Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
600/11.3TVLSB.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OBJECTO DO PROCESSO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
OBRIGAÇÕES
DEVER ACESSÓRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: 1. Perante uma invocação de nulidade de sentença por condenação em objecto diverso do pedido, no julgamento dessa questão jurídica o Tribunal de Recurso tem apenas de se ater ao concreto pedido formulado na acção e não também ao objecto do processo (pedido e causa de pedir).
2. Não se verifica qualquer condenação em objecto diverso do pedido se o exacto conteúdo material do decreto judicial condenatório se inscrever na compreensão/extensão lógica do concreto pedido formulado na acção.
3. A violação de obrigações acessórias do contrato, nomeadamente a obrigatoriedade de as partes manterem a boa-fé negocial e a lealdade de comportamento durante toda a vigência dos acordos negociais firmados entre elas, é geradora, para o incumpridor desses deveres, de responsabilidade civil contratual e não de responsabilidade delictual ou por factos ilícitos, pelo que o prazo de prescrição do direito à indemnização emergente dessa violação é o geral e não o previsto no art.º 498º do Código Civil.
4. Para que se mostre devidamente cumprido o ónus imposto ao recorrente pelo estatuído no art.º 685ºB do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (que vigorava à data da apresentação em Juízo das alegações de recurso, mas sem que, no que aqui releva, o art.º 640º do novo Código aprovado por essa Lei Preambular tenha introduzido qualquer alteração significativa), tem esse litigante de obrigatoriamente especificar, também nas conclusões das suas alegações de recurso e não apenas nestas, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, ao mesmo tempo, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
5. Estando em causa nos autos a resolução, com invocação de justa causa, de um contrato firmado entre as partes com fundamento em violação de deveres contratuais por parte da demandante, de acordo com as regras de repartição do ónus de prova consagradas no art.º 342º do Código Civil, é à demandada que compete provar, devendo fazê-lo para além de qualquer dúvida razoável (idem, art.º 346º), a verificação dos factos invocados para justificar a resolução desse acordo negocial celebrado entre os intervenientes na lide.
6. Tendo sido pedida a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos sofridos pela Autora em virtude do cancelamento de espectáculos por esta contratados do cantor e seu sócio gerente, de acordo com as regras de repartição do ónus de prova consagradas no art.º 342º do Código Civil e tal como acontece quanto aos demais danos cujo ressarcimento é peticionado, é a essa demandante que compete provar, devendo fazê-lo para além de qualquer dúvida razoável (idem, art.º 346º), quer a verificação do exigido nexo de causalidade entre o facto gerador da lesão e os prejuízos sofridos - no caso, a publicação de notícias originadas por informações prestadas pela demandada e esses cancelamentos de espectáculos -, quer a extensão desses danos que por ela foram invocados.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1. “P, UNIPESSOAL, LDA” intentou contra “R, SA” os presentes autos de acção declarativa à data designados como processo comum e forma ordinária que, sob o n.º ..., foram tramitados pela 5ª Vara Cível (hoje 1ª secção dessa mesma Vara) do Tribunal da comarca de L..., e nos quais, depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença de fls 477 a 499, cujo decreto judicial tem o seguinte teor (corrigindo-se o evidente lapso de escrita nele cometido):
“Em face do exposto, decide-se:
a)- Julgar procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da autora à indemnização da quantia de 371 250€ pelo cancelamento dos espectáculos do “PB”;
b)- Julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condena-se a ré a pagar à autora a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o valor do preço e dos patrocínios - 22 000€ de preço, 82 500€ do M, 80 000€ da IA, patrocínios da D e da C, em valores não apurados – e os custos de produção dos programas – em valor não apurado.
Custas: pela autora e pela ré, na proporção de 7/10 para a autora e de 3/10 para a ré. ...” (sic - fls 499).
Inconformadas com essa decisão, Autora e Ré dela recorreram (fls 504 a 523 e 529 a 579, respectivamente), rematando a primeira as suas alegações com o pedido de que seja “… considerada improcedente a excepção peremptória de prescrição considerada procedente pelo Tribunal “a quo”, e revogada nesta parte da douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que considere que estamos no âmbito da responsabilidade civil contratual por violação dos deveres acessórios de conduta, designadamente o dever de lealdade e boa fé, pelo que não se encontra prescrito o direito de indemnização da Recorrente, e consequentemente, condene a Recorrida a indemnizar a Recorrente pelos prejuízos causados, no valor que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, em tudo o mais se mantendo a douta sentença recorrida …” (sic - fls 522), e a segunda com o de que seja “… a sentença do Tribunal de 1.ª Instância … declarada nula … (ou), subsidiariamente, deve a decisão da matéria de facto e de direito ser alterada no sentido indicado no presente recurso … (assim) julgando o presente recurso procedente e revogando a decisão contida nos despachos de fls …” (sic - fls 578).
As recorrentes formularam, para tanto, as seguintes conclusões:
I – a Autora (21):
“(…)
II – a Ré (52):
(…)
Ambas as litigantes contra-alegaram relativamente aos recursos interpostos pela respectiva contra-parte (fls 587 a 599, no que respeita à Ré, e 606 a 650, no que tange à Autora), concluindo essas suas peças processuais nos seguintes termos:
A) a Ré: “Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao Recurso interposto pela Apelante, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.” (sic - fls 599);
B) a Autora: “Termos em que
Deve rejeitar-se o recurso da decisão sobre a matéria de facto, em virtude de a Recorrente não ter dado cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 685.º-B, n.º 1, al. b), do CPC.
Deve julgar-se improcedente o recurso da Recorrente, mantendo-se, na parte impugnada, a sentença recorrida...” (sic - fls 649 e 650).
Estes são, pois, os contornos da lide a dirimir.
2. Considerando as conclusões das alegações das ora apelantes (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias - do art.º 668º nºs 1 e) e 4 do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (aplicável ex vi art.º 7º n.º 1 dessa Lei preambular, por interpretação extensiva da norma com fundamento em argumento de igualdade de razão, porquanto as legítimas expectativas das partes quando apresentaram em Tribunal as suas alegações e contra-alegações de recurso eram e são tão válidas como as dos litigantes cujos processos deram entrada em Juízo antes de 1 de Janeiro de 2008, não existindo razão lógica ou fundamento ético que justifique um tratamento diferenciado destas duas situações, pese embora a regulação estabelecida pelos artºs 615º, 619º a 621º, 628º, 629º, 635º e 609º do novo Código não tenha, nesta matéria, introduzido modificações relevantes) e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código) as questões a dirimir nesta instância de recurso são, por ordem lógica e ontológica, as seguintes:
- a sentença recorrida é ou não nula por ter condenado a Ré em objecto diverso do pedido e por conter uma contradição entre a decisão e os fundamentos da mesma?
- está ou não prescrito o direito da Autora a peticionar a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelo cancelamento de espectáculos musicais do sócio-gerente dessa demandante?
- podem ou não manter-se inalteradas as respostas dadas ao perguntado nos números 8º, 15º, 20º a 22º, 25º, 26º, 31º a 34º e 49º a 51º da Base Instrutória?
- a Autora tem ou não o direito a ser indemnizada pela resolução operada pela Ré do contrato celebrado entre ambas que está em causa nos autos e, em caso afirmativo, a que danos se reporta e qual é o valor dessa indemnização?
E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas (as mesmas quer se interprete o n.º 1 do art.º 7º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, no sentido de considerar aplicáveis os artºs 700º a 720º do CPC revogado por essa Lei, quer considerando o estatuído nos artºs 652º a 670º do novo Código que, para o que aqui cuida, não introduziram no ritual processual uma qualquer alteração digna de relevo), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.
3. Em 1ª instância foram declarados provados os seguintes factos (sublinhando aqueles cuja alteração é peticionada pela recorrente Ré):
(…)
4. Discussão jurídica da causa.
4.1. A sentença recorrida é ou não nula por ter condenado a Ré em objecto diverso do pedido e por conter uma contradição entre a decisão e os fundamentos da mesma?
4.1.1. Ao iniciar o julgamento do mérito da apelação intentada contra a sentença proferida em 1ª instância, é importante dar conta que a formulação usada pela Ré ao invocar a nulidade da sentença recorrida por violação do estatuído na e) do n.º 1 do art.º 668º do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (mas que continua a ser o aplicável ao caso ex vi art.º 7º n.º 1 dessa Lei preambular) não assume a inequívoca claridade e certeza dessa norma - que, sem margem para dúvidas, remete para uma condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (do pedido, sublinha-se) -, antes se refugia num potencialmente nebuloso objecto diverso do fixado no litígio, com o que, como resulta do teor das alegações dessa recorrente, se pretende fazer apelo a um outro conceito técnico-jurídico totalmente distinto, qual seja: o objecto da lide (que, como é sabido, ontologicamente integra, para além do pedido, a causa de pedir).
O que não é aceitável para a parte do litígio que aqui e agora se dirime, porquanto, este Tribunal Superior, como é sua obrigação, tem apenas de ater ao rigor técnico da letra da Lei, interpretada de acordo com as regras também inequivocamente definidas no art.º 9º do Código Civil -aqui, nomeadamente, o n.º 2 desse comando normativo; pedido não é, nunca por nunca, o mesmo que causa de pedir ou sequer objecto do processo (ou da lide).
Nesta conformidade, há, portanto, que verificar qual a exacta extensão/compreensão lógica do pedido formulado pela Autora na presente acção.
4.1.2. Em termos formais, a demandante (que nesta matéria é a recorrida), pede singelamente que “Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, por via dela, a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 556.750,00 (quinhentos e cinquenta e seis mil setecentos e cinquenta euros), acrescida dos juros comerciais que se vencerem desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.” (sic - fls 25).
Todavia, esse valor total tem de ser decomposto nas suas várias parcelas, as quais, aliás, estão identificadas no artigo 124º da petição inicial.
Assim, tal montante constitui o resultado da soma dos seguintes pedidos parcelares:
- € 185.500,00, respeitantes à diferença entre a quantia de € 393.500,00 (que, segundo a peticionante corresponde ao montante que a Ré se comprometeu a pagar como contrapartida da produção dos episódios da série dos autos, acrescido dos valores que a Autora deixou de receber dos patrocinadores dessa série) e a de € 208.000,00 (custo de produção dos mesmos episódios),
- € 371.250,00, relativos ao que a Autora deixou de receber em virtude do cancelamento dos já programados espectáculos musicais do sócio-gerente dessa sociedade.
Considerando o conteúdo do decreto judicial da sentença recorrida, que se encontra integralmente transcrito no ponto 1. do presente acórdão, não se vislumbra qual a razão válida que permita fundamentar o pedido de declaração de nulidade formulado pela Ré, sendo totalmente irrelevante para o que agora se discute se as outras entidades que não o M (que essa sociedade até apelida, tal como a Autora, de patrocinador principal) são outros patrocinadores ou entidades apoiantes.
O ónus de impugnação especificada incide sobre factos e não sobre as qualificações (neste caso nem sequer jurídicas) dadas pelas partes a essas realidades - art.º 490º n.º 1 do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, mas aplicável à situação sub judice por força do estatuído no n.º 1 do art.º 7º dessa Lei preambular -, nunca podendo ser esquecido que, como a própria Ré recorrente reconhece a fls 535, o Tribunal (os Juízes) não está (estão) sujeito(s) às qualificações que os litigantes possam ter usado nas suas peças processuais (idem, artºs 264º n.º 2 e 664º).
E, muito sinceramente, face ao teor dos artigos 92º a 132º da contestação constitui forte atrevimento da Ré afirmar que não teve oportunidade para se defender quanto ao que foi alegado pela Autora nessa matéria, conduta que aqui vigorosamente se reprova e censura porque, com tais afirmações, essa litigante está a sugerir, sem se atrever a afirmar, que não lhe foi concedido um julgamento leal mediante processo equitativo por parte do Tribunal de 1ª instância.
O que, de todo, não corresponde à realidade que está claramente patenteada nos presentes autos.
Na verdade, quando essa recorrente alega que “(ao) condenar no valor de patrocínios da IA, da D e da C, o Tribunal considerou factos que não foram alegados pela ora Recorrida e dos quais, repita-se, a recorrente não se defendeu, condenando em objecto diferente do fixado pelas partes ...” (sic - fls 535) está a dar corpo a um inqualificável jogo de palavras em torno da expressão “patrocínios”.
4.1.3. O que significa que a sentença recorrida não condenou em objecto diverso do pedido, pelo que a mesma não é nula, com esse ou com qualquer outro fundamento, sendo totalmente improcedente a parte da conclusão 2 das alegações de recurso da Ré que aborda essa matéria.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.1.4. A Ré, ainda que perfunctoriamente (5 parágrafos a fls 536 - um deles constituindo o remate das curtas afirmações contidas nos outros quatro - e metade da conclusão 2 a fls 571), invoca que a sentença recorrida é “parcialmente nula nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea c), do CPC.” (sic - fls 535), porque existe “… uma contradição manifesta entre a condenação no pagamento relativo ao alegado “patrocínio (?)” de € 80.000 da IA e a resposta dada ao artigo 20º da base instrutória.” (sic - idem).
A resposta em causa está transcrita no ponto 3. supra, mas, para facilitar o raciocínio, é útil voltar aqui a escrevê-la.
E esse texto é o seguinte: «A D, a H, a C, concordaram em apoiar a produção do programa.».
No seu afã criticista, que, no que agora tange, roça temerariamente a má-fé, a Ré recorrente ignora as respostas dadas aos números 31º a 34º da Base Instrutória, o que é tão mais censurável quanto essa sociedade delas se lembra, tal como acontece com a dada ao número 20º, para requerer a sua alteração.
E o conteúdo dessas respostas, sob o ponto de vista da coerência lógica da decisão da 1ª instância, é suficiente para justificar/fundamentar o sentenciamento decretado no Tribunal recorrido.
E porque assim é, não merece a ora sindicada pretensão da Ré que este Tribunal Superior mais sobre ela se debruce, a não ser para declarar expressamente que é totalmente inexistente a contradição infundadamente denunciada por aquela apelante.
4.1.5. Pelo exposto, porque não existe qualquer contradição lógica entre o decreto judicial consubstanciado na sentença recorrida e os seus fundamentos, é também totalmente improcedente a parte da conclusão 2 das alegações de recurso da Ré que aborda essa matéria, podendo, portanto, ser declarado que essa decisão criticada não é nula.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.2. Está ou não prescrito o direito da Autora a peticionar a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelo cancelamento de espectáculos musicais do sócio-gerente dessa demandante?
4.2.1. Tendo em atenção o estabelecido no art.º 660º do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e no art.º 608º do Código aprovado põe essa Lei Preambular, importa agora aquilatar se pode ou não manter-se o segmento da sentença recorrida que julgou procedente a defesa por excepção suscitada pela Ré quanto ao direito invocado pela Autora que se encontra identificado em epígrafe.
Para tanto, afigura-se útil recordar à partida que, por mandato impositivo do Legislador, a interpretação de uma qualquer norma jurídica tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada”, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade) - sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa.
Na 1ª instância foi entendido que o direito agora em causa se encontrava prescrito à data da propositura desta acção porque aí se concluiu, abonando-se em Pedro Martinez (in “Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, edições Almedina, páginas 283 e seguintes), que, neste caso, “O facto ilícito que gera o dano, a divulgação da notícia, não obstante referir o contrato, não pode considerar-se como violação do sinalagma; o dano não ocorre no âmbito dos interesses das partes tidos em vista com o contrato.” (sic - fls 494).
É essa conclusão que a Autora põe em causa nesta sede de recurso.
O que significa que se impõe a esta Relação identificar qual o exacto conteúdo das prestações recíprocas a que as partes em litígio se vincularam, uma para com a outra, quando firmaram entre si o negócio jurídico dos autos, para, desse modo, aquilatar se a conduta da Ré constitui ou não a violação de uma dessas obrigações contratualmente fixadas, e consequentemente qual a natureza jurídica da responsabilidade emergente para a Ré da sua conduta para com a Autora consubstanciada na divulgação, junto de vários órgãos da comunicação social, de notícia que relacionava esta última sociedade com o furto de equipamento pertencente à primeira (“R, SA”).
Antes, porém, é indispensável recordar que nenhuma das apelantes questionou as respostas dadas ao perguntado nos números 37º a 45º da Base Instrutória, correspondentes aos pontos 39º a 46º do elenco de Factos Provados transcrito no ponto 3. do presente acórdão, muito menos peticionou a sua alteração, razão pela qual essa matéria de facto se tem forçosamente de considerar como definitivamente assente.
O que vivamente se sublinha dada a sua crucial relevância para o destino do pleito.
4.2.2. Retomando a análise crítica da sentença recorrida na parte agora sob escrutínio, cumpre assinalar uma vez mais que o pressuposto base do decreto judicial absolutório aqui sindicado é o de que as únicas obrigações contratuais recíprocas a que as partes em litígio se vincularam por força do acordo negocial cujo conteúdo material está consubstanciado no documento de fls 41 a 51 são as expressamente mencionadas nesse texto - tal constitui, nessa visão, o dito sinalagma.
A divulgação pela Ré de notícias “relacionando” a Autora com o furto de equipamento da primeira (ponto 3.42º deste acórdão - resposta ao número 40º da Base Instrutória), para o Mmo Juiz a quo mais não traduz que “um caso de responsabilidade aquiliana e não responsabilidade contratual” (sic - fls 495).
Isto apesar de antes reconhecer que “… (o) artº 762º nº 2 do CC manda que o credor e devedor, no âmbito das situações jurídicas respectivas procedam de boa fé. É certo que para se considere verificado o cumprimento da obrigação não basta uma mera realização da prestação devida em termos formais. Na fase de cumprimento das obrigações a conduta de ambas as partes deve obedecer a princípios de correcção e colaboração. Os deveres acessórios de conduta impõem comportamentos de protecção, informação e lealdade. A chamada violação positiva do contrato – o devedor, embora realizando a prestação, fá-lo de modo a não satisfazer integralmente os interesses tidos em vista pelo contrato – redunda no incumprimento, ou cumprimento defeituoso em sentido amplo” (sic - fls 493, com correcção do evidente lapso de escrita assinalado).
O que, no mínimo e sendo-se brando com as palavras, é paradoxal - mais, é perturbadoramente paradoxal.
Na verdade, como pode afirmar-se o que antes se deixou transcrito - opinio juris que corresponde à interpretação do estatuído no citado art.º 762º n.º 2 do Código Civil que dá cabal cumprimento às regras enunciadas no ponto 4.3.1. supra - para depois se sustentar que a reconhecida violação desse dever acessório de lealdade e de condução da execução do contrato de acordo com os ditames da boa fé e em conformidade com a conduta típica de um diligente bom pai/mãe de família é apenas geradora de responsabilidade extra-contratual ou por facto ilícito (responsabilidade aquiliana)?
Se reconhecidamente (e assim é na realidade por força do estatuído nos artºs 762º n.º, 763º n.º 1, 798º, 799º e 487º n.º 2 do Código Civil, todos interpretados nos termos definidos em 4.3.1.) a violação dos deveres acessórios do acordo negocial constitui um incumprimento do contrato, como pode decretar-se que a responsabilidade emergente desse acto danoso não é uma responsabilidade contratual?
E, de facto, não pode, porque o clausulado dos contratos é tão só a manifestação exterior de uma relação jurídica (relação social) que compreende igualmente a vontade negocial das partes e as razões e as representações conceptuais que motivaram a formação dessa vontade; as partes estabelecem acordos num dado contexto e aceitando como verdadeiros certos pressupostos que são tão relevantes que, quando não existem, podem até originar a anulação dos contratos por erro, provocado ou não por dolo, quanto a aspectos ou elementos do negócio que são essenciais para o declarante, isto é, para a perfeição da sua declaração negocial que, para ser válida, tem de ser livre - porque não sujeita a qualquer tipo de coacção - e esclarecida (artºs 240º a 257º do Código Civil).
Efectivamente, os chamados deveres acessórios integram o objecto do negócio exactamente do mesmo modo que os que, de um modo positivista, são designados por deveres principais e são ou podem ser tão sinalagmáticos como estes últimos.
Aliás, o resultado final da interpretação prosseguida pelo Mmo Juiz a quo é, objectivamente, o de tornar totalmente inúteis os comandos normativos acima referidos, e em especial o corporizado no n.º 2 do art.º 762º do Código Civil, transformando-os num mero conjunto de palavras, óptimo para embelezar discursos mas, em concreto, totalmente vazio de significado, de conteúdo e de efeitos práticos na regulação das relações jurídicas que o Legislador visava (e, de facto, visa) tutelar; em suma, essas normas passariam a constituir, para usar um conceito caro à Doutrina brasileira, apenas direito proclamatório (também designado soft law - Mário João Fernandes, in «Uma Nova Ordem Jurídica Internacional? Novas do Sistema de Fontes. Contributos do Direito Internacional do Ambiente.» - Revista “Nação e Defesa” n.º 97 - 2ª série, Primavera de 2001, pgs 181 a 202), aquele que, na prática, serve tão só para fazer crer que os interesses merecedores da tutela do Direito estão salvaguardados e protegidos, quando no quotidiano da Vida não o estão, já que a sua força vinculativa é nula ou diminuta.
Ora, um tal resultado, nunca por nunca, pode ser considerado o pretendido pelo Legislador, o qual, à luz do estatuído no n.º 3 do art.º 9º do Código Civil, consagrou sempre as soluções (ética e socialmente) mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ou, pelo menos, é isso que o intérprete está obrigado a presumir - logo, estando qualquer Juiz compelido a julgar de acordo com esse incontornável pressuposto.
Em suma, podendo essa actuação da Ré descrita na petição inicial (e neste momento processual tanto basta), se analisada isoladamente, ser algo mais – por exemplo, ofensa à honra e consideração do sócio gerente da Autora e ao bom nome desta sociedade -, em contexto, a mesma configura a violação de um dever acessório constituído na esfera jurídica daquela demandada por via da celebração do contrato dos autos.
Acresce, finalmente, que a manutenção ou a consolidação de uma boa imagem pública do cantor/autor com o nome artístico “PB” - ou até o alargamento do número de pessoas que, ao assistir à emissão do programa em causa, o passariam a conhecer -, era legitimamente um dos objectivos da Autora ao celebrar o contrato dos autos, facto que um diligente bom pai/mãe de família ou declaratário normal colocado no lugar do real declaratário - art.º 236º n.º 1 do Código Civil – de todo nunca ignoraria, sendo, pois, exigível à Ré que desse facto tivesse pleno conhecimento e que conformasse a sua conduta negocial para com a Autora em consonância com essa realidade.
E uma vez que assim é, por tudo o antes exposto, o prazo de prescrição do direito à indemnização emergente da violação desses deveres é também o geral e não o previsto no art.º 498º do Código Civil, sendo, por essa razão, improcedente a defesa por excepção apresentada pela Ré.
4.2.3. Nesta conformidade, porque são procedentes as conclusões não meramente descritivas ou informativas da apelante Autora, revoga-se o segmento da sentença recorrida através do qual se julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora a perceber a indemnização correspondente aos prejuízos que sofreu em consequência do cancelamento de espectáculos do artista “PB”, decretando-se, em sua substituição, que esse direito não se encontra prescrito.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.3. Podem ou não manter-se inalteradas as respostas dadas ao perguntado nos números 8º, 15º, 20º a 22º, 25º, 26º, 31º a 34º e 49º a 51º da Base Instrutória?
4.3.1. Estabelecido que está que a sentença proferida em 1ª instância não é nula e que o direito referenciado em 4.2. não está prescrito, cumpre verificar se pode ou não ser alterada, na parte posta em crise pela demandada apelante, a fundamentação de facto do decreto judicial através dela prolado, ou melhor, a decisão através da qual se enunciou quais os factos provados e não provados na presente acção.
A esse propósito e face à contra-alegação produzida pela Autora, é importante recordar que, para que mostre devidamente cumprido o ónus imposto aos recorrentes pelo estatuído no art.º 685ºB do CPC já identificado no ponto 2. supra, têm esses litigantes de obrigatoriamente especificar, também nas conclusões das suas alegações de recurso, os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e, ao mesmo tempo, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
A necessidade de inclusão de tais menções nas conclusões das alegações de recurso, recorda-se, decorre do já enunciado no ponto 2. do presente acórdão, a saber: são as conclusões das alegações e apenas elas, que delimitam positiva e negativamente o objecto do recurso.
Mas, compulsadas as conclusões das alegações da apelação da Ré, pela simples leitura das mesmas (em concreto as 4 a 28), facilmente se constata que esse requisito foi plenamente cumprido.
E porque assim é, neste caso, a reapreciação da prova é plena, ou seja, este Tribunal Superior, na sua deliberação, para além de uma reanálise do teor dos documentos feitos juntar pelas partes ao presente processo mas também das diversas peças processuais feitas juntar aos autos pelas partes, mais exactamente, a petição inicial, a contestação e a réplica, poderá igualmente escrutinar os depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento realizada perante o Tribunal de 1ª instância.
O que aqui se clarifica e declara.
4.3.2. Prosseguindo a análise crítica da sentença recorrida, no que neste momento processual cumpre apreciar, é de fundamental relevância recordar que a apreciação da prova constitui uma aferição global dos factos, assente na totalidade da informação recolhida/prestada na audiência de discussão e julgamento (ou nas audiências de produção de prova que não atingem esse patamar de rigor formal, nomeadamente em termos do exercício do contraditório), e para cujo efeito os pormenores (só) aparentemente insignificantes são da maior importância.
Ensina a sabedoria popular que o diabo está nos detalhes - contudo, a descoberta da verdade também é aí que se encontra … nos pequenos detalhes que à primeira vista são insignificantes mas que acabam por ter um papel de enorme relevância, nomeadamente no que respeita à credibilidade que os depoimentos testemunhais podem ou não merecer ao Julgador, logo no convencimento do mesmo acerca da veracidade dos factos alegados pelas partes em litígio.
Constatação esta que, todavia, nunca poderá fazer esquecer que todas as testemunhas realizam os seus depoimentos após terem prestado um juramento – e o perjúrio continua a constituir uma actividade voluntária legalmente tipificada como crime -, o que significa que, à partida, as mesmas são todas idóneas e merecedoras de crédito quanto àquilo que declaram perante o Tribunal até que essa sua fiabilidade seja destruída pelos meios processuais próprios, o que não aconteceu, como as gravações dos depoimentos prestados em 1ª instância bem demonstram; aliás, este Tribunal Superior não pratica - nem concebe nem permite que se pratique - a injúria de afirmar que as testemunhas arroladas pela Ré são menos credíveis por serem seus trabalhadores, nem sequer aqueles que são altos quadros da empresa.
Em todo o caso, pelas razões expostas, a livre apreciação do Mmo Juiz a quo (art.º 655º do CPC aplicável – v. ponto 2. do presente acórdão) está incomparavelmente muito melhor escorada na realidade do que a deste Colectivo Julgador em 2ª instância que apenas pode socorrer-se dos documentos constantes do processo e do som dos depoimentos testemunhais prestados no Tribunal recorrido.
Não obstante, o estatuído no art.º 712º do CPC aplicável permite/impõe essa reapreciação, sendo o reconhecimento do duplo grau de jurisdição em matéria de facto uma construção civilizacional da maior importância, por constituir um pilar estruturante do direito a um julgamento leal (fair) e mediante processo equitativo (e do due process of law - ritual processual previamente definido por Lei e por todos antecipadamente conhecido, reconhecido e aceite, sendo que “por todos” se entende toda a Comunidade, ou mais exactamente, todos os que interagem ou podem potencialmente interagir no comércio jurídico) que a todos é reconhecido e garantido, com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa – e indirectamente pelo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948.
4.3.3. E, em obediência a este pressuposto, urge escrutinar as respostas ao perguntado na Base Instrutória postas em crise pela Ré apelante, sendo que, em concreto, o que se perguntava e o que foi respondido nesses números referenciados nas alegações de recurso, era o seguinte (sic - com correcção de um evidente lapso de escrita):
8º- O material técnico utilizado para a produção dos três referidos episódios era da propriedade da autora ou foi por esta obtido de empresas de cedência de equipamento?
Resposta: Provado;
15º- Nesse dia estavam no estúdio da autora dois pedestais, um emprestado pela AP e outro alugado à DA?
Resposta: Provado que nesse dia estavam nos estúdios da autora pelo menos dois pedestais, um emprestado pela AP e outro alugado à DA;
20º - As entidades apoiantes que concordaram patrocinar o programa dos autos são a D, a H, a C e a Ia?
Resposta: Provado que a D, a H, a C, concordaram em apoiar a produção do programa;
21º- A D comprometeu-se a pagar à Autora, como contrapartida da exibição do cartão publicitário, e na qualidade de entidade apoiante, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) por cada episódio da série?
Resposta: Provado que a D comprometeu-se a pagar à Autora quantia não apurada por cada episódio da 3ª série;
22º- A D já não pagou, em virtude da resolução do contrato dos autos, o valor relativo ao terceiro programa da série, que não foi transmitido pela Ré, nem o valor acordado pelos restantes 11 episódios, no total de 22.000,00€?
Resposta: Provado que devido à suspensão do programa, a D já não pagou as quantias a que se comprometeu;
25º- A C comprometeu-se a pagar à Autora, como contrapartida da exibição do cartão publicitário, e na qualidade de entidade apoiante, a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), em três prestações de € 20.000,00, pela totalidade dos programas da série?
Resposta: Provado que C comprometeu-se a pagar à Autora, quantia não apurada;
26º- A C não pagou à Autora a quantia supra referida, em virtude da resolução do contrato dos autos, uma vez que esta dizia respeito a toda a série e tinha como pressuposto que a mesma fosse integralmente transmitida pela Ré, para que fossem transmitidos três programas na área do vinho, azeite e enoturismo?
Resposta: Provado que a C não pagou à Autora o valor do patrocínio da 3ª série;
31º- A IA aceitou também ser entidade apoiante do programa, como contrapartida da exibição do cartão publicitário e da exibição de publicidade no carro de exteriores da Autora, durante os 13 programas da série?
Resposta: Provado;
32º- Como contrapartida, a IA procedeu à transformação do veículo adquirido pela Autora à S em carro de exteriores, fornecendo ainda todo o equipamento necessário para o efeito?
Resposta: Provado;
33º- O valor da transformação do mesmo veículo em carro de exteriores é de 80.000,00€ (oitenta mil euros), e foi integralmente suportado pela IA, na qualidade de entidade apoiante do programa?
Resposta: Provado;
34º- Em virtude da rescisão do contrato, a IA exigiu à Autora a restituição do valor do patrocínio, correspondente ao valor da transformação e do fornecimento de equipamento para o carro de exteriores da Autora, que atingiu o montante de 80.000,00€?
Resposta: Provado que a IA solicitou à autora o pagamento de 80 000€ correspondentes à transformação do veículo;
49º- A autora utilizou no seu estúdio e na realização dos episódios, um pedestal da ré, sofisticado equipamento de suporte de câmara com cerca de um metro e meio de altura, no valor de 15.000,00?
Resposta: Provado que no dia 25/01/2007 estava no estúdio da autora um pedestal de suporte de câmara, com cerca de um metro e meio de altura, de marca V, com valor de cerca de 15 000€;
50º- E fê-lo sem autorização e sem o consentimento da ré?
Resposta: Não provado;
51º- Esse equipamento havia sido furtado das instalações da ré?
Resposta: Provado que a ré deu por falta de um suporte de câmara nas suas instalações.
Para fundamentar estas suas respostas ao perguntado nos números da Base Instrutória agora enunciados, o Mmo Juiz a quo, como consta do despacho de fls 454 a 460, teve primordialmente em consideração os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de discussão e julgamento (nos termos que adiante serão detalhados), servindo a prova documental para sustentar, por si só ou em conjugação com esses testemunhos, apenas as respostas dadas aos números 21º (carta de fls 59 e 60), 25º (documentos de fls 63 e 309) e 31º a 34º (documento de fls 66).
E mais exactamente, essas respostas assentaram nos seguintes depoimentos:
- a resposta ao número 8º, nos de JG, JM, AC e GL;
- a resposta ao número 15º, nos de JM, AB (e não ...) e PM;
- a resposta ao número 20º, nos de GL, AC, JG e JM, bem como na ficha técnica do programa (disponível em ...);
- a resposta ao número 21º, apenas na carta de fls 59 e 60, porque nenhuma testemunha referiu o valor, que disseram “não saber”;
- a resposta ao número 22º, nos de JG, GL e AC;
- a resposta ao número 25º, apenas nos documentos fls 63 - acentuando-se que este está datado de 26/09/06 - e 309;
- a resposta ao número 26º, nos de JG, JM, AC e GL;
- as respostas aos números 31º a 34º, apenas o documento de fls 66 - e relativamente ao 34º, a circunstância de nenhuma testemunha ter indicado o motivo do pedido de restituição;
- a resposta ao número 49º, no de AF (“que reconheceu que o pedestal que estava nas instalações da Autora não tinha chapa de identificação”); e
- as respostas aos números 50º e 51º, nos de AF e MF.
Nos termos previstos nos nºs 1 a) e 2 do art.º 712º do CPC aplicável (que é, insiste-se, o revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, mas sem que a regulação definida no art.º 662º do novo Código tenha introduzido, para o que aqui releva, qualquer alteração à anterior regulamentação) e porque tal foi devidamente requerido pela Ré apelante, cumpre agora sindicar a apreciação dessa prova feita pelo Tribunal de 1ª instância.
4.3.4. Antes de prosseguir com o escrutínio desta parte da sentença criticada (e, em última análise, do despacho de fundamentação de fls 454 a 460, é indispensável esclarecer que, porque à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos destinada torná-los duvidosos (art.º 346º do Código Civil), a prova dos factos alegados por cada uma das partes tem de ser feita, no que a cada uma delas respeita, para além de qualquer dúvida razoável, sendo essa razoabilidade adequada aferida tendo sempre por base raciocínios de experiência comum conformes ou referenciáveis à normal diligência de um bom pai/mãe de família, ou - o que, em termos conceptuais e jurídicos, é o mesmo - de um normal declaratário colocado na posição do real declaratário (idem, artºs 487º n.º 2 e 236º n.º 1).
Por outro lado, apesar de, vá lá saber-se porquê, as sentenças e acórdãos transitados em julgado, proferidos em processo laboral, não gozarem do estatuto garantido pelos artºs 674ºA e 674ºB do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (ou 622º e 623º do CPC aprovado por essa Lei Preambular, tanto faz, já que os texto dessas normas são os mesmos), às decisões e deliberações penais (situação que esse novíssimo Código de Processo também não contemplou - novamente, vá lá saber-se porquê), manda a boa fé e os bons costumes - ou será, proposição que esta Relação, de todo, não aceita, que os outros Tribunais, incluindo os de Trabalho, têm uma menor dignidade institucional que os Tribunais Criminais? - que, mais não seja se, perante os elementos de prova produzidos num dado processo, se suscitar uma situação de dúvida, se considere, pelo menos, que o conteúdo de decisões ou deliberações proferidas em outros processos, mesmo quando não exista identidade das partes e identidade dos pedidos e causas de pedir, possam alicerçar uma presunção judicial acerca dos factos em disputa.
Aliás, esse princípio, que pode ser referenciado como o do máximo aproveitamento de actos praticados em processos judiciais, acaba por ter alguma consagração expressa no que se encontra estatuído no art.º 522º do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (ou, e uma vez mais tanto faz, no art.º 421º do CPC aprovado por essa Lei Preambular), no qual se reconhece o valor extra-processual das provas produzidas num processo com audiência contraditória da parte contra a qual essas provas são esgrimidas ou apresentadas, desde que esse anterior processo ofereça às partes pelo menos garantias idênticas àquelas de que estas dispõem no segundo.
A confiança dos Cidadãos nos Tribunais - isto é, na sua capacidade efectiva de administrar a Justiça - e a certeza e a segurança do Direito têm tudo a ganhar com o esbatimento das possibilidades de serem proferidos julgamentos contraditórios sobre uma mesma factualidade enformadora de uma dada relação material controvertida ou de uma dada situação conflitual originadora de relações materiais controvertidas conexas ou inter-relacionadas.
Daí que e por estas razões agora expostas, na análise crítica dos elementos de prova disponíveis nos autos que lhe compete realizar, esta Relação tenha em devida conta o conteúdo da sentença do Juiz da 1ª secção do 4º Juízo do Tribunal do Trabalho de L... e, de igual modo, o do acórdão da 8ª secção do Tribunal da Relação de L... cujas cópias constituem, respectivamente, fls 263 a 307 e 363 a 392.
4.3.5. E, estando definidos os critérios de julgamento deste Tribunal Superior respeitantes à reapreciação da prova produzida em 1ª instância, urge proceder, finalmente, ao exercício desse duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a operar após a audição dos registos da audiência remetidos a esta Relação pelo Tribunal recorrido e a leitura e integração dos documentos relevantes quanto às respostas dadas ao perguntado na Base Instrutória que foram postas em causa por aquela Ré e aqui apelante.
Nessa reapreciação atender-se-á à circunstância de o perguntado nos números 8º e 15º da Base Instrutória estar indissoluvelmente ligado à matéria objectivada nos números 49º a 51º dessa mesma peça processual (são, ao fim e ao cabo, as duas versões antagónicas dos acontecimentos em disputa no processo), situação que impõe uma apreciação conjugada dessas respostas criticadas pela Ré.
E, de acordo com idêntico pressuposto, também quanto ao perguntado nos números 20º a 22º, 25º, 26º e 34º da Base Instrutória a apreciação será global.
4.3.6. Deste modo e seguindo os critérios antes enunciados, depois de ouvidos os depoimentos testemunhais produzidos em 1ª instância e começando pela apreciação das respostas dadas aos números 8º e 15º e 49º a 51º da Base Instrutória, resulta dessa audição que não existe, afinal, uma contraditoriedade tão grande nos depoimentos como aparentemente se poderia pensar face às posições adversas assumidas pelas litigantes nestes autos.
Começando por estas últimas respostas, a Ré invoca que «O Tribunal a quo não responde ao que é perguntado no artigo 51.º da base instrutória, desconsiderando um facto essencial à decisão» e que «A resposta dada aos artigos 49.º, 50.º e 51.º da base instrutória é contraditória face à resposta dada aos artigos 53.º, 54.º e 55.º» (conclusões 4 e 5 das alegações de recurso dessa litigante).
Para aferir da bondade desta crítica, importa recordar que o teor das perguntas formuladas e das respostas dadas a esses números da Base Instrutória é o seguinte:
51º - Esse equipamento havia sido furtado das instalações da ré?
Resposta: Provado que a ré deu por falta de um suporte de câmara nas suas instalações.
49º - A autora utilizou no seu estúdio e na realização dos episódios, um pedestal da ré, sofisticado equipamento de suporte de câmara com cerca de um metro e meio de altura, no valor de 15.000,00?
Resposta: Provado que no dia 25/01/2007 estava no estúdio da autora um pedestal de suporte de câmara, com cerca de um metro e meio de altura, de marca V, com valor de cerca de 15 000€;
50º - E fê-lo sem autorização e sem o consentimento da ré?
Resposta: Não provado;
53º - Quando a Autora soube que a Polícia Judiciária iria ao seu estúdio, contactou o funcionário da Ré JM para passar nas suas instalações?
Resposta: Provado que a autora solicitou a terceiros que contactassem o JM para passar nas suas instalações;
54º- E cerca das duas da manhã esse funcionário da ré, foi visto a entrar nas instalações da R, S.A. e, no dia seguinte, o equipamento referido em 49º reapareceu nos estúdios da ré?
Resposta: Provado;
55º- No dia 25/01/07, estavam nos estúdios da autora o equipamento referido em 49º a 51º?
Resposta: Provado que o equipamento referido em 49º tem as mesmas características do que desapareceu nas instalações da autora;
Dado o conteúdo, até tão só o literal, dos textos agora transcritos, forçoso se torna concluir que a resposta dada ao número 51º é, em termos ontológicos, um menos relativamente ao perguntado, logo, essa resposta integra a compreensão/extensão lógica da pergunta.
Efectivamente, a expressão “furtado” traduz, em primeira linha, a ideia de que algo desapareceu de um dado local onde antes se encontrava, ou seja, está em falta nesse lugar, sendo incontornavelmente seguro que essa realidade fáctica é perceptível por quem a possa e queira observar.
E porque assim é, não pode ser sufragado o entendimento de que o Tribunal não respondeu ao perguntado no “artigo 51º da base instrutória” porquanto, ainda que de uma forma restritiva e/ou circunstanciada, essa resposta foi dada, sendo esse tipo de respostas perfeitamente admissível em termos processuais quando nem tudo o que é alegado/perguntado consegue sem provado pela parte sobre a qual impende o ónus de prova.
Improcede, portanto, totalmente essa argumentação da Ré ora apelante respeitante à matéria do número 51º da Base Instrutória.
Tal como improcede a apresentada quanto às demais respostas criticadas no que tange à invocada mas inexistente contradição entre as mesmas.
