I – (A) …,
intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
COSEC–COMPANHIA de SEGUROS de CRÉDITO, S.A.,
pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 2.783,02 a título de danos patrimoniais presentes e ainda danos patrimoniais futuros, relacionados com os honorários a suportar. Mais requereu a condenação da Ré a informar, por escrito, os seus segurados do teor essencial da sentença condenatória; a comunicar a todas as seguradoras do Grupo “Euler Hermes” o teor essencial da sentença condenatória, acompanhada de tradução da mesma nas línguas inglesa e francesa, a expensas da R., e a comprovar junto do tribunal ter procedido à referida divulgação.
Alegou que é empresário no sector da área do vestuário e que foi confrontado com a informação de que o seu crédito se encontrava cancelado, uma vez que o seu nome se encontrava associado a riscos de crédito, informação que teve origem na R., a qual registou nos seus ficheiros informação negativa sobre o crédito, nome e reputação do A., difundindo-as aos seus segurados.
A actuação da R. é ofensiva do seu crédito, bom nome e reputação, com repercussões na diminuição do volume de contactos comerciais e no modo de pagamento das mercadorias.
A R. contestou alegando que lhe foi reclamada por um fornecedor do A. e segurado da R. o pagamento de um sinistro ocorrido com o A., por se ter recusado a pagar um crédito. Dentro dos procedimentos normais, apenas anulou a garantia do agente da ameaça, deixando em vigor as restantes. Jamais colocou o nome de qualquer cliente dos seus segurados no seu site, com qualquer tipo de apontamento sobre a situação do A.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que condenou a R. no pagamento da quantia de € 5.000,00 e juros de mora e a informar dois dos seus segurados do teor da sentença.
Foi apresentado recurso de apelação pela R. no qual concluiu:
(…)
Não houve contra-alegações.
Apelou subordinadamente o A. e concluiu que:
(…)
Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Factos provados:
1. O Autor (doravante A.) é empresário no sector da área do vestuário há cerca de 18 anos - 1º;
2. O mesmo iniciou a sua actividade como revendedor de roupa, tendo passado a importar, depois a produzir linhas próprias de vestuário, abrindo estabelecimentos comerciais para venda a retalho – 2º;
3. Actualmente o A. dedica‑se exclusivamente ao comércio por grosso de material que importa, de material que produz através da sua nova marca registada “Kontagio”, linha de vestuário casual de homem e mulher e à venda a retalho através de lojas em Lisboa, em Mem-Martins e na Amadora – 3º e 4º;
4. No exercício da sua actividade, o A. tem contactos nacionais e estrangeiros – 5º;
5. O mesmo é uma pessoa com credibilidade e boa reputação junto de clientes e fornecedores – 6º;
6. A Ré (doravante R.) exerce a sua actividade através da cobertura e gestão de riscos de crédito, caução e investimento – A);
7. Em 2-4-02, a R. enviou ao A. a carta cuja cópia consta a fls. 23 com o seguinte conteúdo:
"Assunto: Segurado: El Internacional, …
Apólice: 279/0111204
Exmos. Senhores,
O nosso Segurado em epígrafe informou‑nos da existência de atrasos de pagamentos, por parte de V. Exªs, não tendo ainda procedido à liquidação de valor correspondente a operações seguras nesta Companhia.
Certos de que V. Exªs terão todo o interesse em regularizar aquela situação de atraso a fim de evitar por parte desta Companhia o prosseguimento de diligências de outra natureza, solicitamos uma resposta urgente sobre o assunto no prazo máximo de 10 dias (...)" – B;
8. Em 5-4-02, o A. enviou à R. o fax cuja cópia consta a fls. 29, com o seguinte conteúdo:
"(...) comunicamos a V. Exª que não temos valores de facturas por liquidar à firma El Internacional. A única mercadoria que recebi foi a constante na factura n° 1155907, a qual foi devolvida pela nota de devolução n° 0027, datada de 24.09.2001, conforme envio uma cópia.
Tenho provas de vários fax a cancelar a restante mercadoria, mas mesmo assim insistiram a proceder ao envio da mesma a qual nunca foi recebida nas minhas instalações por ter sido enviada fora do prazo que eu pretendia” – C);
9. Em 17-10-03, a R. emitiu o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 22, intitulado “Recibo de Indemnização n° 3.071”, no qual consta como beneficiário “El International,…” e como entidade de risco o A., constando ainda do mesmo
“(...) data do sinistro 13/03/01
(...) valor da indemnização € 1.159,19 (...)” – D);
10. Em 21-10-03, a R. emitiu o documento cuja cópia consta de fls. 49, intitulado “Seguro de Crédito ‑ Crédito PME ‑ Garantia n° 445”, da qual consta:
“Apólice n° 28011204
Tomador Serra…, SA,
Cliente (A) …
Limite de Crédito Solicitado ‑‑-----------------------------------60.000,00 EUR
Limite de Crédito Garantido Riscos Comerciais ‑‑‑‑‑‑‑‑0,00 EUR
Riscos Políticos ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑--------------------------------------0,00 EUR
Início de Validade ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑-------------------------------------25/11/2003” – K);
11. No dia 4-11-03, a R. enviou ao A. o fax cuja cópia consta de fls. 21 e os documentos de fls. 22 e 23, constando daquele:
“Assunto: Recuperação de Sinistros
Segurado: El Internacional,….
