Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8885/2006-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: COMISSÃO DE TRABALHADORES
JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2007
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I- O crédito de horas de que legalmente beneficiam os membros eleitos das entidades representativas dos trabalhadores no seio das empresas ou fora delas constitui uma realidade jurídica bem distinta das faltas ao serviço dadas pelos mesmos, mormente para prática de actos necessários ou inadiáveis no exercício das respectivas funções de representação dos trabalhadores.
II- Assim, esses trabalhadores, enquanto membros da Comissão de Trabalhadores, não estão obrigados a justificar as ausências ao serviço, mediante comunicação dos motivos determinantes da mesma, no âmbito do crédito de horas para o exercício de funções dessa Comissão, sempre que essas funções tenham de ser desenvolvidas fora da empresa.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – RELATÓRIO

C… e OUTROS, instauraram no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a ré “M…”, pedindo que:
1 – Seja declarado que, para o exercício das suas funções de membros da Comissão de Trabalhadores da Ré e no uso de “crédito de horas”, que a lei lhes concede, podem ausentar-se, livremente, das instalações da ré;
2 – Seja declarado que, para efeitos de imputação das ausências dos autores ao referido “crédito de horas”, pode a ré exigir-lhes comprovação, pela Comissão de Trabalhadores, de que, durante tais ausências, estiveram os autores em serviço da Comissão, dentro ou fora do estabelecimento da ré, mas que não é exigível que os autores informem ou comprovem o teor das diligências feitas ou que identifiquem os locais onde estiveram ou as entidades que contactaram, pois tal viola a autonomia e a independência da Comissão de Trabalhadores;
3 – Serem as ausências dos autores acima identificados (19ºº e 20º da petição) declaradas como tidas no uso do crédito de horas de que dispõem para o exercício das suas funções de membros da Comissão de Trabalhadores da ré, com a consequente anulação da sua classificação como “faltas injustificadas” e a condenação da ré a alterar, em conformidade, o seu registo, bem como a pagar:
- Ao 1º A. € 224,47;
- Ao 2º A. € 141,35;
- Ao 3º A. € 187,20.
Importâncias que, indevidamente lhes descontou nas retribuições, relativamente a faltas dadas até Dezembro de 2003, inclusive, acrescidas das que por igual motivo venham a ser descontadas nas retribuições dos autores até final.
Alegam para o efeito e em resumo que, em 10 de Abril de 2003, foram eleitos para a Comissão de Trabalhadores, à qual cabe desenvolver actividades, contactos e diligências fora do âmbito físico e geográfico da empresa ré, tais como contactar entidades públicas e privadas, consultar juristas, economistas, técnicos de prevenção, contabilistas e outros técnicos, buscando informação, esclarecimento e orientação, bem como contactar e dialogar com outras comissões, com sindicatos e outras estruturas do movimento operário, trocar ensinamentos, experiências e sugestões que possam revelar-se úteis na actividade que prosseguem.
Deste modo, muito embora a actividade da Comissão de Trabalhadores vise o fim da defesa e prossecução dos interesses dos trabalhadores da empresa, isso não significa nem implica que essa actividade haja de ter lugar apenas e exclusivamente no espaço geográfico da empresa.
No âmbito do “crédito de horas” que a lei facultava para actividade da Comissão de Trabalhadores, os autores utilizaram de Março a 31 de Julho de 2003 um total de 151,25 horas, conforme discriminação feita no art. 14º da p.i., ou seja, uma média de 10,08 horas por homem e por mês.
Até Junho de 2003, a ré seguia, regularmente, a prática de tratar como “faltas justificadas”, sem perda de retribuição, as ausências dos autores quando em serviço da Comissão de Trabalhadores, contanto que as mesmas fossem comunicadas em impresso próprio em uso na empresa, no qual os autores indicavam como motivo da falta “Serviço da CT” ou expressão análoga.
Todavia, tendo a ré comunicado à Comissão de Trabalhadores, em 17 de Julho de 2003, que o exercício dos respectivos direitos deveria ser efectuado no interior da mesma e que o uso do “crédito de horas” pelos respectivos membros, alegadamente no exercício da actividade da Comissão não era credível e que quaisquer faltas dadas ao abrigo do “crédito de horas”, que implicasse deslocação ao exterior da empresa, deveriam ser devidamente justificadas através da entrega da declaração da entidade junto da qual foi usado o crédito de horas, sob pena de serem consideradas injustificadas, veio a mesma a considerar como “faltas injustificadas” as ausências ao serviço discriminadas no art. 19º da p.i. com o desconto de retribuições aí mencionado.
Alega ainda que a Comissão de Trabalhadores se queixou deste facto à Comissão Coordenadora e esta, por sua vez, à IGT, a qual autuou a ré por tal procedimento.

