casa identificada nos autos - de que o Autor se arroga ser titular -, com fundamento numa circunstância susceptível de impedir a transmissão do direito ao arrendamento para o A. (a de este possuir casa arrendada em localidade límitrofe de Lisboa), que, todavia, não foi colocada à apreciação do tribunal, visto não ter sido deduzido qualquer pedido reconvencional de impugnação da existência e/ou da validade do contrato de arrendamento que se encontra plenamente em vigor entre o A. e o IGAPHE; 3) Se, tendo o Autor logrado provar todos os factos por ele invocados como consubstanciadores duma consumada e vigente relação jurídica de arrendamento (a saber: a) - Que o A. é o actual arrendatário da mencionada casa, já que o senhorio lhe reconheceu expressamente o direito de transmissão da mesma e pela qual e como contrapartida o A. paga mensalmente uma renda, sendo os respectivos recibos emitidos em seu nome; b) - Que o R. introduziu-se no locado no início de Março de 2003, impedindo desde então o acesso ao mesmo ao A.), os pedidos por ele formulados na presente acção não podem deixar de proceder, não podendo ser-lhe denegado o reconhecimento da sua posição contratual de arrendatário da casa em questão, só porque, numa apreciação abstracta da transmissibilidade do arrendamento, a mesma estaria eventualmente questionada pelo facto de o A. ser titular de uma outra casa, sita numa localidade limítrofe.
MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância: A sentença recorrida elenca como provados os seguintes factos: 1) O A. paga actualmente a renda mensal de 8,95 Euros ao IGAPHE pelo 7º andar direito do prédio situado na Rua Rui de Sousa, Lote 65 A – Corpo 2 – Chelas – Zona I – em Lisboa (A). 2) É actual proprietário e senhorio do aludido prédio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artº 990, o IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (B). 3) Na sequência de solicitação do ora A., o IGAPHE reconheceu ao A o direito à transmissão do arrendamento da aludida casa, por óbito da anterior arrendatária Maria Emília Silveira Rodrigues Pereira, ocorrido em 17 de Fevereiro de 2003 (C). 4) Por carta datada de 3 de Julho de 2003 dirigida ao A. o IGAPHE reconheceu expressamente ao A. o direito de transmissão do contrato de arrendamento da casa dos autos (D). 5) Face a tal reconhecimento, desde então, o A. vem procedendo ao pagamento directamente ao IGAPHE das rendas da casa, sendo os respectivos recibos emitidos em nome do A. (E). 6) Entretanto, não obstante as diversas diligências junto do R, quer também efectuadas pela PSP da zona e pelo IGAPHE, o R. recusa-se a entregar a casa ao A. (F). 7) Por cartas datadas de 17 de Dezembro de 2003 dirigidas ao R. e expedidas em correio normal e registado com aviso de recepção, o A. interpelou o R. a entregar-lhe o andar livre e devoluto de pessoas e bens que lhe pertencessem, informando-o que caso tal não ocorresse, no dia 29 de Dezembro de 2003, pelas 15 horas, o A. se deslocaria à referida casa, a fim de proceder à mudança da fechadura da porta e tomar a posse efectiva da mesma (G). 8) Na citada data de 29 de Dezembro de 2003, acompanhado por agentes da PSP, o A. deslocou-se à casa arrendada, recusando-se o R. a entregar a mesma com a invocação de que estava a esclarecer o assunto com o IGAPHE, tendo-lhe o A. referido que aguardaria que reconsiderasse a sua conduta e lhe entregasse a casa (H). 9) Como tal não ocorresse, o A. novamente interpelou o R. a entregar-lhe a casa, o que fez por cartas registadas com aviso de recepção e por correio normal, datadas de 19 de Janeiro de 2004, informando-o que no dia 26 de Janeiro se deslocaria novamente ao local acompanhado por um representante do IGAPHE, (a quem fora dado a conhecer a situação), para tomar posse efectiva da casa e proceder à mudança da respectiva fechadura (I). 10) O A. passou a viver na situação de união de facto com a então arrendatária Maria Emília Silveira Rodrigues Pereira na aludida casa, desde meados de Agosto de 1998, e desde então, ali comendo e dormindo em conjunto, e partilhando em comum com aquela os respectivos rendimentos e despesas, prestando-se assistência mútua na doença, como se de marido e mulher se tratassem (1º). 11)Tal situação de vivência em comum entre o A. e a então arrendatária Maria Emília, na casa supra identificada, manteve-se desde então e ininterruptamente até à data do falecimento daquela, ocorrido em 17 de Fevereiro de 2003 (2º). 12) Alegando situação de união de facto com a falecida arrendatária, por carta registada com aviso de recepção, datada de 19 de Março de 2003, o ora A. comunicou ao IGAPHE o óbito da arrendatária, solicitando que lhe fosse reconhecido o direito à transmissão do respectivo contrato de arrendamento (3º). 13) Os pais do R. vivem, pelo menos desde que o R. era criança, em andar situado no prédio contíguo, mais concretamente no 7º andar direito do lote 65, Corpo 1, Rua Rui de Sousa, Marvila, Lisboa (5º). 14) No início de Março de 2003, o R. introduziu-se no andar dos autos, e o A. foi para uma casa de que era arrendatário no Barreiro, e quando dias depois o A. pretendeu regressar, o R. impediu-o de fazê-lo, invocando que lhe pertence a si o direito a viver na casa (6º). 15) E desde então, não mais permitiu que o A. entrasse na referida casa, passando o A. desde então a viver em casa de um casal amigo, por generosidade destes, situada na Av. Dr. Augusto de Castro, Lote 105-5ºC – Marvila em Lisboa (7º). 16) Em 18 de Março de 2003, o R. enviou ao IGAPHE carta a comunicar o falecimento da sua avó, jantando certidão do assento de óbito da mesma, na qual, além do mais, dizia “Como é do vosso conhecimento, eu residia com a minha avó desde Janeiro de 1997, situação devidamente autorizada pelos vossos serviços em 28 Setembro de 1998 (...) aproveito para solicitar que o arrendamento passe definitivamente para meu nome” (10º a 12º). 17) O senhorio IGAPHE continuou, depois do falecimento da arrendatária e até Setembro de 2003, a debitar na conta desta na C.G.D. o valor referente à renda da habitação (13º). 18) Conta essa, que não poderia ser movimentada pelo A. (14º). 19) Após a morte de seu marido, a arrendatária Maria Emília solicitou ao IGAPHE que o R. coabitasse consigo, tendo o IGAPHE autorizado a solicitada coabitação por carta de 28/09/1998 (16º). 20) O A. era arrendatário de uma casa sita na Rua Francisca de Azambuja, nº 3, r/c esq., no Barreiro (18º). 21) Depois de ser impedido de regressar a casa, o A. fez cessar os contratos de abastecimento de água, electricidade e gás (22º). 22) O R. depositou na CGD quantias de igual montante ao das rendas, referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2003, e Janeiro de 2004, invocando recusa do IGAPHE no recebimento das mesmas (24º). O MÉRITO DA APELAÇÃO 1) A PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, POR INDEVIDA OMISSÃO DE PRONÚNCIA (ARTIGO 668º, Nº 1, ALÍNEA D), 1ª PARTE, DO CÓD. PROC. CIVIL). O Apelante assaca à sentença recorrida a nulidade de sentença prevista na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil (indevida omissão de pronúncia), por a mesma não haver, alegadamente, apreciado os pedidos formulados pelo A. (reconhecimento deste como arrendatário da fracção identificada nos autos e condenação do R., a restituí-la ao A., livre e devoluta). Quid juris ? O cit. art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. «Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado»(5). Assim, e não obstante os fundamentos invocados nas alegações do recorrente justificarem - no entender deste – uma decisão diferente e apesar de nem todos esses fundamentos terem sido, pelo menos expressamente, considerados na decisão recorrida, tal circunstância não faz com que a mesma padeça da nulidade que ora lhe é imputada pelo Apelante. É certo que o recorrente discorda do enquadramento jurídico dado pelo tribunal “a quo” à factualidade por ele considerada provada. No entanto, no que respeita às questões jurídicas submetidas à sua apreciação, não deixou o Tribunal recorrido de se pronunciar sobre as mesmas (sendo que, para tanto, não carecia, todavia, de considerar todas as linhas de fundamentação jurídica possíveis e, designadamente, as propugnadas pelo Recorrente nas suas alegações). A tese – propugnada pelo ora Apelante – segundo a qual a sentença recorrida, ao não se pronunciar expressamente sobre a questão de o A. ser o actual arrendatário da fracção em causa, com a consequente condenação do R. a entregá-la, teria omitido pronúncia sobre uma questão de que devia conhecer, é, obviamente, carecida de qualquer fundamento. A primeira questão carecida de apreciação na sentença era a de saber se, no caso em apreço, se verificavam todos os requisitos legais que permitiam a transmissão do arrendamento, por morte da primitiva arrendatária, para o ora Autor/Apelante, uma vez que o R., na sua contestação, invocou factos impeditivos de tal transmissão. Ora, essa questão o tribunal a quo não deixou de resolver, ao considerar provada a excepção peremptória prevista no art. 86º do R.A.U. Se, ao fazê-lo, o tribunal “ a quo” incorreu, porventura, em erro de julgamento (por não ter tomado em consideração a circunstância de o senhorio aceitar o A. como arrendatário), tal já não envolve omissão de pronúncia sobre questão que devesse ser conhecida, apenas significando a desconsideração duma das várias linhas de argumentação possíveis na apreciação da questão do reconhecimento do A. como arrendatário do imóvel identificado nos autos. Assim, é manifesto que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art. 668.°, n.° 1, al. d), 1ª parte, do CPC. Donde que o presente recurso improcede, quanto à imputação à sentença sob recurso da nulidade prevista na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC (indevida omissão de pronúncia sobre questão que o juiz devesse apreciar).
2) A PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, POR EXCESSO DE PRONÚNCIA (ARTIGO 668º, Nº 1, ALÍNEA D), 2ª PARTE, DO CÓD. PROC. CIVIL). O apelante assaca igualmente à sentença recorrida a nulidade prevista na segunda parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, sustentando que, ao pronunciar-se pela existência duma causa impeditiva à transmissão do arrendamento para o A. (o R. limitou-se a alegar, nomeadamente, que o A. é titular de uma outra casa no Barreiro, mas não deduziu pedido reconvencional), o tribunal a quo teria tomado conhecimento de questão de que não podia conhecer, existindo, por isso, excesso de pronúncia e violação do princípio dispositivo. Quid juris ? O cit. art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. «Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 660º-2), é nula a sentença que o faça»(6). No caso dos autos, porém, o tribunal a quo, ao considerar que se verificava “in casu” a excepção prevista no art.86 do R.A.U. - a qual impede que o contrato de arrendamento do imóvel em causa se transmita para o A., por morte da primitiva arrendatária-, não se ocupou de questão de que não pudesse conhecer ex officio. Efectivamente, tudo quanto o tribunal a quo fez foi apreciar o mérito do pedido condenatório formulado pelo ora Apelante, sendo que, no decurso dessa apreciação, acabou por concluir que havia uma causa impeditiva que não permitia a transmissão do arrendamento para o A., tendo a mesma sido expressamente invocada pelo R. na sua contestação (que, aliás, nunca reconheceu o A. como arrendatário do dito imóvel) e cuja prova demonstrou nos autos como era seu ónus, nos termos do art. 342º nº2 do Cód. Civil). A sentença recorrida não violou, portanto, o art. 660º, nº 2, do CPC e, consequentemente, não enferma da nulidade prevista na 2ª parte da citada al. d) do nº 1 do art. 668º do mesmo diploma. O apelante sustenta ainda que a sentença recorrida padeceria da nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 668º do CPC, muito embora não concretize de que forma a mesma se verifica no caso em apreço. Quid juris ? «Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida»(7): cfr. o art. 661º, nº 1, do CPC(8). «As partes, através do pedido, circunscrevem o “thema decidendum”, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa»(9)(10)(11)(12)(13)(14)(15)(16). «O objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido»(17)(18). Consequentemente, «é (…) nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 661º-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido»(19)(20). A esta luz, nada obsta a que, a despeito da procedência da excepção peremptória prevista no art. 86º do R.A.U. (excepção essa que - repete-se - foi expressamente suscitada pelo R., na sua contestação), que impede a transmissão do arrendamento para o A., por morte da primitiva arrendatária, se absolva o R. dos pedidos contra si formulados pelo Autor - de reconhecimento deste como arrendatário da dita fracção e de condenação do R. na sua entrega ao A. livre e devoluta. Esta absolvição não constitui violação dos limites do pedido impostos pelo citado art. 661º nº 1 do CPC e, consequentemente, a sentença recorrida não padece da nulidade prevista na mencionada al. e) do nº 1 do art. 668º do mesmo diploma, que o Apelante infundadamente lhe assaca.
3) A ILEGITIMIDADE DO ORA RÉU/APELADO, POR ESTAR DESACOMPANHADO, NA PRESENTE ACÇÃO, DO SENHORIO NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL CUJA TRANSMISSÃO PARA O AUTOR/APELANTE CONSTITUI PRESSUPOSTO DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE ARRENDATÁRIO POR ESTE FORMULADO NA PETIÇÃO INICIAL. Improcedendo a apelação quanto às duas primeiras questões suscitadas, nas conclusões da respectiva alegação, pelo ora Apelante, dir-se-ia estar chegado o momento de entrar na apreciação da última questão suscitada pelo Recorrente: a de saber se, ao julgar a presente acção improcedente, o Tribunal "a quo" incorreu em manifesto erro de julgamento, já que, perante a factualidade julgada provada nos autos, a única solução jurídica a extrair era precisamente a oposta — a da procedência total dos pedidos formulados pelo Autor. Porém, «como resulta dos arts. 664º e 713º, nº 2 [do C.P.C.], a Relação tem plena liberdade de análise da matéria de direito; aqui não encontra limites como na apreciação da matéria de facto» (21). Por isso, «se bem que a Relação não possa conhecer de questões não compreendidas no objecto do recurso, pode todavia julgá-lo procedente por razões jurídicas diversas das invocadas pelo recorrente, ou julgá-lo improcedente por fundamentos jurídicos não coincidentes comos da sentença recorrida» (22)(23)(24)(25)(26)(27). Ora, entre as questões de que a Relação pode e deve conhecer oficiosamente figura a da legitimidade ou ilegitimidade das partes (por se tratar duma excepção dilatória [cfr. o art. 494º, alínea e), do C.P.C], sabido que todas as excepções dilatórias, salvo a incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 110º e a preterição do tribunal arbitral, são de conhecimento oficioso [cfr. o art. 495º do mesmo Código]). Salvo se, no despacho saneador oportunamente proferido, o tribunal de primeira instância se tiver ocupado, em concreto, da questão da legitimidade das partes, não se quedando pela afirmação genérica, em termos tabelares, de que as partes seriam legítimas – caso em que a reapreciação, pela Relação, da questão da legitimidade envolveria violação do caso julgado formal constituído no saneador (cfr. o art. 510º, nº 3, 1ª parte, do C.P.C.). Como, no caso dos autos, porém, tal não aconteceu, tendo o despacho saneador oportunamente proferido afirmado a legitimidade das partes em termos genéricos e tabelares, não se ocupando concretamente desta excepção dilatória, esta Relação não incorre em violação do caso julgado formal ao reapreciar, nesta sede, a questão da legitimidade das partes. Ora, neste âmbito, tem-se por seguro que, numa acção como a presente – em que o Autor formula, explicitamente, o pedido de reconhecimento da sua qualidade de arrendatário habitacional da casa identificada nos autos (correspondente ao 7º andar, lado direito, do prédio situado na Rua Rui de Sousa, Lote 65 A – Corpo 2 – Chelas – Zona I, em Lisboa), fundando essa sua qualidade na alegação de que se teria transmitido para ele, por morte da anterior arrendatária (Maria Emília Silveira Rodrigues Pereira), a posição contratual desta, nos termos do art. 85º, nº 1, alínea c), do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, um tal pedido não pode ser formulado apenas no confronto do terceiro que, alegadamente, ocupa ilegitimamente a casa objecto de tal arrendamento (por nela se ter introduzido já depois da morte da anterior arrendatária, a pretexto de pretender retirar os bens desta, impedindo posteriormente o ora Autor de a ela regressar, mudando para esse efeito a fechadura da porta), devendo antes sê-lo também no confronto do proprietário do imóvel em questão e senhorio no contrato de arrendamento em causa. Isto porque o nº 2 do art. 28º do CPC impõe a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – o que ocorre sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (cfr. a parte final do mesmo preceito). «Há litisconsórcio necessário, sempre que a lei ou o negócio jurídico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercício do direito, seja para reclamação do dever correlativo»(28). «Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal»(29). «O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes»(30). «A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (…) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar»(31). «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»(32). Entre os exemplos paradigmáticos, recolhidos da jurisprudência, de litisconsórcio natural (por contraposição ao litisconsórcio legal [o que é imposto por lei: art. 28º, nº 1, do CPC] e ao litisconsórcio convencional [o que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico: cit. art. 28º, nº 1, do CPC], figuram a anulação do contrato-promessa de compra e venda, que deve ser requerida por todos os promitentes compradores (Ac. do S.T.J. de 18/2/1988 in BMJ nº 374, p. 410) e a acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio (Ac. da Rel. de Coimbra de 17/4/1990, sumariado in BMJ nº 396, p. 447). Consequentemente, no caso dos autos, tendo o contrato de arrendamento para fins habitacionais - em cuja vigência o Autor fundamenta a qualidade, que se arroga, de arrendatário da casa em questão, por se ter, alegadamente, transmitido para ele, por morte da anterior arrendatária (ocorrida em 17 de Fevereiro de 2003), a respectiva posição contratual, visto ele viver com ela na situação de união de facto, desde 1998 – como sujeito activo, na veste de senhorio, o actual proprietário do imóvel (o IGAPHE – INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO), é manifesto que o litígio existente entre o Autor/Apelante e o Réu/Apelado acerca da titularidade da posição contratual de arrendatário da casa em discussão nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, do mencionado senhorio de tal contrato, sob pena de o caso julgado que aqui se formar a respeito de tal questão lhe não ser, de todo, oponível. A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcio necessário natural (cit. art. 28º-2 do CPC) do actual ocupante da casa em questão e do senhorio no contrato de arrendamento para fins habitacionais que, alegadamente, não caducou com a morte da anterior arrendatária, por a posição contratual desta se haver transmitido, nos termos do cit. art. 85º, nº 1, al. e), do R.A.U., para o aqui Autor/Apelante. Como assim, o ora Réu/Apelado, sendo embora o putativo ocupante ilegítimo da fracção cuja detenção o Autor pretende recuperar, não podia ter sido demandado na presente acção, desacompanhado do proprietário da casa em questão e senhorio no contrato de arrendamento cuja alegada vigência fundamenta precisamente a qualidade - que o Autor se arroga- de arrendatário da mesma casa. A preterição desse litisconsórcio necessário natural passivo consequencia a ilegitimidade passiva do Réu/Apelado (cit. art. 28º, nºs 1 e 2, do CPC). Apesar dessa ilegitimidade passiva do Réu/Apelado, decorrente da preterição do litisconsórcio necessário natural imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, faz-se mister que o tribunal “a quo” providencie, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., pelo suprimento de tal excepção dilatória, em lugar de se julgar imediatamente verificada a excepção dilatória de ilegitimidade, com a consequente absolvição do R. da instância. Efectivamente, de acordo com o art. 508º, nº 1, al. a), do C.P.C., findos os articulados, deve o juiz proferir despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias. «O objectivo deste comando legal é evidente: tudo deverá ser feito para que a instância seja regularizada de modo a que seja possível o conhecimento do fundo da causa e o proferimento de uma decisão de mérito»(33). «Assim, perante a irregularidade ou a falte de preenchimento de pressupostos processuais, deverão ser tomadas todas as providências destinadas à respectiva regularização»(34). «A preocupação da lei (posterior à revisão de 1995/1996) com a realização da função processual, mediante a pronúncia de decisão de mérito, leva a estabelecer o dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja sanável: o juiz deve determinar a realização dos actos necessários à regularização da instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-los (art. 265º-2)»(35). Ora, a lei processual é expressa quanto à sanabilidade do pressuposto processual consistente na falta de litisconsórcio necessário (art. 269º do C.P.C.). Apenas «são insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no art. 8º), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência»(36). «As providências concretas dependerão, obviamente, da irregularidade que estiver em causa»(37). «Algumas vezes, a sanação pode ter lugar oficiosamente: nos casos «por exemplo, do art. 23º, o juiz ordena a citação de quem devia representar o réu (art. 24º) ou a notificação do pai preterido do menor (art. 23º-3) e com a citação ou notificação a falta do pressuposto processual fica sanada; algo de semelhante se passa quando o juiz ordena a citação da administração principal como ré, em sanação da falta de personalidade judiciária da sucursal, agência, filial, delegação ou representação (art. 8º)»(38). «Mas, na maior parte dos casos, a iniciativa oficiosa terá de ser seguida por um acto da parte, do seu representante ou curador ou do terceiro titular do poder de autorizar ou consentir»(39). «E há casos em que, por estar em causa a conformação subjectiva ou objectiva da instância, o juiz mais não pode fazer do que convidar a parte a determiná-la: não tendo sido constituído o litisconsórcio necessário, o autor é convidado a fazer o chamamento à intervenção principal da pessoa em falta (art. 269º-1)»(40). Consequentemente, «as intervenções de terceiros continuam a não poder ser ordenadas ex officio»(41). «A articulação entre o disposto nos arts. 508º/1 a) e 265º/2 parece apontar no sentido de o convite para a sanação das excepções dilatórias dever ser exclusivamente dirigido ao autor»(42). «Com efeito, se é sobre o autor que recai o ónus de preenchimento dos pressupostos processuais, será ele quem deve promover as modificações subjectivas da instância que permitam sanar a excepção dilatória de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio, activo ou passivo»(43). «Por conseguinte, confrontado com a falta de algum interessado com reflexos na legitimidade plural, cabe ao juiz convidar o autor a accionar os mecanismos processuais que permitam superar esse obstáculo ao natural prosseguimento da instância para a fase subsequente»(44). Eis por que, no caso dos autos, a constatação, por esta Relação, nesta fase processual, de que foi preterido o litisconsórcio necessário natural passivo imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, por a acção ter sido intentada apenas contra o ocupante da casa objecto do contrato de arrendamento no qual o Autor ocupa, alegadamente, a posição contratual de inquilino, mas não também contra o proprietário do imóvel e senhorio de tal contrato, não pode, sem mais, conduzir à procedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva e à consequente absolvição do Réu da instância, antes se impondo, nos termos das disposições conjugadas dos citt. arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., que seja proferido um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento daquela excepção dilatória, convidando o Autor ora Apelante a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada do senhorio do aludido contrato de arrendamento (o IGAPHE – INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO). Como assim, a sentença recorrida (que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados pelo Autor) não pode subsistir, impondo-se a sua substituição por um despacho pré-saneador com o conteúdo e a finalidade supra apontada. Eis por que a apelação acaba por proceder, embora por razões totalmente distintas das sustentadas pelo Apelante e com consequências processuais igualmente diversas das por ele preconizadas. DECISÃO Acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de Apelação, revogando a sentença recorrida e ordenando que, após a baixa do processo a tribunal “a quo”, seja ali proferido um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade passiva (por preterição do litisconsórcio necessário natural passivo imposto pelo art. 28º-2 do Código de Processo Civil), convidando o Autor ora Apelante (nos termos das disposições conjugadas dos citt. arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do mesmo diploma) a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada do proprietário da casa objecto do questionado contrato de arrendamento (o IGAPHE – INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO). Custas da apelação a cargo do Réu/Apelado.
Lisboa, 29/5/2007 Rui Torres Vouga (Relator por vencimento) Carlos Moreira Rui Machado e Moura (vencido) _________________________________ Declaração de vencido |