Exm° Senhor,
Conforme solicitado, junto enviamos fotocópias da carta de notificação e do recibo de indemnização paga por esta Companhia.
Informamos ainda que o total das facturas, sobre o que foi paga a indemnização atrás referida, é de € 1.695,30” – G);
12. Em 5-11-03, o A. enviou à R. o fax cuja cópia consta a fls. 25 com o seguinte conteúdo:
“Acusando a recepção do fax de V. Exª, pretendo desde já esclarecer a situação, absurda e inconveniente, que me foi criada pela El Internacional, a qual, como V. Exª sabe, se reporta ao ano de 2001.
Em 28 de Janeiro do referido ano fiz uma encomenda junto deste fornecedor de 4 modelos de parkas, que me seriam entregues mais tarde.
Quando da primeira entrega em 4/09/01 verifiquei que a mercadoria não correspondia ao meu pedido, ou seja, o modelo que me enviaram estava confeccionado num tecido diferente que considerei de mau gosto e não se adaptava ao género da minha clientela, pelo que procedi, de imediato, à sua devolução. Houve ainda durante os meses de Setembro e Outubro a tentativa de entrega de mercadoria que a El Internacional teimou em enviar‑me, mas dado o atraso e a má impressão causada pela primeira remessa, recusei recebê‑la do transportador.
Perante esta situação não entendo como pode a Cosec ter pago, por mim, uma mercadoria que nunca tive, nem comercializei (...)” – E);
13. Em Novembro de 2003, o A., acompanhado de uma estilista com quem iniciava relações profissionais, deslocou-se a Guimarães para visitar o fornecedor Somelos Tecidos, S.A., e aí seleccionar e adquirir materiais para execução de peças para a colecção Primavera – Verão de 2004 – 7º;
14. O A. foi informado pelo vendedor que o seu crédito junto da Somelos se encontrava cancelado – 8º;
15. Tal informação foi transmitida ao A. perante a estilista que o acompanhava – 9º;
16. Após insistência do A., o vendedor informou o A. que tinha sido a R. que tinha transmitido tal informação – 10º;
17. Na sequência do facto referido 14., Susana …, empregada no escritório do A., contactou a R., a qual não prestou de imediato qualquer informação – 11º;
18. Em 4-11-03, o A. enviou à R. o fax cuja cópia se encontra junta a fls. 19, do qual consta:
"À Cosec
Direcção de Gestão de Riscos
Tendo sido informado pelo meu fornecedor Somelos que a Cosec recusou o pedido de crédito seguro da minha empresa, solicito com a maior urgência que me comuniquem o motivo de tal decisão.
PS: Se possível a comunicação por fax, o n° é 217110396 ". – F);
19. No contacto com a fornecedora Serra …o A. voltou a ser informado que o seu crédito estava cortado, pelo que teria de efectuar os pagamentos a pronto – 12º;
20. O A. contactou outros fornecedores a fim de esclarecer a informação que sobre si circulava, concretamente para saber se fora passada a mais fornecedores e o porquê de tal informação – 13º;
21. O A., através da sua mandatária, enviou às empresas Somelos Tecidos, S.A. e Serra…, S.A., as cartas que se encontram juntas, respectivamente, a fls. 31 e 33 – 16º;
22. A empresa Serra…, S.A., enviou ao A. a carta que se encontra junta a fls. 35, onde se diz, além do mais, que “foi realmente com bastante estranheza que recebemos da Cosec uma credencial comercial informando que o crédito/plafond de cobertura atribuído ao Sr. (A) …passava a estar cancelado a partir daquela data, tendo nós, de imediato, informado o cliente do facto” – 17º;
23. O facto de o crédito do A. estar cancelado foi conhecido pelas empresas Somelos Tecidos e Serra … – 19º;
24. Anteriormente a 2004, ao A. era permitido que o pagamento de mercadorias por si adquiridas fosse efectuado no prazo de 30, 60 ou 90 dias – 20º;
25. Após o conhecimento das informações referidas em 14. e 19. o A. passou a pagar mais frequentemente a pronto – 21º;
26. A informação referida em 14. e 19. e o facto de não saber a quem tinha sido concretamente prestada, designadamente por a R. não ter esclarecido prontamente tal questão, causou ao A., vergonha, desconforto e irritação – 14º e 15º;
27. Em virtude dos factos referidos em 14. e 19. o A. sentia receio de contactar os seus fornecedores, temendo que lhe dissessem o mesmo, razão pela qual restringiu o número de fornecedores a quem se dirigiu – 22º, 24º e 25º;
28. Após os episódios referidos em 14. e 19. o A. passou a dormir mal – 23º;
29. Na sequência dos factos referidos em 14. e 19. o A. contratou os serviços de advogados, tendo pago de honorários aos mesmos, pelo menos € 2.783,02 – 26º;
30. Em 9-1-04, o A., através da sua mandatária, enviou à R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 36 e 37, da qual consta:
“(...) no final do ano transacto; foi o n/constituinte confrontado ‑ e surpreendido ‑ com a informação que o seu nome estaria associado a riscos e incidentes de crédito: incumprimento de pagamento.