Contestou a ré, alegando, em síntese, que as ausências protagonizadas pelos autores e que discrimina nos artigos 10º, 13º e 16º da contestação, carecem de justificação e, como tal, implicam a perda de retribuição, na medida em que aquelas cujo motivo era o de “serviço da CT” foram, invariavelmente, apresentadas pelos autores à ré em data posterior ao ocorrido sem qualquer justificação para esse facto. Por outro lado, tais comunicações referem-se a ausências dos autores por alegado motivo de “serviço da CT” e que envolve, sem excepção, deslocação ao exterior da empresa e não se fazem acompanhar de qualquer declaração da entidade junto da qual foi usado o crédito de horas ao “serviço da CT” o que, no entender da ré, obsta a que a falta seja considerada justificada.
A ré teve o cuidado de avisar antecipadamente os autores dos procedimentos a adoptar para a justificação das faltas por motivo de ausência ao serviço da CT que implicasse deslocações ao exterior da empresa.
Não aceita que os autores, supostamente, ao “serviço da CT” despendam repetidamente 8 horas diárias em “consulta jurídica” sem que os autores alguma vez tivessem esclarecido o motivo efectivo dessas ausências.
Não está em causa o “crédito de horas” nem a ré pretendeu coarctar direitos dos autores enquanto membros da CT. Entende, no entanto que, face à sua qualidade de membros da CT, os autores estão adstritos a um dever acrescido de respeito, probidade e lealdade para com a entidade patronal o qual passa por clarificar ou esclarecer as situações em relação às quais a ré, legitimamente, coloca fundadas dúvidas.
O que pretende é que os autores, quando se ausentam ao “serviço da CT” justifiquem que efectivamente o fazem ao serviço da mesma sem cuidar de saber quais as tarefas, actos ou diligências em que tal serviço, concretamente, se traduz.
Quanto ao …, o mesmo acordou com a ré a cessação do seu contrato de trabalho em 31 de Março de 2004 e, nos termos de um tal acordo, a indemnização a receber pelo mesmo incluía, sem restrições, todos os créditos e débitos a que o trabalhador tivesse direito por força do contrato individual de trabalho e ou da sua violação fosse a que título fosse, não havendo, portanto, qualquer interesse deste autor quanto ao prosseguimento da acção.
Concluiu que a acção deve ser julgada improcedente e a ré absolvida dos pedidos formulados pelo autor.

Foi proferido despacho saneador do processo, tendo-se dispensado a realização de audiência preliminar bem como a selecção de matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se à audiência de julgamento, no qual os ilustres mandatários de ambas as partes acordaram quanto à desnecessidade de discussão relativamente a diversa matéria de facto articulada.
Foi proferida decisão sobre matéria de facto, nos termos que constam de fls. 207 a 212.
Seguidamente, foi proferida sentença, tendo nela a Mmª Juíza julgado a acção parcialmente procedente e declarado que para o exercício das suas funções de membros da Comissão de Trabalhadores da ré e no uso do “crédito de horas” que a lei lhes concede, podem os autores ausentar-se livremente das instalações daquela.
Absolveu a ré dos demais pedidos.

