Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GUILHERME PIRES | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO ABUSIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/09/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | Sendo o despedimento determinado pela facto da A. haver reclamado o pagamento de horas extraordinárias é de considerar abusivo, nos termos do art. 374º nº 1 e 2 do Código do Trabalho, o que confere à A. o direito a uma indemnização não inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades – nº 5 do art. 439 do Cód. Trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: MARG… intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra PORT…, L.DA, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento e que a ré seja condenada a pagar as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento, até à data da sentença, bem como a indemnização pelo despedimento abusivo, e bem assim no pagamento dos demais créditos relativos a horas de trabalho extraordinário, no montante global € 26 769,13. Alegou, para tanto, que foi admitida ao serviço da ré em 1.03.2002 para exercer as funções correspondentes à categoria de chefe de serviços no departamento de grupos, com o período normal de trabalho de 37,5 horas semanais, mediante a retribuição líquida mensal de € 1 500,00; não foi convencionada a isenção de horário; em 28 de Junho de 2004 a A., por carta dirigida à ré, reclamou desta o pagamento de horas extraordinárias prestadas em sábados, domingos e feriados e bem assim horas nocturnas tendo a ré negado que tal lhe fosse devido; em consequência, a ré instaurou um processo disciplinar à A. e previamente ao envio da nota de culpa suspendeu-a preventivamente; em 2 de Setembro de 2004 a ré veio a despedir a A. com fundamento apenas no facto de esta ter reclamado o pagamento das horas extraordinárias; alega ainda a A. que trabalhava diariamente mais duas horas para além do horário normal reclamando a esse título o pagamento de € 16 883,55; pelo trabalho prestado em sábados, domingos e feriados reclamada € 4488,00 e pelas horas de trabalho nocturno reclama o pagamento de € 1037,58. Alegou ainda a A. que não lhe gozados 10 dias de férias e não lhe foram pagos férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao ano do despedimento no montante global de € 4 360,00. A Ré contestou alegando, em síntese, que a A. tinha perfeito conhecimento de que no momento da sua contratação ficou acordado que na remuneração fixada ficava incluída a compensação pela isenção de horário pese embora tal não tenha ficado a constar do texto do contrato de trabalho; era a A. quem decidia o seu horário de entrada e saída tendo em vista o seu dia de trabalho e respectivos objectivos, por tal motivo a sua remuneração é muito superior ao tabelado; nunca até 28.06.2004 a A. reclamou o pagamento de horas extraordinárias e só o fez quando constatou que a avaliação do seu desempenho profissional estava a ser negativa pelo que actua em manifesto abuso de direito; durante o tempo em que trabalhou para a ré nunca ocorreu qualquer registo de trabalho suplementar efectuado pela A. no respectivo livro de registo; ao invocar direito que sabia não lhe assistir a A. actuou com manifesta má fé inquinando a confiança que a entidade patronal nela depositava. Concluiu pela improcedência da acção e consequente absolvição da ré do pedido. Teve lugar a realização da audiência de julgamento com observância do ritualismo legalmente prescrito tendo o Tribunal fixado a matéria de facto da forma que se revela a fls. 115 a 120, sem reclamação. No início da audiência de julgamento a A. optou pela indemnização (fls. 111). Foi depois proferida a sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:--- a. declarou ilícito o despedimento da A. por improcedência da justa causa invocada;--- b. condenou a ré no pagamento à A. das retribuições vencidas desde a data do despedimento e até ao momento em que iniciou a prestação de actividade para outra empresa e bem assim no pagamento de uma indemnização por antiguidade equivalente a € 1 500,00 por cada ano de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão;--- c. condenar a ré no pagamento da remuneração devida a título de trabalho suplementar e trabalho prestado em sábados e feriados e em período nocturno em quantia a determinar em sede de incidente de liquidação.-- Inconformada com a sentença, dela apelou a Autora finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: - o despedimento da A. pela R. foi não apenas sem justa causa, mas também abusivo. - Pois que se provou que a motivação única e exclusiva para o despedimento da A. baseou-se no facto de esta ter reclamado de direitos que lhe assistiam e das condições de trabalho não remunerados e respeitantes a trabalho extraordinário, aos sábados, domingos e feriados e nocturno. - Provou-se que a A. realizou aquele trabalho não remunerado em quantidade não determinada, relegando—se a sua quantificação para liquidação de sentença. - À A. assistiam aqueles direitos e o de os invocar e, não obstante, por causa disso, a R. despediu a A. - Tendo pois a A. direito a receber da R. uma indemnização a calcular, não nos termos do N.0 1 do Art.0 439 do Cód. Trabalho, como se determinou na sentença, mas de conformidade com o N.0 4 do mesmo Código, ou como se formulou no pedido da A. - Não se decidindo assim foram violados os Art.0s 374 e 375 do Cód. Trabalho, com referência também para o N.0 4 do Art.0 439 do mesmo Código. - Nestes termos, deve revogar-se a douta sentença, quanto à qualificação do despedimento, considerando-se como abusivo e condenar-se a R. a pagar a A. a indemnização pedida na acção, nos termos do N.04 do Art.0 439 do Cód. Trabalho, com o que se fará Justiça. Não foram apresentadas contra- alegações. Correram os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. * OS FACTOS: Estão assentes os factos seguintes: 1. A ré admitiu a A. ao seu serviço em 1.03.2002 mediante a celebração de contrato de trabalho reduzido a escrito com data de 29.01.2002.--- 2. A A. foi admitida com a categoria de chefe de serviços no departamento de grupos.- 3. O período normal de trabalho da A. era de 37,5 horas semanais. 4. A retribuição mensal líquida da A. foi fixada em € 1 500,00.--- 5. A A. dirigiu à ré uma carta com data de 28 de Junho de 2004 dando conta que realizou duas horas diárias de trabalho extraordinário desde a data de admissão e bem assim horas suplementares em sábados, domingos e feriados conforme lista que anexou, horas essas que não lhe foram pagas, solicitando o respectivo pagamento.--- 6. Por carta com data de 7 de Julho de 2004 a ré deu conta à A. que não lhe assistia qualquer direito ao pagamento dessas horas por o vencimento que lhe era pago ser substancialmente superior ao tabelado em situações similares, o que foi feito no pressuposto de não exigência de suplementos remuneratórios.--- 7. Por carta com data de 13 de Julho de 2004 a A. comunica à ré que mantém a posição de que lhe é devido o pagamento de horas extraordinárias e bem assim trabalho nocturno.--- 8. Por carta com data de 14 de Julho de 2004 a ré deu conta à A. do seguinte: “constatando que V.Ex.a persiste na evocação de pretensos falsos direitos que lhe assistiriam, vimos por este meio informá-la de que a partir da presente data se encontra preventivamente suspensa para efeito e nos termos do artigo 417 da Lei 99/2003 de 27 de Agosto. A presente suspensão fica a dever-se a manifesta e ostensiva violação do dever de lealdade e respeito que nos é devido, pelo que a sua presença na empresa é inconveniente. Em virtude de não ter sido possível elaborar a competente nota de culpa a mesma ser-lhe-á oportunamente enviada”.--- 9. Por carta com data de 29 de Julho de 2004 a ré comunicou à A. que lhe fora instaurado processo disciplinar e notificou-a da nota de culpa da qual consta o seguinte:--- a. por carta remetida à entidade empregadora a 28 de Junho de 2004, veio a arguida exigir o pagamento de trabalho suplementar por esta dito prestado em diversos sábados, domingos e feriados, desde 29 de Março de 2002 até ao presente, conforme lista anexa àquela;--- b. tal exigência de pagamento foi reiterada em nova carta enviada à entidade empregadora a 14 de Julho do corrente ano, na qual, faz menção igualmente a trabalho nocturno e outros prestados;--- c. nas negociações que antecederam o presente contrato de trabalho foi, entre as partes, acordado que a indicada remuneração mensal líquida de € 1 500,00 se referia a remuneração global, ou seja, nela se inseriam eventuais pagamentos por trabalho suplementar, prestado em dias de descanso, em feriados ou em horário nocturno;--- d. às funções exercidas pela arguida corresponde, no sector de actividade, um vencimento de cerca de € 1 000,00 mensais;--- e. a arguida não podia desconhecer o acordo referido, pois tal havia sido expressamente acordado, ainda que não clausulado e é do perfeito conhecimento da arguida a referida natureza do elevado montante remuneratório auferido;--- f. a arguida jamais exigiu antes do dia 28 de Junho do corrente ano o pagamento das horas suplementares por esta efectuadas ou sequer alguma vez mencionou esse assunto à entidade patronal;--- g. ao exigir tal pagamento a arguida está a agir em clara violação do princípio da boa fé, pretendendo com o referido comportamento locupletar-se ilegitimamente à custa da entidade empregadora, incorrendo numa manifesta situação de abuso de direito;--- h. violando assim os deveres de lealdade e de confiança subjacentes à celebração do contrato de trabalho;--- i. o comportamento da arguida tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho assistindo fundamento para o seu despedimento com justa causa.--- 10. A A. respondeu por escrito à nota de culpa.--- 11. Por carta com data de 2 de Setembro de 2004 a ré notificou a A. da decisão final proferida no processo disciplinar em cujo relatório foi considerada provada a matéria enunciada na nota de culpa e referida em 8. e concluiu-se que a arguida violou os princípios da boa fé e de lealdade ínsitos no art. 93º e n.º 1 do art. 119º do Decreto-Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, pretendendo, dessa forma, enriquecer-se ilegitimamente à custa da entidade patronal, incorrendo, em consequência, em abuso de direito; a arguida sabia perfeitamente que o comportamento que teve não lhe era permitido, mas não se absteve de o adoptar. Agiu assim livre e conscientemente, com perfeito conhecimento de que estava a exigir ilegitimamente direitos remuneratórios, adoptando uma conduta contrária àquela manifestada quer nos preliminares da celebração do contrato de trabalho sub judice, quer no momento da sua celebração, e que foi elemento essencial do mesmo; a arguida recusou injustificadamente em comparecer ao escritório do ora instrutor, no dia 15 de Julho do corrente ano, em clara afronta a expressa ordem escrita da respectiva entidade patronal, comunicada no dia 14 de Julho de 2004, violando, assim, a arguida, os deveres de obediência para com aquela; os comportamentos e factos acima descriminados da arguida quebraram manifestamente o vínculo de confiança que tem de existir com a entidade patronal, tornando assim praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho conduzindo a existência de justa causa de despedimento da trabalhadora.--- 12. O horário de trabalho diário da A., coincidente com o do estabelecimento da ré, era das 9 horas até às 12 h. e 30 min. e das 14 horas às 18 horas.--- 13. Sucedia muitas vezes a A. ficar a trabalhar até às 20 horas.--- 14. A A., durante o tempo em que prestou serviço à ré, trabalhou em sábados e feriados, em número de dias e horas não apurado.--- 15. Durante esse período a A. trabalhou, em dias não apurados, algumas horas após as 20 horas.--- 16. A ré possui um livro de registo de trabalho suplementar.--- 17. Durante o período em que trabalhou para a ré nunca foi efectuado qualquer registo de trabalho suplementar prestado pela A..--- 18. A A. encontra-se a trabalhar para a empresa EV Tours Full Services Portugal desde 20.09.2004.--- * O DIREITO: O âmbito do recurso, como se sabe, define-se pelas suas conclusões (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC). A única questão colocada e a decidir é se o despedimento da autora pela Ré foi, ou não, abusivo. Recorre a Autora por não se conformar com a não qualificação do despedimento promovido pela R., ora apelada, como despedimento abusivo, não fazendo a aplicação do disposto nos Art.0s 374 e 375 do Cód. do Trabalho, com remissão para o disposto no N.0 4 do Art.0 439 do mesmo Código. Entendemos que lhe assiste razão. Com efeito, o Art.0 374.º do Código do Trabalho considera abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador haver reclamado legalmente contra as condições de trabalho (alínea a)) e, em geral, ter exercido, pretender exercer ou invocar direitos e garantias que lhe assistem (alínea d). Mais dispõe o n.0 2 do mesmo artigo que se presume abusivo o despedimento ou a aplicação de qualquer sanção sob a aparência de punição de outra falta, quando tenha lugar até seis meses após qualquer dos factos mencionados nas alíneas a), b) e d) do n.0 anterior. Ora, a A. fundamentou a acção e o pedido na esteira destas normas, sendo o pedido claramente nesse sentido: “deve julgar-se procedente por provada, a presente acção, e, consequentemente, julgar-se invalido e abusivo o despedimento efectuado e a R. ser condenada a pagar as retribuições vincendas desde a data do despedimento, até à data da sentença, assim como uma indemnização pelo despedimento abusivo, no montante de 9.000,00 Euros e demais.....”. A prova produzida aponta claramente para o despedimento abusivo e isso mesmo vem referido na douta sentença onde, a certo passo, se diz que o “despedimento da A. está intrinsecamente relacionado com a reclamação do pagamento de horas extraordinárias”. E foi claramente essa a motivação do despedimento. Na verdade, vem provado que: - o período normal de trabalho da A. era de 37.5 horas semanais (o que explicitamente constava do próprio contrato). - A A. dirigiu à R. uma carta de 28 de Junho de 2004, invocando o direito a receber horas extraordinárias, trabalho suplementar em sábados, domingos e feriados (5). - Em nova carta, de 13 de Julho de 2004, a A., já em resposta à R., mantém a sua posição de ser credora de horas extraordinárias e também por trabalho nocturno (7). - No dia seguinte (16 de Julho) a R. comunica à A. que decide suspendê-la preventivamente (8). - Posteriormente, a R. despede a A. por esta ter reclamado aqueles seus créditos (21). - Reclamação essa legitima, pois que se provou que sucedia, muitas vezes, a A. ficar a trabalhar até às 20 horas; que trabalhou em sábados e feriados, em número de dias e horas não apurado e que trabalhou algumas horas após as 20 horas (13, 14 e 15). Assim, sem margem para dúvidas, estão verificados os pressupostos contidos no Art0 374, N.0 1, alíneas a) e d), do Cód. de Trabalho, ou, como se diz na douta sentença, que o despedimento da A. está intrinsecamente relacionado com a reclamação da A.. Verifica-se, pois, que o despedimento da Autora deveria ter sido qualificado como abusivo, com as legais consequências. Tem portanto a Autora direito a receber da Ré uma indemnização a calcular, nos termos do nº 4 do art. 439º do Código do Trabalho (art. 375º, nº 2) e não nos termos do nº 1 do mesmo artigo como se decidiu na sentença recorrida, isto é, cabe ao tribunal fixar o montante da indemnização entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade . Como refere a sentença recorrida: “O salário a ter em conta para fixação da indemnização é o decorrente da retribuição base e diuturnidades e feita a opção pela indemnização, seja qual for o momento em que a mesma é concretizada, o limite temporal será sempre o do trânsito em julgado da decisão judicial conforme dispõe o art. 439º, n.º 2 do Código do Trabalho (cfr. Ac. STJ de 23.01.2002, CJ (STJ) 2002, I, 252; AC RP de 18.09.2000, CJ 2000, IV, 240). A A. optou pelo direito à indemnização (fls. 111). Assim, tendo em conta que o despedimento foi declarado abusivo, nos termos referidos, e atendendo ao valor da retribuição base e diuturnidades, (1500, 00 euros), e a que a indemnização não pode ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades, ( nº 5 do Art. 439.º do Cód. Trabalho) considera-se que a Autora tem direito à indemnização pelo despedimento abusivo, no montante pedido de 9000, 00 euros. * DECISÃO: Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso de apelação e em alterar a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar à Autora a título de indemnização por despedimento abusivo, a quantia pedida de 9000,00 euros, mantendo, no mais, a sentença recorrida. Custas, em ambas as instâncias, pela Ré/Apelada. Lisboa, 9 de Março de 2006 __________________________ __________________________ __________________________ |