Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROQUE NOGUEIRA | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA TORNAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/22/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – O simples contrato promessa de partilha é válido, independentemente de os cônjuges se encontrarem em processo de divórcio. II – No entanto, o mesmo pode vir a ser anulado por erro, coacção, estado de necessidade, etc., como qualquer outro negócio jurídico, desde que se verifiquem os respectivos requisitos. III – Assim como seria nulo, por força do art.1730º, nº1, do C.Civil, se no contrato promessa se prometesse uma divisão do património comum em partes desiguais. IV - A obrigação do pagamento de tornas prevista no acordo de partilhas pressupõe, necessariamente, que a partilha se fará nos termos aí acordados e em relação aos bens aí mencionados, já que a existência de tornas e o respectivo valor estão dependentes da circunstância de alguém receber bens em valor superior ao que legitimamente lhe pertence. V - Tal acordo, apesar de estar inserido num documento particular assinado pelo ora executado, não importa, só por si, constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, não constituindo, pois, título executivo, relativamente à quantia exequenda. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório. No …Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de C…, M… instaurou acção executiva comum contra C…, alegando que contraiu casamento com o executado em 24/3/73 e que, em 2006, requereram de comum acordo, junto da …Conservatória do Registo Civil de …, a dissolução do seu casamento por divórcio por mútuo consentimento. Mais alega que, na conferência celebrada no dia 24/10/06, foi decretado o requerido divórcio, tendo sido homologado, designadamente, o acordo sobre a prestação de alimentos, onde o executado se obrigou a pagar à exequente a quantia mensal de € 2.000,00, mas encontrando-se em dívida a quantia de € 10.692,94. Alega, ainda, que celebraram um Acordo de partilha, onde ficou estipulado que o executado pagaria à exequente, a título de tornas, a quantia total de € 322.805,99, de que apenas pagou uma parte, encontrando-se em dívida a quantia de € 130.000,00. Conclui, assim, que o total em dívida ascende a € 140.692,94, acrescido de juros de mora vencidos no valor de € 1.633,29. Foi proferida decisão liminar, onde se suscitou oficiosamente a excepção dilatória de incompetência absoluta dos juízos de competência especializada cível para tramitação da execução por alimentos e se declararam competentes para o efeito os juízos de competência especializada de família e menores, tendo o executado sido absolvido da instância, com custas pela exequente. Notificada dessa decisão, a exequente apresentou requerimento onde, de pois de declarar que renuncia ao recurso, invoca a nulidade por omissão de pronúncia, pedindo, a final, que se corrija o vício e que se ordene o prosseguimento da execução apenas quanto ao pagamento das quantias devidas a título de tornas, e, ainda, que se reforme a decisão em matéria de custas. Seguidamente, foram proferidas decisões, uma indeferindo a requerida reforma quanto a custas, e a outra indeferindo liminarmente o requerimento executivo, no que respeita ao pagamento de tornas pelo executado. Inconformada com esta última decisão, a exequente interpôs recurso de apelação da mesma. Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Fundamentos. 2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) 2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se o documento apresentado pela exequente com o requerimento inicial da execução constitui título executivo relativamente à quantia exequenda. Vejamos, antes do mais, o que consta do aludido documento, denominado «Acordo de Partilha de Bens Imóveis e Móveis», celebrado entre a ora exequente e o ora executado, com data de 20/9/06 e assinado por ambos. Assim, foram aí estipuladas as seguintes cláusulas: "Cláusula 1.ª Os Outorgantes foram casados um com o outro e, por força do regime de bens do casamento, são titulares dos seguintes bens ou direitos: a) fracção autónoma "B…" correspondente ao 3" andar, letra A, do 1310co A-G do prédio urbano, sito …, Concelho de C.., descrito na 1. a Conservatória Predial de C…, com o n.o … da Freguesia de C…, sob o artigo …., com o valor patrimonial de €146.064,88; b) Prédio Rústico, denominado "C…", sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de R…, sob o n° …, descrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 18,11; c) Uma Quota da Sociedade Comercial denominada "A.., LDA", matriculada na l.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de .. sob o n.° …, com sede na Avenida …., em …, no valor de €74.819,68; d) Três Quotas da Sociedade Comercial denominada "S…, LDA", matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.° …., Pessoa Colectiva n.°…, com sede na …, M…., uma no valor de €249,40; uma no valor de €2.543,87 e uma no valor de €2194,71. e) Uma Quota da Sociedade Comercial denominada "U…., LDA", matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.° …, Pessoa Colectiva n.° …., com sede na …., M…, no valor de € 249.40; f) Uma Quota da Sociedade Comercial denominada "AP…, LDA" matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n°…., Pessoa Colectiva n.°…, com sede na …, M…, no valor de € 250; g) Um Parqueamento automóvel, sito na … no Concelho de S…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva …, com o n.°…. da Freguesia de S…., sob o artigo n.° …, com o valor patrimonial de € 3.390,80; h) Um Lugar de Amarração sito… …., com o n.°…-…; i) Direito de Habitação Turística com a duração de uma semana por ano, num apartamento tipo T2, no período de 01 de Junho a 30 de Setembro, no empreendimento M…, situado em C…., KM 193, Urb. M…, M…, Espanha; j) Direito de Habitação Turística com a duração de uma semana por ano, num apartamento tipo T2, no período de 01 de Junho a 30 de Setembro, no empreendimento M…, situado em C…., Urb. M…, M…, …; k) Veículo automóvel, da marca Mini, modelo mini cooper, com a matrícula …-…-…; l) Recheio do prédio urbano identificado na alínea c) da Cláusula Sétima. m) Depósito de €uros 500.000,00 feito na conta …. aberta no balcão de S…, dado em penhor a este Banco para caucionar empréstimo concedido à Sociedade A…, Lda. Cláusula 2a Os Contratantes são devedores da quantia de €uros 255.774,93 (duzentos e cinquenta e cinco mil setecentos e setenta e quatro euros e noventa e três cêntimos) à C…., proveniente de um empréstimo com o n.° … que lhes foi concedido para aquisição da fracção autónoma identificada na alínea a) da Cláusula Primeira. Cláusula 3.ª São adjudicados à Primeira Contratante os bens e direitos identificados nas alíneas a), i) e k) da Cláusula Primeira. Cláusula 4.ª São adjudicados ao Segundo Contratante os bens e direitos identificados nas alíneas c), d), e), f), g), h), j) e m) da Cláusula Primeira. Cláusula 5.ª São adjudicados à Primeira Contratante os bens identificados na alínea l) da Cláusula Primeira com excepção dos relacionados no Anexo I ao presente acordo que ficam a pertencer ao Segundo Contratante. Cláusula 6.ª O Prédio Rústico descrito sob a alínea b) será colocado à venda, sendo o produto resultante da referida venda repartido, em partes iguais, pelos Contratantes. Cláusula 7.ª Os bens a seguir identificados foram comprados por conta dos Contratantes pelo irmão da Primeira Contratante, A…, em nome de quem se encontram registados, tendo os Contratantes pago integralmente os respectivos preços: a) Prédio Rústico, sito em …, concelho de A…, descrito na Conservatória do Registo Predial de A…, com o n.° … da Freguesia da G…, sob o artigo n.0 …, com o valor patrimonial de € 56.024,98; b) Prédio Rústico, sito em …, concelho de A…, descrito na Conservatória do Registo Predial de A…, com n.° … da Freguesia da G…, sob o artigo n. ° …, com o valor patrimonial de € 48.483,15: c) Prédio Urbano, sito na…, B…, Concelho de C…, descrito na 1a Conservatória Predial de C…, com o n.°… da Freguesia de C…, sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 32.483,71; d) Um barco, marca F…, modelo T…, com o n.° de casco …., do ano de 2000, com a designação "B…", registado na C… de C…, sob o n.°…. Cláusula 8.ª A propriedade do prédio identificado na alínea a) da Cláusula Sétima será transferida pelo mandatário A… para o filho mais velho dos Contratantes, R…, mediante assinatura de contrato de promessa de compra e venda a outorgar na data da realização da escritura de partilhas. Cláusula 9.ª A propriedade do prédio identificado na alínea b) da Cláusula Sétima será transferida pelo mandatário A…. para o filho mais novo dos Contratantes, R…, mediante contrato de promessa de compra e venda a outorgar na data da realização da escritura de partilhas, ou no caso de o mesmo pretender vender o prédio, será transmitida a favor do comprador indicado pelos Contratantes. Clausula 10.ª 1. O prédio identificado na alínea c) da Cláusula Sétima será vendido pelo mandatário A… a quem os Contratantes indicarem e nas condições que forem acordadas, e o respectivo preço terá o seguinte destino: a) Reembolso das despesas e respectivos juros, calculados à taxa supletiva legal, que qualquer dos Contratantes haja feito com ou por causa do prédio referido; b) Pagamento dos eventuais impostos a que o mandatário fique sujeito pela vende deste prédio e dos prédios referidos nas alíneas a) e b) da Cláusula Sétima; c) Pagamento integral do empréstimo identificado na Cláusula Segunda e dos eventuais juros; d) O remanescente será distribuído em partes iguais pelos Contratantes. 2. Enquanto o empréstimo referido na alínea c) do número anterior não for integralmente liquidado, os respectivos juros, amortizações e prémios do seguro de vida que lhe está associado serão suportados petos Contratantes em partes iguais, os quais devem manter aprovisionada para o efeito a conta n.° … aberta na C…, agência de A…. 3. Se algum dos Contratantes não cumprir a obrigação prevista na parte final do número anterior, suportará em exclusivo as consequências desse facto, designadamente o agravamento dos juros e quaisquer outras penalizações aplicadas pela entidade mutuante. Cláusula 11.ª A propriedade do bem identificado na alínea d) da Cláusula Sétima será transferida pelo mandatário para o Segundo Contratante ou para quem este indicar. Cláusula 12.ª 1. Encontra-se registada em nome de A…, tia da Primeira Contratante, uma quota de Euros 3.170,00 (três mil cento e setenta euros) representativa de parte do capital social da sociedade denominada NA…, Lda., NIPC n° …, com sede …,. M…, a…, subscrita por conta dos Contratantes, que pagaram o capital respectivo. 2. A referida quota será cedida ao Segundo Contratante ou a quem este indicar, podendo para o efeito fazer uso de procuração que está na sua posse. 3. Se a referida procuração não puder ser usada, seja qual for o motivo, a Primeira Contratante colaborará no que for necessário para que a titularidade da referida quota seja transferida para o Segundo Contratante ou para quem este indicar. Cláusula 13.ª 1. A título de tornas o Segundo Contratante pagará à Primeira Contratante a quantia de €uros 322.805,99 (trezentos e vinte e dois mil oitocentos e cinco euros e noventa e nove cêntimos). 2. A dívida será paga da seguinte forma: Euros 52.805/99 (cinquenta e dois mil oitocentos e cinco euros e noventa e nove cêntimos) na data da assinatura do presente acordo os restantes €uros 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros) serão pagos no prazo máximo de cinco anos após a assinatura da escritura de partilhas, podendo a divida ser parcial ou integralmente amortizada, durante o referido período. 3. O capital em dívida vencerá juros à taxa anual de 3%, contados desde a data da escritura de partilhas. 4. Os juros serão pagos trimestralmente, no dia um dos meses de Setembro, Dezembro, Março e Junho de cada ano. 5. Dos pagamentos efectuados a Primeira Contratante dará o correspondente documento de quitação. 6. O segundo Contratante pode deduzir ao montante dos juros metade do valor das despesas de manutenção ordinária que tenha pago após a escritura de partilhas, referentes ao prédio urbano identificado na alínea c) da Cláusula Sétima.". Cláusula 14.a Enquanto o filho mais novo residir com a mãe, o Segundo Contratante entregará a esta a quantia mensal de Euros 500,00 (quinhentos euros) a título de alimentos para o filho. Cláusula 15.ª 1. Com a assinatura do presente acordo, o Segundo Contratante entregará à Primeira Contratante, declaração reconhecida nos termos legais, assinada pelos sócios da Sociedade A…, Lda, (melhor identificada na Cláusula 1.°, alínea g) declarando que estes assumirão, integralmente, as dívidas resultantes dos Avales assinados pela Primeira Contratante, bem como, contactarão os Bancos para que procedam à sua substituição, ficando a referida declaração a constituir o anexo II. 2. Fica determinado, que os referidos sócios empenham a sua palavra no sentido de prevenirem, atempadamente, a Primeira Contratante caso haja qualquer situação em que por via destes avales os bens da Primeira Contratante sejam de qualquer modo ameaçados ou postos em situação menos clara. Cláusula 16.ª 1. A escritura de partilhas será outorgada até 30 de Novembro de 2006, prazo que poderá ser prorrogado por mais 30 dias a pedido de qualquer das partes. 2. A Primeira Contratante procederá à marcação da escritura de partilhas e convocará o Segundo Contratante para esse acto, mediante carta registada com aviso de recepção expedida com 10 dias de antecedência. 3. Caso se mostre indispensável, a Primeira Contratante providenciará para que o seu irmão e mandatário A…, compareça no Cartório Notarial, no dia e hora, para outorgar os actos referidos nas cláusulas oitava e nona. 4. Os custos dos actos notariais, registos prediais e impostos serão suportados nos termos seguintes: a) Os honorários do Notário referentes à escritura de partilhas serão suportados em partes iguais pelos Contratantes. b) O imposto de selo, IMT e os custos de registo predial relativos à adjudicação da fracção autónoma identificada na alínea a) da Cláusula Primeira, são suportados em partes iguais petos dois Contratantes, recebendo assim a Primeira Contratante a referida fracção sem quaisquer encargos ou ónus. c) Os custos de registo dos contratos de promessa de compra e venda mencionados nas cláusulas oitava e nona serão suportados pelo Segundo Contratante. Cláusula 17.ª Com a assinatura do presente acordo o Segundo Contratante entregará, prova da revogação da Procuração que se encontra na sua posse, passada peto irmão da Primeira Contratante, com poderes para a venda do imóvel sito em B…. Cláusula 18.a O presente acordo de partilhas é passível de execução específica, nos termos previstos no artigo 830° do Código Civil.". Refira-se, ainda, que, por decisão proferida em 24/10/06, pela 2ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a ora exequente e o ora executado (cfr. fls.9 a 11). Acresce que, por escritura datada de 27/11/06, aqueles procederam à partilha de dois bens imóveis – duas fracções autónomas – que já constavam do denominado «Acordo de Partilhas de Bens Imóveis e Móveis», atrás referido (cfr. fls.29 a 34). Dessa escritura consta que os ora exequente e executado declararam: "Que foram casados, um com o outro, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos. Que por decisão da Segunda Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no processo de divórcio por mútuo consentimento, proferida a vinte e quatro de Outubro de dois mil e seis e já transitada em julgado, foi decretado o divórcio e declarado dissolvido o seu casamento. Que os bens comuns do casal constituem-se pelo seguinte: VERBA UM Fracção autónoma designada pelas letras “B…” correspondente ao … Apartamento…, para habitação, situado no terceiro andar piso cinco, com estacionamento duplo e arrecadação com o número …, situados na cave, piso um, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado "J…" sito na …, tornejando para Av….., números 33 e 33-A, freguesia e concelho de C…, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de C…, sob o número… da mencionada freguesia, onde se encontra registada a aquisição a favor dos ex-cônjuges pela inscrição G - seis, e o regime da propriedade horizontal conforme inscrições F- um e F- cinco, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de C…, com o valor patrimonial tributário correspondente à fracção de 146.064,88€, à qual atribuem o valor duzentos e cinquenta e cinco mil euros. VERBA DOIS Fracção autónoma designada pelas letras "G…" correspondente ao piso zero - parqueamento número 3 ponto 31, situado na…., … tendo também os números…,…, do Impasse …, freguesia de S…, concelho de S…, descrito na Conservatória do Registo Predial de A…, sob o número cem da mencionada freguesia, onde se encontra registada a aquisição a favor dos ex-cônjuges pela inscrição G - seis, e o regime da propriedade horizontal I conforme inscrição f- dois, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de S…, com o valor patrimonial tributário correspondente à fracção de 3.980,80, à qual atribuem o valor de cinco mil euros. Que sobre a fracção identificada na verba uma incide duas hipotecas voluntárias a favor da C…, S.A.. registadas pelas inscrições C- um e C-dois, para garantia de um empréstimo, cujo valor em dívida, ascendia, no dia dezassete do corrente mês o montante duzentos e cinquenta e um mil seiscentos euros e setenta e oito cêntimos, conforme declaração bancária, que adiante arquivo. Que o valor global do activo que compõe o património comum é de duzentos e sessenta mil euros e o valor global do passivo que recai sobre o património comum é de duzentos e cinquenta e um mil seiscentos euros e setenta e oito cêntimos. Que o valor líquido do património a partilhar é de oito mil trezentos e noventa e nove euros e vinte e dois cêntimos. Que o valor do património comum líquido, livre de passivo, tem que ser dividido em duas partes iguais, de quatro mil cento e noventa e nove euros e sessenta e um cêntimos que constitui a meação de cada um dos ex-cônjuges, ora PRIMEIRA e SEGUNDO OUTORGANTES, no património comum. Que, pela presente escritura, procedem à partilha dos supra identificados bens, o que fazem do seguinte modo: A PRIMEIRA OUTORGANTE é adjudicada a verba número UM no valor de DUZENTOS E CINQUENTA E CINCO MIL EUROS, assumindo metade do referido passivo, recebendo assim um activo, líquido de passivo, no valor de CENTO E VINTE E NOVE MIL CENTO E NOVENTA E NOVE EUROS E SESSENTA E UM cêntimos, ao segundo outorgante é adjudicada a verba número DOIS no valor de CINCO MIL EUROS, e metade do identificado passivo. Que, deste modo, a PRIMEIRA OUTORGANTE leva a mais, na sua meação, a quantia de CENTO E VINTE CINCO MIL EUROS, valor este que entrega de tornas ao SEGUNDO OUTORGANTE. Que o SEGUNDO OUTORGANTE declara já ter recebido as tomas supra referidas.". DECLAROU A PRIMEIRA OUTORGANTE: Que a fracção que lhe foi adjudicada destina-se a sua habitação própria e permanente. ASSIM OUTORGARAM". A exequente invocou, no seu requerimento executivo, a cláusula 13ª, nºs 1 e 2, do Acordo de Partilhas, considerando que a mesma importa constituição de obrigação pecuniária a cargo do executado, a título de tornas, no valor de € 322.805,99, de que já teria pago € 52.805,99 na data do referido Acordo, e, posteriormente, € 140.000,00, pelo que a quantia em dívida atingiria os € 130.000,00. A decisão recorrida indeferiu liminarmente o requerimento executivo, por ter entendido que a obrigação de pagamento de tornas pelo executado, constante da cláusula 13ª, não pode ser isoladamente considerada, uma vez que faz parte de um acordo de partilha complexo, sendo que, posteriormente, celebraram escritura pública de apenas dois dos bens imóveis aí referidos, nada se sabendo quanto ao que efectivamente decidiram ou fizeram no que concerne aos restantes imóveis. Considerou-se, deste modo, que o referido Acordo não incorpora o reconhecimento da existência de uma obrigação já antes constituída ou o reconhecimento de uma dívida pré-existente, pelo que não consubstancia título executivo. Segundo a exequente, ora recorrente, o Acordo de Partilhas é um título executivo, pois que importa a constituição de obrigação pecuniária, sendo a dívida certa, líquida e exequível. Entende o executado, ora recorrido, que o documento em questão não é um título executivo, porquanto incorpora apenas uma promessa de constituição de obrigação pecuniária, a qual só se constituiria se o contrato definitivo fosse celebrado nos precisos termos convencionados. E mesmo que se entendesse tratar-se de um contrato de partilhas, então o mesmo seria nulo, por ofender o princípio da imutabilidade do regime de bens (art.1714º, do C.Civil) e por não constar de escritura pública, já que abrange bens imóveis (art.80º, do Código do Notariado). Vejamos, então, quem terá razão. Dir-se-á, desde já, que, a nosso ver, a razão está do lado do recorrido. Assim, o art.46º, nº1, do C.P.C., enumera, nas suas alíneas a), b) e c), as espécies de títulos executivos. Na al.a) alude às sentenças condenatórias, na al.b) aos documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, e, finalmente, na al.c) aos documentos particulares. São, pois, considerados títulos executivos, nos termos daquela al.c), «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto». Note-se que, no caso, não vem posto em causa que se está perante um documento particular, assinado por ambas as partes. O que se discute é se o mesmo importa a constituição ou reconhecimento da obrigação de pagamento da quantia de € 130.000,00, de acordo com a referida cláusula 13ª. Todavia, para se resolver essa questão, haverá que atentar que o chamado «Acordo de Partilha de Bens Imóveis e Móveis» foi celebrado ainda na constância do matrimónio, dele constando as cláusulas 16ª - segundo a qual a escritura de partilhas será outorgada até 30/11/06 - e 18ª - segundo a qual tal acordo é passível de execução específica, nos termos previstos no art.830º, do C.Civil. Sendo que, este artigo está inserido no âmbito do contrato – promessa. Isto é, tudo aponta no sentido de que as partes, embora não tenham catalogado o acordo celebrado como contrato – promessa, pretenderam celebrar um contrato deste tipo. Aliás, se se tratasse de uma partilha pura e simples, a mesma seria nula, quer substancialmente, por traduzir violação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, consagrado no art.1714º, do C.Civil, quer formalmente, por não ter sido celebrada por escritura pública (art.80º, do Código do Notariado). Se se entendesse que se tratava de uma partilha subordinada à condição suspensiva da procedência do divórcio, poder-se-ia considerar que a mesma era válida (neste sentido, cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, vol.I, 4ª ed., pág.447). De todo o modo, no caso, sempre seria nula, por carecer da forma legalmente prescrita, nos termos atrás referidos. Mas, considerando-se tratar-se de um contrato – promessa de partilha, o mesmo será válido ou nulo? E, sendo válido, é susceptível de constituir título executivo base da execução para pagamento de quantia certa relativa a tornas? Quanto à 1ª interrogação, dir-se-á que, como se refere no Acórdão do STJ, de 22/2/07, disponível in www.dgsi.pt, quer a doutrina, quer a jurisprudência, actualmente, defendem a validade do contrato – promessa de partilha, em tese geral, a não ser que seja violada a regra da metade prevista no art.1730º, nº1, do C.Civil (cfr., na doutrina, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob.cit., págs.445 a 447, Rita Lobo Xavier, in Contrato Promessa de Partilha dos Bens Comuns do Casal Celebrado na Pendência da Acção de Divórcio, RDES, Ano XXXVI, Ana Prata, in Contrato – Promessa, 1995, pág.292, e Guilherme de Oliveira, in Contrato Promessa de Partilhas de Bens Comuns, 1999; na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 23/3/99, CJ, Ano VII, tomo II, 30, de 9/12/99, CJ, Ano VII, tomo III, 132, de 13/3/01, CJ, Ano IX, tomo I, 161, de 6/12/01, de 5/5/05 e de 21/12/05, estes últimos disponíveis in www.dgsi.pt). Em sentido contrário, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 27/4/89, de 2/2/93, de 26/5/93 e de 12/6/97, igualmente disponíveis in www.dgsi.pt. Concorda-se com a tese actualmente maioritária, que defende que o simples contrato – promessa de partilha é válido, independentemente de os cônjuges se encontrarem em processo de divórcio. Na verdade, consideramos mais convincentes os argumentos que têm sido aduzidos a favor dessa tese, em grande parte sustentados por Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. e loc. cits., que seguiremos muito de perto na exposição subsequente. Assim, o que os cônjuges pretendem, ao celebrarem um contrato – promessa de partilha, é comprometerem-se a dividir os bens comuns de uma certa forma, esperando que, depois da dissolução do casamento, ambos celebrem a escritura prometida. Trata-se, pois, de um negócio que tem, apenas, como efeito a promessa de imputar os bens comuns concretos, existentes à data do acordo, na meação de cada cônjuge. O que significa que, não obstante a realização do contrato – promessa, todos os bens comuns do casal e todos os bens próprios de cada cônjuge continuam como tal. Deste modo, uma vez que o regime de bens e a qualificação de qualquer bem concreto permanecem os mesmos, não se vê que haja perigo nem para qualquer dos cônjuges, nem para terceiros. Sendo certo que a razão de ser que está na base do disposto no citado art.1714º tem a ver, precisamente, com a protecção dos cônjuges e dos terceiros contra os perigos da mudança do regime ou da alteração do estatuto dos bens concretos. Por isso que não se torna necessário um controlo específico da ordem jurídica sobre o modo como é feita a projectada partilha, bastando os mecanismos gerais de defesa de um contraente contra o outro. A implicar que o contrato – promessa de partilha possa vir a ser anulado por erro, coacção, estado de necessidade, etc., como qualquer outro negócio jurídico, desde que se verifiquem os respectivos requisitos. De todo o modo, sempre haverá que ter em consideração o disposto no art.1730º, nº1, do C.Civil, que impõe a regra da metade quanto à participação dos cônjuges no património comum. Tal disposição visa fixar a quota parte a que cada um dos cônjuges terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum, não se pretendendo, de modo nenhum, definir o objecto do direito de cada cônjuge na constância do matrimónio (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.IV, 2ª ed., pág.437). Por conseguinte, ao impor-se a regra da metade a ambos os cônjuges, ter-se-á pretendido evitar que um deles tentasse obter do outro um acordo injusto no sentido de uma partilha desigual, usando para o efeito de algum ascendente psicológico sobre este. Assim, um contrato – promessa em que se prometesse uma divisão do património comum em partes desiguais, seria nulo por força do citado art.1730º, nº1, tendo o cônjuge prejudicado o direito de invocar a nulidade a todo o tempo. No caso dos autos, não foi invocada tal nulidade, nem se vê que ela exista. O que se sabe é que, nos termos da cláusula 13ª do denominado Acordo de Partilhas, ficou estipulado que o ora executado pagaria à ora exequente, a título de tornas, a quantia de € 322.805,99, sendo € 52.805,99 na data da assinatura do acordo (20/9/06) e os restantes € 270.000,00 no prazo máximo de 5 anos após a assinatura da escritura de partilhas. Sabe-se, ainda, que tal escritura foi lavrada no dia 27/11/06, mas que só abrangeu dois prédios, os identificados nas als.a) e g) da cláusula 1ª do referido acordo. De tal modo que, desta feita, ficou consignado naquela escritura que a ora exequente é que teria de entregar tornas ao ora executado, no valor de € 125.000,00, que este, aliás, declarou já ter recebido. Verifica-se, pois, que a escritura de partilhas, cuja outorga estava prevista na cláusula 16ª do acordo de partilhas, não contemplou todos os bens constantes deste último, nem tão pouco as tornas aí previstas. No entanto, considera a recorrente que aquela acordo constitui título executivo para obter o pagamento das tornas aí clausuladas, não obstante estas não se encontrarem previstas na respectiva escritura de partilhas. Mas não é assim, segundo cremos. É certo que há quem entenda que o contrato – promessa, enquanto documento particular, é susceptível de constituir título executivo base da execução para pagamento de quantia certa relativa, designadamente, a prestações de preço vencidas (cfr. os Acórdãos do STJ, de 16/9/08, da Relação de Lisboa, de 9/6/11, e da Relação do Porto, de 5/2/04, in www.dgsi.pt). Em sentido contrário, pode ver-se o Acórdão da Relação do Porto, de 19/6/01, igualmente in www,dgsi.pt. Seja como for, no caso dos autos, tratando-se de um contrato – promessa de partilha, parece-nos manifesto, atento o atrás exposto, que estamos perante um contrato – promessa puro, isto é, um contrato – promessa em que não se verifica uma antecipação de efeitos que permita a sua autonomização face à obrigação principal de se celebrar o contrato final. Na verdade, a obrigação do pagamento de tornas prevista no acordo de partilhas pressupõe, necessariamente, que a partilha se fará nos termos aí acordados e em relação aos bens aí mencionados, já que a existência de tornas e o respectivo valor estão dependentes da circunstância de alguém receber bens em valor superior ao que legitimamente lhe pertence. Assim sendo, não constando da escritura de partilhas a obrigação do ora executado pagar tornas à ora exequente, certamente em virtude de aquela escritura não ter contemplado todos os bens referenciados no acordo de partilhas, não vemos como possa considerar-se exigível o respectivo cumprimento através da acção executiva baseada naquele acordo, que, manifestamente, não constitui título executivo para esse efeito. É que tal acordo, apesar de estar inserido num documento particular assinado pelo ora executado, não importa, só por si, constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, como exige o citado art.46º, nº1, al.c). Desta disposição resulta que o título exibido pelo exequente tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta. Quer dizer, quanto aos documentos particulares, e também aliás quanto aos referidos na al.b), do mesmo nº1, do art.46º, estabelece-se expressamente que a força executiva é conferida seja aos que incorporem o acto ou negócio constitutivo do débito exequendo, seja aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente (cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág.69). Só que, no caso, não se verifica nem uma circunstância nem a outra. Haverá, assim, que concluir que o documento apresentado pela exequente com o requerimento inicial da execução não constitui título executivo relativamente à quantia exequenda. Razão pela qual, o requerimento executivo não podia deixar de ser, como foi, liminarmente indeferido (cfr. o art.812º-E, nº1, al.a), do C.P.C.) Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente, devendo, pois, manter-se a decisão recorrida. 3 – Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada. Custas pela apelante. Lisboa, 21 de Janeiro de 2013 Roque Nogueira Pimentel Marcos Tomé Gomes |