Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | AVALISTA LIVRANÇA EM BRANCO PACTO DE PREENCHIMENTO AUTORIZAÇÃO PARA MOVIMENTAR CONTA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO TÍTULO EXECUTIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- Tendo o executado/opoente subscrito, em nome pessoal e sob a designação de “avalista”, um “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente para Gestão Automática de Tesouraria” celebrado entre uma instituição de crédito e uma sociedade, só pode compreender-se a menção “avalista” por referência a uma livrança em branco anexa àquele escrito e em razão do pacto de preenchimento que integra esse mesmo contrato; II- Tendo sido clausulado que os ditos “Avalistas” autorizavam que os pagamentos devidos pela sociedade mutuária se pudessem fazer também à custa de contas de depósito à ordem por si tituladas naquela mesma instituição de crédito, tal corresponde a uma autorização de débito em conta, não podendo entender-se que desse modo tenham tais “Avalistas” assumido a responsabilidade de satisfazer genericamente as obrigações da devedora emergentes do contrato através do seu património e por qualquer outro meio; III- Uma vez que o executado “Avalista”, não obstante ter subscrito o contrato dado em execução, apenas se constituiu como obrigado perante a exequente mediante o preenchimento da livrança decorrente do incumprimento da sociedade outorgante e por força do aval ali prestado, carece a exequente de título bastante contra o mesmo executado “Avalista” se não apresentou essa livrança, devidamente assinada e completada. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I- Relatório: AA veio deduzir oposição à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe foi movida e a outros (V., Lda, JA e MT), por C., S.A.. Apesar da execução ter sido instaurada em 11.3.2013 apenas contra três executados, em 12.3.2013 a exequente logo requereu que a mesma prosseguisse também contra o ora opoente que apenas não fora mencionado no requerimento inicial, segundo explica, por lapso informático na plataforma Citius. Alega o opoente na oposição deduzida, em síntese, além do mais, que é parte ilegítima porque não interveio no contrato de abertura de crédito em conta-corrente dado em execução, somente assinando um pacto de preenchimento, e que nunca exerceu de facto qualquer função na sociedade executada, sendo que subscreveu o contrato na qualidade de sócio da mesma. Diz, ainda, que nunca lhe foi entregue qualquer duplicado do contrato, não lhe tendo sido explicado o seu teor nem as responsabilidades para si do mesmo decorrentes, pelo que o mesmo é nulo, por força do DL nº 446/85, de 25.10, e do DL nº 359/91, de 15.9. Defende, por último, que jamais lhe foi comunicado o valor em dívida nem concedido prazo adicional para pagamento e que a exequente reclama, indevidamente, juros remuneratórios pelo capital vincendo. A oposição foi liminarmente admitida e a exequente apresentou contestação impugnando a factualidade alegada e sustentando, em súmula, que o opoente subscreveu o contrato em representação da sociedade e em nome próprio, na qualidade de avalista, tendo participado nas negociações com vista à respetiva celebração. Diz que foi entregue cópia do contrato ao devedor, tendo os restantes intervenientes acesso ao mesmo através do Devedor/empresa à qual estão ligados, e que o seu teor foi explicado às partes. Refere que o opoente foi extrajudicialmente notificado para pagar tendo mesmo solicitado, em 2009, a sua exoneração imediata dos avais que não veio a concretizar-se. Pede a improcedência da oposição. Foi proferido despacho saneador que concluiu pela legitimidade do opoente e conferiu, no mais, a validade formal da instância, dispensando-se ainda a seleção da matéria de facto. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 30.6.2014, que julgou a oposição totalmente improcedente e determinou o prosseguimento da execução. Inconformado, recorreu o executado/opoente, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ a)O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou improcedente a oposição à execução; b)A Exequente C.,S.A. oferece à execução um contrato de abertura de crédito em conta corrente para gestão automática de tesouraria, onde a empresa V., Lda é qualificada pela Exequente como DEVEDORA OU CLIENTE e o Executado/Apelante como AVALISTA. c)As assinaturas apostas no contrato estão em consonância com as referidas qualidades, pois que é o carimbo da V., Lda que figura como cliente e a assinatura do Executado/Apelante que figura no espaço destinado aos avalistas. d)Na verdade, a Exequente não instaurou ab initio a execução contra o ora Recorrente. e)Apenas mediante requerimento posterior, datado de 12.03.2013, peticiona o prosseguimento dos autos executivos também contra AA, porquanto “a pessoa em causa assinou na qualidade de avalista o Contrato de Crédito dado à Execução”. f)O Tribunal deferiu o requerimento porquanto “(…) verificando-se que AA consta do título executivo como avalista a execução deverá prosseguir contra este, como executado”. g)Citado do requerimento executivo, o ora Recorrente deduziu oposição à execução, alegando que dispõe o art. 55/1 C.P.C. que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”, não constando do contrato como devedor, não pode ser executado nos autos. h)Não obstante, em sede de saneador e de sentença o Tribunal considera que “O executado/opoente António AA argumenta que não existe título executivo que suporte a sua demanda nesta execução porquanto é apenas avalista de uma livrança que não foi apresentada à execução. É certo que do teor do contrato de abertura de crédito à primeira contratante – V., Lda, Lda. – resulta que lhe foi conferida a qualidade de devedora ou cliente. Logo do ponto 3. decorre que o crédito concedido pela C.,S.A., S. A. se destina ao apoio de tesouraria da cliente, logo, da sociedade V., Lda, Lda., (…)Contudo, não obstante a qualidade de avalistas que foi atribuída aos segundos contratantes há que atentar no teor da cláusula 13.2 onde consta o seguinte: (…) Contudo, logo o ponto 2. da cláusula 13. acrescenta que se tal pagamento não for possível, o banco poderá utilizar quaisquer valores existentes em quaisquer outras contas em nome quer da sociedade, quer dos segundos contratantes, ou seja, estes passam a responder simultaneamente com a devedora, sendo igualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato. O executado/opoente é, pois, também ele, devedor, pelo que o documento em causa constitui, também quanto a ele, título executivo.” (sublinhado nosso) i)Ora, tal entendimento, salvo o devido respeito, não parece ser sustentável quer face à lei, quer face a princípios basilares do nosso processo civil. j)Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo veio a decidir pela responsabilidade contratual do Executado / Recorrente não peticionada pela Exequente no requerimento executivo e com base em fundamento (cláusula 13.2 do contrato de abertura de crédito) não alegado pelas partes. k)Ora, o princípio do dispositivo, numa das suas vertentes, determina que sejam as partes a definir os contornos fácticos do litígio, ou seja, devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir, sem olvidar dos poderes conferidos ao Tribunal (art. 264/2 CPC). l)A Exequente funda o seu pedido executivo contra o Recorrente alegando singelamente a celebração de um contrato de abertura de crédito com a empresa V., Lda, e a constituição do Recorrente como avalista no âmbito do mesmo contrato, garantindo o pagamento de todas as quantias que sejam ou venham a ser devidas pelo Exequente. m)O douto Tribunal recorrido, se numa primeira fase se reporta ao ora Recorrente como avalista do título executivo (despacho concluso a 15-03-2013), após a dedução da oposição à execução, nomeadamente, em sede de saneador, vem responsabilizar o Recorrente pelo valor aposto na execução, não por virtude da referida qualidade de avalista, mas por virtude da qualidade de contraente, atento teor da cláusula 13.2 do contrato de abertura de crédito em conta corrente. n)Facto essencial seria que a Exequente tivesse qualificado, no requerimento executivo, o executado, ora Recorrente, como contraente. Todavia, tal não sucede. o)A Exequente qualifica o Executado/Recorrente de avalista, e é nessa qualidade que responsabiliza o recorrente pelo pagamento do valor alegadamente em dívida “(…) assinou na qualidade de avalista o Contrato.” p)Todavia, não junta como título executivo uma livrança, mas sim o contrato. q)Ora, o aval é uma garantia exclusiva de letras / livranças e não de contratos (art. 30 e 77 LULL). É legalmente inexistente aval de contrato. O avalista é uma figura exclusiva dos títulos cambiários. O aval é uma obrigação cambiária, que se constituiu através da assinatura do dador na face anterior de uma letra / livrança (art. 31 e 77 LULL). r)A constituição de aval é um negócio cambiário formal, que carece de ser titulado por uma livrança, pois que “Quando apontámos a feição constitutiva particular que tem o documento nos títulos de crédito, falámos da relação permanente que existe entre a posse do título e o direito nele mencionado. Esta ideia, que, como sabemos, usa exprimir-se pelo termos «incorporação», é igualmente válida para a letra de câmbio. O direito de crédito cambiário é cartular, está como que comprometido com o documento. É a titularidade deste que decide da titularidade do crédito (…)” (in Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letras de Câmbio, Univ. Coimbra 1975, A. Ferrer Correia, pág. 39). s)O Recorrente não aderiu a qualquer contrato, designadamente ao contrato de abertura de crédito. Não é parte neste contrato. Não peticionou qualquer financiamento. Antes acordou em assinar uma livrança, como avalista, acordando um pacto de preenchimento com a Exequente para garantia das obrigações assumidas pela empresa V., Lda com a celebração do contrato de abertura de crédito. t)A mesma Exequente que alega que o Executado é responsável pelo pagamento da dívida porque apôs a sua assinatura no contrato é a mesma Exequente que impôs um contrato pré-elaborado, com inclusão no mesmo contrato dos termos necessários à constituição do aval e que assim obrigou o Executado a assinar o próprio contrato para se constituir como garante! E é ainda a mesma Exequente que sempre se reportou ao executado como avalista, inclusive no requerimento executivo! u)Ou seja, da qualidade de avalista, facto essencial alegado pela Exequente e sempre aceite pela mesma, não poderia o Tribunal chegar à conclusão da responsabilidade contratual do Executado / Recorrente por virtude da existência da cláusula 13.2. v)Não há ligação entre estes factos, da responsabilidade cambiária não se pode passar para a responsabilidade contratual, não peticionada pela Exequente em sede de requerimento executivo. w)Pelo que, o Tribunal recorrido não podia conhecer da referida cláusula para responsabilizar contratualmente o Recorrente. x)Pelo que, é nula a sentença, uma vez que conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668/1/d 2ªp. CPC), devendo ser substituída por outra que absolva o Recorrido da instância, atenta a sua ilegitimidade na execução, nos moldes em que foi instaurada. y)Mesmo que assim não se entenda, a ser carreado pelo Tribunal novo fundamento, sempre teria de ser respeitado o princípio do contraditório, que numa das suas vertentes, determina que não pode o Tribunal decidir de qualquer questão de facto ou de direito, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem (art. 3/3 CPC). z)Ora, no caso dos autos, nenhuma das partes foi convidada a pronunciar-se acerca da cláusula 13.2 do contrato executado. aa)Face ao supra exposto, também por este motivo, deverá a douta sentença recorrida ser considerada nula por violação do disposto nos arts. 264/2, 660/2 e 3/3 do CPC. bb)Ora, mesmo que o Tribunal pudesse analisar da responsabilidade contratual do Recorrente e pudesse usar como argumento a cláusula 13.2, sempre temos que da mesma não é possível retirar a ilação que o douto Tribunal Recorrido alcança. cc)A referida cláusula refere que: “No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C., S.A. autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da Cliente e/ou dos Avalistas, de que a C., S.A. seja depositária, para o que os mesmos Avalistas dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação.” Daqui conclui o douto Tribunal recorrido: “(…) estes passam a responder simultaneamente com a devedora, sendo igualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato. O executado figura, assim, como devedor no título executivo pelo que é parte legítima na execução, pelo lado passivo”. dd)A referida cláusula constitui uma espécie de autorização de débito em conta, de compensação de créditos, que determina que se a sociedade contratante não tiver a conta provisionada para pagamento dos valores mutuados, a Exequente poderia pagar-se através dos saldos existentes nas contas bancárias dos avalistas. ee)Ou seja, para compensar o crédito em dívida pela sociedade contratante V., Lda. ff)O que esta clausula confirma, uma vez mais, é que a responsabilidade pelo pagamento dos valores financiados é da V., Lda (13.1) e, que, apenas no caso desta não ter a conta provisionada, é que a Exequente na vigência do contrato poderia utilizar contas bancárias dos avalistas para pagamento dos débitos em dívida nas datas acordadas. gg)Mas a contratante continua a ser a empresa V., Lda. Esta cláusula não permite a transformação da qualidade de garantes do contrato – avalistas – em parte contratante! hh) Esta cláusula não é uma livrança! ii)Não é possível retirar da referida cláusula nenhum regime de solidariedade ou afirmar que os avalistas passam a responder simultaneamente com a devedora, sendo igualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato! jj)Só se a conta da V., Lda não estivesse provisionada é que a Exequente poderia recorrer às contas bancárias dos avalistas. kk)E, muito menos, se pode retirar da mesma que os avalistas, verificado o incumprimento do contrato, possam ser executados judicialmente com base no referido contrato e responsabilizados pelo mesmo! ll)Acresce que, da prova produzida resulta de forma inequívoca que o Recorrente não tinha conhecimento da referida cláusula. mm)Com efeito, cumpre referir que, o argumento único do Tribunal, a cláusula 13.2, não foi explicada ao Recorrente, nem tão pouco este tinha conhecimento da mesma! nn)Até porque, qualquer contraente normal, dotado das suas normais faculdades, não iria apor a sua assinatura num contrato, para se vincular apenas a um pacto de preenchimento, se soubesse que através dessa assinatura, se estava a responsabilizar pelo próprio contrato! oo)Ou se soubesse que por essa forma estaria a permitir que a mutuante retirasse dinheiro de uma conta bancária sua, evitando inclusive eventual recurso prévio a meios judiciais, no caso da empresa mutuária não ter a respectiva conta bancária provisionada! pp)Tal resulta evidente, nomeadamente, do depoimento da testemunha MR, bancária e funcionária da Exequente desde 2005, a partir dos 15 minutos, temos que ao Recorrente não foi explicada a cláusula 13.2: Mandatária do Recorrente – Estou-lhe a perguntar se explicou esta cláusula ao AA?; Testemunha MR– Não expliquei; qq)Ora, o contrato dado à execução, pela sua pré-disposição e unilateralidade na elaboração, está sujeito ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no DL 446/85 de 25 de Outubro (alterado pelo DL 220/95 e 249/99) – doravante designado abreviadamente por RJCCG. rr)Ora, não tendo sido comunicada, nem explicada, temos que a cláusula 13.2 deve considerar-se excluída do contrato, nos termos do art. 8º do RJCCG. ss)Atenta a gravidade das consequências que a mesma implica para o Cliente e/ou Avalistas, não se compreende a ausência da explicação por parte da Exequente. tt)Pelo que, mesmo que por hipótese se considere como não excluída a referida clausula nos termos do art. 8 als.) a), b) e c) do RJCCG, sempre a mesma teria de ser considerada como proibida, nos termos do art. 16, als. a) e b) do RJCCG, por manifesta violação de princípios como o da boa fé e confiança. uu)A admissão da referida cláusula, configura mesmo uma fraude à lei, nomeadamente, ao regime da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, pois que, sem incumprimento contratual / resolução contratual, sem preenchimento da livrança / garantia, sem exibição do referido título e sem necessidade de recursos a meios judiciais, a Exequente fica habilitada a pagar-se directamente através do património do avalista, através de uma conta bancária do mesmo! vv)Acresce que, em face da factualidade dada como provada, é inequívoco, que entre as partes foi celebrado um contrato de crédito ao consumo, ao qual são aplicáveis as disposições legais previstas no Decreto-lei nº 359/91, de 21/09 (diploma que se encontrava em vigor aquando da celebração do referido contrato), desde logo porque o Tribunal considera o Recorrente como devedor do próprio contrato, para além da empresa V., Lda! ww)Considera ainda o Recorrente, que aplicação deste diploma aos autos sub judice não poderia ter sido afastado pelo Tribunal por força do valor do mútuo, nos termos do art. 3º, al. c) do referido diploma. xx)Com efeito, na data da celebração do contrato, desconhecia a Exequente qual o valor que viria a ser financiado. yy) E, portanto, atenta a natureza do contrato agora executado, temos que na data da celebração do contrato, estava a Exequente obrigada a cumprir com a obrigação de entrega de cópia assinada do mesmo contrato. zz)De harmonia com o preceituado no art.º 7º, nº 1 a consequência legal da falta de observância desta formalidade, ou seja, a falta de entrega de um exemplar do contrato, no momento da respectiva assinatura pelo consumidor, é a nulidade do contrato. aaa)De acordo com os factos provados, o contrato em apreço não foi assinado em simultâneo, tendo sido assinado em primeiro lugar pelos Executados e só depois terá sido assinado por um representante da Exequente. bbb)Assim, não tendo sido dado cumprimento à exigência prevista no art.º 6º, nº 1, 2ª parte do Decreto-Lei nº 359/91, o contrato de crédito ao consumo em apreço nos autos celebrado entre Exequente e V., Lda é nulo, nos termos do disposto no art.º 7º, nº 1 do mesmo diploma legal. ccc)A cláusula n.º 19 do contrato, não afasta o disposto no art. 782 do CC. O art. 782 CC dispõe que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”. ddd)Ou seja, quer o Tribunal considere o Recorrente como avalista ou como co-obrigado da empresa V., Lda, sempre temos que relativamente ao Recorrente não se verifica a perda do benefício do prazo. eee)Nestes termos, a Exequente relativamente ao Recorrente não poderia provocar o vencimento antecipado das prestações vincendas, estando obrigada previamente a interpelação do mesmo para pôr fim à mora, o que não foi efectuado. fff) Pelo que, não existe dívida vencida e exigível relativamente ao Recorrente. ggg)No respeitante ainda aos juros remuneratórios, cumpre referir que estes estarão incluídos no que a Exequente classifica de capital, uma vez que aqueles são adicionados ao capital em dívida e passam aqueles a seguir todo o regime deste, tal como explica a Exequente na cláusula 14º do contrato. hhh)Pelo que, salvo douto entendimento, deveria ter sido deferido o requerido diversas vezes pelo Executado no sentido da notificação da Exequente para discriminação do valor em dívida, nomeadamente, para discriminação dos valores referentes a capital, juros moratórios e remuneratórios, sendo violadora, nomeadamente, do disposto no art. 3/3 CPC. iii)Pelo que, a procedência do presente recurso é em nosso entender manifesta.” Em contra-alegações, a exequente/recorrida refuta, no essencial, os argumentos do apelante e conclui pelo acerto do julgado. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II- Fundamentos de Facto: A sentença fixou como provada a seguinte factualidade: 1)V., Lda, como primeira contratante, na qualidade de devedora ou cliente; JA e cônjuge MT e AA, como segundos contratantes, designados como avalistas e C.,S.A., como terceira contratante, subscreveram, com data de 30 de Dezembro de 2008, o documento intitulado “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente para Gestão Automática de Tesouraria”, n.º 0336018150392, que consta de fls. 6 a 8 dos autos de execução e 34 a 40 destes autos, com data de perfeição do contrato de 14 de Janeiro de 2009, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, mostrando-se reconhecidas as assinaturas de AA e JA por acto executado a 7-01-2009. 2)De acordo com a cláusula 3., 5., 6.1. e 6.2. do contrato referido em 1. o crédito concedido destina-se ao apoio de tesouraria da cliente a efectuar exclusivamente através de um circuito de gestão automática (Circuito de Gestão Automática de Tesouraria), até ao montante de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e pelo prazo de seis meses, com início na data da sua perfeição automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos. 3)De acordo com as cláusulas 7.1 e 7.2 a movimentação da conta corrente é efectuada mediante a gestão automática e em associação a uma conta de depósito à ordem e a uma conta de depósito poupança investimento, não sendo permitida qualquer outra forma de movimentação; o Circuito de Gestão Automática de Tesouraria efectua no final do dia a transferência automática de verbas entre a presente conta corrente, a conta de depósito à ordem e a conta poupança investimento, em função da escassez ou excesso de liquidez, tendo em conta o saldo mínimo da conta de depósito à ordem, que não poderá ser inferior a € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), uma “tranche base para transferência de fundos” no montante de € 1 000,00 (mil euros) ou seus múltiplos de acordo com os critérios determinados nos pontos seguintes dessa cláusula. 4)Na cláusula 21. a Cliente confessa-se devedora das quantias disponibilizadas através desta abertura de crédito, dos respectivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos no contrato, convencionando as partes na cláusula 22.1. o seguinte: “Fica convencionado que o extracto de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela C., S.A. e relacionados com o presente contrato serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que delas resultem em qualquer processo” e acordando ainda que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efectuados. 5)Estipularam ainda as partes na cláusula 13.1 o seguinte: “Sem prejuízo do circuito de gestão automática atrás mencionado, todos os pagamentos a que a Cliente fica obrigada por força deste contrato serão efectuados através de débito na sua conta de depósitos à ordem atrás referida, que a mesma se obriga a manter devida e atempadamente provisionada para o efeito, ficando desde já a C., S.A. autorizada a proceder às respectivas movimentações.” 6)E na cláusula 13.2. o seguinte: “No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C., S.A. autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da Cliente e/ou dos Avalistas, de que a C., S.A. seja depositária, para o que os mesmos Avalistas dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação.” 7)A exequente, aquando da interposição do requerimento executivo, apresentou, juntamente com o contrato de abertura de crédito em conta corrente, a nota de débito n.º 8494/2013, com indicação dos responsáveis pela dívida, ora executados, identificação do n.º da operação (PT 003500336018150392), do montante em dívida (€ 131 703,87) e identificação do valor do capital (€ 122 000,00) e dos juros relativos ao período de 14-08-2010 a 24-01-2013 (€ 8 115,93), despesas (€ 40,12) e comissões (€ 1 547,82). 8)A exequente juntou aos autos o extracto de conta corrente relativo ao contrato PT 003500336018150392 com relação dos movimentos ocorridos entre 14-01-2009 e 14-012013, que consta de fls. 61 a 73 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 9)A sociedade V., Lda foi constituída em 29-08-2008, com o capital social de € 5 000,00 distribuído por duas quotas no valor de € 2 500,00 cada uma, tituladas por AA e JA, com sede à Rua ..., tendo por objecto social o comércio e distribuição de produtos próprios ou de terceiros na área das telecomunicações e conexas e a prestação de serviços de logística e armazenamento em Portugal e no estrangeiro, sendo a forma de obrigar com a intervenção conjunta de dois gerentes, então os respectivos sócios. 10)Em 8-07-2009 cessou funções de gerência, por renúncia, o sócio AA, data em que a sua quota foi transmitida a H., S.A.. 11)O pedido de financiamento consistente em contrato de abertura de crédito foi apresentado pela sociedade V., Lda junto de uma agência da C.,S.A. no Funchal, identificada no aludido contrato. 12)O opoente, residente em Setúbal, não se deslocou à Madeira para assinar o contrato, tendo este sido encaminhado para o Centro de Empresas da C.,S.A. em Setúbal e recebido posteriormente por aquele, que o teve na sua posse, assinou e devolveu à instituição bancária já assinado. 13)O opoente assinou o contrato referido em 1. por si e como sócio-gerente da sociedade V., Lda. 14)O opoente participou, como sócio-gerente da empresa V., Lda, nas negociações estabelecidas entre esta empresa e a C.,S.A. com vista à constituição do empréstimo referido em 1.. 15) Aquando da celebração de contrato de abertura de crédito a C.,S.A. entrega uma cópia ao devedor. 16)No decurso das negociações, estabelecidas por telefone e mensagens electrónicas, foram comunicadas ao opoente as cláusulas do contrato de abertura de crédito, que este pôde analisar após o ter recebido e antes de o devolver assinado. 17)Com data de 16-11-2012, a C.,S.A. dirigiu uma carta ao opoente, dirigida para a R. ..., com referência ao assunto “Cobrança por via judicial: Dívida em 16/11/2012 – Empréstimo conta corrente PT 00350336018150392 - € 132 109,43” com o seguinte teor: “Na qualidade de Avalista do crédito em assunto, referente as empresas V., Lda, informamos V. Exa. de que a C.,S.A., decidiu recorrer à via judicial para cobrança do mesmo face ao incumprimento que registam e insucesso da via negocial. A acção executiva será intentada não só contra a empresa referida, mas também contra V. Exa., a menos que, no prazo de 15 dias, procedam à regularização ou ao pagamento em dívida, ficando assim devidamente interpelado, para esse efeito.” 18)Com data de 6-03-2013, a ilustre mandatária da C.,S.A. dirigiu uma carta à V., Lda e ao opoente com referência ao assunto “Dívida C.,S.A., S. A. - Empréstimo N.º PT 00350336018150392” com o seguinte teor: “Na qualidade de Advogados da C.,S.A., S. A., solicitamos que entrem em contacto com o nosso escritório do Funchal, até ao próximo dia 14 de Março, para resolução do assunto supra identificado. Caso não se verifique qualquer contacto, será, de imediato, instaurada em Tribunal contra V/Exas. a respectiva Acção Judicial para cobrança coerciva dos montantes em dívida, tendo como consequência a imediata Penhora de bens.” 19)Com data de 6 de Outubro de 2009 o opoente dirigiu uma carta à exequente, que consta de fls. 43 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em que formula um pedido de esclarecimentos, dando conta que tinha vendido a sua participação na empresa V., Lda, Lda. ao grupo H., S.A. em que teria acordado a sua exoneração de responsabilidades junto da banca, pelo que solicita com a maior brevidade um ponto de situação sobre o processo ou, em alternativa, a sua exoneração imediata dos avales. 20)Entre Outubro e Dezembro de 2009, o opoente solicitou junto da exequente vários esclarecimentos e em 11-12-2009 a C.,S.A. indicou-lhe as condições em que autorizava a libertação do seu aval, isto é, que a libertação, que coincide com a liquidação da conta corrente, só ocorrerá com a contratação de uma nova operação. 21)A desvinculação do opoente dos avales nunca foi concretizada. 22) Em 19-11-2010 o opoente enviou uma mensagem electrónica à agência da exequente do Funchal em que refere ter recebido uma carta daquela instituição bancária e solicita informação sobre se o incumprimento já está regularizado. 23) Na sua resposta, com data de 22-11-2010, a exequente clarificou que o incumprimento da V., Lda não se encontrava regularizado e que, naquela data, não existia nenhum plano de pagamentos, dando ainda conta dos valores em atraso. *** III- Fundamentos de Direito: Cumpre apreciar do objeto do recurso. Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre decidir: - da nulidade da sentença (por ter apreciado questões de que não podia conhecer); - da existência de título executivo contra o executado/opoente (do aval, da responsabilidade contratual com base na cláus. 13.2 e do sentido desta disposição); - da inobservância do contraditório; - da validade da referida cláus. 13.2 do contrato; - da falta de entrega de cópia do contrato ao executado/opoente; - da falta de interpelação do executado/opoente; - dos juros remuneratórios reclamados. A) Da nulidade da sentença (por ter apreciado questões de que não podia conhecer): O apelante afirma que a sentença é nula porquanto assentou na responsabilidade contratual do opoente emergente da cláusula 13.2 do contrato, sendo certo que a exequente baseou a execução na sua qualidade de avalista. Sendo aplicável ao caso o C.P.C. de 2013, trata-se de nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615, nº 1, al. d), do mesmo Código. Vejamos. As nulidades da decisão previstas no art. 615 do C.P.C. de 2013 são – à semelhança do que sucedia com as antes previstas no art. 668 do C.P.C. de 1961 – deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento. Por outro lado, as nulidades da sentença estão circunscritas aos casos previstos no nº 1 do art. 615 do C.P.C., pelo que não se verificando nenhuma das situações aí contempladas não haverá nulidade da decisão([1]). A sentença será, por isso, nula apenas quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” (art. 615, nº 1, do C.P.C.). No que se refere à al. d) do nº 1 do art. 615 do C.P.C. deve esta conjugar-se com o atual nº 2 do art. 608 do mesmo Código, constituindo a nulidade da sentença a sanção para a inobservância deste último normativo. Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e só pode ocupar-se de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo das que que forem do conhecimento oficioso. A exequente demandou o executado ora opoente invocando que o mesmo “assinou na qualidade de avalista o Contrato de Crédito dado à execução, devendo, por isso, assumir a posição de executado nos autos.” Na sentença, à semelhança do raciocínio já empreendido aquando da apreciação da invocada exceção da ilegitimidade do executado no despacho saneador, concluiu-se que aquele executado subscreveu o contrato na qualidade de avalista e assumiu, de acordo com a cláusula 13.2, a obrigação solidária como principal pagador. É neste juízo que o apelante surpreende uma excessiva apreciação do Tribunal a quo. Não lhe assiste, porém, razão bastante. Nos termos do art. 4, nº 3, do C.P.C. de 1961 – aqui aplicável face ao disposto no nº 3 do art. 6 da Lei nº 41/2013, de 26.6, e tendo em vista que a execução foi instaurada em Março de 2013 – a ação executiva visa a reparação efetiva do direito violado, sendo que para a concretização desta finalidade a execução tem que ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (cfr. art. 45 do mesmo C.P.C., replicado no art. 10 do C.P.C. de 2013). O legislador de 1995 optou, como se afirmou no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, por uma “ampliação significativa do elenco dos títulos executivos” no sentido de “contribuir significativamente para diminuição do número das acções declaratórias de condenação propostas”, passando a conferir, em geral, força executiva aos documentos particulares em certas condições. A solução consolidou-se nas alterações legislativas de 2003 e de 2008, elegendo-se como títulos executivos “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto” (arts. 45, nº 2, e 46, nº 1, al. c), do C.P.C. de 1961, este na redação dada pelo DL nº 226/2008, de 20.11, aqui aplicável)([2]). Do que deixamos dito resulta, com mediana evidência, que sendo o título a matriz e o fundamento da ação executiva([3]), e em especial tratando-se de um documento particular no quadro normativo em apreço, torna-se imperativa a sua adequada análise e compreensão por forma a reconhecer, designadamente, se o mesmo importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. Ou seja, é a partir da interpretação do documento particular assinado pelo devedor que foi dado em execução que se retirará que este importa (ou não) a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. Ora, no caso estamos precisamente perante um documento particular, um “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente para Gestão Automática de Tesouraria”, impondo-se, por isso, ao julgador uma apreciação exata do seu conteúdo de modo a averiguar se de um verdadeiro título executivo se trata. Assim sendo, a circunstância do Tribunal a quo ter encontrado na referida cláusula 13.2 do contrato dado em execução, ou em qualquer outra, a constituição de uma obrigação por parte do executado/opoente, corresponde a esse exercício, não se detetando qualquer excesso de pronúncia determinante da nulidade da decisão. O que sucede é que o apelante discorda do que foi sentenciado e da interpretação que o Tribunal a quo fez do contrato e daquela concreta cláusula, mas tal reporta-se a um eventual erro de julgamento e não a qualquer deficiência formal da decisão respetiva. Em suma, não se verifica a nulidade arguida, improcedendo o recurso nesta parte. B) Da existência de título executivo contra o executado/opoente (do aval, da responsabilidade contratual com base na cláus. 13.2 e do sentido desta disposição): Passando à questão seguinte do recurso, e na sequência do que atrás dissemos, cumpre então verificar se o ora apelante, indiscutivelmente subscritor do contrato dado em execução, assumiu através do mesmo a obrigação reclamada nos autos. O opoente/apelante sustenta que o referido documento não constitui título executivo contra si na medida em que é apenas avalista de uma livrança que não foi dada à execução. Por outro lado, defende que a cláusula 13.2 do contrato constitui uma autorização de débito em conta e não investe o opoente na qualidade de garante das obrigações emergentes do contrato. Na sentença, discorreu-se a tal propósito: “O executado/opoente António AA argumenta que não existe título executivo que suporte a sua demanda nesta execução porquanto é apenas avalista de uma livrança que não foi apresentada à execução. É certo que do teor do contrato de abertura de crédito à primeira contratante – V., Lda, Lda. – resulta que lhe foi conferida a qualidade de devedora ou cliente. Logo do ponto 3. decorre que o crédito concedido pela C.,S.A., S. A. se destina ao apoio de tesouraria da cliente, logo, da sociedade V., Lda, a efectuar exclusivamente através de um circuito de gestão automática (aferindo-se do ponto 7. que este circuito funciona através de transferências automáticas de verbas entre a conta corrente e a conta de depósito à ordem, em função da escassez ou excesso de liquidez, sendo que esta conta de depósito está aberta em nome da cliente, ou seja, da V., Lda, de acordo com a cláusula 12. do contrato). Contudo, não obstante a qualidade de avalistas que foi atribuída aos segundos contratantes há que atentar no teor da cláusula 13.2 onde consta o seguinte: «No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C., S.A. autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da Cliente e/ou dos Avalistas, de que a C., S.A. seja depositária, para o que os mesmos Avalistas dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação.» Face ao teor desta cláusula é evidente que os demais executados que subscreveram o aludido contrato, ainda que com a mencionada designação de avalistas, se responsabilizaram solidariamente, logo como principais pagadores. O pagamento estipulado, à partida, seria através da conta de depósitos à ordem associada ao contrato de abertura de crédito que a executada sociedade deveria manter devidamente provisionada para o efeito. Contudo, logo o ponto 2. da cláusula 13. acrescenta que se tal pagamento não for possível, o banco poderá utilizar quaisquer valores existentes em quaisquer outras contas em nome quer da sociedade, quer dos segundos contratantes, ou seja, estes passam a responder simultaneamente com a devedora, sendo igualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato. O executado/opoente é, pois, também ele, devedor, pelo que o documento em causa constitui, também quanto a ele, título executivo.” Não podemos concordar com tal juízo, sendo de conceder, ao invés, inteira razão ao apelante. Senão, vejamos. Como se disse, o documento dado em execução corresponde a um “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente para Gestão Automática de Tesouraria” celebrado entre a C.,S.A., e V., Lda, ali designada por “Cliente”, destinando-se o crédito concedido pela primeira ao apoio de tesouraria da segunda a efetuar “exclusivamente, através de um circuito de gestão automática (Circuito de Gestão Automática de Tesouraria” conforme estipulado no dito contrato (cláus. 1). Cumpre ainda considerar o que resulta dos pontos 1 a 6 supra dos factos assentes quanto ao clausulado. Não há também dúvidas de que o ora opoente, juntamente com JA e MT, subscreveram o dito contrato em nome próprio, na qualidade de “Avalistas”. Devem, no entanto, destacar-se aqui outras disposições contratuais indispensáveis à cabal compreensão da posição assumida pelos designados “Avalistas”. Assim, consta da cláus. 20 do contrato, sob a epígrafe “Garantia-Aval”: “Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à C., S.A. pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no nº 23, caso a C., S.A. decida proceder ao seu preenchimento de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.” Por seu turno, consta da cláus. 23, sob a epígrafe “Livrança em Branco”: “23.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à C., S.A., neste acto uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a C., S.A. a preencher a sobredita livrança quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C., S.A., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a)A data de vencimento será fixada pela C., S.A. quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a C., S.A. decida preencher a livrança. b)A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. c)A C., S.A. poderá inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento. 23.2 - A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo incluindo as garantias. 23.3 - EM ANEXO: LIVRANÇA EM BRANCO.” Da análise integral do contrato sub judice resulta que apenas estas duas cláusulas 20 e 23 e a acima já transcrita cláusula 13.2 (ponto 6 dos factos assentes), aludem aos “Avalistas”. Nas cláus. 20 e 23 define-se, expressamente, a respetiva posição: os mesmos garantem a responsabilidade da V., Lda assumida no contrato mediante “aval prestado na livrança prevista no nº 23, caso a C., S.A. decida proceder ao seu preenchimento de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado”, prevendo, depois, a referida cláus. 23 as condições desse preenchimento. Isto é, aqueles que subscrevem o contrato enquanto “Avalistas” fazem-no, sem qualquer dúvida e necessariamente, por referência a uma livrança em branco anexa àquele escrito e em razão do pacto de preenchimento que integra esse mesmo contrato. Nem outra coisa poderia suceder. O aval é o ato pelo qual um terceiro ou signatário da letra ou livrança garante o pagamento da mesma por parte de um dos subscritores (cfr. arts. 30 e 77 da L.U.L.L.). Constitui, por isso, um verdadeiro ato cambiário, uma garantia cambial de natureza comercial, em que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada. O fim próprio do aval, a sua função específica, é garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário, dando origem a uma obrigação materialmente autónoma, pelo que o dador de aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa garantida, antes assumindo a responsabilidade abstrata e objetiva pelo pagamento da obrigação correspondente([4]). O aval não tem, assim, aplicação nos contratos em geral, destinando-se antes a garantir títulos de crédito. Acresce que avalista não pode entender-se sequer como sinónimo de fiador. Apesar do aval se apresentar, essencialmente, como uma fiança, existem diferenças relevantes entre ambos, exatamente decorrentes da natureza cambiária do primeiro. Assim, por exemplo, a fiança tem de ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (art. 628 do C.C.), enquanto o aval pode ser em branco ou incompleto, resultando da mera assinatura do dador aposta em certo lugar do título (art. 31 da L.U.L.L.), o fiador goza, em regra, do benefício da excussão (art. 638 do C.C.), enquanto o avalista responde, com os outros firmantes do título, solidária e subsidiariamente, perante o portador (art. 47 da L.U.L.L.), o fiador pode contratar especiais condições ou prazo de validade da fiança (art. 631 do C.C.), o que não acontece no aval, e pode requerer a sua liberação em determinados casos legalmente previstos (art. 648 do C.C.), sem que o possa fazer o dador de aval. De quanto se deixa dito resulta evidente que, nos termos da lei e do contrato, a menção a “Avalistas” deste constante não pode compreender-se com abrangência diversa da referida à livrança indicada, sendo certo que a subscrição do contrato pelos indicados garantes de tal título de crédito se justifica, designadamente, pelo pacto de preenchimento que deste consta. Isto posto, verificamos, por outro lado, que também não pode retirar-se da cláus. 13 o entendimento seguido na sentença de que os “Avalistas” se obrigaram no contrato como principais pagadores. Na verdade, nesta cláus. 13, sob a epígrafe “Forma dos Pagamentos”, estipula-se que, além do mais, a sociedade Cliente se obriga aos pagamentos devidos, nomeadamente, através de débito na sua conta de depósitos à ordem (cláu. 13.1) e que “No caso de não se mostrar possível o pagamento integral dos créditos emergentes do presente contrato nas datas convencionadas e pelo meio indicado no número anterior, fica igualmente a C., S.A. autorizada a debitar pelo valor dos montantes em dívida e, independentemente de declaração, quaisquer outras contas existentes em nome da Cliente e/ou dos Avalistas, de que a C., S.A. seja depositária, para o que os mesmos Avalistas dão também e desde já o respectivo acordo e autorização de movimentação.” (cláus. 13.2). O que efetivamente resulta destas disposições é que os “Avalistas” autorizam que os pagamentos devidos pela Cliente se possam fazer também à custa de contas de depósito à ordem por eles tituladas na C., S.A., afinal uma verdadeira autorização de débito em conta conforme salienta o apelante, não assumindo através da dita cláusula 13.2 os indicados “Avalistas”, de modo algum, a responsabilidade de satisfazer genericamente as obrigações da devedora emergentes do contrato através do seu património, como sucederia se de uma vulgar fiança se tratasse([5]). Por conseguinte, mediante a cláus. 13.2, os “Avalistas” autorizaram a ora exequente a fazer-se pagar pelas dívidas da V., Lda, apenas através das contas bancárias por si detidas naquela instituição de crédito e não, fora desse quadro e para além destas, através de quaisquer outros bens de sua pertença. Ou seja, contra o que se entendeu em 1ª instância, os ditos “Avalistas” não assumiram na cláus. 13.2 a integral responsabilidade pelo cumprimento das obrigações da Cliente, não ficando, por isso, a exequente autorizada a exigir dos mesmos a satisfação do seu crédito sobre a V., Lda, por outro meio. Em suma, os referidos “Avalistas” subscreveram o acordo escrito dado em execução porque deste constava o pacto de preenchimento de livrança ao mesmo associada (que terá sido assinada e entregue em branco à exequente) e uma autorização de débito em conta. Não resulta, por isso, que os referidos “Avalistas”, mormente o opoente/apelante, tenham no contrato assumido qualquer outro encargo ou responsabilidade. Ora, não foi dada à execução a dita livrança entregue em garantia cujo preenchimento pela entidade credora os “Avalistas” consentiram em determinadas condições. O título em branco, isto é, aquele que apenas contenha a assinatura do seu subscritor será válido enquanto tal, mas não eficaz. Essa eficácia depende, nas relações imediatas, do credor a apresentar preenchida de harmonia com o acordo de preenchimento, quando pretender exercer os direitos dela emergentes([6]). No caso, os “Avalistas” apenas se constituiriam como obrigados perante a exequente mediante o preenchimento da livrança decorrente do incumprimento da dita sociedade e por força do aval ali prestado. Não apresentando a livrança, devidamente assinada e completada nos termos acordados, a exequente não acionou a garantia. E, assim sendo, não dispõe de título executivo contra o apelante/executado, já que o documento oferecido não implica, como vimos, a efetiva constituição da obrigação pecuniária nos termos contra si reclamados, em conformidade com o disposto no art. 46, nº 1, al. c), do C.P.C. de 1961. Em conclusão, tem de proceder forçosamente o recurso, encontrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas. *** IV- Decisão: Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação e a oposição deduzida pelo executado AA nos moldes sobreditos, revogar a sentença recorrida e julgar extinta a execução contra o mesmo executado. Custas pela exequente/apelada. Notifique. *** Lisboa, Lisboa-19.5.2015 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Roque Nogueira [1] Cfr. Ac. RL de 10.5.1995, in CJ, 1995, t. 3, pág. 179, por referência ao art. 668 do C.P.C. de 1961. [2] Já o novo CPC de 2013 veio restringir drasticamente o elenco dos documentos que podem servir de base à execução, deixando de fazer qualquer referência a documentos particulares, tendo em conta as múltiplas dificuldades e fragilidades emergentes do excessivo alargamento propiciado pelo regime anterior. [3] Para alguns, na ação executiva o título oferecido corresponde à própria causa de pedir, sendo desnecessária a indicação de uma causa de pedir autónoma (ver, a propósito, Lopes Cardoso, “Manual da Acção Executiva”, 3ª ed., pág. 23, e Castro Mendes, “Acção Executiva”, 1971, págs. 5 a 7). [4] Cfr., Abel Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada”, 7ª ed., págs. 167 a 176, e Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, vol. III, 1975, págs. 205 a 219. [5] Sobre a figura da fiança, ver Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., págs. 477 e ss.. [6] Abel Delgado, “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada”, 7ª ed., pág. 83. |