Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/30/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1.O incidente previsto no artigo 189º da OTM, usualmente designado de pré-executivo, não é específico da acção de alimentos, uma vez que se prevê a adopção de medidas para cobrança coerciva da prestação de alimentos, aplicável não só quando estes sejam fixados no próprio processo - artigos 186 e ss. da OTM – mas também quando fixados em processo de regulação do poder paternal – artigos 174º e ss. da OTM - ou em qualquer acção em que tenham sido fixados alimentos; 2. O artigo 189º da OTM não exclui a possibilidade de utilização de outros meios para obtenção dos alimentos, nomeadamente o processo especial de execução de alimentos previsto nos artigos 1118º e ss. do CPC; 3. Desde que seja possível a cobrança dos alimentos através do desconto no vencimento ou dos rendimentos referidos nas diversas alíneas do nº1 do artigo 189º da OTM, deve ser utilizado este meio, afastando-se a cobrança coerciva através da propositura de acção executiva especial. (Sumário efectuado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO MARIA, intentou contra FILIPE, execução especial de alimentos, através da qual visa a cobrança coerciva da quantia que liquida em € 18.636,74. Invoca, para tanto e em síntese, que o executado ficou obrigado, por sentença de 6 de Fevereiro de 1996, proferida no processo com o nº ... que correu termos pela Secção do Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, a contribuir para os alimentos do filho menor com a quantia de 25.000$00 (125 euros) mensais, actualizáveis por referência e na proporção dos aumentos do seu vencimento. Mais invoca que o executado nunca procedeu a essas actualizações, totalizando as mesmas, conforme informação prestada pela entidade patronal do executado, o montante liquidado, justificando a exequente a instauração da acção executiva na circunstância do executado ser proprietário de bens cujo valor permite satisfazer a dívida de uma vez só. A exequente indicou solicitador de execução no requerimento executivo, o qual declarou aceitar o processo, elaborou o auto de penhora atinente a 1/3 do vencimento do executado e notificou a entidade patronal deste para proceder à respectiva penhora e depósito do valor penhorado na conta do solicitador de execução, após o que foi citado o executado. O Tribunal a quo proferiu a decisão constante de fls. 41 e 42, tendo concluído que o despacho dado à execução não revestia força executiva, visto não ter condenado o executado no cumprimento de uma obrigação, consistindo numa ordem dirigida à entidade patronal do requerido, de objecto indefinido, sendo que a constituição da obrigação para o executado não poderia depender de cálculo ou definição de terceiro, à margem do poder jurisdicional. E, por considerar que havia falta de título executivo, rejeitou oficiosamente a execução, nos termos do artigo 820º, nº 1 do CPC, por referência ao disposto no artigo 812º, nº 2, alínea a) do mesmo diploma. Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs recurso de agravo incidente sobre o aludido despacho. São as seguintes as CONCLUSÕES da agravante: i) O tribunal o quo decidiu rejeitar a execução por alegada falta de titulo executivo. Entendeu aquele tribunal que a decisão dada á execução (o despacho proferido a fls. 132 do processo ...., ... Juízo) não consubstancia um título executivo na medida em que não condena o executado a cumprir qualquer obrigação, antes constitui uma simples ordem indefinida dirigida à entidade patronal deste. Até porque a constituição de uma obrigação para o executado nunca poderia depender de cálculo ou definição de terceiro à margem do poder jurisdicional; ii) Os fundamentos invocados com base nos quais o tribunal proferiu a sentença não se verificam, devendo a mesma, em consequência, ser revogada. O despacho em causa condena expressamente o executado no cumprimento de uma obrigação: a obrigação de pagar as actualizações em dívida todas de uma só vez, constituindo a ordem dada à entidade patronal apenas um meio para garantir o cumprimento dessa obrigação. Tanto assim é que o ora executado recorreu do despacho em execução para este Tribunal da Relação, pedindo que a condenação no pagamento integral e de uma só vez fosse substituída por outra que admitisse o pagamento faseado da dívida; iii) Por outro lado, o conteúdo e o modo de cálculo das actualizações da pensão de alimentos foi definido pelo Tribunal de Oeiras, através da sentença proferida em 1996 nos autos .... À entidade patronal cabia simplesmente aplicar o método definido na sentença judicial, o qual se baseava num simples cálculo aritmético, para apurar o montante das actualizações em dívida, e não fixar, ela mesma, tal montante discricionariamente, à margem do poder jurisdicional. Podendo o poder jurisdicional ser, além disso, chamado a verificar se a aplicação pela entidade patronal do método definido por si foi feita correctamente, e a corrigir o resultado encontrado, se for caso disso; iv) A decisão recorrida constitui uma denegação da realização da justiça material, premiando a desobediência do executado às decisões judiciais e permitindo que este continue a recusar-se pagar as dívidas de alimentos ao seu filho vencidas há mais de 15 anos. Pede, por isso, a agravante que a decisão recorrida seja revogada, e os presentes autos de execução aceites, prosseguindo os seus termos até final. O recorrido não apresentou alegações. O Tribunal a quo manteve a decisão. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. I. ÂMBITO DO RECURSO DE AGRAVO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a questão controvertida a resolver consiste em apurar se a execução em causa se mostra fundada num título executivo. III . FUNDAMENTAÇÃO A – Dos termos do agravo Com relevância para a decisão a proferir importa ponderar: 1. A exequente apresentou, em 25.05.2006, requerimento executivo para cobrança coerciva da quantia de € 18,636,74; 2. Por sentença proferida, a 06.02.1996, pela Secção do Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras foi decidido alterar o regime de regulação do exercício do poder paternal relativamente a Daniel, filho da exequente e do executado, nos seguintes termos constantes do documento de fls. 137 a 146: a. O pai contribuirá para os alimentos do filho Daniel com a quantia de Esc. 25.000$00 mensais, que continuará a ser descontada no seu vencimento; esta importância deverá ser actualizada sempre que o seja o vencimento do pai e na mesma proporção; b. Para além da quantia referida em a), e com início neste mês, o pai do menor pagará mensalmente a quantia de Esc. 10.000$00, até que esteja satisfeito o montante de Esc. 340.000$00 relativo às prestações de alimentos vencidas desde a instauração da presente acção até à presente data; c. A mãe do menor receberá ainda o abono de família e todos os subsídios a que o menor Daniel tem direito; 3. A ora exequente, por requerimento que deu entrada em Tribunal, em 26.03.2003, requereu contra o ora executado a alteração da regulação do exercício do poder paternal com relação ao filho de ambos Daniel, pedindo que, no que respeita aos alimentos a prestar pelo pai e fixados na sentença aludida em 1. sejam alterados, pelo menos, para € 750,00 mensais, mais requerendo a notificação da entidade patronal do ali requerido para proceder aos descontos no vencimento deste das quantias correspondentes às actualizações da pensão alimentar não efectuadas na proporção dos aumentos dos respectivos vencimentos do requerido, dando assim execução integral à sentença referida em 1. – v. Fls. 2 a 7 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 4. No incidente referido em 2., após citação do ali requerido e apresentação das respectivas alegações, foi levada a efeito a conferência de pais, e nela foram proferidos os seguintes despachos: a. Face às declarações das partes e ao abrigo do disposto no artigo 157º da OTM, fixo o seguinte regime provisório: i. Notifique o .... para que proceda aos cálculos necessários à actualização da pensão de alimentos na proporção dos aumentos do vencimento do pai entre os anos de 1992 e 2003 (caso ainda não tenham sido feitos); ii. Calculados esses aumentos ao longo dos anos, na proporção e liquidados a quantia em dívida, deve ser descontada no vencimento do pai integralmente e de uma só vez devendo ser entregue à mãe para a respectiva conta bancária; iii. No corrente mês a pensão descontada deverá ser a devida com todas as actualizações antes não efectuadas; b. (…) Nos termos do artigo 157º da OTM e tendo presente a já aceite necessidade acrescida de alimentos e tendo presente o vencimento do requerido, entende o Tribunal fixar provisoriamente como pensão devida ao menor a quantia de € 250,00 mensais que deverão ser descontados directamente do vencimento do requerido e transferido para a conta da mãe – v. fls. 133 a 138 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 5. Por requerimento que deu entrada em tribunal no dia 11.06.2004, a ora exequente requereu que fosse ordenada nova notificação à entidade patronal do ora executado para dar cumprimento à decisão referida em 4.a. i., sob pena do responsável pela inexecução incorrer no crime de desobediência, o que foi deferido, ordenando-se a remessa de carta precatória - Fls. 196, 197, 199, 206, 227 e 228 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 6. A entidade patronal do ora executado - .... - respondeu, por requerimento que deu entrada no Tribunal em 25.11.2005, nos seguintes termos: a. Em Dezembro de 2004, esta .... procedeu ao aumento da pensão de alimentos para 250,00 Euros mensais, a descontar no vencimento do Filipe, conforme decisão emanada desse Juízo e Tribunal; b. Esta ... diligenciou no sentido de serem efectuados os cálculos das prestações alimentares vencidas e não pagas à família do citado; c. Efectuados os cálculos, apurou-se uma dívida no valor de 18.636,74 Euros; d. Ora, o... aufere o vencimento mensal ilíquido de 2.998,28 Euros e líquido de 2.089,80 Euros, sobre o qual desconta 311,51 a título de prestações alimentares vincendas; e. Dado que a quantia em dívida é muito superior à auferida pelo ...., impossibilita o desconto de uma só vez; f. Face ao exposto, solicita-se informação do que se lhe oferecer sobre o assunto - Fls. 271 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 7. Por sentença datada de 02.02.2006 proferida no processo referido em 2., veio a ser fixado em 250 euros o montante mensal da prestação da alimentos a favor do filho da exequente e executado, por referência ao período de 26 de Março de 2003 a 2 de Setembro de 2005, data em que aquele havia atingido a maioridade – v. fls. 148 a 153; 8. Notificados os ora exequente e executado do ofício da entidade patronal referido em 6., veio este último apresentar, em 03.04.2006, requerimento nos termos do qual solicita que seja notificada a entidade patronal para vir esclarecer os termos dos cálculos efectuados, por entender que o valor por esta referido se deveria a lapso de interpretação da decisão judicial notificada, uma vez que a decisão ordena o desconto integral e de uma só vez das actualizações da pensão alimentar em falta desde 1997 até à data da referida decisão, e não da actualização da pensão para € 250,00 desde aquela data, como parecia ter sido entendido, pelo que requer, em conclusão, que a entidade patronal do ali requerido, ora executado, proceda à rectificação do cálculo efectuado – v. documento de fls. 298 e 299 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 9. Por requerimento que deu entrada em Tribunal em 11.04.2006, o ora executado alertou para o facto de os descontos relativos à prestação da alimentos no valor de € 250,00 se continuarem a processar para além da data da maioridade do filho, pelo que requer a notificação da entidade patronal para que, no desconto que viesse a ser efectuado no seu vencimento pelas actualizações da pensão de alimentos no período compreendido entre Fevereiro de 1997 e Março de 2003, se tivesse em conta o valor de prestações de alimentos pago após Setembro de 2005 - v. fls. 298 e 299 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 10. Por despacho de 28.06.2006 foi ordenada a cessação dos descontos, atenta a maioridade do filho da aqui exequente e executado – Fls. 303 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 11. Mais se refere no despacho aludido em 10. que: (…) no valor encontrado a fls. 271, os cálculos efectuados enfermarão de lapso nos respectivos pressupostos. O que se pretende é o apuramento das quantias resultantes de actualização de prestação de alimentos em função dos aumentos de vencimentos do progenitor ao longo dos anos de 1997 a 2003. Face às dificuldades encontradas, o Tribunal procederá ao respectivo cálculo. Para o efeito, a entidade patronal informará o Tribunal, no prazo de 10 dias, sobre todos os aumentos de vencimento do progenitor, em percentagem, entre os anos de 1997 a 2003; 12. Notificada a entidade patronal, veio esta responder nos termos constantes do documento de fls. 312 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta, discriminando os pretendidos aumentos nos vencimentos; 13. Por despacho de 29.01.2007 foi ordenada a notificação do ofício referido em 12., determinando-se que se aguardasse o prazo de resposta – Fls. 313 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 14. O aqui executado apresentou, em 20.03.2007, o requerimento de fls. 329 a 331 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta, esclarecendo que as actualizações em falta totalizavam a quantia de € 374,06 e que a pensão de alimentos havia continuado a ser descontada até Julho de 2006. E, por considerar ter sido descontado indevidamente o montante de € 2.500,00, concluiu requerendo que se considerasse integralmente liquidado o valor correspondente às actualizações de pensão de alimentos de € 374,06; 15. Com o requerimento referido em 14., o ora executado apresentou uma declaração da entidade patronal atestando ter deixado de descontar pensão de alimentos ao filho desde Julho de 2006; 16. Por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa datado de 05 de Julho de 2007 proferido no procedimento cautelar de alimentos provisórios interposto pelo filho da exequente e do executado contra este, veio a ser revogada a sentença proferida em tal procedimento cautelar, fixando-se em € 250,00 mensais a pensão de alimentos a pagar pelo aqui executado ao filho, conforme documento de fls. 57 a 77; 17. Em 08.04.2008 foi proferido o seguinte despacho, devidamente notificado aos mandatários das partes: Permanece por apurar nos autos o montante em dívida por força da não actualização da prestação de alimentos. Encontram já demonstrados os aumentos de vencimento do progenitor. Importa porém apurar quais as actualizações em falta, sustentando o progenitor, no seu requerimento de fls. 329, que se encontram em falta as actualizações posteriores a Abril de 2003, num montante total de 374,06. Impõe-se a audição da progenitora a tal respeito, com vista á fixação da quantia respeitante à falta de actualização da prestação de alimentos. Pelo exposto, ordeno a notificação à requerente do requerimento de fls. 329 e do presente despacho, para em cinco dias, pronunciar-se sobre os períodos da não actualização da prestação de alimentos - v. fls. 336 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; 18. Em 25.06.2008 foi proferido o seguinte despacho, devidamente notificado aos mandatários das partes: Renovo o despacho anterior. Será a requerente advertida de que está obrigada a colaborar com o Tribunal, fornecendo os elementos solicitados, sob pena de, não o fazendo, poder vir a ser condenado em multa - v. fls. 339 do Pº de alteração da regulação do poder paternal remetido pelo Tribunal a quo para consulta; B - O DIREITO Como é sabido, a acção executiva visa a implementação das providências adequadas à efectiva reparação do direito violado, e tem por base um título através do qual se determinam o seu fim e limites - artigos 4º, n.º 3, e 45º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Conforme decorre do disposto no nº 3 do artigo 4º do CPC, dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado. O fundamento desta pretensão reside na existência de um título ao qual o pedido tem que se ajustar no que respeita à determinação do tipo de providência solicitada e seus limites e à individualização das partes – cfr. artigos 45º e 55º do CPC. A obrigação exequenda é o fundamento substantivo da acção executiva, sendo essa obrigação demonstrada através do instrumento que constitui o título executivo. “Título” é todo o acto constitutivo ou declarativo dum direito, sendo que o título executivo é esse acto revestido duma certa forma (corporizado num documento) e obedecendo a determinados requisitos. É do título que emerge o direito do credor e a obrigação do devedor. O título executivo constitui o pressuposto de carácter formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva. É, consequentemente, a prova legal da existência do direito de crédito do qual se visa o cumprimento coercivo. A certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda da obrigação são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão, como decorre, expressamente, do disposto no art. 802.º do Código de Processo Civil, quando tendo como epígrafe “requisitos da obrigação exequenda” se refere à “obrigação certa, exigível e líquida”. Preconiza Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, p. 25 e segs. que, como pressupostos processuais, o título executivo e a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação exequenda são requisitos de admissibilidade da acção executiva, sem as quais não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente. Das várias espécies de títulos executivos consagrados no artigo 46º do Código de Processo Civil, e que podem servir de base à execução salientam-se as sentenças condenatórias. Por outro lado, a obrigação diz-se ilíquida, quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não está ainda apurado – v. J. Lebre De Freitas e A. Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 2003, pág. 244, encontrando-se actualmente o regime jurídico da liquidação da obrigação concentrado no artigo 805.º do CPC. E, não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, atento o disposto no n.º 5 do artigo 47.º do CPC. Prescreve-se no artigo 189º da O.T.M., subordinado à epígrafe “meios de tornar efectiva a prestação de alimentos”, que: 1. Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de 10 dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte: a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente; b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. 2. As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las. Este procedimento usualmente designado de pré-executivo – v. Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores, Almedina, 1997, 432 - é um meio de cobrança de alimentos, muito embora se não restrinja aos alimentos fixados no âmbito de uma acção de alimentos, podendo também ser utilizado quando estejam em causa alimentos fixados no âmbito de outra acção, nomeadamente a acção de regulação do exercício do poder paternal. É que, os alimentos são muito frequentemente cobrados por via da aplicação do artigo 189º da O.T.M.. tanto mais que este preceito envolve um modo processual prático, célere, mas garantístico, de conseguir o efectivo recebimento dos alimentos de que o menor carece, assegurando simultaneamente, o contraditório, conforme decorre do disposto no artigo 181º, nº 2 da O.T.M. Tal significa que este incidente não é específico da acção de alimentos, uma vez que se prevê a adopção de medidas para cobrança coerciva da prestação de alimentos, aplicável não só quando estes sejam fixados no próprio processo - artigos 186 e ss. da OTM – mas também quando fixados em processo de regulação do poder paternal – artigos 174º e ss. da OTM - ou em qualquer acção em que tenham sido fixados alimentos, não se impondo aos interessados que pretendam salvaguardar os seus direitos através do recurso à execução especial por alimentos a que alude o artigo 1118º do C.P.C. – v. neste sentido Acs. R. L. de 05.02.2004 e de 01.04.2004 (Pº 9680/2003-8 e 1550/2004-2, respectivamente). O artigo 189º da OTM não exclui, portanto, a possibilidade de utilização de outros meios para obtenção dos alimentos, nomeadamente o processo especial de execução de alimentos previsto nos artigos 1118º e ss. do CPC, caso se mostre necessário - Ac. R.L. de 02.03.2004 (Pº 10836/2003-7). Estatui, por sua vez, o artigo 820º do CPC que: Ainda que não tenham sido deduzidos embargos, pode o juiz, até ao despacho que ordene a realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento conhecer das questões a que alude o nº 1 do artigo 811º-A que não haja apreciado liminarmente. Como se lê do Relatório do Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12/12, este artigo consagra a ampla possibilidade de o juiz rejeitar oficiosamente a execução instaurada, até ao momento da realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, sempre que se aperceba da existência de questões que deveriam ter conduzido ao indeferimento liminar da execução. Assim sendo, não estava o Exmo. juiz do Tribunal a quo impedido de apreciar da eventual falta de título executivo ou a falta da exequibilidade do título dado à execução. Todavia, no caso vertente, foi apresentado, como título executivo, uma sentença condenatória - v. Nº 2 da Fundamentação de Facto. Não há, pois, ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido, falta de título executivo. Acresce que, subjacente à interposta execução por alimentos está uma obrigação certa, exigível, mas porventura ilíquida. É que, a prestação alimentar devida ao então menor Daniel, pelo ora executado, mostra-se fixada na sentença proferida em 06.02.1996 – v. Nº 2 da Fundamentação de Facto – aí se tendo determinado também que essa prestação seria actualizada sempre que o fosse o vencimento do executado e na mesma proporção, tendo-se verificado o incumprimento desta última obrigação. E, face a tal incumprimento, foi o mesmo invocado na alteração da regulação do poder paternal que constitui o Pº ....., razão pela qual, e após a conferência de pais, o Exmo. Juiz a quo, ordenou o cumprimento do disposto no supra mencionado artigo 189º, nº 1 da OTM, através da notificação da entidade processadora dos vencimentos do executado, ora agravado, para proceder ao desconto no vencimento deste, de uma só vez, tendo em consideração as quantias não pagas atinentes às actualizações dos montantes por este percebidos. À data da propositura da presente execução por alimentos, encontravam-se em curso, no aludido procedimento pré-executivo, diversas diligências destinadas precisamente a proceder à liquidação da quantia devida ao filho do executado. Ora, não pode deixar de se entender, como refere Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada, 7ª ed., 152, que o procedimento previsto no artigo 189º da OTM impede o uso, desde logo, da respectiva acção executiva especial de alimentos, nos termos do artigo 1118º do CPC. Tratando-se, como se trata, de um procedimento especial, e desde que seja possível a cobrança dos alimentos através do desconto no vencimento ou dos rendimentos referidos nas diversas alíneas do citado normativo, deve utilizar-se este meio, afastando-se a cobrança coerciva através da propositura de acção executiva especial. No caso vertente não se mostra inviabilizado o recurso a tal procedimento, antes pelo contrário, já que estão em curso as diligências para apurar o valor da quantia devida pela falta das actualizações da pensão de alimentos na mesma proporção dos aumentos de vencimento do executado, e mostrando-se já determinado por despacho judicial que o valor devido não poderá cifrar-se no montante de € 18.636,74 - v. Nº 11 da Fundamentação de Facto. Aliás, já em data anterior à propositura da acção executiva, o executado alertou para o manifesto erro no cálculo efectuado pela entidade patronal, o que foi posteriormente, confirmado por despacho judicial datado de 28.06.2006 - v. Nº 11 da Fundamentação de Facto. Há, pois, falta de exequibilidade do título executivo, por falta de liquidez da obrigação exequenda, visto o valor da mesma não constar do título, nem pode ser obtido por recurso ao disposto no artigo 805º do CPC. Ademais, está em curso o aludido procedimento pré-executivo – iniciado em momento temporalmente anterior à presente execução - em que as partes, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, são as mesmas da presente acção executiva, pretendendo a exequente, ora agravante, quer no procedimento pré-executivo, quer na execução, obter o mesmo efeito jurídico – cobrança coerciva da prestação de alimentos - e sendo certo que a pretensão deduzida, no procedimento e na execução, procede do mesmo facto jurídico – obrigação de prestar alimentos fixada judicialmente. Forçoso é, por conseguinte, concluir que a execução por alimentos deduzida pela exequente não poderá subsistir, tanto mais que se não mostra inviável proceder à cobrança coerciva dos alimentos por via do procedimento pré-executivo, o qual se encontra pendente, pendência essa que já se verificava à data da propositura da execução de alimentos. Não merece, pois, provimento o recurso de agravo, mantendo-se, embora com fundamentos distintos, o despacho recorrido. Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. IV. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, com distintos fundamentos, o despacho recorrido. Condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 30 de Abril de 2009 Ondina Carmo Alves - Relatora Ana Paula Boularot Lúcia Sousa |