Inconformados com esta sentença, dela interpuseram os autores C… e L… recurso de apelação para esta Relação, terminando as alegações com a formulação das seguintes:
(…)
A ré não contra-alegou.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto desta Relação, emitiu parecer no sentido de se proceder à anulação oficiosa da sentença recorrida tendo em vista a ampliação da matéria de facto, «em ordem a nela se fazer constar se o tempo descontado como não correspondendo ao exercício de funções corresponde ou não corresponde a tal exercício».
Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Face às conclusões delimitadoras do recurso interposto, suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes:
Questões:
§ Saber se os trabalhadores da empresa ré, enquanto membros da respectiva Comissão de Trabalhadores, estavam e estão ou não obrigados a justificar as ausências ao serviço – mediante comunicação dos motivos determinantes da mesma – no âmbito do crédito de horas para o exercício de funções dessa Comissão, sempre que essas funções tivessem e tenham de ser desenvolvidas fora da empresa.
§ Saber se as faltas ao serviço dadas pelos autores/recorrentes e que constam da matéria de facto assente, se devem ou não ter por justificadas e quais as consequências daí decorrentes tendo em consideração o pedido pelos mesmos formulado.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Pelo Tribunal a quo, foi considerada como assente a seguinte matéria de facto:
1. Os AA. trabalham por conta e sob a autoridade da R., ininterruptamente, desde a data da sua admissão;
2. O 1° Autor foi admitido em 20/02/1978 e o 2° Autor foi admitido em 01/10/1991;
3. O 1° A. tinha o vencimento-base de euros 707,68 até 31 de Janeiro de 2004 e O 2° A. o vencimento-base de 662,46, até 3 1.12.03;
4. 0 1° A. tem a categoria de torneiro mecânico e o 2° A. de operador de banhos químicos de 1;
5. A retribuição dos AA. como a dos demais trabalhadores ao serviço da R. comporta, ainda, uma prestação designada por “prémio de mérito”, cuja atribuição e montante dependem do desempenho individual;
6. A R. exerce a actividade metalúrgica, nomeadamente o fabrico de torneiras e outros componentes metálicos de canalização;
7. Os trabalhadores da R. constituíram uma comissão de trabalhadores, cujos estatutos foram aprovados em Assembleia de Trabalhadores, em 27.11.79 e publicados no BTE - 3 série. n°3 de 22.1.1980;
8. Em 10.4.03, o 1° e o 2° AA. foram eleitos, por um ano, para esse comissão, que presentemente integram, tendo a respectiva publicação sido feita no BTE - 1° Série, n°19 de 22.5.03;
9. Em 17.7.2003, a R. dirigiu à Comissão de Trabalhadores a carta junta aos autos a fls. 33, cujo teor dou aqui por reproduzido;
10. A R. veio a considerar como faltas injustificadas as ausências dos AA. que se passam a descriminar com referência ao serviço da comissão de trabalhadores:
1° A. (C…):

Dia 24.7.03 (8 horas)

Dia 29.8.03 (8 horas)

Dia 25.9.03 (8 horas)

Dia 27.11.03 (4 horas)

Dia 5.12.03 (1,5 horas)

Dia 13.1.04 (8horas)

2° A. (L…):

Dia 24.7.03 (8 horas)

Dia 29.8.03 (8 horas)

Dia 16.9.03 (8 horas)

Dia 7.11.03 (3,5 horas)

Dia 21.11.03 (8horas)

Dia 5.12.03 (1,5 horas),

e veio a proceder aos descontos nas suas retribuições;