Tal informação pondo em causa o nome e a credibilidade do n/constituinte, fundamentais no exercício do comércio, teve imediatas repercussões nas transacções comerciais pretendidas e seus respectivos termos.
Após alguns contactos desenvolvidos, foi possível apurar que tal informação negativa fora prestada, por escrito, pela empresa Cosec, através de uma credencial comercial que indicava que o crédito/plafond de cobertura atribuído ao n/constituinte se encontrava cancelado.
Desconhecendo o n/constituinte, nos largos anos que desenvolve actividade, razões susceptíveis de pôr em causa o seu bom nome e credibilidade, quer junto de fornecedores quer de quaisquer outras entidades com quem mantém relações comerciais, tendo sempre procedido de molde a manter intocáveis os seus crédito e bom nome que agora viu afectados, queiram V. Exªs informar:
Que dados ‑ quais as referências exactas ‑ relativos ao Sr. (A) ….foram tratados pela Cosec;
a) Qual a forma da recolha de dados;
b) A quem divulgou a Cosec a credencial comercial com informação relativa ao Sr. (A)…;
c) A que entidades a COSEC comunicou ou permitiu aceder à informação relativa ao Sr. (A)….;
d) Que dados relativos ao Sr. (A) …a Cosec mantém na sua base de dados;
e) A quem são acessíveis os dados existentes.
Mais se solicita a V. Exªs o envio de fotocópia da credencial comercial a que se aludiu (...)” – H);
31. Em 20-1-04, a R. enviou à mandatária do A. a carta que se encontra junta a fls. 40, da qual consta:
“Assunto: (A) …
Em resposta, cumpre‑nos informar que esta Companhia, no âmbito da sua actividade legal de seguradora de créditos celebra contratos de seguro, garantindo as vendas a crédito dos seus segurados.
Nos termos dos respectivos contratos de seguro e nos termos da lei, cabe a esta Companhia decidir as coberturas de crédito que aceitar segurar, decisões que são comunicadas aos seus segurados, sob reserva de confidencialidade e para seu uso exclusivo.
Assim, a Cosec não divulga qualquer "credencial comercial" nem permite o acesso a qualquer informação constante da sua base de informações sobre empresas, nem dispõe de qualquer base de dados pessoais.
No caso em concreto, foi o constituinte de V. Exª notificado por esta Companhia, nomeadamente em 2-4-02, da existência de uma comunicação de atraso de pagamento por parte do Segurado EL International, situação que foi posteriormente clarificada, na sequência do que a Cosec tomou as decisões de cobertura que entendeu por convenientes à situação em apreço.
Ficando ao dispor de V. Exª para qualquer esclarecimento complementar (...)” – I);
32. Em 22-1-04, o A., através da sua mandatária, enviou à R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 48 e da qual consta:
“Atento o conteúdo da resposta celeremente prestada por V. Exªs à n/carta de 9 de Janeiro, vimos solicitar a seguinte informação complementar.
Cabendo à Cosec decidir as coberturas de crédito e tendo confirmado que tais decisões são comunicadas aos seus segurados, não é compreensível a afirmação que nem permite o acesso a qualquer informação constante da sua base de informações sobre empresas, nem dispõe de qualquer base de dados pessoais.
Face às informações já detidas e às agora transmitidas por V. Exªs, que agradecemos, reiteramos por se tratar de um direito que assiste ao n/constituinte, expressamente reconhecido por lei e condição inultrapassável da autorização de tratamento de dados ‑ que, presumimos, a v/Seguradora detém sob o n° 66/96, da Comissão Nacional de Protecção de Dados ‑ o n/pedido de informações sobre:
a) Que dados ‑ quais as referências exactas ‑ relativos ao Sr. (A) ….foram tratados pela Cosec;
b) A que segurados divulgou a Cosec informação sobre o n/constituinte;
c) Que dados relativos ao Sr. (A) …a Cosec mantém na sua base de dados;
d) Que decisões de cobertura entendeu a Cosec convenientes à situação em apreço, na sequência da comunicação de atraso de pagamento por parte do Segurado El International, posteriormente clarificada. Renova‑se, ainda, a solicitação do envio da comunicação feita aos v/segurados, com informação sobre o Sr. (A) …(...)” – J);
33. Atenta a comunicação do sinistro efectuada pela cliente da R., a El Internacional, aquela, tendo presente que o cliente contestou a dívida, apenas anulou a garantia da El Internationale - 27º;
34. Com o processamento do sinistro (nos termos referidos em 9.), o sistema informático da R. emite um alerta, a fim de se proceder à anulação de todas as garantias, o que, no caso, teria início a 25-11-03 – 28º.
35. (E) tendo o A. reclamado, fundamentando que se tratava de um litígio com o segurado (a El Internacional), a R. suspendeu o pagamento da indemnização (referida em 9.) e repôs as garantias em vigor, nomeadamente a da Somelos Tecidos, com data de início de vigência a 14-11-03 – 29º.
III - Decidindo:
1. Quanto ao recurso de apelação principal interposto pela R.:
Para além de outras questões ligadas aos diversos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, suscita a R. na sua impugnação a ausência de qualquer facto ilícito em que possa fundar-se a sua responsabilização pelos danos invocados pelo A.
Tendo em conta o relevo de tal pressuposto no contexto da presente acção e a sua prejudicialidade em relação aos demais pressupostos, dar-se-á prioridade ao mesmo.
1.1. Os factos que assumem algum relevo são essencialmente os seguintes:
- Uma empresa (El Internacional) fornecedora do A. celebrou com a R. um contrato de seguro de crédito. Uma vez que o A. não efectuou o pagamento de uma factura (devido a uma divergência relacionada com o contrato de fornecimento), apresentou-se perante a R. a reclamar o seu pagamento. Interpelado pela R., o A. informou-a, em Abril de 2002, que tal crédito não existia. Ainda assim, a R. começou por aceitar a responsabilidade, procedendo, em 17-10-03, à emissão do recibo de indemnização correspondente ao crédito reclamado por tal empresa;
- Com o processamento do referido sinistro de crédito em 17-10-03, o sistema informático da R. emitiu um alerta que levou a que procedesse à anulação de todas as garantias (futuras) que tivessem o A. como devedor, com início a 25-11-03. Consequentemente, em 21-10-03 foi emitido o doc. de fls. 49 relacionado com a sociedade Serra…, Ldª, fornecedora do A., de onde decorre a negação da cobertura do risco relativo ao A., seu cliente, com efeitos a partir de 25-11-03. Em contacto com essa empresa, o A. foi informado que o seu crédito se encontrava cortado, pelo que teria de efectuar pagamentos a pronto;
- Em Novembro de 2003, o A., em visita ao seu fornecedor Somelos Tecidos, SA, também foi confrontado com o facto de o seu crédito junto dessa empresa se encontrar cancelado, sendo-lhe dito que fora a R. que transmitira tal informação. Uma funcionária do A. ainda contactou a R. que, no entanto, não prestou de imediato qualquer informação;
- Entretanto, tendo o A. reclamado perante a R. do facto de esta ter aceite a responsabilidade perante a sua segurada (El Internacional), suspendeu o pagamento da indemnização e repôs as garantias em vigor relativamente ao A., nomeadamente a relacionada com a empresa Somelos, com início a partir de 14-11-03, antes de a anterior anulação começar a produzir efeitos.
1.2. Não se encontra em tal factualidade fundamento bastante para assacar à R. a violação ilícita de algum direito do A. ou a violação de alguma norma destinada a proteger os seus interesses.
A actividade seguradora de riscos de crédito, caução e investimento está submetida ao regime que consta do Dec. Lei nº 183/88, de 24-5, cuja actual redacção resulta do Dec. Lei nº 31/07, de 14-2, abarcando designadamente os riscos derivados da suspensão ou revogação de encomendas, da resolução arbitrária de contratos pelo devedor ou de faltas ou atrasos no pagamento de montantes devidos ao credor (art. 3º).
No exercício da mesma, cabe à seguradora avaliar o risco que apresenta uma determinada operação comercial em face de determinado cliente do segurado. Com a aceitação do contrato, a seguradora assume riscos que deveriam correr por conta de outrem, sendo natural que previamente recolha informações e proceda ao seu tratamento, sem exclusão do recurso a mecanismos de prevenção que reduzam a margem de ocorrência de sinistros. A dimensão do risco será inversamente proporcional às diligências efectuadas e aos cuidados tomados aquando da análise das propostas de contratos.
As regras e condições de exercício da actividade seguradora encontram-se reunidas no Dec. Lei nº 94-B/98, de 17-4, sendo de destacar as relacionadas com provisões técnicas e com a margem de solvência, nos termos dos arts. 68º e segs., sob supervisão do Instituto de Seguros de Portugal (art. 130º).
Dentro da margem de segurança estabelecida (influenciada por factores internos, por regras sujeitas a supervisão ou até pela intervenção de resseguradoras), cumpre às seguradoras analisar cada uma das operações que lhes sejam apresentadas, sendo relevante o perfil do tomador do seguro ou do respectivo cliente. Porém, sem embargo do relevo de certos aspectos específicos, a massificação das operações de seguro de crédito e das operações conexas, com envolvimento de um sem-número de agentes económicos, implica ainda que, dentro dos critérios prudenciais de que necessariamente depende, e num contexto de livre concorrência, intervenham ainda no processo decisório factores de ordem geral, sem exclusão de automatismos que alertem para a adopção de cautelas adicionais.
Nas palavras de Menezes Leitão, “o seguro de crédito permite, como qualquer seguro, uma adequada distribuição dos riscos, na medida em que, de acordo com a lei dos grandes números, os prémios de seguro cobrem a percentagem que normalmente se verifica de sinistros correspondendo ao incumprimento de créditos objecto de seguro” (Garantias das Obrigações, 2ª ed., pág. 169).
Assim, as seguradoras devem adoptar as providências que se mostrem pertinentes no sentido de evitar que os riscos assumidos ponham em causa a sua subsistência, a qual depende da obtenção de receitas que permitam cobrir as despesas inerentes à actividade, garantir a existência de reservas relativamente a riscos potenciais inerentes a outros contratos de seguro, suportar as responsabilidades reclamadas no âmbito de sinistros e proporcionar ainda uma margem de lucro que remunere os detentores do respectivo capital social.
Para efeitos de desenvolvimento da referida actividade, prevê a lei (art. 21º do Dec. Lei nº 183/88) a possibilidade de serem obtidos de quaisquer serviços públicos informações e elementos necessários à celebração dos contratos e à gestão dos riscos e sinistros dos mesmos decorrentes, sem exclusão do acesso ao Serviço de Centralização dos Riscos de Crédito do Banco de Portugal, ao qual, por seu lado, fornecerá informações que sejam solicitadas. Está ainda prevista a permuta de informações com as instituições de crédito.
1.3. No caso concreto, no espectro dos agentes económicos com que a R. tem de lidar, pelo facto de estarem ligados a contratos celebrados pelos tomadores de seguros de risco de créditos, surgiu o nome do A. associado a um sinistro de crédito reclamado pela tomadora de um seguro, a empresa El Internacional.
A inserção cautelar do A. na categoria de agentes económicos a quem foi suspensa a garantia que a R. poderia suportar no âmbito de contratos de seguro de crédito teve a duração de cerca de um mês, entre processamento do sinistro apresentado pela referida empresa que sinalizou o A. como cliente de risco e a data em que, em face da reclamação do A., foram repostas as garantias que antes vigoravam.
Não é, assim, verdade que a atribuição ao A. da categoria cliente de risco tenha demorado mais de um ano. Na sequência das diligências que foram feitas no ano de 2002, o A. apenas anulou a garantia perante a tomadora El Internacional, com quem o A., aliás, estava em litígio (resposta ao ponto 27º da BI). A anulação automática de outras garantias apenas ocorreu em 17-10-03, para vigorar a partir de 25-11-03 (como a R. alegou no art. 22º que terá de se conjugar com a resposta positiva ao ponto 28º da base instrutória que foi recolhido do art. 23º da contestação). Além disso, antes dessa data, as garantias foram respostas com efeitos a partir de 14-11-03 (resposta ao ponto 29º).
É verdade que, depois de ter sido interpelado, o A. informou a R. de que o crédito reclamado não existia. Mas, tratando-se de uma operação comercial em que a R. não tivera intervenção directa e que simplesmente estava associada a um contrato de seguro de crédito, não lhe era exigível que “tomasse partido” por qualquer dos agentes, impondo-se, isso sim, que adoptasse as devidas cautelas, a fim de reduzir a margem de risco em relação a futuros contratos que lhe fossem propostos por outros agentes económicos que com o A. pretendessem contratar. Não podendo nem sendo exigível que tomasse uma posição segura e definitiva sobre o diferendo que se despoletara entre o A. e a tomadora de seguro El International, era legítimo à R. adoptar as medidas preventivas que, de acordo com os seus critérios de gestão comerciais ou prudenciais, se revelassem mais ajustados.
1.4. A R. não é obrigada a aceitar todo e qualquer contrato de seguro que lhe seja proposto, envolvendo todo e qualquer agente económico. Ao invés, é legítimo proceder à catalogação dos agentes económicos de acordo com os critérios que servem de lastro ao exercício da sua actividade de empresa seguradora. Dentro dos mecanismos de gestão interna dos riscos susceptíveis de serem assumidos, não existe dispositivo algum que imponha às seguradoras a aceitação de determinados seguros, sendo da sua exclusiva responsabilidade os critérios orientadores, ainda que naturalmente isso se reflicta na recusa de seguros e, reflexamente, na esfera de terceiros com quem os potenciais tomadores de seguro pretendam contratar.
A obrigatória aceitação de seguros apenas existe em segmentos limitados, onde o seguro supõe uma certa socialização dos riscos, como ocorre com o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em que, comprovada a recusa de pelo menos três seguradoras quanto à celebração de um contrato de seguro, o Instituto de Seguros de Portugal, analisando a situação, indica ao interessado a seguradora que obrigatoriamente deve aceitar o seguro, fefinindo as condições do contrato, designadamente no que se refere ao prémio que constituirá a contrapartida para o risco assumido.
Tal não sucede na área do seguro de créditos na qual vigora em absoluto a liberdade contratual que não pode ser limitada com a imposição às seguradoras de determinados comportamentos só porque, no entender dos interessados, podem sair prejudicados no exercício da sua actividade quando pretendam contratar com terceiros.
De modo semelhante ocorre, aliás, noutras áreas da actividade económica, com especial destaque para a actividade bancária, onde jamais se pôs em causa a liberdade de determinação dos bancos relativamente à aceitação das operações que lhe sejam apresentadas, usando - e devendo usar - os critérios que, de acordo com os seus interesses e com respeito por normas prudenciais, se mostrem mais favoráveis.
Assim acontece, por exemplo, em operações de desconto de letras ou de livranças, em que ao banqueiro importa ponderar não apenas o crédito que lhe merece o portador dos títulos de crédito (v.g. o sacador da letra ou o tomador da livrança que se apresentam a solicitar o desconto) como ainda o crédito que, na sua perspectiva, merecem outros intervenientes na relação cambiária (v.g. aceitante na letra, subscritor na livrança, avalistas, etc.) e que perante o banco passam a assumir também a posição de condevedores.
Mais ainda em relação às garantias bancárias que assumem uma posição paralela à da celebração do seguro-caução.
1.5. A R. repôs as garantais em relação ao A. Mas ainda que o não tivesse feito, tal não lhe conferia ao A. qualquer direito subjectivo que lhe permitisse modificar a opção ou reclamar da R. o pagamento de qualquer indemnização, a não ser que houvesse comportamentos adicionais da R. que pusessem em causa o bom nome ou o crédito do A.
A liberdade de empresa de que beneficia a R. e a inerente liberdade contratual implicam que seja da sua exclusiva responsabilidade a opção pela contratação ou não ou a fixação dos limites de crédito assumidos pelos seus segurados em relação a determinados indivíduos.
Como refere José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 71, “o carácter atípico do contrato de seguro aflora designadamente no facto de o seu regime jurídico lançar mão do regime especial para igual garantia dos créditos de estabelecimentos bancários”.
Também Menezes Cordeiro afirma que o seguro de crédito “assume uma função totalmente idêntica à fiança ou, se se quiser, às garantias pessoais” sendo, na prática, “uma caução prestada através de um seguro de crédito” (Manual de Direito Bancário, 2ª ed., pág. 662). Noutro local, refere que o contrato de seguro é paralelo à garantia bancária (II Congresso de Direito dos Seguros, no trabalho intitulado Contrato de Seguro e Seguro de Crédito, pág. 52).
No mesmo sentido Calvão da Silva, RLJ 132º/382.
Tendo em conta a massificação inerente ao exercício da actividade seguradora de créditos, nem sequer está afastada a legitimidade no uso de instrumentos de gestão interna que, a partir de determinados dados objectivos, sinalizem determinado agente por forma a inseri-lo em determinada categoria que, de acordo com critérios internos, se repercuta na negação temporária ou definitiva de contratos de seguro que lhe sejam apresentados.
José Maria Pires, Direito Bancário, pág. 418, a respeito do risco de crédito relacionado com entidades bancárias, mas com inteira aplicação aos seguros de crédito, refere que “o facto da existência de garantias não justifica que se ponham de lado aspectos pessoais ligados ao crédito, tais como as condições de honestidade do cliente (solvência moral), a situação do seu património e o estado dos seus negócios (solvência material). Por conseguinte, a primeira prevenção dos riscos de crédito é aquela que se baseia no próprio devedor, enquanto que a concessão de crédito tem em conta as suas qualidades morais e a situação material”, sem embargo dos casos, que também refere, em que “o banco apenas se fundamenta na confiança que deposita na solvência moral e patrimonial do cliente”. Assevera ainda que “o problema das garantias do crédito bancário tem, actualmente, tendência para ser integrado numa política global e racional de prevenção de riscos de crédito”, baseando-se na idoneidade creditícia do cliente, a sua reputação e solvabilidade para calcular o nível de crédito que ele merece, com recurso a diversos indicadores que vão desde o factor pessoal, à estrutura financeira, a factores conjunturais e ainda, “de um modo geral, à experiência que se tem da clientela”.
1.6. É claro que o exercício legítimo da actividade seguradora não é isenta de limites. Mas, ao nível da responsabilidade extracontratual face a terceiros, estes encontram-se fundamentalmente através do recurso ao art. 484º do CC, tornando ilegítimos os actos de afirmação ou de difusão de factos que prejudiquem o crédito ou o bom nome de terceiros.
Nem todos os efeitos sentidos por alguém na sua esfera pessoal, motivados por actos de terceiros, seja em relação ao bom nome ou à honra, seja em relação ao crédito pessoal ou profissional, implicam responsabilização pelos danos de natureza patrimonial ou não patrimonial. Ficam excluídos, desde logo, aqueles que sejam decorrência de uma actividade lícita.
Por outro lado, para que a actuação do agente seja passível de determinar o seu sancionamento civil, nos termos definidos pelo art. 484º, deve apresentar determinadas características mínimas: para além de existir um comportamento que se materialize na afirmação ou na difusão de um facto, este deve ser susceptível de prejudicar - e prejudicar efectivamente - o bom nome de terceiro.
A actuação da R. que anteriormente se sintetizou e contextualizou no âmbito da actividade seguradora em geral e, mais especificamente, no segmento especializado do seguro de créditos, não reúne as características que impliquem para o A. o reconhecimento de um direito de indemnização.
Em face de uma situação como aquela com que a R. se defrontou, ou seja, da reclamação por parte da empresa El Internacional de um sinistro alegadamente provocado pela recusa do A. de proceder ao pagamento de um fornecimento, sendo lícita a actuação interna no sentido de lhe atribuir, ainda que temporariamente, uma determinada margem de crédito, já não o seria, por exemplo, a divulgação junto dos seus clientes ou do público em geral de factos que afectassem o crédito geral de que beneficiava, como ocorreu no caso que foi apreciado no Ac. da Rel. de Lisboa, de 11-1-96, CJ, tomo I, pág. 79, onde foi reconhecido o direito de obter a eliminação de elementos constantes de uma base de dados, mas em que esta era objecto de exploração por parte de uma empresa que difundiu pelos seus clientes informações que, integrando o lesado numa lista de “maus pagadores”, afectava o seu direito ao bom nome e reputação.
Outra situação em que a ilicitude se manifestou em termos de gerar responsabilidade civil pela violação do direito ao bom nome ou ao crédito foi apreciada no Ac. da Rel. de Lisboa, de 15-3-00, CJ, tomo II, pág. 90, em que o lesado também foi inserido na listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos e que foi divulgada pelas instituições bancárias nacionais.
1.7. Nada disto ocorreu no caso sub judice.
O A. foi confrontado com pelo menos dois dos seus fornecedores que viram recusada pela R. a outorga de contratos de seguro de riscos créditos com fundamento na cessação de garantias em relação a si. Todavia, não pode estabelecer-se uma equivalência entre o mecanismo que internamente foi despoletado (e que levou a que ao R. fosse temporariamente atribuída uma determinada classificação que implicava a recusa de contratos de seguro) com a afirmação ou de difusão de factos relacionados com o crédito de que o A. era merecedor.
Em vez de procurar inserir a todo o custo a actuação da R. nas estreitas margens do art. 484º do CC, é mais realista encarar a situação com que o A. se defrontou como uma das vicissitudes inerentes ao facto de exercer uma actividade comercial que naturalmente implica o relacionamento com uma diversidade de sujeitos cujos actos obedecem a uma diversidade de motivações objectivas ou subjectivas.
Como refere Vaz Serra, no âmbito dos trabalhos preparatórios do CC de 1966, (BMJ 92º, pág. 127), “se o autor da comunicação ignora a verdade, exclui-se a obrigação de indemnizar, caso ele e o receptor tenha um interesse legítimo na comunicação”.
No caso concreto, o nome do A. não surgiu na sequência de uma qualquer estratégia que visasse manchar a sua imagem ou o seu crédito, mas apenas a propósito da celebração de contratos de seguros de créditos que à R. foram propostos e sobre os quais teria de se pronunciar.
Sendo o A. comerciante e estando envolvido, como fornecedor ou como cliente, com uma multiplicidade de agentes económicos, naturalmente que também fará em relação a cada um deles determinados juízos de valor positivos ou negativos que influem na decisão de contratar ou não ou no nível de garantias exigidas para a contratação, sem que da recusa de contratar algum deles possa extrapolar para o âmbito da previsão do art. 484º do CC.
Aliás, uma análise mais pormenorizada da matéria de facto provada revela que os danos subjectivos reclamados pelo A. não foram tanto consequência directa da actuação da R., antes efeitos indirectos de uma actuação interna, cuja legitimidade já anteriormente afirmámos, encontrando a sua fonte mais próxima na interpretação que terceiros deram a uma actuação legítima da R.
Acresce que depois de a R. ter sido confrontada pelo A. com os efeitos que aquela actuação interna estava a provocar nas relações com os seus fornecedores, a mesma acabou por repor a situação dentro de um prazo que, numa organização com a especificidade de uma empresa de seguros, se pode considerar aceitável.
1.8. Por conseguinte, em face da falta de ilicitude da actuação da R., claudica a sentença, sem necessidade sequer de apreciar o pressuposto da culpa que também se revelaria necessário para a sustentação do resultado.
2. Quanto ao recurso subordinado:
2.1. Invoca o A. que a sua pretensão indemnizatória se pode fundar também na violação de normas sobre protecção de dados pessoais com directa interferência na sua esfera pessoal. Mais concretamente, considera que a R. tratou e divulgou dados negativos sobre si, sem o seu conhecimento ou consentimento, violou os deveres de informação e não diligenciou pela correcção dos dados a tempo de evitar os danos que a situação lhe causou.
2.2. O tratamento de dados pessoais constitui matéria regulada pela Lei nº 67/78, de 26-10, sendo definidos no seu art. 3º como “qualquer informação, de qualquer natureza … relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável …”.
No caso, aquilo que, de algum modo, tem conexão com a matéria dos dados pessoais corresponde ao facto de o A., que era agente económico envolvido em contratos de seguro celebrados pela R. com terceiros, ter sido sinalizado por causa de uma reclamação apresentada por um segurado da R., o que motivou a anulação das garantias em relação ao A.
Nos termos do art. 5º da Lei nº 67/78, de 26-10, os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pela boa fé; devem ser recolhidos para finalidades legítimas; e devem obedecer aos princípios da adequação, pertinência e razoabilidade; além disso, devem ser exactos e, se necessário, actualizados.
Nem sempre o consentimento do interessado é imprescindível para o tratamento de dados pessoais. Nos termos do art. 6º, basta que o tratamento (recolha, registo, organização, consulta, utilização, comunicação, difusão, etc., nos termos do art. 3º, al. b)) se mostre necessário, por exemplo, para a prossecução de interesses legítimos, desde que não devam prevalecer sobre esses interesses direitos, liberdades ou garantias do titular dos dados (al. e), do art. 6º).
A matéria relacionada com a actividade seguradora é objecto de específico tratamento de Romano Martinez, no trabalho intitulado Contrato de Seguro e Informática, em III Congresso de Direito dos Seguros, págs. 29 e segs.
2.3. No caso concreto, para além de não se mostrar provada a recusa da R. em permitir o acesso do A. aos elementos que sobre si detinha e sem embargo de também estar provado que a R. procedeu à reposição das garantias relacionadas com o crédito do A., não é possível asseverar a existência de qualquer comportamento ilícito da R.
Para o efeito, era necessário que se provasse, por exemplo, que a recolha e tratamento de dados relativos ao A. não cumpria o que sobre a matéria consta da referida Lei, nos termos do art. 11º, nº 1, al. d), não existindo motivo algum para considerar que houve violação de algum dos princípios ínsitos no art. 5º ou as regras do art. 6º.
Considerar que, a partir de uma situação de processamento de um sinistro, determinado agente económico fica numa situação de condicionamento ou negação da concessão de garantias que ao mesmo digam respeito constitui uma opção legítima da seguradora de créditos que não pode ser contrariada ou modificada mediante a mera vontade do interessado, ainda que considere que não existem motivos para tal.
Diversa seria a solução se acaso se pudesse afirmar que a inserção do A. na referida categoria violava as regras da boa fé, tendo, por exemplo, a objectiva finalidade de denegrir, sem motivos, o seu bom nome ou crédito. Ou se, porventura, se verificasse uma situação como a que foi objecto de apreciação no Ac. da Rel. de Lisboa, de 11-1-96, CJ, tomo I, pág. 79, que reconheceu ao interessado o direito de obter a eliminação de elementos constantes de uma base de dados, mas em que esta era objecto de exploração por parte de uma empresa que difundiu pelos seus clientes informações que, integrando o lesado numa lista de “maus pagadores”, afectava o seu direito ao bom nome e reputação. Ou ainda se se verificasse uma situação como a que foi apreciada no Ac. da Rel. de Lisboa, de 15-3-00, CJ, tomo II, pág. 90, em que o lesado também foi inserido na listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos e que foi divulgada pelas instituições bancárias nacionais.
2.4. Invoca o A. a norma do art. 13º, nº, 1, da mesma Lei, segundo o qual qualquer pessoa tem “o direito de não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora ou o seu comportamento”.
A descrição do funcionamento interno da R. (onde o A. agora se pretende basear para fundar a sua pretensão indemnizatória) decorre da sua própria defesa. Ainda assim, a colocação temporária do A. no referido segmento de agentes económicos não teve exclusivamente por base o processamento do processo de sinistro. Para além de anteriormente ter existido uma troca de cartas entre a R. e o A., o processamento do sinistro limitou-se a dar um “alerta”, a partir do qual foi tomada a decisão contra a qual o A. se insurgiu.
Ora, o que se pretende com a aludida proibição é evitar a sujeição de interesses pessoais a automatismos e efeitos imediatos provocados pelo próprio sistema de tratamento dos dados, o que não ocorreu no caso concreto, já que o resultado não foi exclusivamente provocado pelo mecanismo instalado, sendo este apenas impulsionador de uma decisão específica que teve de ser tomada, dentro dos critérios de gestão comercial da R.
Por outro lado, não tendo a R. relações com o A., a avaliação do risco incide fundamentalmente sobre as operações que lhe são apresentadas pelos segurados, implicando apenas indirectamente com interesses de terceiros como são os dos clientes dos tomadores de seguros de crédito.
De todo o modo, para além de não se ter provado a existência de má fé da R., o elemento que o A. refere já foi objecto de correcção, sendo levantadas as restrições quanto à celebração de contratos de seguro de crédito envolvendo o A.
IV – Face ao exposto, acorda-se no seguinte:
a) Julgar procedente o recurso principal interposto pela R., revogando a sentença e absolvendo a R. do pedido;
b) Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelo A.;
Custas de ambos os recursos e da acção a cargo do Autor.
Notifique.
Lisboa, 9-12-08
António Santos Abrantes Geraldes
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado