Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AUGUSTO RAMOS | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE ACTIVA CESSÃO DE EXPLORAÇÃO ESTABELECIMENTO COMERCIAL QUESTÃO NOVA PODERES DA RELAÇÃO FORMA DO CONTRATO FORMA ESCRITA SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL CONVERSÃO DO NEGÓCIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/15/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O autor é parte legitima quando tem interesse directo em demandar, sendo que este exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, na óptica da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor. II - Alegando o autor, como fundamento da pretensão deduzida na acção, ter celebrado com a Ré um contrato de concessão de exploração – afirmando-se como titular, do lado activo, da relação controvertida e colocando a ré no extremo dessa relação, como sujeito da respectiva obrigação – é evidente o seu interesse na demanda, não podendo deixar de se concluir pela sua legitimidade processual. III - As questões levantadas pela ré nas conclusões das alegações de recurso, de que ao autor não foi concedido o uso privativo da parcela de terreno de domínio público e de que o autor ocupava esse espaço de modo ilegítimo, uma vez que não foram alegadas em sede de contestação (como determina o art. 488.º do CPC), são questões novas não abordadas na sentença que, nos termos do art. 676.º, n.º 1, do CPC, não devem ser apreciadas em sede de recurso. IV - A forma dos negócios jurídicos é determinada pela lei vigente ao tempo da respectiva celebração – art. 12.º do CC. V - À data da celebração do contrato de cessão ou locação de estabelecimento comercial celebrado entre autor e ré – 27 de Janeiro de 2000 – estabelecia o art. 80.º, n.º 2, al. m) do Código de Notariado que os mesmos se deviam celebrar por escritura pública e que se «não se observasse este requisito formal o contrato seria nulo e o tribunal podia conhecer oficiosamente dessa nulidade». VI - Nos termos do art. 293.º do CC o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade. VII - O contrato-promessa apenas serve para convencionar a celebração do contrato prometido e não para constituir direitos e obrigações ou permitir a execução correspondentes ao contrato prometido. VIII - Por esta razão, a iniciada execução do acordo - com a recorrente a explorar o estabelecimento de restaurante e bar e a pagar a contraprestação ajustada com o autor a recebê-la - nunca poderia corresponder a uma promessa de contrato de cessão ou locação de estabelecimento comercial. IX - Tendo a ré, em sede de reconvenção, deduzido pedido indemnizatório, por danos não patrimoniais e patrimoniais, derivado do incumprimento do autor, deve o mesmo – atenta a declaração de nulidade do contrato – improceder, uma vez que a responsabilidade contratual não se concebe senão em relação a um contrato válido. | ||
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Decisão Texto Integral: | I- Relatório “A” intentou esta acção, com processo ordinário, contra “B”, Lda., pedindo se decrete a cessação, por resolução, do contrato de concessão de exploração e se condene a Ré a entregar ao Autor o espaço locado imediatamente livre e devoluto, bem como a pagar ao Autor todas as rendas vencidas e não pagas desde Janeiro de 2003, que à data da propositura da acção ascendem a € 9.975,90, e vincendas até efectiva entrega do locado e, ainda, os correspondentes juros de mora à taxa legal. A Ré contestou e deduziu reconvenção para concluir pela sua absolvição da instância ou pela sua absolvição do pedido e para pedir a condenação do Autor a indemnizá-la, pelos prejuízos morais e materiais a que o seu incumprimento deu causa, em montante a fixar em liquidação de sentença. O Autor apresentou réplica. Findos os articulados proferiu-se despacho que admitiu a reconvenção e, posteriormente, no despacho saneador conheceu-se do mérito da causa para, além do mais, se decidir «declarar nulo por falta de forma o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial vigente entre o A. e a R». Mediante recurso interposto pela Ré, nesta instância decidiu-se, «por violação do princípio do contraditório (artigo 3º, n.º 3 do CPC)», anular a decisão «a fim das partes serem notificadas para se pronunciarem sobre a questão da nulidade formal do contrato.». Voltando os autos à primeira instância determinou-se a notificação das partes para se pronunciarem sobre a questão da nulidade formal do contrato. Na sequência da notificação o Autor pronunciou-se pela nulidade do contrato e, consequentemente, requereu que se decidisse como na anterior decisão, a Ré pronunciou-se pela validade formal do contrato ou, sem conceder, pela sua conversão em contrato-promessa de cessão de exploração de estabelecimento comercial. Julgou-se, ao contrário do pretendido pela Ré, não se verificar a inutilidade superveniente da lide e, novamente no despacho saneador, decidiu-se: - declarar nulo, por falta de forma, o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial vigente entre o Autor e a Ré; - condenar a Ré a restituir o prédio, sito no ..., onde funciona o estabelecimento de restaurante e bar que lhe foi cedido pelo Autor, completamente livre e devoluto de pessoas e bens que não pertençam ao estabelecimento; - condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização devida pela utilização do locado, a quantia mensal correspondente ao valor da renda, que seria devida se o contrato fosse válido, desde o início de vigência do contrato até à sua entrega efectiva ao Autor, com desconto dos meses que se encontram pagos; - julgar improcedente o peticionado pelo Autor na parte em que excede ou contraria o decidido; - julgar improcedente o pedido reconvencional. Desta decisão interpôs a Ré recurso de apelação, apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- O tribunal recorrido não estava em condições de decidir de mérito, uma vez que as partes estavam ainda em condições de produzir prova que, não só, invertesse o juízo de nulidade, como desse ao Tribunal possibilidade de aquilatar da vontade hipotética das partes; 2ª- Não estando em condições de decidir do mérito da causa o tribunal recorrido deveria ter prosseguido com o processo havendo lugar à produção de prova; 3ª- Apesar do contrato ter sido celebrado sem respeitar as exigências de forma ad substantia previstas na lei, a ocorrência de modificação legislativa que dispensa a forma mais solene em favor da forma escrita, convalida o contrato, tendo em conta a vontade das partes; 4ª- Em face do texto do contrato e do negócio querido por ambos os contratantes, é de concluir que a vontade hipotética das partes seria a de celebrar contrato-promessa de subconcessão de espaço para instalação e exploração de um estabelecimento comercial, caso pudessem ter previsto a nulidade do contrato tal como o celebraram; 5ª- A Ré era e é proprietária de todo o equipamento e da própria estrutura de madeira do estabelecimento comercial; 6ª- A única coisa concedida à Ré, para exploração, foi o espaço para instalação do estabelecimento comercial; 7ª- O hiato de um ano entre a assinatura e a produção de efeitos do contrato deveu-se a esse facto da pré-inexistência de um estabelecimento comercial; 8ª- Deveria, pois, a Meritíssima Juíza a quo ter procedido à conversão do contrato de cessão em contrato-promessa de cessão, com as legais consequências; 9ª- A sede do Autor, no ... da Ilha de Porto Santo, foi construída em parcela de terreno do domínio público marítimo cujo uso privativo lhe foi atribuído por trinta anos pela Resolução do Governo Regional da Madeira n.º .../95, de 7 de Novembro de 1995; 10ª- Decorre do artigo 178º, n.º 2, al. e) do Código de Procedimento Administrativo, que a concessão de uso privativo de bens e recursos do domínio público está sujeita a contrato administrativo; 11ª- Não existe contrato administrativo que tenha concedido e titulado o direito do Autor ao uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público no ... de Porto Santo, para instalação da sua sede, conforme Resolução do Governo Regional da Madeira; 12ª- O Autor é parte ilegítima no presente pleito; 13ª- Tal excepção de ilegitimidade activa é de conhecimento oficioso; 14ª- Os prejuízos invocados pela Ré em sede de reconvenção são fruto de omissões do Autor que devem ser tidas em conta, até para efeitos de compensação com os créditos do Autor pela efectivação do contrato ainda que nulo ou pela mera utilização de facto de um espaço; 15ª- O valor locativo era inferior ao que havia sido acordado, sem que a Ré tenha contribuído para tanto, com culpa exclusiva do Autor; 16ª- O Autor não tinha direito a receber qualquer renda por uma utilização que não podia sequer contratar, por se tratar de espaço que não ocupa de modo legítimo; 17ª- Ao decidir como decidiu, o despacho saneador-sentença recorrido violou as disposições dos artigos 12º, 293º do Código Civil, 288º, 495º e 510º do Código de Processo Civil; 18ª- Em virtude do que ficou exposto deve ser revogado o saneador sentença recorrido e ser proferida decisão que: a) considere procedente a excepção de ilegitimidade activa invocada e absolva a Ré da instância; b) ou considere válido o contrato tudo com as legais consequências; c) ou ordene a baixa do processo e a sua continuação até final para produção de prova; d) ou considere o contrato nulo, sub judice, convertido em contrato promessa de cessão de espaço para instalação e exploração de estabelecimento comercial, tudo com as legais consequências. Não foram apresentadas contra-alegações. Face ao disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que, delimitando o âmbito do recurso, devem nele ser conhecidas. Sendo assim, considerando ainda o disposto nos artigos 713º, n.º 2, 660º, n.º 1, 493º, n.º 2, 494º, al. e), e 495º do Código de Processo Civil, ainda que não tenha sido suscitada na primeira instância neste recurso cumpre apreciar da legitimidade do Autor. Seguidamente, improcedendo a excepção da ilegitimidade do Autor, como questões essenciais colocadas pela recorrente, cumpre apreciar da validade formal do contrato, designadamente em função da modificação legislativa posterior à sua celebração, sendo de concluir pela nulidade do contrato, por inobservância da forma legal, caberá apreciar da pretendida conversão do contrato e, como corolário de todas as questões colocadas nas conclusões, cumpre apreciar se a causa estava em condições de ser decidida no saneador. Todavia, antes de mais, importa apreciar da admissibilidade dos documentos apresentados pela recorrente que, na fase de recurso, veio apresentar quarenta e cinco documentos, os documentos de fls. 370 a 432, 434, 435, 438 e 439. Segundo se detecta no corpo das alegações quarenta e um documentos são apresentados para prova de que é proprietária de todo o equipamento e da própria estrutura do estabelecimento e que, portanto não se poderia dar como provado o ponto 1 da matéria de facto constante da sentença, resultando ainda do conjunto desses documentos que a única coisa que lhe foi concedida para exploração foi o espaço para instalação do estabelecimento comercial. Os documentos quarenta e dois e quarenta e três, de que, alega, tomou conhecimento no mês da apresentação das alegações de recurso, são apresentados, com vista a demonstrar ilegitimidade activa do recorrido, para prova de inexistência de contrato administrativo que conceda ao recorrido o direito de utilizar e manter em funcionamento, numa parcela de terreno do domínio público marítimo, a sua sede e instalações e que estava autorizado a subconcessionar ou dar de arrendamento parte dessas instalações. Os documentos quarenta e quatro e quarenta e cinco, cópia certificada de transacção obtida em procedimento cautelar e seu despacho rectificativo, são apresentados para comprovar a vontade das partes em contratar e a sua apresentação, alega, tornou-se necessária em virtude da decisão recorrida. A apresentação dos documentos para prova da propriedade do equipamento e da própria estrutura do estabelecimento comercial, para prova de que apenas o espaço foi cedido à recorrente, ponderando o artigo 524º do Código de Processo Civil, não constitui justificação para sua apresentação em recurso. Com efeito a recorrente não alegou esta matéria oportunamente, ou seja na contestação como determina o artigo 488º do Código de Processo Civil, e mais se justificava a sua apresentação com esse articulado se com eles se pretendia infirmar o ponto 1 da matéria de facto constante da sentença que, aliás, resulta do documento apresentado pelo Autor e aceite pela Ré, nem alegou tal matéria na intervenção que produziu depois de notificada para se pronunciar sobre a nulidade formal do contrato. Consequentemente estes documentos não são admissíveis e devem ser restituídos à recorrente. Também, visto o disposto no artigo 706º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se justifica a junção dos documentos quarenta e quatro e quarenta e cinco. Com efeito precisamente o imprevisto da sentença determinou a anulação da decisão primeiramente proferida e nada obstava à apresentação desses documentos com a intervenção que a recorrente produziu em obediência ao contraditório. Consequentemente estes documentos não são admissíveis e devem ser restituídos à recorrente. Justifica-se apenas a apresentação dos documentos quarenta e dois e quarenta e três, nos termos do artigo 524º, n.º 2, do Código de Processo Civil, destinados a fundamentar a pretendida ilegitimidade do Autor apenas suscitada em recurso. II- Fundamentação Na sentença consta provada a seguinte matéria de facto: 1- Por documento escrito assinado pelas partes em 27 de Janeiro de 2000, e intitulado “Contrato de Concessão de Exploração”, o Autor declarou conceder à Ré a exploração do estabelecimento de restaurante e bar, sua pertença, localizado no prédio urbano em que se situa a sua sede, no ... de Porto Santo, construído em parcela de terreno do domínio público cujo uso privativo lhe foi atribuído por trinta anos pela Resolução n.º .../95, de 7 de Novembro de 1995; 2- No mesmo documento consta que o Autor pretende ter em funcionamento o mesmo estabelecimento de restaurante e bar a fim de prestar serviços correspondentes a essas actividades aos seus sócios e utilizadores da marina e conceder à Ré a sua exploração de modo a que seja ela a ocupar-se dessa actividade; 3- Ficou estipulado que a Ré explorará o estabelecimento de restaurante e bar instalado no local por um prazo de 8 anos, a contar de 1 de Janeiro de 2001; 4- Nos termos constantes do referido documento, acordaram ainda as partes que o preço da concessão é de 200.000$00 mensais, a que acresce IVA à taxa em vigor em Porto Santo, pagáveis até ao dia 30 de cada mês por cheque à ordem do primeiro outorgante (Autor) de que este passará a respectiva quitação; 5- Acordaram ainda as partes que a partir de 1 de Janeiro de 2005 o preço da concessão será o valor correspondente a 300.000$00 mensais, a que acresce IVA à taxa em vigor em Porto Santo; 6- Também submeteram ao referido acordo a condição de que a partir de Janeiro de 2005 o valor da renda está sujeito a actualização anual, de acordo com os coeficientes de actualização de rendas fixadas anualmente para os arrendamentos para comércio e indústria; 7- Ajustaram também que a Ré pode ceder a terceiro a sua posição contratual no decurso da vigência do contrato, devendo informar o Autor, por carta registada com aviso de recepção, identificando o cessionário. Mais acordaram que a cessão considerar-se-á autorizada pelo primeiro outorgante [o Autor] se este não se lhe opuser, por carta registada com aviso de recepção que seja recebida pela segunda outorgante [a Ré] no prazo de 30 dias sobre a informação que lhe tiver feito; 8- Autor e Ré iniciaram a execução do acordo constante do documento identificado em 1, com a Ré a explorar o aludido estabelecimento restaurante e bar e a pagar a contraprestação ajustada, e o Autor a recebê-la. Resulta do artigo 26º do Código de Processo Civil que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; este interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; nada indicando a lei em contrário, o titular do interesse relevante, como autor, para o efeito da legitimidade é o sujeito, do lado activo, da relação controvertida tal como é configurada pelo autor. Para formular a pretensão deduzida na acção o Autor invoca ter celebrado com a Ré o contrato, acima descrito, e alega que a Ré infringiu as obrigações que assumiu nesse contrato. Deste modo o Autor afirma-se como titular, do lado activo, da relação controvertida que configurou e colocou a Ré, no outro extremo dessa relação, ou seja como sujeito da respectiva obrigação e, assim, responsável pelas consequências do seu incumprimento. Assim, sendo evidente o interesse directo do Autor na demanda, não pode senão concluir-se pela sua legitimidade processual e, consequentemente, não pode o Autor ser havido senão como parte legítima. Para além de estar demonstrada a legitimidade processual do Autor, também ficou provado que este concedeu à recorrente a exploração do estabelecimento de restaurante e bar, sua pertença, construído em parcela de terreno do domínio público cujo uso privativo lhe foi atribuído por trinta anos pela Resolução n.º .../95, de 7 de Novembro de 1995. Todavia pretende a recorrente que o Autor não ocupa esse espaço de modo legítimo, por isso não tem direito a receber qualquer renda, e que o valor locativo é inferior ao que havia sido acordado. A recorrente oportunamente, ou seja na contestação como determina o artigo 488º do Código de Processo Civil, nada alegou para infirmar ter sido concedido ao Autor o uso privativo da parcela de terreno do domínio público onde foi construído o estabelecimento, não alegou que o Autor não ocupa esse espaço de modo legítimo, ou seja não invocou a ilegitimidade substancial do Autor para contratar consigo como consta do documento mencionado no ponto 1 supra, constituído pelo escrito de fls. 7 a 10, e para, em consequência, se eximir ao pagamento da renda, nem alegou não corresponder esta ao valor locativo acordado. Alegou antes não ter o estabelecimento licença de funcionamento, que mantém o funcionamento do estabelecimento sem essa licença, razão porque as autoridades limitaram às duas horas da manhã o período de abertura, quando antes dessa intervenção mantinha o estabelecimento aberto até às quatro horas da manhã, para justificar, ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato, não efectuar, desde o início de 2003, pagamento das prestações contratadas. Deste modo as conclusões 15ª e 16ª da alegação de recurso da recorrente tratam de questões novas, não abordadas na sentença, e que, visto o disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não têm sequer que ser apreciadas em recurso. Aliás a sentença, porque estabeleceu a nulidade do contrato, não tratou propriamente da obrigação da recorrente pagar renda ao Autor, mas antes da sua obrigação de restituição decorrente dessa nulidade: «a parte objectivamente correspondente à sua utilização do prédio e enquanto tal utilização se mantiver, o que pode corresponder, e normalmente corresponderá, ao montante das rendas acordadas, vencidas e ainda não pagas». Para tanto na sentença[1] entendeu-se ser de presumir que o valor de uso coincide com o das prestações convencionadas. Por outro lado nada autoriza a concluir que o valor locativo é inferior ao contratado, nem de resto do contrato consta que o Autor assumiu a obrigação de obter licença de funcionamento até às quatro horas da manhã. Na 3ª conclusão da sua alegação de recurso a Ré, reconhecendo que o contrato foi celebrado sem respeitar as exigências de forma previstas na lei, pretende que a ocorrência da modificação legislativa, que dispensa a forma mais solene em favor da forma escrita, convalida o contrato. Na sentença entendeu-se que as partes celebraram um contrato de cessão ou locação de estabelecimento comercial e mais se entendeu «que a forma dos negócios jurídicos é determinada pela lei vigente ao tempo da respectiva celebração. É o que resulta dos princípios consagrados no art. 12º, do Código Civil, acerca da aplicação das leis no tempo. Ora, na altura da celebração do contrato dos autos – 27 de Janeiro de 2000 – a lei notarial impunha, como sua formalidade ad substantiam, que ela se consubstanciasse em escritura pública (art. 80º, n.º 2, alínea m), do Código do Notariado, aditada pelo Decreto-Lei n.º 40/96, de 7 de Maio). Com efeito, o nº 3º do art. 111º do RAU, que reduziu a exigência de forma do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial a documento escrito, foi apenas introduzido pelo Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, que, conforme seu art. 3º, entrou em vigor em 1 de Maio seguinte, só então tendo sido eliminada a alínea m) do nº 2º do art. 80º Código do Notariado. No caso em apreço, mostra-se comprovado que o contrato que vincula o Autor à Ré foi celebrado por mero escrito particular. Existe, por conseguinte, uma inobservância da forma legal prevista para o referido contrato, a qual acarreta a sua nulidade, susceptível de ser oficiosamente declarada pelo tribunal (arts 220º e 286º do Código Civil).». À data em que as partes celebraram o contrato estabelecia o artigo 80º, n.º 2, al. m)[2], do Código do Notariado, que deviam especialmente celebrar-se por escritura pública a locação de estabelecimento comercial e se «não se observasse este requisito formal o contrato seria nulo — artigo 220.º do C.C. — e o tribunal podia conhecer oficiosamente dessa nulidade.»[3]. O Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, que entrou em vigor em l de Maio de 2000, revogou a referida al. m) e introduziu o n.º 3 do artigo 111º do R.A.U. que passou a determinar dever a cessão de exploração do estabelecimento comercial constar de documento escrito, sob pena de nulidade. Actualmente continua a entender-se, face ao disposto no artigo 1112º, n.º 3, do Código Civil, dever a cessão de exploração ou locação do estabelecimento comercial celebrar-se por escrito[4]. É certo que as partes estipularam que a recorrente exploraria o estabelecimento por um prazo de 8 anos, a contar de 1 de Janeiro de 2001. Todavia, visto o disposto nos artigos 232º, 278º, 405º, n.º 1, e 406º, n.º 1, do Código Civil, não é esta data que marca o inicio da vigência do contrato, que marca a existência do contrato como facto jurídico, a existência do contrato como facto jurídico ficou estabelecida aquando da respectiva conclusão em 27 de Janeiro de 2000. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil, em função do Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, o contrato de cessão de exploração ou locação do estabelecimento comercial celebrado entre as partes não pode ser havido como um facto novo, ou seja não pode ser havido como um facto jurídico posterior ao inicio da vigência deste diploma. Portanto não há duvida, face ao disposto no artigo 12º, n.º 2, 2ª parte, do Código Civil, que a validade formal do contrato de cessão de exploração ou locação do estabelecimento comercial celebrado entre as partes deve ser apreciada segundo a lei vigente à da respectiva conclusão, ou seja segundo o disposto no artigo 80º, n.º 2, al. m), a redacção do Decreto-Lei n.º 40/96, de 7 de Maio, do Código do Notariado. Sendo assim, visto o disposto no artigo 220º do Código Civil, não há como não aceitar a conclusão da sentença, a conclusão de que o contrato é nulo por inobservância da forma legal. Nos termos do artigo 293º do Código Civil o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade. Portanto para que a conversão seja admissível é desde logo indispensável que perante o fim prosseguido pelas partes se possa supor que estas, se tivessem previsto a invalidade do negócio que celebraram, teriam querido o negócio sucedâneo. É indispensável que o negócio sucedâneo, «embora não tendo sido efectivamente querido pelas partes, nem sequer de um modo eventual, possa, no entanto, integrar-se dentro da órbita do interesse prático perseguido por elas, no sentido de poder servir igualmente, pelo menos de forma aproximada, a sua satisfação.»[5]. Importa ainda considerar que, como «bem observou o Supremo, no seu acórdão de 20 de Novembro, de 1973, o artigo 293º permite que um negócio jurídico nulo se converta em outro de tipo e conteúdo diferente, mas não consente que esse negócio se convalide quando lei posterior à sua celebração dispense os requisitos formais cuja falta determinou a nulidade.»[6]. Pretende a recorrente que na sentença se deveria ter procedido à conversão do contrato para contrato-promessa de cessão de cessão ou locação de estabelecimento comercial. Sucede, contudo, que a recorrente não indica que interesse prático das partes seria dada satisfação com o negócio sucedâneo, que interesse das partes seria realizado mediante o contrato-promessa de cessão de cessão ou locação de estabelecimento comercial. O contrato-promessa, visto o disposto nos artigos 397º e 410º, n.º 1, do Código Civil, apenas serve para convencionar a celebração do contrato prometido, sob pena de inutilidade do respectivo instituto jurídico não serve para constituir os direitos e obrigações correspondentes ao contrato prometido, não serve para permitir a execução correspondente ao contrato prometido. Sendo assim a iniciada a execução do acordo, com a recorrente a explorar o estabelecimento de restaurante e bar e a pagar a contraprestação ajustada e o recorrido a recebê-la, não poderia corresponder a promessa de contrato de cessão ou locação de estabelecimento comercial. Efectivamente mesmo que o contrato se denomine como promessa de arrendamento, se vier a ocorrer a ocupação da coisa mediante certa retribuição mensal, tal situação deve definir-se como contrato de arrendamento e, assim, naturalmente também para a promessa de cessão ou locação de estabelecimento comercial[7]. Certo é que a conversão não pode servir, senão defraudando a finalidade do respectivo instituto e, portanto, a lei, para num primeiro momento à data da conclusão do contrato, em 27 de Janeiro de 2000, converter o contrato concluído entre as partes em contrato-promessa de cessão ou locação de estabelecimento comercial, assim escapando à nulidade por inobservância da forma legal, e para noutro momento à data do termo contratado, 1 de Janeiro de 2001, considerar a partir de então, porque celebrado por escrito, válido o contrato como contrato de cessão ou locação de estabelecimento comercial para, assim, beneficiar da alteração legislativa. Não podendo proceder esta questão, cabe analisar a pretendida conversão do contrato em contrato-promessa de subconcessão de espaço para instalação e exploração de um estabelecimento comercial que assenta na alegação, constante das conclusões 5ª, 6ª e 7ª, de que a recorrente era e é proprietária de todo o equipamento e da própria estrutura de madeira do estabelecimento comercial, de que a única coisa concedida à recorrente, para exploração, foi o espaço para instalação do estabelecimento comercial e de que o hiato de um ano entre a assinatura e a produção de efeitos do contrato se deveu à pré-inexistência de um estabelecimento comercial. Sucede que a recorrente não alegou esta matéria oportunamente, ou seja na contestação como determina o artigo 488º do Código de Processo Civil. Também a recorrente na intervenção que produziu, depois de notificada para se pronunciar sobre a nulidade formal do contrato, não colocou esta questão da conversão do contrato em contrato-promessa de subconcessão de espaço para instalação e exploração de um estabelecimento comercial e menos a colocou assente na alegação de que era e é proprietária de todo o equipamento e da própria estrutura de madeira do estabelecimento comercial e de que a única coisa que lhe foi concedida, para exploração, foi o espaço para instalação do estabelecimento comercial. Deste modo trata-se de questão nova, de questão que não foi abordada na sentença e que, visto o disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não tem sequer que ser apreciada em recurso. Em reconvenção a recorrente alegou que, a partir de Maio de 2002, a sua imagem perante as autoridades locais passou a ser a de uma empresa a operar um estabelecimento de restaurante e bar sem a devida licença de funcionamento, situação, em que nunca antes se havia visto envolvida, que manchou a sua reputação e a dos seus sócios e gerentes e que foi causada pelo incumprimento continuado do recorrido, por isso devendo ser indemnizada em quantia que só em liquidação de sentença poderá ser liquidada, porque os seus efeitos ainda se fazem sentir, mas que não deverá nunca ser inferior a € 50.000,00, alegou ainda que o incumprimento do Autor lhe provocou prejuízos, durante a sua operação no ano de 2003, decorrentes do encurtamento do período de funcionamento em duas horas diárias que se traduziram na quebra das receitas que auferiria durante essas duas horas e que só poderão ser apurados em liquidação, porque ainda decorre o período do apuramento de resultados, mas que estima deverem corresponder a indemnização que nunca poderá ser inferior a €40.000,00. Portanto as pretendidas indemnizações, por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais, derivam do incumprimento do Autor que, segundo a recorrente alega, tinha a obrigação de obter a licença para concessionar o estabelecimento tanto que houve o cuidado de incluir no contrato «uma referência ao licenciamento em breve do estabelecimento concessionado, na cláusula 2ª, bem como uma cláusula 7ª em que expressamente se estipula como obrigação do Autor: “a obtenção de todas as licenças necessárias ao exercício da actividade, a passar por autoridades e entidades públicas bem como o pagamento das taxas respectivas devendo a documentação ser entregue à Segunda Outorgante, até ao dia 31 de Março de 2001.». Deste modo as pretendidas indemnizações estão assentes no alegado incumprimento contratual do Autor. Sendo assim, porque a responsabilidade contratual não se concebe senão em relação a um contrato válido[8], não há como não aceitar a conclusão da sentença, a conclusão de que atendendo à «sua dependência do contrato de cessão de exploração que ora se declara nulo e de nenhum efeito, que constituía a causa de pedir da pretensão do Autor e da qual emergia a reconvenção, deve improceder o pedido reconvencional deduzido pela Ré (art. 274º, nº 2, al. a) e n.º 6 do Código de Processo Civil)». Aliás a compensação a que a recorrente se refere na conclusão 14º da sua alegação de recurso traduz-se, mais uma vez, em questão nova, não apreciada na sentença e que em recurso não cabe apreciar. Resta referir que a improcedência das questões apreciadas, ou melhor as razões dessa improcedência, levam a concluir que a causa estava em condições de ser decidida no saneador, levam a concluir pela inutilidade da continuação dos autos para produção de prova. III – Decisão Pelo exposto negam provimento ao recurso e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida. Ficam nos autos os documentos de fls. 421, 422, 434, 435, 438 e 439, mas os documentos de fls. 370 a 420, 423 a 432 desentranham-se para serem entregues à recorrente, com taxa de justiça mínima a cargo desta: artigo 16º do Código das Custas Judiciais. Custas pela recorrente: artigo 446º, n.º 1, do Código do Processo Civil. Processado em computador. Lisboa, 15 de Dezembro de 2009 José Augusto Ramos João Aveiro Pereira Rui Moura -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Citando Vaz Serra, RLJ, 109º, 313. [2] Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 40/96, de 7 de Maio. [3] Cfr. Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, revista e actualizada, pg. 626. [4] Vd. Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, pg. 154. [5] Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, pg. 55. [6] Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, pg. 56. [7] Vd. a propósito Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, revista e actualizada, pg. 74. [8] Vd. Ac. S.T.J., de 16/11/1976, processo n.º 066344, sumariado em www.dgs.pt. |