Efectivamente, o que resulta muito claro dos aludidos textos é que o Mmo Juiz a quo quis deixar patente que não foi feita a tal prova para além de qualquer dúvida razoável de que o pedestal de suporte de câmara, com cerca de um metro e meio de altura, de marca V, com valor de cerca de 15 000 €, que no dia 25/01/2007 estava no estúdio da Autora, pese embora tivesse as mesmas características do que desapareceu nas instalações da , era o mesmo cuja falta tinha sido dada nas suas instalações (da demandada, entenda-se).
E, realmente, essa é a única matéria de facto que, face aos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento e ao conteúdo dos documentos juntos, pode ser declarada provada neste processo.
Nem tudo o que parece é e as circunstâncias podem ser enganadoras; como ensina a sabedoria popular, as aparências iludem e a testemunha JM conseguiu apresentar uma justificação no mínimo bastante plausível para a sua deslocação às instalações da Ré na noite de 25 para 26 de Janeiro de 2007 (foi entregar ao seu proprietário um veículo automóvel pertencente a um outro trabalhador da R, S.A. de nome CR, que na noite em causa se encontrava efectivamente nas instalações da Ré e, surpreendido ou não, o recebeu, e que havia sido reparado numa oficina de que esse depoente era o dono), justificação essa que não foi abalada pelo conjunto de provas circunstanciais apresentadas pelos instrutores dos processos disciplinares e que não são suficientes para demonstrar a sua falta de verdade ou até de verosimilhança.
Acresce que ninguém viu esse trabalhador da Ré transportar o equipamento em causa dessas instalações para as da Autora e destas para as primeiras - tal como ninguém questionou as lesões físicas de que alegou padecer e que, em condições normais, seriam um efectivo obstáculo intransponível à concretização desse transporte (e ninguém mencionou se o concreto pedestal de suporte de câmara, com cerca de um metro e meio de altura que “apareceu” nas instalações da Ré tinha ou não rodas que facilitassem a sua movimentação, tal como, curiosamente, ninguém se lembrou de requerer uma acareação entre AF e as testemunhas arroladas pela Autora).
Por muito consistente, pormenorizado e até coerente, segundo uma certa perspectiva, que tenha sido o depoimento de AF - que o foi -, não é possível num processo judicial leal e não preconceituoso (fair and unbiased) condenar alguém com tão pouca prova; nem sempre o que parece lógico corresponde à realidade ou verdade dos factos e os julgamentos por convicção são sempre perigosos - a título de mero exemplo, atente-se no depoimento fortemente opinativo (para ser brando com as palavras) de JG.
A circunstância de, um ano antes (em 2006), JM ter questionado a possibilidade de cedência/empréstimo de um determinado tipo de material ao sócio gerente da Autora, - especialmente porque, também nessa altura, não foi comprovado que aquele tenha levado ou trazido qualquer material das instalações da Ré para as das Autora e destas para as primeiras -, não permite concluir que aquele levou consigo, sem estar devidamente autorizado, esses bens pertencentes à Ré, muito menos que tenha voltado a proceder do mesmo modo em 2007 (com a agravante de, desta vez, não ter devolvido esse material ao lugar de onde o retirou).
Outrossim, quer MF quer CV não presenciaram qualquer facto, tendo tão só recolhido relatos do que eventualmente se poderá ter ou não passado.
Ora, porque essas declarações produzidas no processo de inquérito ordenado pela Ré não foram, no que é essencial e relevante, reproduzidas e/ou confirmadas na audiência de discussão e julgamento realizada no processo, como o tinham de ser - desconhecendo-se porque não o foram -, tais depoimentos indirectos (ou de ouvir dizer, para traduzir a correspondente expressão na língua inglesa) prestados por essas duas testemunhas não podem ser valorados nos presentes autos.
E, insiste-se, também essa não foi a prova produzida nos processos judiciais em que foram proferidos os sentenciamentos cujas cópias constituem fls 263 a 307 e 363 a 392 do presente processo.
Ainda assim, à luz de tudo o que agora se expôs e também por razões de coerência formal da lógica discursiva deste trecho da decisão do Tribunal de 1ª instância, torna-se patente que a resposta dada ao número 55º da Base Instrutória padece de um mais do que evidente lapso de escrita, devendo passar a constar a expressão “nas instalações da onde a fls 453 e na sentença recorrida se escreveu “nas instalações da autora.
4.3.7. Estes raciocínios aplicam-se também ao que foi perguntado nos números 8º e 15º.
A este propósito, é importante sublinhar que os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora não foram totalmente peremptórios - e em boa verdade não o poderiam ser uma vez que não são detentores do capital social dessa demandante ou responsáveis pela sua gestão - acerca da titularidade desta sobre o material técnico utilizado para a produção dos três episódios da última série do programa “DV”.
Daí que não possa ser integralmente mantida a resposta dada em 1ª instância ao primeiro desses números, que terá de passar a ser mais vaga e menos inequívoca, mas sendo esses depoentes suficientemente claros quanto à matéria do 15º.
E, sem margem para dúvidas, os seus depoimentos foram consistentes e merecedores de credibilidade quanto ao que relataram.
Em conformidade, relativamente aos números da Base Instrutória agora analisados, as respostas aos 8º e 55º passarão a ser as a seguir enunciados, mantendo-se inalteradas as demais:
a) ao 8º: Provado apenas que a maior parte do material técnico utilizado para a produção dos três referidos episódios era da propriedade da autora ou foi por esta obtido de empresas de cedência de equipamento;
b) ao 55º: Provado que o equipamento referido em 49º tem as mesmas características do que desapareceu nas instalações da ré;
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.3.8. Passando ao escrutínio das respostas dadas ao perguntado nos números 20º a 22º, 25º, 26º e 31º a 34º da Base Instrutória, deve referir-se que está em causa, acima de tudo, uma questão de semântica.
As empresas em referência eram patrocinadores do programa ou apoiantes da produção?
Os “cartões” que surgem no final do programa são ou não publicidade? Ou serão, tão só, para usar as palavras de mais do que uma das testemunhas arroladas pela Ré (nomeadamente CV), cartões de apoio à produção?
Inegavelmente, a cortesia que essas empresas pretendiam obter quando acordaram pagar quantias ou prestar serviços ou realizar actividades a favor da Autora era a de ver os seus nomes aparecer durante um lapso de tempo, ainda que curto, em emissões da televisão pública portuguesa, mais concretamente na R3.
E se esse, em boa verdade, tempo de antena (expressão do Tribunal que não das testemunhas) fosse obtido a um custo inferior àquele que essas empresas teriam de suportar se contratassem com a Ré a ocupação desse espaço de emissão como publicidade paga, tanto melhor.
Tanto melhor para essas sociedades, claro. E para a Autora, se esta terceira série contratada com a Ré tivesse sido emitida na sua totalidade.
Se tal pode ou não consistir numa tentativa de contornar regras legais inerentes à publicidade é algo lógica e ontologicamente distinto de tal “fazer sentido”.
Mas o texto das perguntas e acima de tudo o das subsequentes respostas é suficientemente ambivalente para dar plena cobertura à realidade material – à factualidade – que indesmentivelmente resultou demonstrada face aos elementos de prova, em primeira linha a documental, carreados pela Autora para estes autos; essas empresas, salvo o “M" que é claramente definido como “patrocinador principal” (v. resposta ao número 18º da Base Instrutória, que, sublinha-se, não foi posta em causa pela Ré), são designadas como entidades apoiantes da produção do programa.
E, porque a série não foi emitida, esse patrocinador e esses apoiantes da produção do programa não procederam aos pagamentos acordados com a Autora (cujos valores não foram apurados, exactamente porque, nessa parte, nada ficou provado para além de qualquer dúvida razoável) e a IA exigiu o pagamento da quantia correspondente à transformação em “carro de exteriores” do veículo adquirido por aquela demandante à empresa S.
4.3.9. Finalmente, não existe qualquer real contradição entre as respostas dadas, por um lado, ao perguntado no número 20º da Base Instrutória, e, por outro, aos números 31º a 34º dessa peça processual já que com as mesmas se quis clarificar as diferentes formas que assumiram esses apoios, sendo os das entidades referenciadas naquela primeira resposta em dinheiro e o da IA numa prestação de facto, a saber: o trabalho correspondente à já aludida transformação em “carro de exteriores” do veículo adquirido por aquela demandante à empresa S.
E essa diferenciação, para além de, como não podia deixar de ser, corresponder à efectiva prova produzida pelas testemunhas apresentadas pela Autora em conjugação com os documentos de fls 59 a 66, 309 e 310, e com a ficha técnica do programa (disponível em ...), constitui uma organização lógica do discurso justificador do Juiz do processo que é absolutamente conforme ao que é expectável da leal ponderação de um normal, diligente e não preconceituoso bom pai/mãe de família.
Em síntese, também quanto às respostas dadas ao perguntado nos números 20º a 22º, 25º, 26º e 31º a 34º da Base Instrutória, este Tribunal Superior sufraga a fundamentação expressa a fls 456 e 457 dos autos, referente a tais respostas criticadas pela Ré, o que significa que nenhuma razão existe para as alterar.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.3.10. Nesta conformidade e com os fundamentos expostos, não obstante as conclusões 4 a 28 das alegações de recurso da apelante Ré serem, no essencial, globalmente improcedentes, impõe-se, em síntese, decretar que:
1 - se mantém inalteradas as respostas aos números 15º (aqui só a pergunta merece alteração, para correcção do evidente lapso de escrita, o qual, porém, não contaminou a resposta), 20º a 22º, 25º, 26º, 31º a 34º e 49º a 51º da Base Instrutória;
2 - as respostas aos números 8º e 55º da Base Instrutória passam a ter a redacção enunciada no ponto 4.3.7. do presente acórdão e que aqui se dá por reproduzida (mantendo-se igualmente a correcção feita no ponto 3. deste aresto à resposta ao número 7º daquela peça processual).
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.4. A Autora tem ou não o direito a ser indemnizada pela resolução operada pela Ré do contrato celebrado entre ambas que está em causa nos autos e, em caso afirmativo, a que danos se reporta e qual é o valor dessa indemnização?
4.4.1. Estando definitivamente fixada a única matéria de facto que pode servir de fundamento à decisão material do pleito, urge proceder à subsunção da mesma nos comandos legais aplicáveis à resolução do litígio, sendo certo que, face ao decretado no ponto 4.2. do presente acórdão, este Tribunal Superior, para além do decidido em 1ª instância, irá apreciar se é ou não devida à Autora uma indemnização - e, se sim, em que montante – pelo cancelamento de espectáculos já agendados ou em preparação do cantor/autor de nome artístico “PB” agenciados por essa sociedade demandante.
O que se fará de imediato.
4.4.2. A questão fulcral desse julgamento é a de saber se a Ré logrou provar que a denúncia do alegado furto de material corresponde a uma materialidade concreta que ocorreu na realidade dos factos e se a factualidade provada neste processo é ou não idónea para dar a essa demandada o direito a resolver, com justa causa, o contrato que firmou com a Autora.
E, consoante a resposta dada a essas perguntas, assim terá a demandante ou não o direito a ver reconstituída na sua esfera jurídica a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil).
Para o Mmo Juiz a quo - e, claro, para a Autora – a Ré não satisfez esse ónus de prova a que estava vinculada, sustentando essa sociedade, obviamente, a opinião inversa.
Mas sem razão, como adiante se justificará.
Todavia, antes de prosseguir, importa clarificar que, a ter ficado provado que a Autora estava a produzir os episódios da série “DV” servindo-se de empregados/trabalhadores subordinados da Ré e/ou (porque bastava uma dessas duas situações) que, para esse fim ou um qualquer outro, havia furtado (mesmo que apenas na modalidade de furto de uso) material técnico pertencente a essa demandada, pelas razões expostas no ponto 4.2. do presente acórdão, este Tribunal Superior nunca poderia deixar de considerar que aquela demandante havia violado o exacto dever acessório de actuação de acordo com os ditames da boa fé e da lealdade negocial tal como estes são concebidos e postos em prática por um diligente bom pai/mãe de família ou declaratário normal colocado na posição do real declaratário, logo que havia incorrido em cumprimento defeituoso da prestação a que contratualmente se havia vinculado para com a Ré.
E, se assim fosse, então a rescisão do contrato dos autos teria sido devidamente fundamentada e lícita e seria a Ré e não a Autora a entidade com direito a peticionar e a obter em Juízo a condenação do incumpridor no pagamento da indemnização devida pelos prejuízos resultantes da cessação dos efeitos do negócio entre elas firmado (artºs 432º, 798º, 799º e 801º do Código Civil).
4.4.3. Mas, realmente, tal como resulta com meridiana clareza da matéria de facto enunciada nos pontos 2. e 4.3. do presente acórdão, a Ré não logrou provar neste processo, tal como já havia acontecido nos autos que correram termos no Tribunal do Trabalho de L... (1ª secção do 4º Juízo desse Tribunal) e numa das Varas Cíveis de L... - este último com sentença confirmada por acórdão da 8ª secção do Tribunal da Relação de L... -, que a Autora e as demais pessoas a quem esse facto foi imputado praticaram o crime de furto que foi invocado como fundamento para justificar a rescisão do contrato firmado entre as partes.
Tal como não conseguiu essa Ré provar que na produção dos episódios da 3ª série do programa denominado “DV” (e que antes se chamava “DV”) estavam a trabalhar seus empregados sujeitos a vínculo laboral.
E, de acordo com as regras de repartição do ónus de prova consagradas no art.º 342º do Código Civil, era a essa demandada que competia demonstrar, devendo fazê-lo para além de qualquer dúvida razoável (idem, art.º 346º), a ocorrência desses factos por si alegados, que constituem a essência fundadora ou constitutiva do direito que queria exercer, a saber: o direito à resolução lícita do contrato por verificação de justa causa.
O que basta para que se conclua, como este Tribunal Superior faz, sufragando essa parte da sentença recorrida, que a resolução do contrato dos autos operada pela vontade unilateral da Ré é ilícita por não fundamentada nem legalmente motivada.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.4.4. Prosseguindo a apresentação da fundamentação de direito do decreto judicial deste aresto, cabe referenciar que é inequívoco que o negócio jurídico firmado entre as partes assume a natureza de contrato de empreitada (art.º 1207º do Código Civil), não existindo, aliás, qualquer divergência entre as litigantes a propósito dessa qualificação, que é também a reconhecida pelo Tribunal recorrido.
E porque assim é, não se mostra necessário, até porque inútil, por dilatório e impertinente, tecer neste acórdão qualquer argumentação justificativa dessa tão clara e notória evidência (no sentido clássico do termo e não o novel provavelmente decorrente de uma questionável tradução do termo inglês evidence, que significa prova ou às vezes também indício) - artºs 660º n.º 2, 137º e 265º do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e 608º n.º 2, 130º e 6º do Código aprovado por essa Lei Preambular -, tudo isto sendo certo que, no mesmo sentido simplificador, aponta também o Princípio ou Lei da Parcimónia (Lex Parsimoniae ), princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu no século XIV, e que, por essa razão é, igualmente conhecido como Navalha de Ockham e que é enunciado nos seguintes termos: "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade), sendo aqui essas “entidades” os passos lógicos entre a constatação dos factos e a sua subsunção nos normativos legais reguladores da situação em análise.
Nesta conformidade e pese embora aqui não se depare uma situação de cumprimento defeituoso da obra ou da entrega de uma obra com defeitos, mas sim, e pelo contrário, a verificação de um incumprimento por parte do dono da obra, em primeira linha, a resolução do litígio terá de ser encontrada a partir da previsão/estatuição das normas que regulam esse particular tipo de contrato e, mais exactamente, a cessação dos seus efeitos (art.º 1229º do Código Civil).
Ora, efectivamente, tratando-se de uma resolução infundada, logo ilícita, do contrato, a declaração emitida pela Ré só pode mesmo ser configurada como - ou pelo menos equiparada a - uma desistência da empreitada já que foi esta demandada que, unilateralmente e sem que as partes já produzidas da obra ostentassem qualquer defeito, quis pôr fim ao contrato, invocando para tanto a ocorrência de factos cuja veracidade não conseguiu demonstrar, situação que faz nascer na esfera jurídica da desistente a obrigação de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.
Todo o proveito, sublinha-se, embora a esta obrigação de indemnizar se apliquem, como não podia deixar de ser, as regras contidas nas disposições normativas dos artºs 562º a 564º e 566º do Código Civil, maxime que existe um nexo de causalidade adequada entre o facto gerador da lesão e os concretos prejuízos cujo ressarcimento é peticionado.
Porém, de acordo com as regras de repartição do ónus de prova consagradas no art.º 342º do Código Civil a que antes se aludiu, é agora a essa demandante que compete provar, novamente, devendo fazê-lo para além de qualquer dúvida razoável (idem, art.º 346º), a existência desse nexo de causalidade - tal como e nos mesmos moldes, a extensão desses danos que por ela foram invocados.
O que, no que respeita ao pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos sofridos pela Autora em virtude do cancelamento de espectáculos por esta contratados do cantor e seu sócio gerente, significa ter de provar a ligação entre a publicação das notícias originadas por informações prestadas pela demandada acerca do furto de equipamento técnico a esta pertencente e os cancelamentos de espectáculos descritos na petição inicial.
4.4.5. Começando pelos prejuízos já apreciados em 1ª instância, este Tribunal Superior não pode deixar de sufragar a posição assumida na sentença recorrida, contra a qual a Autora nada objectou e cujo conteúdo não foi nem sequer minimamente beliscado pelas críticas formuladas pela Ré em sede de recurso, e que está consubstanciada no seguinte texto:
“No caso dos autos, a autora pede uma indemnização de 185 500€, correspondente à diferença entre 393 500€ – que alegadamente deixou de receber a título de preço e de patrocínios e apoio à produção – e os 208 000€ que suportaria pelos custos de produção dos 13 programas (à razão de 16 000€ cada um).
Sucede que a autora não provou, por um lado, que tivesse apoios de todas as entidades que invocava e, por outro, não provou qual o valor de custos de produção de cada um dos programas.
Pelo que face ao disposto no artº 661º nº 2 do CPC, o tribunal apenas pode condenar a ré a indemnizar a autora em quantia a liquidar posteriormente nos termos do artº 378º nº 2 do CPC (Cf. Ac. do STJ, de 23/10/2008, Salvador da Costa, www.dgsi.pt).
… Essa liquidação da indemnização, terá como pressuposto, por um lado, que se apurou que a ré não pagou o preço de 11 dos 13 programas, no valor de 22 000€, a autora não recebeu 82 500€ do patrocinador M, devolveu 80 000€ de patrocínio da IA, não recebeu patrocínios da D em valor não apurado, não recebeu patrocínio da C em quantia não apurada; quanto aos alegados patrocínios da H, não podem ser considerados para efeitos de indemnização, dado que se apurou que a H fez cessar o contrato de patrocínio em data anterior; bem como não podem ter-se em consideração patrocínios de outras entidades que a autora invocava, porque não se provaram; por outro lado, terá de ter-se em conta o custo com a produção de cada programa, igualmente em valor não apurado. A diferença entre o valor que a autora receberia a título de preço e de patrocínios e apoios e o custo da produção dos programas será o valor de indemnização da autora a suportar pela ré. ...” (sic - fls 498).
Na verdade, a matéria de facto que resultou provada neste processo permite que facilmente se conclua que a resolução do contrato foi a causa directa e necessária do não pagamento do preço, que foi acordado entre as partes, de 11 dos 13 programas da série “DV”, bem como do não recebimento por parte da Autora das quantias que o “M”, a IA, a D e a C aceitaram pagar a essa demandante a título de contrapartida pela exibição, aquando da emissão televisiva de tais programas, de cartões publicitários relativos a essas empresas e, no que respeita a uma delas, a exibição de sinais publicitários no veículo transformado em “carro de exteriores”, sendo para o efeito totalmente irrelevante que se atribua a essas contrapartidas ou contribuições o nome de “patrocínios”, “ajudas à produção” ou uma qualquer outra, bem como que esses valores negociados entre a “P, LDA” e essas entidades sejam completamente desconformes com os preços de publicidade praticados pela Ré, pois não compete a esta demandada interferir na execução de acordos negociais nos quais não é parte contraente.
E porque assim é, nada mais resta a não ser manter, agora em sede de instância de recurso, o conteúdo desse decretamento.
O que aqui e agora se faz.
4.4.6. Resta, então, definir se é ou não devida à Autora uma indemnização pela perda dos lucros que iria obter com a realização dos concertos do cantor/autor de nome artístico “PB”, que foi gerente dessa sociedade, que foram expressamente identificados na petição inicial.
Ora, a este propósito, como já antes foi evidenciado no presente acórdão, é indispensável sublinhar, de forma muito vincada, que a Ré não impugnou as respostas dadas em 1ª instância ao perguntado nos números 41º, 43º e 45º da Base Instrutória nos quais se estabelece, de modo claro e inequivocamente, o necessário nexo causal entre a divulgação da notícia que relacionava a demandante com o furto de equipamentos pertencentes à demandada e o cancelamento desses espectáculos, uns já agendados e outros ainda em preparação, tal como na resposta ao número 40º dessa peça processual se estabelecia que foi a Ré a “origem” dessa notícia.
Nestas condições e sempre ao abrigo do estatuído nos artºs 1229º, 562º a 564º e 566º do Código Civil, torna-se inevitável a condenação da Ré no pagamento à Autora de uma indemnização por mais este prejuízo que esta segunda sofreu como consequência directa e necessária da conduta da primeira.
Acontece, porém, que a lesada não carreou para o processo qualquer prova acerca das dimensões desse prejuízo - nenhuma.
Deste modo, não pode esta Relação, nem sequer fazendo uso da faculdade que lhe é atribuída pelo n.º 3 daquele art.º 566º, fixar esse valor indemnizatório, antes tendo de relegar a quantificação desse montante para o que vier a ser liquidado em execução de sentença (art.º 661º n.º 2 do CPC revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e 609º n.º 2 do Código aprovado por essa Lei Preambular), o qual, porém, nunca poderá ultrapassar a quantia de € 371.250,00 peticionada no articulado inicial desta acção declarativa.
4.4.7. E, pelo exposto, julgam-se improcedentes as conclusões 29 a 52 da apelante Ré e, consequentemente:
a) confirma-se e mantém-se o decreto judicial condenatório prolado em 1ª instância através da sentença recorrida; e
b) condena-se ainda a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente aos lucros que essa empresa deixou de obter mercê do cancelamento dos espectáculos do artista “PB” referidos nos números 43º, 45º e 47º (respectivamente, respostas ao perguntado nos números 41º, 43º e 45º da Base Instrutória) do ponto 2. do presente acórdão.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
*
5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4 do presente acórdão, julga-se procedente a apelação interposta pela Autora e, no que é essencial, improcedente a apelação interposta pela Ré, e em consequência:
i) declara-se que a sentença recorrida não é nula;
ii) revoga-se a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora a perceber a indemnização correspondente aos prejuízos que sofreu em consequência do cancelamento de espectáculos do artista “PB”, decretando-se, em sua substituição, que esse direito não se encontra prescrito;
iii) corrigem-se oficiosamente, nos seguintes termos, os lapsos de escrita cometidos nas respostas aos números 7º e 55º da Base Instrutória:
- no 7º: «Provado que a autora produziu 3 episódios, sempre acompanhados por um delegado nomeado pela ré»,
- no 55º: «Provado que o equipamento referido em 49º tem as mesmas características do que desapareceu nas instalações da »;
iv) mantêm-se inalteradas as criticadas respostas dadas ao perguntado nos números 15º (só a pergunta merecia ser alterada), 20º a 22º, 25º, 26º, 31º a 34º e 49º a 51º da Base Instrutória;
v) altera-se a resposta ao perguntado no número 8º da Base Instrutória, a qual passará a ter a seguinte redacção: «Provado apenas que a maior parte do material técnico utilizado para a produção dos três referidos episódios era da propriedade da autora ou foi por esta obtido de empresas de cedência de equipamento»;
vi) para além do montante já fixado na sentença recorrida e que aqui se mantém e confirma, condena-se também a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente aos lucros que essa empresa deixou de obter mercê do cancelamento dos espectáculos do artista “PB” referidos nos números 43º, 45º e 47º (respectivamente, respostas ao perguntado nos números 41º, 43º e 45º da Base Instrutória) do ponto 2. do presente acórdão.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, as quais se fixam provisoriamente em 9/10 para a Ré e 1/10 para a Autora.
Lisboa, 26/11/2013
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(Eurico José Marques dos Reis)
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(Ana Maria Fernandes Grácio)
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(Afonso Henrique Cabral Ferreira)
Decisão Texto Integral: