Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
143342/14.6YIPRT.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRESCRIÇÃO
JUROS DE MORA
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual ao juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.
- A obrigação de juros é acessório da do capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. No entanto, uma vez constituída, vive por si com alguma autonomia. E essa autonomia está hoje expressamente reconhecida no artigo 561º do Código Civil.
- Perante aquela autonomia, os juros podem continuar a ser devidos, mesmo que prescrita a dívida de capital, podendo neste caso, exigir-se todos os anteriores de há menos de cinco anos
- Porque a cláusula penal fixada para o caso de incumprimento do contrato é acessória em relação à obrigação principal de pagamento do preço dos serviços telefónicos, prescrito o direito ao pagamento do preço, caduca o direito a exigir o pagamento do valor da pena convencional.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I - RELATÓRIO:


N... SA requereu a injunção de E..., Lda, seguindo o disposto nos artigos 7º e segs do procedimento em anexo ao DL 269/98 de 01-09, para lhe pagar a importância de capital de € 11.909,90, juros moratórios e custas.
Em síntese, alegou que, anteriormente denominada O..., celebrou com a ré um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, e o valor pedido corresponde a serviços não pagos e indemnização por incumprimento.

A ré deduziu oposição excepcionando a prescrição do crédito objecto do pedido, pois o mesmo reporta-se a factura com data de 05.12.13, e o requerimento injuntivo é de 22.09.14. No mais impugna os factos alegados pela autora.

A autora respondeu, sustentando que a obrigação de indemnização por incumprimento de contratos de serviços telefónicos, não segue o regime de prescrição de seis meses invocada pela ré, antes o da prescrição ordinária de 20 anos, concluindo pela improcedência da excepção.

Foi proferida SENTENÇA que julgou procedente a excepção de prescrição do crédito objecto do pedido e absolveu a ré do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Decidiu o tribunal recorrido pela improcedência dos juros de mora e outras quantias peticionados, sem indicar o respectivo fundamento, o que constitui causa de nulidade da sentença - primeira parte da alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC.
2ª - Em relação às “outras quantias”, não se lhes aplicam os fundamentos de improcedência invocados na sentença: prazo de prescrição da Lei 23/96, de 26.07, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição ordinário.
3ª - Na data da injunção o prazo de prescrição das “outras quantias” não tinha decorrido.
4ª - De igual modo, em relação aos juros de mora: ainda que a factura peticionada estivesse prescrita, o prazo de prescrição é diverso e decorre, expressamente, dos artigos 310º alínea d) e artº 561º, ambos do CC.
5ª - Constituído o crédito de juros, este autonomiza-se da obrigação de capital: nos créditos que prescrevem em 6 meses os juros respectivos prescrevem em 5 anos; nos créditos que prescrevem em 20 anos são exigíveis juros dos últimos 5.
6ª - À data da injunção o prazo de prescrição dos juros de mora não tinha decorrido.
7ª - A cláusula penal peticionada é uma obrigação com natureza distinta do preço dos serviços.
8ª - Não decorre da lei civil disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevem em igual prazo.
9ª - Ao invés, decorrem da lei civil normas que prevêem prazos de prescrição distintos: artº 10º da Lei 23/96, de 26.07 para o preço do serviço prestado, artº 310º alínea d) para os juros convencionais ou legais.
10ª - Não existindo disposição especial prevista para a cláusula penal, se o legislador não a excepcionou do regime geral do artº 309º do CC, não poderá tal regime deixar de lhe ser aplicável.
11ª - Tal decorre, desde logo, dos motivos que determinaram a estipulação do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96.
12ª - Em relação à cláusula penal os fundamentos para um prazo de prescrição de 6 meses não existem, uma vez que (i) o utente dispõe, desde a celebração do contrato, de todas as condições para saber exactamente, qual é o montante que terá de suportar caso incumpra o período de fidelização, (ii) a obrigação constitui-se num momento único e por efeito de um comportamento único, pelo que evitá-la não é evitar um acumular de dívidas, é impedir a sua constituição.
13ª - A aplicação, à cláusula penal, do prazo ordinário de prescrição de 20 anos constitui jurisprudência deste tribunal que, por unanimidade, o consagrou em acórdão proferido no processo 2360/06.0YXLSB.L1-7.
“…uma coisa é o crédito do preço, próprio da execução do contrato; outra coisa, dessa diferente, o crédito de indemnização emergente do incumprimento do vínculo de fidelização; este com conteúdo estipulado em cláusula penal. A cláusula é acessória deste vínculo; não daquele crédito (do preço).”
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos
- é nula, porque não se pronunciou sobre motivos da improcedência dos (i) juros de mora (ii) e das outras quantias, não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar – cfr. primeira parte da alínea d), do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil.
- violou os artigos 309º, 310º alínea d), 561º, todos do CC, e o artº 10º nº 1 da Lei 23/96, de 26.07.

Deverá, pois, a decisão proferida ser declarada nula e substituída por outra que julgue válida e tempestivamente reclamada a dívida da apelante em relação os juros de mora, outras quantias e cláusula penal.

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A) Fundamentação de facto:

A primeira instância considerou assente a seguinte matéria de facto:

1º - A autora exerce empresarialmente o comércio de bens e serviços de telecomunicações.
2º - Em 16.09.1999 a autora acordou com a ré a prestação de bens e serviços de telecomunicações, por prazo determinado, com penalização antecipadamente fixada caso a ré antes de decorrido o dito prazo, desse fundamento a resolução por incumprimento, ou fizesse sem causa cessar a relação.
3º - Em data anterior a 06.12.13, e antes de completado o prazo contratual em curso, a ré constituiu-se em incumprimento por não pagamento de serviços, o que determinou a autora a declarar resolvido o contrato.
4º - Na sequência do que, em 06.12.2013 a autora emitiu a Factura nº 00210082371213 no valor de € 11.909,90, com vencimento em 26.12.13, que inclui o valor da cláusula penal acordada para antecipação do fim do contrato por incumprimento da ré.
5º - Em 22.09.2013 foi apresentado o requerimento de injunção.

B) Fundamentação de direito:

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- O prazo da prescrição.

NULIDADE DA SENTENÇA:

A apelante alega a nulidade da sentença, invocando o disposto na primeira parte da alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC, ao decidir pela improcedência dos juros de mora e outras quantias peticionados, sem indicar o respectivo fundamento.

Cumpre decidir.

Dispõe a primeira parte da alínea d) do artigo 615° n°1 do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis[1] " São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".

Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[2].

Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pela anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[3]

Tomadas estas considerações, diremos que a arguida nulidade é manifestamente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais do que uma simples consideração ou argumento lateral produzido pela apelante, sem qualquer interesse para a boa decisão da causa. Estando prescrito o crédito da autora, no entender da sentença, tornou-se evidente que não é devida qualquer quantia, nomeadamente a título de juros de mora, razão pela qual a sentença recorrida não fundamentou especificamente a improcedência do pedido relativamente a essas quantias.

Foram especificados os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva da sentença, que não são contraditórios com esta, e houve pronúncia sobre todas as questões que cumprira conhecer, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia.

Para tal conclusão basta percorrer a sentença na sua forma e substância.

O PRAZO DA PRESCRIÇÃO:

A ré alegou que prescreveu o direito da autora quanto ao recebimento do preço da factura, que inclui o valor da cláusula penal reclamada pela autora com a rescisão do contrato.

A sentença recorrida julgou procedente a excepção de prescrição do crédito da autora e absolveu a ré do pedido.

A apelante argumenta que, em relação aos juros de mora, ainda que a factura peticionada estivesse prescrita, o prazo de prescrição é diverso e decorre, expressamente, dos artigos 310º alínea d) e artº 561º, ambos do Código Civil.

No que respeita à cláusula penal, é-lhe aplicável o prazo de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309º do Código Civil.

Cumpre decidir.

A prescrição dos juros de mora:

A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual ao juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.

De acordo com a causa de pedir, a factura venceu-se em 26-12-2013 e a acção deu entrada em 22-09-2014.

Prescrita a dívida do capital, como é o caso, resta saber se os efeitos extintivos da prescrição se projectarão também sobre os juros.

A obrigação de juros é acessório da do capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. No entanto, uma vez constituída, vive por si com alguma autonomia. E essa autonomia está hoje expressamente reconhecida no artigo 561º do Código Civil, que preceitua o seguinte:
“Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
E perante a apontada independência, não se estranhará, por isso que os juros possam continuar a ser devidos, mesmo que prescrita a dívida de capital, podendo neste caso, exigir-se todos os anteriores de há menos de cinco anos[4].
Com efeito e como ensina o Professor Antunes Varela, embora a obrigação de juros pressuponha a dívida de capital e, neste aspecto, possa considerar-se uma obrigação acessória, contudo a relação de dependência entre as duas obrigações não obsta a que, uma vez constituído, o crédito de juros se autonomize. Pode, na verdade, o credor ceder, no todo ou em parte, o seu crédito de juros e conservar o crédito relativo ao capital; pode, pelo contrário, ceder a outrem o crédito do capital e manter para si, no todo ou em parte, o crédito dos juros vencidos. E é perfeitamente possível, por outro lado, que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegro o primeiro[5].

Considerando a autonomia do crédito de juros em relação ao crédito de capital (artigo 561º do Código Civil) e ainda que o crédito de juros não constitui um direito indisponível e se extingue pelas causas gerais de extinção das obrigações e, como tal, sujeito a prescrição (artº 298º nº 1 do Código Civil), temos de concluir que não se pode ter como verificada a prescrição dos juros de mora.

Nesta parte a autora, ora apelante, tem razão.

Resta saber qual o montante dos juros. Será o de € 724,61 que foi peticionado pela autora?

É o que importa apurar em sede de julgamento, já que a ré, na contestação, impugnou os factos alegados pela autora e alegou factos susceptíveis de pôr em causa o montante do capital e, por causa disso, dos próprios juros pedidos pela autora. Efectivamente, alegou que a autora não presta quaisquer serviços à ré há quase 10 anos e daí não compreender a emissão da factura em Dezembro de 2013, impugnando a mesma, seus valores e datas.

Termina a contestação dizendo que não é devida a quantia de € 11.909,90 referente ao capital.

Na resposta à contestação, a autora juntou cópia da factura, embora sem as especificações a que se refere o artigo 9º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, com a alteração introduzida pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro.

Estes factos, a apurar em sede de julgamento e de acordo com ónus da prova tal como prescrito no artigo 11º da Lei 23/96, irão revelar, com toda a probabilidade, o montante exacto do crédito da autora e, consequentemente, o montante dos juros que, ao contrário daquele, não se mostra prescrito.

A cláusula penal:

A autora é uma empresa de fornecimento de serviços públicos essenciais, de comunicações electrónicas (artigo 1º nº 1 e 2 alª d) da Lei nº 23/96 de 26.07 com a alteração introduzida pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro).

De acordo com o artigo 10º nº 1 daquele diploma, o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

A factura cujo pagamento é reclamado, no valor de € 11.909,90 foi emitida em 05-12-2013 e venceu-se em 26-12-2013 e a acção deu entrada em 23-09-2014 e a ré foi citada em 06-10-2014, muito depois do prazo de seis meses previsto no artigo 10º nº 1 daquele diploma.

Prescreveu também o montante respeitante à cláusula penal, conforme vem alegado pela ré na contestação e que nem sequer vem discriminado no requerimento inicial de injunção?

Entendemos que sim e vejamos porquê.

Prescrita a obrigação principal, a cláusula penal estabelecida para o incumprimento caduca.

Acerca da acessoriedade da cláusula penal, escreveu Pinto Monteiro:
“A cláusula penal, como já vimos, pressupõe a existência de uma obrigação — provindo, em regra, de contrato -, que é costume designar por obrigação principal, a fim de acentuar melhor a acessoriedade da referida cláusula, a sua dependência relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona.

Compreende-se que seja assim: a cláusula penal, em qualquer das suas modalidades, é uma estipulação mediante a qual um dos contraentes se obriga a efectuar uma prestação, diferente da devida, no caso de não cumprir ou de não cumprir nos seus precisos termos a obrigação. Trata-se de simples promessa a cumprir no futuro, com carácter eventual, visto que o compromisso assumido só se efectivará - a pena só será exigível - se e na medida em que o devedor não realize, por culpa sua, a prestação a que está vinculado e a que a cláusula se reporta.

A justificação da acessoriedade da cláusula penal não oferece, pois, dificuldades de maior. Esta não é um fim em si mesmo: ao estipular uma cláusula penal, visa-se incentivar o respeito devido à obrigação, de fonte negocial ou imposta por lei, estabelecendo, desde logo, para o efeito, a respectiva sanção, prevenindo a hipótese do seu incumprimento; ou pode ser escopo das partes, tão-só, o de fixar antecipadamente o quantum indemnizatório a que haverá lugar. Seja como for. a existência de uma obrigação surge, assim, via de regra, como pressuposto objectivo da cláusula penal. Daí que a sorte desta fique dependente do destino da primeira.

Sabemos já que a cláusula penal é um meio de estabelecer uma pena. Evidentemente que o desaparecimento da obrigação principal - por nulidade v. g. - arrasta consigo a cláusula penal, implicando, de igual modo, o desaparecimento da pena. que era o seu objecto. Mas pode dar-se o caso de a obrigação ser válida, mantendo-se, consequentemente, a cláusula penal, sem que a pena, ainda assim, seja exigível. Solução que decorrerá ainda do princípio da acessoriedade: é que a pena só é exigível quando não se efectue (ou não se efectue em termos correctos) a prestação que é devida, mostrando-se também necessário que o credor possa, nos termos gerais, reagir contra o inadimplemento. Não sendo este o caso, designadamente porque o incumprimento ou o atraso não são imputáveis ao devedor, não será devida a pena. O credor só pode exigi-la, pois, nos mesmos termos em que poderia reagir contra o inadimplemento, a mora ou o cumprimento defeituoso da prestação: trata-se, ainda, de uma consequência da acessoriedade.

A dependência da cláusula penal relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona, manifesta-se, pois, em vários momentos, desde que esta se constitui até a sua extinção.

Em primeiro lugar. a cláusula penal requer que a obrigação principal haja sido validamente constituída, pelo que, sendo esta inválida, igual sorte tem aquela cláusula. Por outro lado, as formalidades exigidas para a obrigação principal estendem-se à cláusula penal (art. 810º, nº 2). Por último, extinguindo-se, por qualquer motivo, a obrigação principal, caduca a cláusula penal. Numa palavra: desaparecendo a obrigação, seja porque é nula ou foi anulada, seja porque se extinguiu, desaparece o pressuposto de que a cláusula penal dependia, pelo que esta perde a sua razão de ser”[6].

E na nota 198, a pg. 89, exemplifica a caducidade da cláusula penal precisamente com a prescrição da obrigação principal, citando Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado.

Ainda que assim não se entendesse, não parece curial que duas obrigações emergentes do mesmo contrato tivessem prazos de prescrição distintos – seis meses e vinte anos.

A cláusula penal mais não é que a antecipação de todas as mensalidades que seriam devidas até ao termo do período de vinculação de permanência. Não deixam de ser mensalidades reportadas à prestação de um serviço, embora esse serviço não tenha sido prestado por o contrato ter cessado.

Se por força do princípio da acessoriedade a cláusula penal está estritamente dependente da obrigação principal (accessorium sequitur principale), faz sentido que o prazo de prescrição seja idêntico, sobretudo quando a penalidade é calculada em função das mensalidades devidas pela prestação do serviço (e que prescrevem no prazo de seis meses).

Nesta parte, improcede a apelação.

SÍNTESE CONCLUSIVA:

- A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual ao juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.
- A obrigação de juros é acessório da do capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. No entanto, uma vez constituída, vive por si com alguma autonomia. E essa autonomia está hoje expressamente reconhecida no artigo 561º do Código Civil.
- Perante aquela autonomia, os juros podem continuar a ser devidos, mesmo que prescrita a dívida de capital, podendo neste caso, exigir-se todos os anteriores de há menos de cinco anos
- Porque a cláusula penal fixada para o caso de incumprimento do contrato é acessória em relação à obrigação principal de pagamento do preço dos serviços telefónicos, prescrito o direito ao pagamento do preço, caduca o direito a exigir o pagamento do valor da pena convencional.

III - DECISÃO:

Atento o exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida no que toca à prescrição do crédito do capital e à caducidade da cláusula penal, mas devendo prosseguir os autos no que respeita à prescrição dos juros, em conformidade com o que acabou de ser decidido.
Custas pela apelante e pela apelada na proporção do vencimento.


Lisboa, 04/06/2015

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa


[1]Código de Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 143. Cfr. Ac.STJ de 7.7.94, in BMJ n° 439, pág. 526 e de 22.6.99, in, CJ STJ II/1999, pág. 161 e da RL de 10.22004, in CJ I/2004, pág. 105.
[2]Ac. STJde 21.12.2005, in www.dgsi.pt/jstj.
[3]Ac. STJde 8.3.2001, in www.dgsi.jstj/pt.
[4]F. Correia das Neves, Manual de Juros, 3ª edição, pág. 194.
[5]Das Obrigações em Geral, vol I, pág. 730. Cfr ainda o Ac. RE de 29.11.1977, in CJ V/77, pág. 1275 e ss.
[6]Cláusula Penal e Indemnização, pág. 86 e ss.