Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
Descritores: | MARCAS REGISTO DE MARCA PRIORIDADE DE APRESENTAÇÃO DA MARCA CONFUSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/01/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1 - Pese embora a prioridade das marcas da recorrente, verifica-se que, do confronto entre o sinal requerido e as marcas prioritariamente registadas, não ressaltam semelhanças susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário, para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação, apesar da existência de um elemento comum. 2 - Aliás, o elemento comum às marcas em confronto (FUNCENTER), não pode ser usado exclusivamente por um só agente do mercado, em virtude de ser de utilização corrente na prestação de serviços. 3 - Assim, por a marca registanda no seu conjunto não ser susceptível de confusão ou associação com a marca registada e consequentemente não se mostrar violado o disposto no artigo 239º n.º 1 alínea a) do Código da Propriedade Industrial, deve a sentença recorrida ser confirmada. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. S..., SGPS, S.A., sociedade com sede em ..., Maia, pessoa colectiva n.º ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, (doravante CPI) interpor recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante INPI) que concedeu o registo de marca nacional n.º 402 725 “FUN CENTER ON CAIS” a favor de B..., residente na ..., Vila Nova de Gaia. Invoca a seu favor, em síntese, que a concessão do registo põe em causa os direitos de propriedade industrial de que é titular, pelo que deveria ter sido recusado. Cumprido o disposto no artigo 43º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo. A parte contrária, devidamente citada, pugnou pela manutenção da decisão objecto de impugnação. Feito o saneamento do processo, foi proferida sentença, negando provimento ao recurso e mantendo o despacho recorrido que deferiu o registo de marca nacional nº 402 725 “FUN CENTER ON CAIS”. Inconformada com a decisão, recorreu a S..., SGPS, S.A., formulando as seguintes conclusões: 1ª - A douta sentença recorrida julgou improcedente o recurso apresentado em primeira instância do despacho que concedeu o registo de marca nacional n.º 402.725 “FUNCENTER ON CAIS”, pese embora a pré-existência dos registos de marca comunitária n.º 894.899 “FUNCENTER”, e nacional n.º 331.041 “FUNCENTER”, da aqui apelante; 2ª - E pese embora reconhecer que as marcas da apelante são prioritárias e que os produtos e serviços assinalados são os mesmos; 3ª - Violou, porém, o disposto nos artigos 222º, n.º 1, 224º, n.º 1, 239º, alínea m), 245º do CPI e 16º, n.º 1, e 9º, alíneas a) e b) do RMC; 4ª - Já que, a palavra “FUNCENTER” é o elemento prevalente na marca ora em causa; 5ª - E reproduz o elemento prevalente das marcas “FUNCENTER” da apelante; 6ª - Pelo que, inexistindo a necessária distinção entre as marcas, o consumidor português médio é susceptível de cair em erro ou confusão fácil, tomando uma pela outra; 7ª - O que viola o disposto no artigo 245º, n.º 1, alínea c) do CPI; 8ª - Acrescendo ainda que a coexistência das marcas no mercado permite, atenta a semelhança entre a marca em causa e a da apelante, que se gere uma relação parasitária entre aquela e esta, o que é proibido pelo disposto no artigo 24º, n.º 1, alínea d) do CPI; O recorrido contra – alegou, defendendo, em síntese, que a sentença que negou provimento ao recurso e manteve o despacho recorrido que deferiu o registo de marca nacional n.º 402 725 “FUNCENTER ON CAIS”, não violou qualquer dos dispositivos citados pela recorrente, não merecendo qualquer reparo, pelo que deve manter-se. Cumpre decidir: 2. É pelas conclusões das alegações de recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo (artigos 660º e 684º, n.º 3 CPC), exceptuando-se as questões que sejam de conhecimento oficioso (artigo 660º, n.º 2 CPC). O vocábulo “questões” não abrange os argumentos, os motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, as concretas controvérsias centrais a dirimir. Assim, a única questão controvertida é a de saber se entre os sinais existem as semelhanças legalmente destacadas como tendo potencialidade para as confundir ou associar entre si. 3. Dos documentos juntos aos autos, resultam provados os seguintes factos: 1 – Por despacho de 05/09/2007, o Senhor Director da Direcção de Marcas do INPI, por subdelegação de competências do Conselho de Administração do INPI, deferiu o pedido de registo de marca nacional nº 402 725 «FUNCENTER ON CAIS» a favor de B..... 2 – A recorrente é titular do (i) registo de marca comunitária n.º 894 899 «FUNCENTER», concedido em 13/02/2001 e do (ii) registo de marca nacional n.º 331 041, concedido em 22/06/1998. 3- Ambos os registos destinam-se a assinalar serviços e produtos nas classes 41ª e 42ª: educação, divertimentos, centros para tempos livres, actividades desportivas e culturais e serviços de restauração, bares, cafetarias e snack-bares. 4 -Têm a mesma representação gráfica e a seguinte configuração: 5 – A marca registanda destina-se a identificar serviços e produtos nas classes 41ª e 35ª: educação, formação, divertimento, actividades desportivas e culturais, publicidade, gestão de negócios, administração comercial, trabalhos de escritório, e tem a seguinte configuração: 6 – O deferimento fundou-se na constatação de que não existem semelhanças entre os sinais susceptíveis de gerar confusão, além de que o elemento comum (funcenter) não deverá ser usado exclusivamente por um só agente do mercado, por ser de utilização corrente na prestação de serviços de divertimento. 4. A marca constitui o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio. Visa a marca distinguir os produtos e serviços de um dado comerciante em face dos demais. Como decorre do artigo 224º, n.º 1 CPC, aquele que adopta certa marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfação as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo. Em face desta disposição, marca pode ser definida, em termos muito gerais, como o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor. Tendo a marca a função de identificar a proveniência de um produto ou serviço, é através dela que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece. Diz o artigo 222º, n.º 1: “A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”. Decorre deste artigo que, na composição da marca, vigora o princípio da liberdade, pois quem pretende obter o registo de determinado sinal como marca pode compor esse sinal como muito bem lhe aprouver e considerar o que melhor possa atrair clientela, recorrendo a expressões nominativas, de linguagem comum ou de fantasia, ou a desenhos ou à combinação desses elementos. Este princípio encontra, porém, limites de duas ordens. Por um lado, os chamados limites intrínsecos, que dizem respeito aos próprios sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca. Por outro lado, os chamados limites extrínsecos, que dizem respeito aos sinais confrontados com situações anteriores, como é caso de existência de marcas anteriormente registadas para produtos ou serviços idênticos ou afins. A lei estabelece, portanto, limites à liberdade na composição da marca que têm em vista, não já o sinal em si mesmo considerado, mas a existência de direitos anteriores. Assim, de acordo com a alínea m) do 239º, a marca não pode reproduzir ou imitar no todo ou em parte uma marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada. Em sintonia com esta disposição, o artigo 245º, n.º 1, estabelece que “a marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) – A marca registada tiver prioridade; b) – Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta; c) – Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda o risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto”. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo 245º: “Constitui imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada”. A primeira conclusão a retirar destes preceitos é a de que a marca tem de ser nova. A novidade não implica que a marca deva ser inédita. A novidade da marca significa que esta não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, isto é, que o sinal não esteja a ser empregue como marca na mesma actividade. São dois, portanto, os requisitos que excluem a novidade da marca, um dos quais se reporta aos sinais em confronto e o outro aos produtos ou serviços a que os sinais se destinam. No que toca ao primeiro dos indicados requisitos, exige a lei que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor. No que toca ao segundo requisito, é ainda necessário que os sinais distintivos em causa se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços semelhantes: é o chamado princípio da especialidade das marcas. No caso em apreço existe prioridade das marcas registadas a favor da recorrente. Verifica-se ainda a afinidade entre os produtos assinalados. A única questão controvertida é portanto saber se entre os sinais existem as semelhanças legalmente destacadas como tendo potencialidade para as confundir ou associar entre si. A imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas, como adverte Ferrer Correia, para se aferir da imitação não há que confrontar directamente duas marcas. A imitação existirá, ainda, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. “Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”[1]. Segundo Pinto Coelho, é preciso considerar que o público em geral não está a pensar na existência ou não da imitação: liga um produto que lhe agradou a certa marca de que conserva uma ideia mais ou menos precisa, devendo, por isso, evitar-se que um outro comerciante adopte uma marca que ao olhar distraído do público possa apresentar-se como sendo a que ele busca. No mesmo sentido, diz Bédarride, citado por Pupo Correia[2], “a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente”. O juízo a fazer há-de ter em atenção o consumidor médio do produto ou produtos em questão, ou seja, há-de considerar o estrato populacional a que primordialmente o produto se destina. Com efeito, “no exame comparativo das marcas, (…) deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão[3]». Assim, há que considerar o consumidor profissional e especializado, quando os produtos em causa são habitualmente adquiridos por profissionais ou peritos, o perfil de um consumidor mais atento no caso de produtos ou serviços com preços mais elevados, e o perfil de um consumidor médio menos diligente quando se trata de produtos ou serviços de baixo preço e largo consumo[4]. No caso presente, estamos perante marcas mistas, em que coexistem elementos nominativos e gráficas, suscitando-se portanto a questão de saber qual dos elementos deve prevalecer. “Dada a coexistência de elementos nominativos e gráficos a comparação das marcas mistas com marcas posteriores mistas, nominativas e gráficas, coloca a questão de saber qual dos elementos é prevalente: se o nominativo, se o gráfico. O critério correcto parece ser o de, a priori, não privilegiar nenhum dos elementos e encontrar o elemento com mais intensidade distintiva e mais capaz de se impor à apreciação dos consumidores”[5]. E acrescenta: “Todavia, o elemento nominativo terá sempre vantagem nos casos em que o elemento gráfico não suscite qualquer significado concreto ou se apresente de uma forma pouca impressiva. Na hipótese de ser possível encontrar o elemento prevalecente da marca mista passar-se-á ao confronto com a nova marca(...)”. In casu, o sinal registando contém a expressão «FUNCENTER», elemento comum ao sinal das marcas obstativas. Na perspectiva nominativa, a parte distintiva é «On Cais», pretendendo significar «centro-de-diversão-no-cais». Considerou a sentença, no seguimento do que havia sido considerado pelo INPI, e, em nosso entender, bem, que a palavra «funcenter» ou «centro-de-diversão» tem utilização corrente na designação de locais de divertimento ou de actividades com carácter lúdico. Nessa medida, trata-se de um elemento genérico que não deve ser considerado de uso exclusivo de um só agente, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 223º do CPI, não podendo, consequentemente, constituir uma marca notória privativa da Recorrente, somente associada a esta, nem detém, nos termos do artigo 241º do CPI a publicidade e notoriedade a nível nacional e comunitário, que pretende. Além disso, na óptica figurativa, os sinais são totalmente distintos, pois a marca registanda é composta apenas por letras sem fantasia, enquanto nas marcas obstativas as letras servem de legenda a um sugestivo pavilhão emitindo estrelas. Na comparação global, ressaltam por isso tais diferenças, que o consumidor médio dificilmente poderá confundir as respectivas marcas, uma vez que estas apresentam um desenho completamente diferente, podendo conviver lado a lado e não originando uma relação parasitária entre as duas marcas (cfr. Alínea d) do n.º 1 do artigo 24º CPI). Aliás, “o consumidor médio dos produtos e serviços assinalados é algo selectivo, pautando as suas escolhas mais pela localização, natureza e qualidade, do que pela designação dos serviços ou produtos. Afigura-se, por isso, que, face às diferenças assinaladas não terá dificuldade em dissociar a proveniência empresarial”, tal como considerou a sentença. Concluindo: 1 - Pese embora a prioridade das marcas da recorrente, verifica-se que, do confronto entre o sinal requerido e as marcas prioritariamente registadas, não ressaltam semelhanças susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário, para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação, apesar da existência de um elemento comum. 2 - Aliás, o elemento comum às marcas em confronto (FUNCENTER), não pode ser usado exclusivamente por um só agente do mercado, em virtude de ser de utilização corrente na prestação de serviços. 3 - Assim, por a marca registanda no seu conjunto não ser susceptível de confusão ou associação com a marca registada e consequentemente não se mostrar violado o disposto no artigo 239º n.º 1 alínea a) do Código da Propriedade Industrial, deve a sentença recorrida ser confirmada. 5. Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida, mantendo-se, consequentemente, o despacho do Sr. Director da Direcção de Marcas do INPI, (despacho recorrido) que deferiu o registo de marca nacional nº 402 725 “FUN CENTER ON CAIS”. Custas pela recorrente. Lisboa, 1 de Julho de 2010 Manuel F. Granja da Fonseca Fernando Pereira Rodrigues Fernanda Isabel Pereira [1] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1994, página 188. [2] Direito Comercial, 6ª edição, página 340. [3] Ferrer Correia, obra citada. [4] Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, página 237. [5] Couto Gonçalves, Direito de Marcas, 141. |