Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO CONTRATO DE ARRENDAMENTO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO RENDA FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA DETERIORAÇÃO VÍCIO DO LOCADO DEFEITO DA COISA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/19/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- Para que a excepção de não cumprimento do contrato possa ser invocada de forma licita por parte do inquilino, não pagando as rendas, é necessário que a mesma observe as regras da boa-fé e preserve o equilíbrio contratual, pelo que nessa invocação impõe-se que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção. II- Não resultando provado que a invocada deterioração do locado impossibilitava o apelante de usar a totalidade deste, o despejo com base na falta de pagamento de rendas teria que proceder, por se estar perante factualidade não suportadora da excepção de não cumprimento do contrato invocado pelo inquilino (art. 342º, 2 do CC) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa “A” interpõe o presente recurso de apelação da sentença proferida pelas varas cíveis de Lisboa na acção de despejo que lhe foi intentada por “B”. O tribunal recorrido julgou a acção procedente por provada e em consequência: Declarou resolvido o contrato de arrendamento do 4º andar do prédio sito na Travessa ..., nºs ...a..., em Lisboa; Condenou o R. a despejar imediatamente a casa arrendada, entregando-a ao A. livre e devoluta; Condenou o R. a pagar ao A. as rendas vencidas desde Dezembro de 2002, respeitante a Janeiro de 2003 (inclusive) até à data da sentença no valor unitário de € 376,30; Condenou o R. a pagar ao A. as rendas vincendas desde a data da sentença até ao trânsito em julgado da decisão, no valor unitário de € 376,30; E para caso o R. não entregar ao A. o locado imediatamente após o trânsito em julgado da sentença, condenou o mesmo a pagar ao Autor, a titulo de indemnização, por cada mês que decorrer até entrega efectiva, o valor da renda estipulada – € 376,30. Julgou a reconvenção totalmente improcedente e em consequência dela absolveu o autor. São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pelo apelante: CONCLUSÕES I As obras solicitadas pelo Apelante no ano 2000 ao apelado nunca foram realizadas, apesar de ter realizado parte delas em 2006, o que contribuiu para um agravamento da situação, pois, encontra-se privado do fornecimento de gás, a porta da casa de banho não foi substituída, os móveis da cozinha não foram substituídos. II Na verdade, apesar do relatório pericial, junto a fls. 298 a 302 dos autos, demonstrar o estado do locado e as obras realizadas, não pode ser restabelecido o fornecimento do gás, como resulta do facto assente sob o nº. 28 E cujo documento se encontra junto aos autos a fls. 309. III A partir do ano de 2002 o Apelante suspendeu o pagamento da renda que vinham cumprindo pontualmente, até que as obras solicitadas sejam executadas, nos termos do artº. 428º. e seguintes do Código Civil, devido ao incumprimento por parte do Apelado. IV O contrato de arrendamento celebrado em 01 de Dezembro de 1988, é um contrato sinalagmático que tem em comum com os demais contrato o facto de constituir lei entre as partes, por força do princípio da força vinculativa, consagrado no artº. 406º. Nº. 1 do Código Civil, que se desenvolve através de outros três princípios: o da pontualidade, o da irretractibilidade ou da irrevogabilidade e o da intangibilidade, fundindo-se os dois últimos no princípio da estabilidade. V A reciprocidade ou contrapartida das prestações manifesta-se e releva durante toda a vida do contrato, designadamente quanto à simultaneidade do cumprimento das prestações, ou seja a execução por uma das partes encontra-se condicionada à execução da outra, nos termos dos artºs. 1022º., 1031º. al. b), 1032º. al. b), 1037º. Nº. 1 do Código Civil. V Como refere Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, IX, Pág. 11), “ a obrigação do senhorio em manter a fruição normal da coisa pelo locatário é uma obrigação contínua ou sucessiva que se renova em cada dia até ao fim do arrendamento. Não basta que o prédio seja arrendado em bom estado, é preciso mantê-lo em bom estado fazendo as precisas reparações ou consertos”. VI As obras de instalação do gás canalizado e as demais constantes do auto de vistoria relativamente ao locado, designadamente a substituição da porta, a substituição do armário a bancada do lava loiças, canalizações de água, pintura do locado, etc., são da responsabilidade do senhorio, bem como todas as obras de conservação, quer nos termos da cláusula 9ª. do Contrato de Arrendamento existente entre Apelante e Apelado, quer por força do artº. 1030º. conjugado com o artº. 216º. ambos do Código Civil e Decreto-Lei nº. 262/89, de 17 de Agosto (posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº. 521/99, de 10 de Dezembro) e pelo artº. 8º. Nº. 4 da Portaria nº. 362/2000, de 20 de Junho e pontos 5., 5.1 e 5.2 dos autos de vistoria juntos a fls. 70 e 95 dos autos, lavrado em 2004 e 2005. VII O ora Apelante foi impedido pelo Apelado de executar as obras necessárias e urgentes no locado conforme resulta da fundamentação de facto. VIII O Apelado encontra-se em mora desde o ano 2000 até ao presente. IX As obras reclamadas pelo Apelante são obras urgentes como resulta do auto de vistoria com vista a eliminar a insalubridade e a insegurança em que o locado se encontra e garantir a fruição plena deste de acordo com o contrato de arrendamento. X O Apelante apenas tem o gozo parcial do imóvel, pois está impedido de fruir do mesmo em toda a plenitude do seu direito, que consubstancia um direito subjectivo, como resulta da fundamentação de facto da douta sentença recorrida. XI A porta da casa de banho aguarda há nove para ser substituída, encontrando-se actualmente no estado em que se encontrava, conforme se pode alcançar dos documentos juntos a fls.80 e 335. XII A nossa jurisprudência tem ultimamente aplicado a exceptio non admpleti contratus, para reconhecer que o arrendatário não terá a obrigação de pagar a renda devida enquanto o senhorio, por sua parte não proceder às reparações se as quais o arrendatário está impossibilitado, total ou parcialmente do gozo do prédio - v.g. acórdãos do STJ de 11/12/1984, in BMJ nº. 342 pág. 355 e de 21/02/2006 in www. dgsi.pt STJ e Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 09/05 de 1996 in colectânea de Jurisprudência XXI-III, pág. 87; Acórdão do Tribunal Constitucional de 06/12/2005, in DR II, de 03/02; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/1/1986, in C.J. XI - 5º., pág. 286. XIII O Apelado está em incumprimento contratual relativamente ao Apelante, violando a lei, os princípios da boa fé e dos bons costumes. XIV A douta sentença violou os artºs. 428º., 1022º.,1031º. Al. b), 1032º. Al. b) e 1037º. Nº. 1 todos do Código Civil. XV O ora apelante opôs-se à junção dos documentos apresentados pelo apelante e face as dúvidas quanto a autenticidade e veracidade do documento junto a fls. 370 dos autos, pois, o mesmo apresenta contradições, tem três tipos de letra diferentes, não tem o nome completo ou pelo menos o apelido do trabalhador da Gasfomento nem o número da carteira profissional passada DGGE, o dito trabalhador por um lado diz que se trata de uma fuga no fugão/não foi possível fazer CO2, com uma letra mais abaixo diz que não deixou fazer a inspecção, com outra letra assina só com o primeiro nome e não indica o número da credencial que devia ser titular passada pela DGGE, como acontece com outros profissional da mesma empresa, quando o Apelante nunca se opôs e aguarda um esclarecimento por parte da Gasfomento. XVI Ao contrário do consignado a fls. 411 dos autos, a fiscalização da instalação do gás, por parte da Lisboagás é posterior colocação da nova instalação e não ao contrário, facto que pode induzir em erro e à inversão de posições e razão. XVII Outrossim, é posterior à perícia realizada pelos peritos do ISQ nomeados pelo Tribunal. XVIII Ainda não foram restabelecidas das condições de habitabilidade do locado por parte do Apelado nem de salubridade encontrando-se o apelante privado do direito gozo pleno do locado que lhe é reconhecido por contrato validamente celebrado. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, reconhecendo-se a verificação dos pressupostos da exceptio nom adimpleti invocada, condenando-se o apelado” São as seguintes as conclusões de recurso nas contra alegações do Apelado: a) O R. não fez prova do pagamento das rendas vencidas a partir de 11.12.02. b) Na sua contestação o R. não invocou a excepção prevista no artº 428° do Cód. Civil. c) Mesmo que o tivesse feito, a referida excepção não podia proceder uma vez que não se verifica mora do senhorio na realização de obras e o R. não ficou impedido de utilizar o locado. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal. Os factos dados como provados pelo tribunal recorrido são os seguintes: 1) O A. é dono do prédio sito na Travessa ..., nºs ...a..., em Lisboa, inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia de .... ( al. A) da MA). 2) Por contrato com início em 01/12/1988, o A. deu de arrendamento ao R. o quarto andar do prédio identificado em A, com destino a habitação, e pela renda mensal de Esc. 40.000$00, entretanto actualizada para € 376,30 mensais. ( al. B) da MA). 3) A forma de pagamento da renda convencionada é o depósito na conta bancária do A., domiciliada na Caixa Geral de Depósitos com o no .... ( al. C) da MA). 4) Foi dado conhecimento da existência daquele contrato à competente Repartição de Finanças. (al. D) da MA). 5) O R. deu conhecimento ao A., antes da realização de vistoria, que o locado carece de obras de conservação e de beneficiação. ( al. E) da MA). 6) O locado dispunha de instalação de gás da companhia, o que permitia a utilização de água quente nos banhos e higiene pessoal. ( al. F) da MA). 7) O R. solicitou ao A. que realizasse as obras consideradas necessárias pelos técnicos da Lisboagás, sem que este tivesse satisfeito, até ao presente, as pretensões do R.. (al. G) da MA e 8º da BI). 8) No ano 2000, o R. solicitou ao A. que substituísse a porta da casa de banho por se encontrar em mau estado de conservação. (al. H) da MA). 9) Posteriormente à realização da peritagem feita à porta a solicitação do R., foi comunicado ao R. que a porta estava impregnada de micróbios da pele. (al. I) da MA). 10)O R. deu conhecimento ao A. de que estava impossibilitado de utilizar gás, para banhos e cozinhar, e solicitou por diversas vezes que o mesmo realizasse as obras a tanto necessárias. (al. J) da MA). 11)Em 04 de Dezembro de 2002 o R. enviou ao A. carta em que lhe solicitava que fizesse nova canalização, a fim de poder instalar o esquentador de acordo com as normas de segurança exigidas pela Lisboagás, a fim de evitar o perigo de rebentamento e incêndio, por não ser respeitada a altura que deve separá-lo do tecto. (al. K) da MA), que substituísse a porta da casa de banho, porque a que o A. tinha substituído, havia dois anos, já estava toda podre. (al. L) da MA) e que realizasse obras de beneficiação. (al. M) da MA). 12)O A recusou-se a realizar as obras, alegando que o R. estava muito bem assim, pois na sua terra não encontraria uma casa idêntica, e que o imóvel não necessitava de obras. (al. N) da MA). 13)O R. informou o A que se disponibilizava a mandar executar as obras e substituir a porta da casa de banho, a expensas suas, propondo que depois de realizadas, descontaria o custo das obras no valor das rendas que se vencessem. (al. O), o que não foi aceite pelo A., opondo-se a tal solução. ( al. P) da MA). 14)Por força da cláusula 9ª do contrato de arrendamento o inquilino não poderá fazer quaisquer obras no local arrendado. ( al. Q) da MA). 15)Quando o A. tomou conhecimento que os técnicos da Câmara Municipal de Lisboa se encontravam no local para proceder à vistoria dos vários pisos que compõem o prédio de que o A. é proprietário, o mesmo chamou os técnicos aos interior da residência do R., a fim de procederem à vistoria do locado (al. R) da MA), o que aconteceu. (al. S) da MA). 16)Os técnicos realizaram a vistoria, continuando a vistoria dos restantes andares do dito prédio. (al. T) da MA). 17)O R. desconhece em que condições foi realizada a vistoria. (al. U) da MA). 18)O A. não realizou as obras no andar arrendado ao R., efectuando-as apenas nos andares inferiores. (al. V) da MA). 19)O R. ao tomar conhecimento destes factos e inconformado com a situação, dirigiu-se ao A. perguntando-lhe por que razão tinha adoptado tal procedimento, quando as rendas sempre haviam sido pagas tempestivamente e era do conhecimento do A. as condições em que o R. vivia e vive.(al. W) da MA). 20)O autor procedeu à realização de obras no locado, tendo procedido à colocação de uma nova instalação de gás e retirado os armários da cozinha, que não substituiu. (al. X) da MA). 21)Em 2000, aquando da conversão do gás de cidade para gás natural, os técnicos da Lisboagás visitaram e inspeccionaram os aparelhos existentes no andar habitado pelo Réu, tendo verificado que a instalação do esquentador e do fogão não estavam correctas no que respeita à exaustão, mais concretamente, a primeira no que respeita ao “ diâmetro da conduta de evacuação adequada ao aparelho”, à “ conduta de evacuação com troço vertical superior a 20 cm”, à “ ligação à chaminé ou ao exterior, sem obturar exaustão do fogão “ e a segunda no que respeita à “ exaustão forçada do fogão ( exaustor)“. ( resp. 4º e 5º da BI). 22)O monóxido de carbono é um gás causado pela utilização de aparelhos de queima a gás; a existência de problemas de ventilação e / ou exaustão do referido gás, pode conduzir à sua concentração em níveis elevados, o que é de difícil detecção; a partir de níveis de concentração mais elevados os seus efeitos nocivos podem manifestar-se rapidamente, levando ao aparecimento de tonturas, náuseas, convulsões, perdas de consciência e, em situações mais graves, à morte. (resp. 6º da BI). 23)Os técnicos da Lisboagás indicaram que o esquentador deveria estar a uma distância mínima do fogão de 10 cm, a conduta de exaustão deveria ter um diâmetro mínimo de 90 cm; a conduta deveria ser em alumínio, ao inox ou chapa de ferro esmaltada ou galvanizada; a conduta deveria ter uma inclinação ascendente e um troço recto à saída do esquentador com o mínimo de 20 cm. ( resp. 7º da BI). 24)A 18 de Novembro de 2002 o Réu comunicou ao autor as alterações que deveriam ser efectuadas. (resp. 8º da BI). 25) O autor não substituiu a porta. ( resp. 14º da BI). 26)Em Dezembro de 2004, a porta da casa de banho estava no estado documentado na foto de fls. 80 - totalmente apodrecida na zona inferior -devido à presença permanente de água, dado o facto de a casa de banho não possuir banheira, funcionado com ralo de pavimento e que actualmente não fecha totalmente. ( resp. 15º da BI). 27)Desde Dezembro de 2004 que a habitação do réu não é fornecida de gás. ( resp. 17º da BI). 28)A 16.07.09. a Lisboagás elaborou o relatório de fls. 309, onde refere que o gás estava fechado e continuou fechado devido a uma fuga na distribuição e jusante da válvula de corte aos aparelhos. ( resp. 32º e 33º da BI). 29) O autor não colocou os armários da cozinha porque o Réu não o permitiu. ( resp. 34º da BI). Apreciando o recurso No recurso não vem impugnada matéria de facto mas a solução jurídica encontrada pelo tribunal recorrido que, na perspectiva do recorrente, teria de ser necessariamente distinta uma vez que está verificada a exceptio non adimpleti contratus, motivo pelo qual não tem a obrigação de pagar a renda devida enquanto o senhorio, por sua parte, não proceder às reparações, estando o apelante /arrendatário impossibilitado, total ou parcialmente do gozo do prédio. Daí que a acção devesse ter sido julgada improcedente procedendo a reconvenção. Vejamos: Tal como se refere na sentença ao caso dos autos aplica-se o CC e o RAU aprovado pelo DL DL 321-B/90 de 15 de Outubro. E resulta da matéria fáctica assente que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento para a habitação. Elementos do contrato são: a obrigação de proporcionar o gozo de um prédio urbano; o prazo; a retribuição. Com efeito ficou provado que por contrato com início em 01/12/1988, o A. deu de arrendamento ao R. o quarto andar do prédio identificado em A, com destino a habitação, e pela renda mensal de Esc. 40.000$00, entretanto actualizada para € 376,30 mensais. ( al. B) da MA), sendo a forma de pagamento da renda convencionada, o depósito na conta bancária do A., domiciliada na Caixa Geral de Depósitos com o n° .... ( al. C) da MA). Uma das obrigações do locatário é a de pagar a renda – art.º 1 038º alínea a) do CC. E nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 64º do RAU, o senhorio pode resolver o contrato ( de arrendamento ) se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório. O arrendatário não paga a renda, quando na data do vencimento não entrega ao senhorio ou a quem o represente, o respectivo valor, entrando assim em mora. O Autor alegou nos autos que o Réu não pagou a renda vencida a 01.12.02. e meses seguintes. Foi levado á BI sob os artigos 1º e 2º saber se o Réu havia pago a renda que se venceu no dia 01.12.02. referente ao mês de Janeiro e se pagou as que se venceram posteriormente. Estes factos tiveram resposta negativa. Além disso foi levado à BI sob o art.º 23º, saber se o Réu tem depositado as rendas como então comunicou ao autor, facto que também teve resposta negativa. O pagamento da renda é um facto extintivo do direito do autor, pelo que cabia ao Réu alegá-lo e prová-lo - art.º 342º n.º 2 do CC - o que não logrou fazer. O Apelante /réu opôs a excepção de não cumprimento do contrato fundada no facto de o locado carecer de obras e o senhorio / autor se recusar a realizá-las. Mas tal excepção não se verifica como bem se demonstrou na sentença. Senão vejamos: Dispõe o art.º 428º do CC: “ 1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. 2. (...). “ Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, I, 3ª Edição, pág. 380 (anotação ao art.º 428º do CC) referem a propósito: “ A exceptio non adimpleti contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos (...) É evidente, por outro lado, que mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro. (…) Para que a exceptio se aplique, não basta que o contrato seja obrigatório ou crie obrigações, para ambas as partes: é necessário que as obrigações sejam, como se disse, correspectivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra (..) “ O dever do inquilino de pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspectivas são o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda. Neste sentido, não há correspectividade entre o dever do inquilino de pagar a renda e o puro e simples dever do senhorio de realizar obras, pelo que a mora do senhorio na realização das obras não justifica a invocação da excepção de não cumprimento do contrato; mantendo-se o arrendatário no gozo do arrendado o dever que o senhorio tem de proceder a reparações não é correspectivo do dever do arrendatário pagar, pontualmente, as rendas convencionadas, pois á obrigação de pagar a renda contrapõe-se o dever de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do arrendado vide entre outros o , Ac. do STJ de 06.05.82., in BMJ, 317, 239 , citado na sentença , em que efectivamente se sustenta que mantendo-se o arrendatário no gozo do arrendado, o dever que o senhorio tem de proceder a reparações não é correspectivo do dever do arrendatário pagar, pontualmente, as rendas convencionadas . E se é certo que a jurisprudência, como também vem referido na sentença, vide - Ac. do STJ de 11.12.84, in BMJ, 342, 355 e RLJ, 119, 137, objecto de comentário pelo Prof. Almeida e Costa- tem vindo a admitir a invocação da referida excepção por parte do inquilino, não pagando toda ou parte da renda, quando esteja em causa a inobservância, pelo senhorio, do dever de realizar obras que impliquem directamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo, desde que observado o supra referido principio da proporcionalidade, tal não é o caso dos autos. Para que a excepção de não cumprimento do contrato possa ser invocada de forma licita por parte do inquilino, não pagando as rendas, é necessário que a mesma observe as regras da boa-fé e preserve o equilíbrio contratual, pelo que nessa invocação impõe-se que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção. Como também refere Calvão da Silva, “ exceptio não pode ser exercida pelo contraente que está obrigado a cumprir, rectius, em primeiro lugar, mas já pode ser oposta pela parte cuja prestação deva ser realizada depois”, acrescentando, no que ao contrato de locação importa, que “se a renda deve ser paga antecipadamente, o locador pode recusar a entrega da casa se o locatário não paga; mas se já a entregou e o locatário não paga (ou continua a não pagar) a renda, aquele não é obrigado a reparar as deteriorações a fim de garantir o gozo da coisa por este. Já se o locatário paga a renda e o locador não repara as deteriorações do imóvel que é obrigado a garantir, aquele pode suspender o pagamento da renda (de toda a renda) quando se trate de não cumprimento do locador que exclua totalmente o gozo da coisa; no caso de privação parcial do gozo, imputável ao locador, o locatário apenas poderá suspender o pagamento de parte da renda” (in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 331, nota 599). O Apelante invoca obras não realizadas pelo senhorio que impedem o uso do locado: a instalação de gás; - a porta da casa de banho; - o buraco por onde entram ratos, pulgas e baratas. Relativamente à instalação de gás, está provado que: - o locado dispunha de instalação de gás da companhia, o que permitia a utilização de água quente nos banhos e higiene pessoal. ( al. F) da MA); - em 2000, aquando da conversão do gás de cidade para gás natural, os técnicos da Lisboagás visitaram e inspeccionaram os aparelhos existentes no andar habitado pelo Réu, tendo verificado que a instalação do esquentador e do fogão não estavam correctas no que respeita à exaustão, mais concretamente, a primeira no que respeita ao “ diâmetro da conduta de evacuação adequada ao aparelho”, à “ conduta de evacuação com troço vertical superior a 20 cm”, à “ ligação à chaminé ou ao exterior, sem obturar exaustão do fogão “ e a segunda no que respeita à “ exaustão forçada do fogão ( exaustor)“. ( resp. 4º e 5º da BI); - os técnicos da Lisboagás indicaram que o esquentador deveria estar a uma distância mínima do fogão de 10 cm, a conduta de exaustão deveria ter um diâmetro mínimo de 90 cm; a conduta deveria ser em alumínio, ao inox ou chapa de ferro esmaltada ou galvanizada; a conduta deveria ter uma inclinação ascendente e um troço recto à saída do esquentador com o mínimo de 20 cm. ( resp. 7º da BI); - a 18 de Novembro de 2002 o Réu comunicou ao autor as alterações que deveriam ser efectuadas. (resp. 8º da BI). - desde Dezembro de 2004 que a habitação do réu não é fornecida de gás. ( resp. 17º da BI); - a 16.07.09. a Lisboagás elaborou o relatório de fls. 309, onde refere que o gás estava fechado e continuou fechado devido a uma fuga na distribuição e jusante da válvula de corte aos aparelhos. ( resp. 32º e 33º da BI). - entretanto o autor senhorio procedeu à colocação de uma nova instalação de gás ( alínea X) da MA) Ora analisando esta matéria fáctica resulta que havia um problema de colocação do esquentador. Mas daí não resulta que a correcta colocação do esquentador fosse da responsabilidade do senhorio – nem tal decorre da lei nem do contrato . Pois nada está provado quanto á obrigação do senhorio de proporcionar o gozo do andar com o referido esquentador. Sendo da responsabilidade do inquilino colocar no locado esquentador, observando as regras técnicas exigíveis. E mais resulta da prova que em 2004 o locado não era fornecido de gás, mas não foi invocado pelo apelante que por esse facto deixou de utilizar o locado, sendo certo que deixou de pagar a renda vencida a 01.12.02. e seguintes, portanto em data muito anterior, pelo que a invocação da excepção de não cumprimento do contrato relativamente ao pagamento da totalidade da renda, por esta via, não tem fundamento. Quanto à porta da casa de banho, resulta da factualidade provada que : no ano 2000, o R. solicitou ao A. que substituísse a porta da casa de banho por se encontrar em mau estado de conservação. (al. H) da MA); A 04 de Dezembro de 2002 o R. enviou ao A. carta em que lhe solicitava que substituísse a porta da casa de banho, porque a que o A. tinha substituído, havia dois anos, já estava toda podre. (al. L) da MA) O autor não substituiu a porta. ( resp. 14º da BI). Em Dezembro de 2004, a porta da casa de banho estava no estado documentado na foto de fls. 80 - totalmente apodrecida na zona inferior -devido à presença permanente de água, dado o facto de a casa de banho não possuir banheira, funcionado com ralo de pavimento e que actualmente não fecha totalmente. ( resp. 15º da BI). Ora da factualidade acabada de transcrever retiram-se as seguintes conclusões: -Se é certo que em 2000, o Réu solicitou que o autor substituísse a porta da casa de banho essa substituição teve lugar, porquanto na carta de 04 de Dezembro o Réu solicita nova substituição dizendo que a porta que o autor havia colocado dois anos antes já estava podre. -Está assente que o Apelado não substituiu a segunda porta da casa de banho, que estava deteriorada, mas o apelante não invoca que por esse facto deixou de utilizar o locado (nem sequer da deterioração da porta da casa de banho se poderia concluir estar o arrendatário privado parcialmente do gozo da coisa) não podendo valer nesta situação a invocação da excepção de não cumprimento do contrato até porque não haveria proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção. Quanto à existência de buracos por onde, alegadamente, entrariam ratos, pulgas e baratas, é matéria que foi levada à BI sob o art.º 3º e que teve resposta negativa, pelo que também quanto a essa pretensa situação improcede a invocada excepção de não cumprimento do contrato. CONCLUINDO: 1. Não resulta provado que a invocada deterioração do locado impossibilitava o apelante de usar a totalidade deste, por se estar perante factualidade não suportadora da excepção de não cumprimento do contrato que invocou (art. 342º, 2 do CC). 2.Daí que seja correcta a consequência jurídica que o tribunal retirou dos factos assentes com a condenação do apelante no pedido julgando improcedente a reconvenção. As conclusões de recurso improcedem. DECISÃO Pelo exposto julgam a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 19 de Outubro de 2010 Maria do Rosário Barbosa Maria do Rosário Gonçalves Maria da Graça Araújo |