11. Por via dessas faltas a R. descontou na retribuição do 1° A. € 153,04 e ao 2° A. € 141,35;
12. A R. segue a prática de ‘fechar a folha a 15”, descontando no mês subsequentes as ausências a que faz corresponder perda de retribuição, ocorridas após o dia 15 e até ao final do mês;
13. A Comissão de Trabalhadores aderiu a uma Comissão Coordenadora de Comissões de Trabalhadores designada CIL – Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Região de Lisboa;
14. A Comissão de Trabalhadores, no exercício da sua actividade, efectua contactos e diligências fora dó âmbito geográfico da empresa R., contactando entidades públicas como a Inspecção Geral de Trabalho, o Ministério do Trabalho, consultando juristas e economistas e contabilistas na busca de informação, esclarecimento e orientação, contactando e dialogando com outras comissões, com vista à troca de ensinamentos, experiências e sugestões que possam revelar-se úteis na actividade que prossegue;
15. Participa igualmente em seminários organizados pela CIL ou pelo Sindicato;
16. Até Junho de 2003, a R. tratava as ausências dos RR ao serviço, nos casos em que invocavam serviço da Comissão de Trabalhadores, como faltas justificadas, sem perda de retribuição;
17. É prática na R. que as ausências dos trabalhadores lhe sejam comunicadas em impresso próprio, dentro do prazo de 48 horas, após a sua ocorrência;
18. Até à data da carta referida em 9, os membros da comissão de trabalhadores da R., incluindo os AA., preenchiam os referidos impressos onde mencionavam o dia e o período da ausência e indicavam no espaço reservado no impresso para o motivo da ausência “Serviço da CI ou expressão análoga;
19. A R. em 2003 e actualmente tem um número de trabalhadores não superior a 40;
20. O IDICT remeteu à CIL a carta junta a fls 69, cujo teor dou aqui por reproduzido, onde a informa que a R.”. . . infringiu as disposições previstas na alínea h) do n° 1 e a alínea a) do n° 2 da Cl. 79 do CCT entre a Fename e a Fetese, publicado no BTE 1ª série, n° 21, de 8.06.2003,em relação aos trabalhadores R…, C… e L…. Desta forma, foi levantado o competente auto de notícia e elaborado um mapa de reposições das quantias devidas aos referidos membros da Comissão de trabalhadores, que seguirá os seus trâmites legais”;
21. Quando um trabalhador se ausenta do serviço, o procedimento instituído na R. é o seguinte: o trabalhador, no caso de ausências previsíveis, comunica ao seu superior hierárquico verbalmente a necessidade de se ausentar e, após a ausência e o seu regresso à R., preenche o impresso referido em supra 17, com a data da ou das ausências, o número de horas em que não trabalhou e o motivo da ausência;
22. Tratando-se de situação imprevisível, a comunicação da ausência deve ser efectuada no próprio dia por telefone;
23. Para justificar as ausências referidas em supra 10, o l e o 2° AA, entregaram à R., os impressos juntos a fls 120 a 122 e 124 a 133, cujo teor dou aqui por reproduzido, onde fizeram constar como motivo da ausência — serviço da CT, tendo ainda feito constar nas declarações de fls 120 e 127 a menção “consulta jurídica”;
24. Tais impressos não se faziam acompanhar de quaisquer documentos, nem os AA. apresentaram posteriormente qualquer documento;
25. Nos referidos impressos foi aposto o carimbo da Comissão de Trabalhadores, nos quais os restantes 2 membros da Comissão (com excepção do que se ausentou) apuseram as suas assinaturas;
26. As ausências referidas em supra 10 foram consideradas pela R. como faltas injustificadas, sem retribuição, por no entender da R., não obedecerem ao determinado na carta de 17.7.2003, referida em supra 9;
27. As ausências referidas em supra 10, referem-se a ausências dos AA que envolveram deslocação ao exterior da empresa;
28. À carta de 17.7.2003 da R., a Comissão de Trabalhadores respondeu pela carta junta a fls 65 a 67, cujo teor dou aqui por reproduzido;
29. Vinte sete trabalhadores da R. subscreveram o abaixo assinado junto a fls 68, cujo teor dou aqui por reproduzido, manifestando o seu desagrado pela posição da R. expressa na carta de 17.07.03;
30. O 1 e o 2° AA estão colocados no mesmo sector da R. – cromagem – que tem apenas 3 ou 4 trabalhadores e trabalham numa linha de produção;
31. Quando os membros da Comissão de Trabalhadores se ausentam do seu local de trabalho alegando serviço da Comissão de Trabalhadores, mas permanecem nas instalações da R., não precisam de preencher qualquer impresso a requerer a justificação da ausência;
32. A R. toma apenas nota das horas de ausência para efeitos de as descontar no crédito de horas que os membros da Comissão dispõem;
33. O 1° e o 2° AA são sócios do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica dos Distritos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco.

Mantém-se aqui esta matéria de facto como assente, por não ter sido impugnada nem haver fundamento para a respectiva alteração nos termos do art. 712º do CPC. Por outro lado e com todo o respeito pelo entendimento expresso pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, não se vê necessidade de ampliação da mencionada matéria de facto nos termos pretendidos, perante o que já consta do ponto 23. da matéria de facto provada.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Na sentença recorrida, decidiu-se e bem que, para o exercício das suas funções de membros da Comissão de Trabalhadores da empresa ré e no uso do crédito de horas que a lei lhes concede, podem os autores, agora recorrentes, ausentar-se livremente das instalações daquela.
Nesta parte a sentença transitou em julgado.
Discordam, todavia os autores, da obrigatoriedade estabelecida pela ré/recorrida através da carta que dirigiu à Comissão de Trabalhadores da sua empresa em 17 de Julho de 2003 e que foi reconhecida na aludida sentença, de os respectivos membros terem de justificar as faltas ao serviço ao abrigo do referido crédito de horas, sempre que as mesmas implicassem deslocação ao exterior da empresa, e daí a primeira das suscitadas questões de recurso.
Ora, dado que as ausências ao serviço por parte dos autores/recorrentes no âmbito do referido crédito de horas e que foram consideradas como faltas injustificadas pela ré/recorrida ocorreram entre 24 de Julho de 2003 e 13 de Janeiro de 2004 e tendo em consideração o pedido, nos termos em que vem formulado, importa apreciar aquela questão, quer à luz do actual Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27/08, quer à luz da legislação que o precedeu.
Vejamos, então, qual o quadro legal a considerar no caso em apreço!
Antes de mais importa referir que, estabelecia e estabelece o art. 54º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que, «é direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa», dispondo o n.º 4 do mesmo preceito que «os membros das comissões gozam de protecção legal reconhecida aos delegados sindicais».
Estipulava e estipula, por seu turno, o art. 55º n.º 6 da mesma Constituição que «os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções».
Estabelecia, por sua vez, o art. 32º do Dec. Lei n.º 215-B/75 de 30.04 – antes da entrada em vigor das normas regulamentares do Código do Trabalho, momento que determinou a revogação de um tal diploma e que se verificou em 29 de Agosto de 2004 – que «cada delegado sindical dispõe, para o exercício das suas funções, de um crédito de horas que não pode ser inferior a cinco por mês, ou a oito, tratando-se de delegado que faça parte da comissão intersindical».
Também a Lei n.º 46/79 de 12-09, que regulou a constituição das Comissões de Trabalhadores bem como os direitos previstos no artigo 56º (actual artigo 54º) da Constituição – e que foi revogada em simultâneo com o referido Dec. Lei n.º 215-B/75 – depois de estabelecer no seu art. 1º n.º 1 que «é direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para o integral exercício dos direitos previstos na Constituição», previa no seu art. 20º n.º 1 que «para o exercício da sua actividade disporão de crédito de horas, de entre o horário normal de trabalho, cada um dos membros das seguintes entidades e não inferior aos seguintes montantes: …b) Comissões de trabalhadores: 40 horas mensais».
A par deste crédito de horas já o legislador estabelecia um regime de faltas através do Dec. Lei n.º 874/76 de 28-12, estipulando no seu art. 22º n.º 1 que «Falta é a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado» e dispondo no art. 23º n.º 2 c) que «São consideradas faltas justificadas: …c) As motivadas pela prática de actos necessários e inadiáveis, no exercício de funções em associações sindicais ou instituições de previdência e na qualidade de delegado sindical ou de membro de comissão de trabalhadores».
Também a mencionada Lei n.º 46/79 previa no n.º 9 do referido art. 20º que «com ressalva do disposto nos números anteriores (que regulavam a concessão do crédito de horas), consideram-se sempre justificadas as faltas dadas pelos membros das comissões … no exercício da sua actividade, excepto para efeitos de remuneração».
No Título III respeitante ao Direito Colectivo e mais propriamente no respectivo Capítulo I atinente às “Estruturas de representação colectiva dos trabalhadores”, veio o legislador, através do actual Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, definir como tal e entre outras, as Comissões de Trabalhadores, estabelecendo, a favor delas, o princípio geral de autonomia e independência face às entidades patronais, ao Estado, aos partidos políticos, às instituições religiosas e a quaisquer associações de outra natureza, não permitindo, designadamente, que as entidades patronais impeçam ou dificultem o exercício dos direitos que a tais estruturas assistam (art. 452º), bem como um regime de protecção especial dos representantes dos trabalhadores, estipulando no seu art. 454º e sob a epígrafe “Crédito de horas” que «1. Beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva. 2. O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efectivo. 3. Sempre que pretendam exercer o direito ao gozo do crédito de horas, os trabalhadores devem avisar, por escrito, o empregador com a antecedência mínima de dois dias, salvo motivo atendível».
Ainda no mesmo regime de protecção especial, mas sob a epígrafe “Faltas” estipulou o legislador no art. 455º do referido diploma que «1. As ausências dos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva no desempenho das suas funções e que excedam o crédito de horas consideram-se faltas justificadas e contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efectivo. 2. Relativamente aos delegados sindicais, apenas se consideram justificadas, para além das que correspondam ao gozo do crédito de horas, as ausências motivadas pela prática de actos necessários e inadiáveis no exercício das suas funções, as quais contam, salvo para efeito de retribuição, como tempo de serviço efectivo. 3. As ausências a que se referem os números anteriores são comunicadas, por escrito, com um dia de antecedência, com referência às datas e ao número de dias de que os respectivos trabalhadores necessitam para o exercício das suas funções, ou, em caso de impossibilidade de previsão, nas quarenta e oito horas imediatas ao primeiro dia de ausência. 4. A inobservância do disposto no número anterior torna as faltas injustificadas».
O mesmo Código, nos artigos 224º e seguintes estabelece o actual regime de faltas, estipulando no art. 225º n.º 2 al. g) que «São consideradas faltas justificadas: …g) As dadas pelos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva, nos termos do artigo 455º».
Finalmente e à semelhança do que se estipulava na referida Lei n.º 46/79, também o Código do Trabalho define qual o crédito de horas de que dispõem os membros das Comissões de Trabalhadores, reduzindo agora o legislador esse crédito a 25 horas mensais ou a metade no caso de se tratar de microempresa (art. 467º)
Ora, de todo este quadro legal, anterior ou posterior à entrada em vigor do actual Código do Trabalho, o que resulta com alguma clareza, é que o crédito de horas de que legalmente beneficiavam e beneficiam os membros eleitos das entidades representativas dos trabalhadores no seio das empresas ou fora delas, constitui uma realidade jurídica bem distinta das faltas ao serviço dadas pelos mesmos, mormente para prática de actos necessários ou inadiáveis no exercício das respectivas funções de representação dos trabalhadores. Com efeito, se é certo que, quer aquele quer estas configuram ausências ao serviço durante o período normal de trabalho, também é verdade que se não podem confundir, reflectindo a consagração legal do denominado crédito de horas uma manifesta preocupação ou, pelo menos, um manifesto interesse do legislador pelo cabal funcionamento das instituições representativas dos trabalhadores, mormente as Comissões de Trabalhadores, levando-o a impor ao empregador a obrigação de deixar aos representantes dos trabalhadores um período de tempo, traduzido num determinado número de horas mensais, necessário ao exercício das respectivas funções. Este crédito de horas apresenta-se, deste modo, como uma autêntica cedência de disponibilidade efectiva de um determinado período de tempo (traduzido em horas mensais legalmente quantificadas) por parte do empregador a cada membro de órgão representativo de trabalhadores, para o desempenho das funções a este atinentes.
Compreende-se, deste modo, que, impondo o legislador a obrigatoriedade de comunicação e justificação das faltas ao serviço (1)incluindo-se nestas também as ausências ao serviço por parte do trabalhador membro de órgão representativo de trabalhadores, mas apenas na parte que exceda o crédito de horas que legalmente lhe é conferido – o mesmo já não suceda quanto às ausências ao serviço, por parte do trabalhador membro de órgão representativo de trabalhadores, decorrentes do direito ao gozo do crédito de horas legalmente instituído, em que apenas se lhe exige o mero aviso, por escrito, dirigido à sua entidade patronal, com a antecedência de dois dias e, ainda assim, salvo motivo atendível (art. 454º n.º 3 do CT) aviso este que, embora a lei o não refira, pode ser dirigido pela própria Comissão de Trabalhadores.
É certo que o gozo do crédito de horas por parte dos trabalhadores membros de órgãos representativos de trabalhadores, é susceptível de ser exercido de forma abusiva, nomeadamente com violação do fim a que se destina, como, claramente, sucedeu no caso relatado no Acórdão desta Relação de 27-10-2004 (2) citado na sentença recorrida. Esta contingência, porém, sendo, como é, passível de responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, conforme os casos e nos termos gerais de direito (cfr. art. 37º n.º 1 da anterior Lei n.º 46/79 e o art. 470º nº 1 do actual Código do Trabalho), não pode levar a que os trabalhadores instituídos em tais cargos tenham de cumprir mais do que a própria lei lhes exige, ou seja, o aviso à entidade patronal da pretensão de exercício do direito ao gozo do crédito de horas legalmente concedido, não se lhes podendo impor, portanto, uma comunicação como se de verdadeiras faltas ao serviço se tratasse, bem como a sua subsequente justificação.
Não se acompanha, pois, a sentença recorrida ao considerar como legítima a obrigação imposta pela ré/recorrida através da carta que dirigiu, em 17/07/2003, à Comissão de Trabalhadores, de os trabalhadores da sua empresa, enquanto membros da referida Comissão, terem de justificar as ausências ao serviço no exercício do direito ao crédito de horas legalmente consagrado para desempenho dessas funções, mediante apresentação de declaração da entidade junto da qual foi usado o crédito de horas, sempre que as devessem ou devam desenvolver fora da empresa.
Posto isto e passando à segunda das suscitadas questões de recurso, diremos apenas que em face da matéria de facto assente nos pontos 10. e 23. e tendo em consideração o que anteriormente referimos, de forma alguma poderemos concluir que as ausências ao serviço constantes daquele primeiro ponto da matéria de facto, dadas pelos autores e ora recorrentes no desempenho das respectivas funções enquanto membros da Comissão de Trabalhadores que integravam, possam ser consideradas como faltas ao serviço e muito menos como faltas injustificadas, assistindo aos autores o direito à correspondente remuneração como se de efectivo tempo de trabalho prestado se tratassem.

III – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida na parte impugnada.
Consequentemente, decide-se que:
a) Para efeitos de imputação das ausências dos autores ao crédito de horas de que beneficiam enquanto membros da Comissão de Trabalhadores, se lhes possa exigir a comunicação, mediante simples aviso, de que durante tais ausências estiveram ao serviço da referida Comissão dentro ou fora do estabelecimento da ré, não sendo obrigatório que informem ou comprovem qual o teor das diligências feitas, que identifiquem os locais onde estiveram ou as entidades que contactaram;
b) As ausências dos autores constantes do ponto 10. da matéria de facto provada, sejam tidas pela ré como no uso do crédito de horas de que os mesmos dispunham para o exercício das suas funções de membros da Comissão de Trabalhadores, com a consequente anulação da respectiva classificação como “faltas injustificadas”, devendo a ré, em conformidade, alterar o respectivo registo e pagar aos autores/recorrentes as importâncias que, indevidamente, lhes descontou até Dezembro de 2003 e as que, posteriormente e por idêntico motivo, lhes tivesse descontado, relegando-se a respectiva liquidação para uma subsequente fase de liquidação.
Custas a cargo da apelada.
Registe e notifique.
Lisboa, 2007/01/31

José Feteira
Ramalho Pinto
Duro Mateus Cardoso (com dispensa de visto e conforme declaração de voto que anexo)


Declaração de Voto:
Votei favoravelmente a decisão com os seguintes esclarecimentos.
As entidades patronais, podem e devem verificar se o crédito de horas atribuído aos membros de organizações sindicais foi exercido para os fins estabelecidos na lei, pela razões constantes do acórdão desta Relação de 27/10/2004, de que fui Relator, citado neste acórdão e na sentença recorrida.
De algum modo, em sentido contrário, o Prof. Jorge Leite, Crédito Remunerado para Desempenho de Funções Sindicais, Questões Laborais, Ano I, nº 1, 1994, que, embora considerando que o crédito de horas sindical, tem um conteúdo funcional que obriga a que as mesmas sejam consumidas no quadro das atribuições que justificam a sua atribuição (a pag. 7), acaba por entender que "O crédito presume-se exercido de acordo com as finalidades para que foi atribuído, não estando, por isso, o seu uso sujeito à fiscalização do empregador", por haver presunção de probidade e de utilização no exercício de funções que a Direcção do Sindicato assim o considere, sendo que "Nada obsta, porém, à destruição, por parte do empregador, daquela presunção se, eventualmente, tiver conhecimento do uso do crédito para fins diversos" (a pag. 11).
Esta posição doutrinal, com todo o respeito, não colhe o nosso aplauso na medida em que não se concebe que um direito estritamente vinculado à prossecução de determinados fins e que não diz apenas respeito à organização de trabalhadores e ao próprio trabalhador, pois acarreta encargos financeiros para o empregador sem contrapartida de prestação de trabalho, não seja susceptível de fiscalização por parte daquele que suporta economicamente a generosa permissão legal, limitando-se a sua possibilidade de controlo e de intervenção aos casos em que, por obra do
acaso, tenha eventualmente conhecimento do uso do crédito para fins diversos.
Mas, reflectindo agora ainda um pouco mais na questão, designadamente ao abrigo dos novos preceitos do Código do Trabalho, acompanha-se o decidido neste Acórdão quando se considera que o trabalhador membro de organizações sindicais não tem de justificar as ausências ao serviço para os fins em causa, mediante a apresentação de declaração escrita do local onde esteve, para que as ausências não sejam consideradas faltas injustificadas.
Mas isto não significa que o comprovativo escrito não tenha de ser entregue sempre que solicitado pelo empregador, no exercício de um direito de controlo que lhe assiste. Se o trabalhador depois não entrega o documento solicitado, tal não leva a que as ausências sejam consideradas faltas injustificadas, mas esse comportamento não deixará de ser entendido como uma grave desobediência ilegítima susceptível de procedimento disciplinar.
E se das diligências realizadas pela entidade empregadora se apurar uma utilização indevida do crédito de horas, tal também integrará comportamento ilícito susceptível de procedimento disciplinar, por violação, designadamente, do dever de lealdade e do dever genérico de honestidade. E as ausências podem então, também, considerar-se como faltas injustificadas (v. Prof. Jorge Leite, ob. citada, a pag. 7).
Não se acompanha, por isso, a sentença de 1ª instância, quando entende que as ausências em causa integram faltas injustificadas unicamente porque o sindicalista não apresentou o documento comprovativo do local onde esteve, como lhe fora pedido.

Duro Mateus Cardoso



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1.-Actuais arts. 228 e 229º do Código do Trabalho e art 25º do Dec. Lei n.º 874/76 de 28-12

2.-www.dgsi.pt Proc. 1696/2004-4