Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1243/14.5TVLSB.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CITAÇÃO
PESSOAS COLETIVAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Passou a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.
-O que significa que a lei actual (artº 246 CPC) passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.~


Relatório:


Massa insolvente da … intentou a presente ação declarativa de condenação contra M…–SGPS SA ,com sede no Palácio B... , R. B... nº ... ,Lisboa , pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante de € 1.723 085,94 ,acrescido de juros moratórios vencidos no valor de € 514 384,61 e os que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

A fls. 102 encontra-se junto ofício da citação remetido por carta registada da R para a morada constante da pi, datado de 9-10-2014.

A carta registada com a/ r foi devolvida com a menção de que “Não atendeu”

A 24-10-2014 foi enviada nova citação por carta registada com a/ r para a morada constante da pi ( fls 105)

Esta carta foi devolvida a 6/11/ 2014 com a menção de “Não reclamado” (fls.107),sendo certo que tinha sido deixado aviso para o destinatário a levantar no correio, porquanto o Sr. Distribuidor de Serviço Postal fez constar “ Dimensões da Carta Superiores ao Receptáculo “.

A pesquisa ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas ,datada de 8-10-2014 , indica como sede da R. Palácio B... , R. B... nº... , Lisboa.( fls 107)

Por requerimento datado de 21 -01-2015 ( fls 109 v) veio o A requerer “…nos termos e para os efeitos dos artigos 223 e 246 do CPC se digne ordenar a  citação da R na pessoa do seu legal representante a, a saber: Presidente do Conselho de Administração, Sr. Dr. P… a notificar na R. L... C... ,1,Hi F... B... , ...º Andar ,1050-132 Lisboa”

Por despacho de fls. 111 foi proferido este despacho, datado de 26-01-2015:
“ Atento o disposto no artigo 246 nº1 e 4, 228 nº 5, a citação considera-se efectuada.
Assim, citada a ré regularmente não foi deduzida oposição, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 567 nº1 do CPC, considero confessados os factos articulados pelo Autor.
Cumpra-se o disposto no nº2 do artigo 567 do CPC”

A R foi notificada deste despacho por ofício remetido a 30-01-2015, por carta registada, para a mesma morada constante da pi.
Esta carta veio devolvida com a menção de que “ Não atendeu ”-fls. 117

Consta da  acta do Conselho de Administração da R ,data de 14-08-2014 ,que a sua sede social é na R. L... C... nº1, HI F... B... ,...º andar, Lisboa.( fls 252)

A fls 254 consta um pedido da apelante aos CTT para que a morada remetida para a morada constante da pi fosse reexpedida para a R. L... C... nº1, HI F... B... ,...º andar, Lisboa.( fls 252) desde o dia 25-08-2014 até ao dia 25-02-2015

Em 20-02-2015 foi proferida decisão condenando a R no pedido. (fls 118 a 121).
Foi remetida notificação desta sentença para a R, por carta registada, com a mesma morada constante da pi, devolvida a 10-03-2015, com a menção de “ Não atendeu”.
                                                                                                   
Em 9 /04/2015 a R juntou procuração forense, tendo a ilustre mandatária pedido a confiança do processo (fls 126).

A 10-04-2015 a R. interpôs recurso da decisão. (fls 133),formulando estas conclusões:
1.-O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida a folhas 118 a 121 dos autos, que condenou a Apelante a pagar à Apelada a quantia de € 1.723.085,94 (um milhão, setecentos e vinte três mil, oitenta cinco euros e noventa quatro cêntimos).
2.-A ilegalidade da sentença sub judice é manifesta pois, além do mais, a Apelante não foi legal e regularmente citada, conforme decorre e exige o disposto, conjuntamente, nos artigos 223.°, ri," 1, 246.°, n," 1 e n." 4 e n." 5 do artigo 229.° do CPC.
3.-A Apelante terá também, de se ter sempre por não citada por não lhe ter chegado em tempo oportuno o conhecimento dos elementos deixados na caixa postal. Não se invoque por outro lado, o disposto no artigo 230.°, n. 2 in fine do CPC, interpretado no sentido de não ser admitida prova em sentido contrário à presunção legal, porquanto sempre significaria a inconstitucionalidade dessa norma por violação dos princípios da proibição de indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20.0 da CRP.
4.-Há igualmente, absoluta falta de citação da Apelante, por a mesma não ter tido conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável, conforme decorre do disposto no artigo 188.°, n." 1, alínea e) do CPC e que abaixo se demonstrará.
5.-Há também, falta de citação, mesmo quando se entenda que a citação das pessoas colectivas segue por via do disposto no artigo 246.°, n." 4 do CPC, o regime estabelecido no artigo 229.°, n." 5 e estenda o regime de falta de citação estabelecido no n." 2 do artigo 188.° do CPC.
6.-Há também, nulidade de citação por preterição de formalidade essencial, pois não foi deixado o aviso previsto no n. ° 5 do artigo 228.° do CP C, no receptáculo aquando da citação efectuada nos termos do disposto no artigo 246.°, n. 4.
7.-Por outro lado, o tribunal a quo não cumpriu as formalidades previstas para a citação pessoal por via postal, ao não ter dirigido a carta de citação ao representante legal da Apelante, preterição de formalidade que impediu, ou pelo menos contribuiu, par que o ato de citação não chegasse o conhecimento da Apelante.
8.-No dia 9 de outubro de 2014, sob correio registado foi enviada a carta cuja cópia consta a folhas 102 dos autos, dirigida a Exmo. Senhor M…SA. Palácio B..., R. B... n."... Lisboa 1350-047 Lisboa.
9.-A folhas 103 dos autos, consta o envelope devolvido pelo serviço de notificação postal. A folhas 105 dos autos consta igualmente, cópia de carta dirigida ao Exmo. Senhor M… SGPS SA Palácio B..., R. B... n." ... Lisboa 1350-047 Lisboa. A folhas 107 consta o envelope devolvido com a indicação ter sido deixado aviso para o destinatário proceder ao levantamento. Na mesma folha - folhas 107 verso _ consta que os serviços de distribuição postal procederam à devolução do expediente no dia 5 de Novembro de 2014.
10.-Não foi deixada a carta de citação no receptáculo, quando o podia ter sido, pois ao contrário do certificado pelo distribuidor de serviço postal, no referido receptáculo caberia o envelope, nem foi deixado qualquer aviso. A Apelante nunca teve conhecimento do acto de citação.
11.-A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposto contra ele determinada acção e se chama ao processo para defender _ cfr artigo 219.° do CPC - e tem uma dupla função.
12.-A citação pessoal das pessoas colectivas pode ser feita mediante a entrega de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n. ° 5 do artigo 229.° do CP C, ou certificação de recusa de recebimento, nos termos do n. ° 3 do mesmo artigo.
13.-Sendo certo que a citação postal é feita mediante o envio de carta registada com aviso de recepção para a sede da citanda, inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, dirigida à pessoa do seu legal representante - cfr. artigo 223.°, n." ldo CPC.
14.-Verifica-se que nenhuma das cartas foi dirigida ao legal representante da citanda, tendo sido dirigida apenas à Mirpuri Investments SGPS SA, quer o envelope de folhas 102, quer o envelope de folhas 107 estão apenas dirigidos à sociedade. E aqui residiu um dos motivos pelos quais os avisos de correio não foram entregues à Apelante.
15.-Pelo que, ao citando se concede a possibilidade de provar que a citação não chegou ao seu conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável. A natureza recetícia do acto, e consistindo a citação, pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, se justifica o tratamento do desconhecimento sem culpa da citação, como falta de citação - cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, 3. a edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014,366.
16.a)Com o novo CPC pode entender-se que a presunção de citação das pessoas colectivas, maxime sociedades, por via da remissão do disposto no n. ° 4 do artigo 246.° do CPC, para o regime do artigo 229.°, n." 5, com a cominação prevista no artigo 230.°, n." 2 do CPC, só pode ser ilidida verificados os pressupostos do disposto no artigo 188.°, n. ° 2 do CPC.
17.-Assim, à Apelante só seria lícito invocar o não conhecimento do acto se demonstrar que a mudança de domicílio ocorreu em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato.
18.-Aliás, facto do conhecimento da Apelada, que a folhas 109, 109 verso e 110 dos autos, veio requerer ao tribunal a quo a citação da Apelante na sua sede efectiva, local onde funcionava a administração na data da citação. Contudo, e apesar disso o tribunal a quo sabendo que a morada da administração era outra, preferiu ficcionar a citação da Apelante.
19.-Sendo que no momento da citação a relação contratual existente entre a Apelada e a Apelante já se havia extinto plenamente. Ao contrário do que a Apelada pretendeu fazer crer ao tribunal a quo sentença do tribunal de comércio junta aos autos - documento n." 6 junto com a petição inicial folhas 57 a 70 dos autos - não foi a decisão final da acção de impugnação da resolução do negócio de compra e venda de ações da Air Luxor Cabo Verde SA.
20.-O acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2013, processo n." 107/06.2TYSB-AS.Ll.Sl, - documento n." 1 - declara de forma clara e inequívoca a folhas 21 do citado aresto: "Diz a recorrente lA Apelada] que não se provou o pagamento do preço por pare da compradora e daí que tenha existido simulação de preço. Esta asserção não se pode, todavia, ter como assente dado que não se provou que não foi pago qualquer preço. É certo que não se demonstrou que o montante mencionado na alínea F) dos factos assentes (1.208.701,33 €), havia sido entregue pela A. [Apelante] à insolvente (resposta ao quesito terceiro) mas deste facto não se pode inferir o contrário, ou seja, que não foi pago qualquer preço à insolvente. Somente se pode ter como assente que não se provou aquela entrega monetária. De resto, nem sequer existiu nos autos a alegação (por parte. da interessada) de que não foi pago qualquer preço pela A. à insolvente."
21.-Ora estando a relação emergente do contrato de compra e venda de acções da A……SA completamente extinta, e não tendo a Apelante tido conhecimento da citação deve ter-se a mesma por nula, conforme decorre do disposto no artigo 188.°, n." 2 do CPC.
22.-Não tendo sido reclamada o expediente a citação por via postal, o tribunal a quo mandou proceder à repetição da citação enviando nova carta com aviso de recepção à citanda - cfr. artigo 246.°, n." 4.
23.-A nova citação é efectuada por via postal com a advertência da cominação constante no n." 2 do artigo 230.° do CPC, isto é, que a citação se considera efectuada presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
24.-Ora nesta nova citação deve ser deixada a própria carta de citação, contendo cópia de todo os elementos referidos no artigo 227.° do CPC bem como a advertência referida na parte final do número anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal.
25.-Sucede que no caso sub judice o distribuidor postal entendeu que o depósito da carta não era possível por ter dimensões superior ao receptáculo. O que não corresponde à verdade. Desde logo, porque o n. ° ... da R. B... é um Palácio antigo com uma porta de grande dimensão que alberga um generoso receptáculo de correio. Pelo que é incompreensível a afirmação da impossibilidade de depósito da carta.
26.-A omissão desta formalidade essencial foi de molde a prejudicar o direito de defesa da Apelante pois se a carta de citação tivesse sido depositada a Apelante não teria deixado de ter tido, dela conhecimento.
27.-Acresce referir também, que apesar de constar a indicação de que a carta não foi deixada no receptáculo por ser de maior dimensão, tal não corresponde à verdade, pois o receptáculo poderia ter recebido a totalidade do expediente, assim o distribuidor postal o tivesse colocado dobrado.
28.-Mas não tendo deixado a carta de citação, deveria ter obrigatoriamente deixado um aviso no receptáculo que correspondesse ao aviso exigido pelo artigo 229.°, n." 5 do CPC. Efectivamente, não foi encontrado nenhum aviso que referisse estar à disposição da Apelada na estação dos CTT a carta de citação e que identificasse o processo em causa, com o respectivo número e tribunal, bem como contivesse a advertência da cominação prevista no artigo 230.°, n." 2 do CPC.
29.-A preterição dessa formalidade gera a nulidade da citação, que vai aqui arguida pois prejudicou objectivamente, a defesa da Apelante. Caso tivesse sido depositada a carta de citação não deixaria de a ter recebido. O mesmo se diga mutatis mutandis para o aviso.
30.-O tribunal a quo interpretou o regime de citação das sociedades previsto no artigo 246.° do CPC com o sentido de a citação pessoal numa acção declarativa de condenação de valor de 1.723.085,94 € ser efectuada mediante o envio de carta registada com aviso de recepção para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Frustrada a tentativa de citação por não se encontrar ninguém na sede da citanda, o tribunal a quo sem ordenar ou realizar qualquer diligência no sentido de apurar o local da sede efectiva da citanda repete a expedição da citação para a mesma morada, onde mais uma vez não consegue proceder à entrega da citação deixando de novo aviso de citação.
31.-Esta interpretação do regime jurídico da citação das pessoas colectivas viola o princípio da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, doravante e abreviadamente CRP, traduzindo ainda uma diminuição das garantias ao nível do processo equitativo, defesa e princípio do contraditório, efectivamente, a segunda citação passou a ser a reprodução automática e mecânica do primeiro ato de citação, pelo que só em circunstancias anormais essa segunda tentativa, por ser igual à primeira, poderia produzir a efectiva citação.
32.-O tribunal a quo interpretou o regime de citação das sociedades previsto no artigo 246. do CPC com o sentido de a citação pessoal numa acção declarativa de condenação de valor de 1.723.085,94 € ser efectuada mediante o envio de carta registada com aviso de recepção para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Frustrada a tentativa de citação por não se encontrar ninguém na sede da citanda, o tribunal a quo sem ordenar ou realizar qualquer diligência no sentido de apurar o local da sede efectiva da citanda repete a expedição da citação para a mesma morada, onde mais uma vez não consegue proceder à entrega da citação deixando de novo aviso de citação.
33.-Esta interpretação do regime jurídico da citação das pessoas colectivas viola o princípio da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, doravante e abreviadamente CRP.
34.-Este regime de citação das pessoas colectivas viola ainda o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP ao introduzir de forma arbitrária uma discriminação negativa para as pessoas colectivas. Efectivamente, se for indicada nova morada da pessoa singular o tribunal repete a citação enviando carta para essa morada. Ora, no caso em apreço foi indicada nova morada a fls. 109 verso dos autos tendo o tribunal desprezado a possibilidade da citação efectiva, satisfazendo-se com uma mera ficção de citação.
35.-Esta discriminação é tanto mais evidente quanto o facto de uma pessoa singular colocada na posição da Apelante não teria o mesmo tratamento. Este novo regime corresponde ainda a uma diminuição efectiva das garantias de acesso ao direito.

NESTES TERMOS,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença e declarado nulo todo o processado após a petição inicial.

A A. contra-alega pugnando pela improcedência do recurso.

Factos apurados
Os que constam do relatório.

Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639mº1 e 2 do Novo Código de Processo Civil , aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho , plicável por força do seu artº 5 nº1, em vigor
desde 1 de Setembro de 2013 ),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras,o que há a analisar é a se a apelante foi ,ou não ,citada para os termos da acção.

Cumpre decidir.
A secção do CPC–diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência -, referente a citações e notificações, com início no seu art. 219º, contém, inovadoramente, subsecções que regem, uma a citação de pessoas singulares – a II –, outra a citação de pessoas coletivas – a III.

Desta última, e para além da remissão genérica para o regime previsto na subsecção anterior, consta, com especial relevo para a matéria em discussão, a regra segundo a qual a carta registada com aviso de receção destinada a citar a pessoa coletiva é endereçada para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas – nº 2 do art. 246º.

Sendo recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver, considerando-se a citação efetuada – nº 3 do mesmo preceito; e, sendo a devolução do expediente devida a outra causa, nos termos do nº 4 do mesmo art. 246º, repetir-se-á a citação por nova carta registada com aviso de receção, com a advertência constante do nº 2 do art. 230º, observando-se o nº 5 do art. 229º.

Ao contrário do que constava do nº 1 do art. 236º do CPC revogado, a lei impõe agora a expedição da carta de citação para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional e passou a prever – nº 4 do mesmo preceito - que em qualquer caso poderia proceder-se ao depósito da carta nos termos previstos no nº 5 do art. 229º.

Como escrevem, a este propósito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre , “… o DL nº 329-A/95 introduziu a sede de facto (local onde funciona normalmente a administração) como local onde pode ser efectuada a citação … da pessoa colectiva, em alternativa à citação na sede estatutária … . Com o CPC de 2013, cessa a alternativa e regressa-se à citação na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo nacional das Pessoas Coletivas, mas com as cominações estabelecidas nos nºs 3 e 4 … .”
Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

Pode dizer-se, em face disto, que deixou de ser tolerada uma situação de “clandestinidade”, com a manutenção indefinida, voluntariamente ou por simples negligência dos órgãos competentes, de uma sede desatualizada, em prejuízo de terceiros ou do Estado.

O que significa que a lei actual passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha

Voltando aos factos.
É um facto que o despacho de fls 111, do ponto de vista formal, está correto, por ter observado toda a tramitação processual acima explicitada: citação para a morada indicada pelo RNPC, remessa de nova carta registada com a/ r à citanda; constatação que não era possível o depósito da carta, pelo que foi deixado o aviso.

Contudo, existem outros factos apurados que não podem deixar de abalar o acima referido, a saber:
--o pedido que a apelante fez aos CTT para que a correspondência remetida para a morada indicada na pi fosse reexpedida para a morada da nova sede social: R. L... C... nº1, HI F... B..., ...º andar, Lisboa.

Reexpedição essa que deveria ocorrer no período em que tiveram lugar a expedição das duas cartas registadas com a/r.

Por outro lado, após a remessa das duas cartas registadas com a/r é a própria A. que dá conhecimento ao Tribunal de uma nova morada, ou seja, a morada da sede da R, desde 14-08-2014 e pede que a citação seja feita para essa morada .

Contudo, este requerimento nem foi tido em conta.

O que concluir? 
        
Como já referimos e aqui reiteramos, a lei actual faz impender sobre a pessoa colectiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal.

Também como já dissemos, a via pela qual a pessoa colectiva tem esse controle está na sua disponibilidade, nomeadamente , utilizar os serviços dos CTT para o efeito.

E foi o que sucedeu, ou seja, a apelante pediu a reexpedição aos CTT, mas por razões estranhas, estes serviços não cumpriram o acordado.

Daí que, sem margem para qualquer dúvida, se possa concluir que a apelante não teve conhecimento da citação por facto imputável a terceiro.

Mas, ainda que não estivesse comprovado este facto, deveria o Tribunal ter atentado nas novas informações dadas pela apelada, acerca da nova morada da sede da R, ou seja, não se deveria ter escudado em critérios, puramente formalistas, quando estava ao seu alcance a referência material para garantir a defesa da R

Aliás, se o Tribunal tivesse prestado atenção a esta informação, sempre poderia ter tido o cuidado de confirmar junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas a nova alteração da morada da sede social , tal como está previsto no artº 6 al d) e 11 nº 1 do Dl nº 129/98 de  13 de Maio.

Pelo exposto, procedem as conclusões atinentes à falta de citação, nos termos do artº 188 nº1 al e) CPC.

Em consequência, à luz do artº 187 al a) do CPC é nulo tudo o que se processou após a pi , salvando-se apenas esta.

Síntese:

Passou a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

O que significa que a lei actual ( artº 246 CPC ) passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha

Pelo exposto, julgo procedente a invocada falta de citação em consequência, anulo tudo o que foi processado depois da pi, salvando-se apenas esta.

Custas pela apelada.



Lisboa, 20/10/2016



Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: