Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO CESSÃO DE CRÉDITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/27/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | –O direito de retenção apresenta como pressuposto para o seu exercício a detenção lícita de uma coisa. –Nada impõe uma transmissão simultânea do direito de crédito (cedido) e do direito de retenção, não se impedindo que o direito de retenção seja transmitido depois da cessão do crédito, desde que este também o seja ou tenha sido (cedido ou transmitido). (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: C. LDA instaurou acção declarativa, com processo comum, contra LF e B., pedindo que: a)-O 1º R. seja condenado a pagar à A. o montante de € 433.397,04, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas legais em vigor para as obrigações comerciais, os primeiros no valor de €36.971,98 e os segundos desde a presente data até integral pagamento; b)-Ser reconhecido à A. o direito de retenção sobre o imóvel dos presentes autos, como garantia de pagamento do valor do seu crédito peticionado em a). Alegou, em síntese, que entre a firma VFR e o 1º R. foi celebrado um contrato de empreitada, pelo preço de € 320.000,00+IVA, tendo por objecto a construção de uma moradia sita na Herdade A. onerada com três hipotecas constituídas a favor da 2ª R. Mais alegou que este imóvel foi entregue a VFR em 01/04/2012, tendo sido elaborada uma proposta de trabalhos a mais no valor de € 146.189,15, aceite pelo 1º R., tendo a referida firma realizado os trabalhos previstos incluindo os trabalhos a mais, elaborando conjuntamente com este R. os respectivos autos de medição, e remetendo-lhe facturas no valor dos referidos trabalhos, e de custos suportados pela VFR, mas imputados ao 1º R., e que tendo cedido os referidos créditos à A. em 04/04/12 e efectuada essa comunicação em 30/04/2012, o 1º R. não procedeu ao seu pagamento. Alegou, ainda que a VFR, comunicou ao 1º R. a suspensão da empreitada por falta de pagamento destes facturas e, com a cedência do crédito, a retenção da obra pela A. Por último alegou que em 02/01/2014 a VFR entregou o prédio à A. onde esta se encontra desde então, pelo que tem direito à retenção do mesmo até ser ressarcida do seu crédito. O 1º-R. não contestou, tendo apresentado procuração. O 2º-R. contestou alegando que por escritura pública de 12/03/2009, emprestou ao 1º R. a quantia de € 145.000,00 para aquisição de lote de terreno para construção, com constituição de hipoteca a seu favor e que na mesma data celebrou um contrato de mútuo com hipoteca, fiança e mandato, no valor de € 405.000,00 de capital, com nova constituição de hipoteca, tendo o mutuário utilizado o valor total mutuado e que celebrou um terceiro contrato de mútuo com o 1º R. no valor de € 27.000,00, igualmente com constituição de hipoteca e que estes se encontram sem indicação de incumprimento. Mais alegou que a A. não foi investida na posição de empreiteira e apenas lhe foi conferido o direito de exigir, em regime de cobrança em outsourcing de gestão e tesouraria, recebendo para o efeito uma remuneração, tendo sido mandatada apenas para cobrar os créditos alegadamente cedidos. Invoca assim a ilegitimidade activa da A., mais considerando que este direito de retenção constitui um acessório do crédito mas inseparável da pessoa do cedente, não tendo sequer a A. a efectiva posse sobre o bem retido. Por despacho proferido em 01/06/2015 foi admitido B1 a intervir na posição detida por B.. Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: a)-Condenou o 1º R. a pagar à A. o montante de € 433.397,04, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas legais em vigor para as obrigações comerciais, os primeiros no valor de € 36.971,98 e os segundos desde a presente data até integral pagamento; b)-Absolveu o 1º R. do demais peticionado. c)-Absolveu o 2º R. do pedido. Inconformada, interpôs a autora competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma: 1.–A cessão de créditos dos autos é uma cessão de créditos futuros, porque feita antes da celebração do contrato de empreitada e de o empreiteiro ser credor do 1º R., dono da obra, sem que, contudo, a lei o impeça (cf. artigo 399º do Código Civil). 2.–A transmissão jurídica dos créditos cedidos pelo empreiteiro (cedente) à A. (cessionária) ocorre quando aquele os adquire (cf. artigo 408º, nº 2, do Código Civil), à medida que os trabalhos são executados, medidos e facturados. 3.–Sem prejuízo, a cessão de créditos é eficaz face ao 1º R. desde 30.04.2012, quando o empreiteiro lho comunicou (cf. artigo 583º do Código Civil). 4.–O direito de retenção que coubesse ao empreiteiro no âmbito da obra dos autos foi também transmitido à A., conforme decorre da cláusula 5ª do contrato de cessão de créditos, conjugado com o artigo 582º do Código Civil. 5.–No caso dos autos, a constituição do direito de retenção a favor do empreiteiro e a sua transmissão à A. ocorre nos mesmos termos da cessão de créditos: o direito de retenção nasce na esfera jurídica do empreiteiro quando ele recebe do 1º R. a obra (01.04.2012 – facto 8) e inicia, ao abrigo do contrato de empreitada, a execução dos trabalhos (01.06.2012 – factos 1 e 2), transmitindo-se, por força da cláusula 5ª do contrato de cessão de créditos conjugada com o artigo 760º do Código Civil, nesse momento para a A.. 6.–Quando, em 14.01.2014, é comunicado ao 1º R. a suspensão dos trabalhos e a retenção da obra pela A., ou seja, quando o direito de retenção é exercido – o que não se confunde com o momento em que ele é constituído e transmitido –, a obra já havia sido entregue pelo empreiteiro à A.: no início de Janeiro de 2014 (factos 18 a 21 e 23). 7.–O artigo 760º do Código Civil apenas diz que o «direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante», tendo por fim somente evitar que se transmita o direito de retenção sem o crédito respectivo, sem impor qualquer momento temporal para a transmissão do direito de retenção, designadamente qualquer simultaneidade entre a cessão de créditos e a transmissão do direito de retenção, e sem impedir que o direito de retenção seja transmitido depois da cessão do crédito, desde que este também o seja ou tenha sido (cedido ou transmitido). 8.–O factor tempo, influenciando determinantemente o cumprimento, pelas partes, do contrato de empreitada, obriga a que o empreiteiro, para poder executar os trabalhos, tenha que estar na coisa onde os trabalhos decorrem, ou seja, juridicamente, tenha que detê-la, sob pena de não poder cumprir o contrato de empreitada e inutilizar a cessão de créditos, porque a falta de execução da obra impede o pagamento do preço. 9.–Por essa razão o empreiteiro manteve a obra em seu poder, apenas para poder cumprir o contrato de empreitada, sem que tal detenção seja juridicamente oponível à A. (cessionária) ou ao 1º R. (cedido e dono da obra). 10.–Assim, a especificidade do contrato de empreitada, no âmbito da cessão de créditos do empreiteiro a terceiro, com o direito de retenção da obra, está na necessária coordenação e concordância que, entre o empreiteiro e o terceiro (cessionário), tem que existir, de modo a que o empreiteiro possa ceder créditos futuros a terceiros e cumprir o contrato de empreitada e o cessionário possa receber o seu crédito com todas as garantias associadas, designadamente o direito de retenção, precisamente decorrente do cumprimento do contrato pelo empreiteiro cedente. 11.–O raciocínio do Tribunal recorrido adequa-se perfeitamente ao incumprimento definitivo das obrigações do credor perante devedor retentor, mas não ao caso dos autos, de mora do 1º R. no cumprimento das suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada: é, ao invés, a tese exposta que, tutelando todas as situações, permite que o contrato de empreitada possa ainda ser cumprido pelo próprio devedor empreiteiro – uma vez cessada a mora do credor cedido –, que o cessionário A. não fique prejudicado no exercício dos seus direitos (desde logo do direito de retenção) contra o cedido dono da obra e 1º R. e que este mantenha todos os direitos contra aqueles decorrentes do contrato de empreitada e da cessão de créditos, o que ganha ainda contornos mais relevantes quando coisa objecto da retenção é a coisa objecto mediato da prestação do devedor empreiteiro e quando quem incumpre as suas obrigações é o próprio credor dono obra. 12.–Por fim, o facto de ter sido o empreiteiro cedido a comunicar a retenção da obra ao 1º R. é irrelevante para a decisão da causa, uma vez que, sobretudo, ficou provado que o direito de retenção foi exercido pela própria A., através do empreiteiro (docs. 21 e 23 da PI), e não por este, já que o empreiteiro limitou-se a comunicar ao 1º R., pela A., o exercício de um direito desta, quando lhe diz que quem retém a obra é a própria A., e depois da A. receber do empreiteiro a obra dos autos (factos 18 a 21 e 23), mediante comunicações efectuadas pelo empreiteiro com a concordância da A. (facto 22), o que juridicamente tem como efeito provar-se que tal decorreu com indicação, através da transmissão da declaração negocial, autorização, por representação ou mandato, ou aprovação, por gestão de negócio ou representação sem poderes, da A., fazendo com que, no plano dos efeitos jurídicos, todos estes casos equivalham e garantam a eficácia do exercício do direito da A.perante o 1º R., dono da obra. 13.–Assim, o Tribunal recorrido, ao não reconhecer o direito de retenção da A. contra o 1º R., dono da obra, violou o disposto nos artigos 582º e 760º do Código Civil, conjugado com a cláusula 5ª do contrato de cessão de créditos e à luz dos factos acima mencionados dados por provados. Nestes termos, e nos demais de Direito que V.Exa. doutamente suprirá, deverá o recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença na parte recorrida, julgando-se procedente, contra os RR., o segundo pedido formulado pela A. na PI, Só assim se fazendo JUSTIÇA!’’ Foram oferecidas contra-alegações por B 1 em que pugna pela confirmação do julgado. A única questão decidenda consiste em saber se a recorrente goza do direito de retenção sobre o prédio do 1.º réu e, em caso afirmativo, se tal direito é oponível ao devedor/dono da obra e ao credor hipotecário. São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau: 1-Na sequência de negociações iniciadas com o R. em Janeiro de 2012 e de proposta da VFR, em 01.06.2012 esta e o R. outorgaram um acordo que designaram por contrato de empreitada. 2-Por esse acordo, a VFR obrigou-se perante o R. a executar os trabalhos de construção civil de uma moradia sita na Herdade A correspondente ao prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº…, da freguesia de Charneca de Caparica, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Charneca da Caparica sob o artigo…. 3-Contra o recebimento pelo R. do preço de € 320.000,00 (trezentos e vinte mil euros), acrescido de IVA, de acordo com a lista de preços unitários anexa ao contrato de empreitada. (cf. cl. 4.ª do contrato de empreitada). 4-O regime de retribuição convencionado entre as partes no contrato foi a por série de preços, em que a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários previstos para cada espécie de trabalho a realizar às quantidades desses trabalhos realmente executadas. (cf. cl. 4.ª do contrato de empreitada) 5-Mais convencionaram as partes que os pagamentos seriam efectuados no dia 25 de cada mês, ou no primeiro dia útil seguinte, após o decurso do prazo de 7 dias contados da data de recepção do original da fatura do Empreiteiro na morada do R. (cf. Cl. 5.ª do contrato de empreitada) 6-Convencionaram ainda que os autos de medição dos trabalhos seriam elaborados conjuntamente e identificariam os preços unitários aplicáveis a cada espécie de trabalho, servindo, depois de aprovados, para emissão das respectivas facturas. (cf. Cl. 5.ª do contrato de empreitada) 7-As partes convencionaram ainda que os custos com energia eléctrica e abastecimento de água à obra seriam suportados pelo R. 8-O R. entregou à VFR o prédio referente à obra dos autos em 01.04.2012. 9-Em 13.02.2013, a VFR elaborou e apresentou ao R., a pedido deste, a proposta de trabalhos a mais de 146.189,15€, em relação aos inicialmente previstos na empreitada relacionados com o seu objecto, o que o R. aceitou. 10-A VFR realizou os trabalhos convencionados, incluindo trabalhos a mais, tendo elaborado conjuntamente com o R. os autos de medição respectivos. 11-Por conta dos referidos trabalhos contratuais e a mais, a VFR emitiu e remeteu ao R., que o recebeu por protocolo de entrega em mão própria, as seguintes facturas, sem as devolver ou das mesmas reclamar a qualquer título: (iv)-Factura n.º 50/2012, no valor de 74.999,99€, recebida pelo R. em 03/05/2012, vencida em 10/05/2012, referente ao auto n.º 1, de Abril de 2012, pelos trabalhos de movimentos de terras, betão, cofragem e armaduras, coberturas, impermeabilizações, drenagens e isolamentos, cantarias, caixilharia, revestimentos de paredes de tectos, pavimentos e rodapés, pinturas, carpintarias, equipamento sanitário, redes de água, gás, energia eléctrica, telecomunicações, sistema solar de aquecimento de águas sanitárias, sistema de pavimento radiante Vulcano, lareira, casas das máquinas e balneário, piscina, paisagismo; (v)-Factura n.º 61/2012, no valor de 28.293,85€, recebida pelo R. em 29/06/2012, vencida em 06/07/2012, referente ao auto n.º 2, de Junho de 2012, pelos trabalhos de movimentos de terras, betão, cofragem e armaduras, lareira, casas das máquinas e balneário, piscina, paisagismo; (vi)-Factura n.º 74/2012, no valor de 32.944,42€, recebida pelo R. em 31/07/2012, vencida em 07/08/2012, referente ao auto n.º 3, de Julho de 2012, pelos trabalhos de betão, cofragem e armaduras, coberturas, impermeabilizações, drenagens e isolamentos, redes de água, gás, energia eléctrica, telecomunicações, lareira, casas das máquinas e balneário, piscina, paisagismo; (vii)-Nota de Crédito n.º 11/2012, referente a acerto na factura n.º 74/2012, no valor de 6.277,56€, recebida pelo R. em 01/08/2012; (viii)-Factura n.º 91/2012, no valor de 27.645,06€, recebida pelo R. em 30/09/2012, vencida em 07/10/2012, referente ao auto n.º 4, de Setembro de 2012, pelos trabalhos de coberturas, impermeabilizações, drenagens e isolamentos, cantarias, pavimentos e rodapés, redes de água e gás; (ix)-Nota de Crédito n.º 12/2012, referente a acerto na factura n.º 91/2012, no valor de 5.275,78€, recebida pelo R. em 30/09/2012; (x)-Factura n.º 104/2012, no valor de 33.985,65€, recebida pelo R. em 30/10/2012, vencida em 06/11/2012, referente ao auto n.º 5, de Outubro de 2012, pelos trabalhos de coberturas, impermeabilizações, drenagens e isolamentos e caixilharia; (xi)-Factura n.º 1/2013, no valor de 10.967,63€, recebida pelo R. em 31/01/2013, vencida em 07/02/2013, referente ao auto n.º 6, de Janeiro de 2013, pelos trabalhos de revestimentos de paredes e tectos, pavimentos e rodapés e pinturas; (xii)-Factura n.º 16/2013, no valor de 13.732,41€, recebida pelo R. em 30/03/2013, vencida em 06/04/2013, referente ao auto n.º 7, de Março de 2013, pelos trabalhos de caixilharia, pavimentos e rodapés, rede eléctrica e telecomunicações, casas das máquinas e balneário; (xiii)-Factura n.º 22/2013, no valor de 23.466,14€, recebida pelo R. em 30/04/2013, vencida em 07/05/2013, referente ao auto n.º 8, de Abril de 2013, pelos trabalhos de movimentos de terras, pavimentos e rodapés, carpintarias, rede de águas, piscina, paisagismo, e outros; (xiv)-Factura n.º 23/2013, no valor de 16.959,99€, recebida pelo R. em 31/05/2013, vencida em 07/06/2013, referente ao auto n.º 9, de Maio de 2013, pelos trabalhos de coberturas, impermeabilizações, drenagens e isolamentos, pavimentos e rodapés, redes de gás e energia eléctrica, telecomunicações, sistema de pavimento radiante Vulcano; (xv)-Factura n.º 45/2013, no valor de 84.065,00€, recebida pelo R. em 31/10/2013, vencida em 07/11/2013, referente ao auto n.º 10, de Outubro de 2013, pelos trabalhos de caixilharia, revestimentos de paredes e tectos, pavimentos e rodapés, carpintarias, equipamento sanitário, redes de gás, água e energia eléctrica, telecomunicações, sistema solar de aquecimento de águas sanitárias, sistema de pavimento radiante Vulcano, lareira e outros; (xvi)-Factura n.º 46/2013, no valor de 97.600,16€, recebida pelo R. em 31/10/2013, vencida em 07/11/2013, referente ao auto n.º 1 de Trabalhos a Mais, de Outubro de 2013, Num total de 433.106,96€. 12-A VFR, através do seu colaborador, Nuno, suportou ainda os custos referentes ao consumo de energia eléctrica fornecidos pelos Serviços Municipalizados de Almada à obra, durante o período de 07/06/2010 até 06/07/2012, no valor de 290,08€. 13-A VFR emitiu e remeteu ao R. que a recebeu em 31/10/2013 por protoloco de entrega em mão própria, sem apresentar qualquer reclamação ou reserva, a factura n.º 44/2013, no valor de 290,08€, vencida em 07/11/2013, referente ao pagamento da energia eléctrica. 14-Em 04.04.2012, a VFR declarou em documento escrito, ceder à A. “todos os créditos, presentes e futuros, incluindo garantias, acessórios e juros de mora, de que é ou venha a ser titular sobre o cliente LF (…), no âmbito da execução da empreitada de construção civil de uma moradia sita na Herdade A, Charneca da Caparica, Almada, (…) para a Cessionária proceder, como titular dos créditos, à sua cobrança em outsourcing de gestão de tesouraria, remunerando-se quando a Cessionária receber os créditos cedidos, e na medida em que os receba, em 10% desse recebimento.” 15-Mais estipularam na clausula 3ª que “1.-A cessionária, a partir da celebração deste contrato de cessão, passará, como titular dos créditos cedidos, a executar em seu nome os procedimentos legais necessários para a cobrança dos créditos cedidos. 2.-Se o Cedente interpelar o devedor LF para pagamento dos créditos cedidos e este lho fizer, a Cedente entrega à Cessionária os valores recebidos em 10 dias, a contar da data do seu recebimento.” 16-Na clausula 5ª fizeram constar que “A Cedente entregará ainda à Cessionária todos os bens e obras que esteja a executar sempre que a Cessionária lho solicite para proceder à cobrança coerciva dos créditos cedidos.” 17-Por carta de 30.04.2012, a VFR comunicou ao R. a cessão de créditos referidos, informando-a que “a partir desta data devem considerar-se como cedidos à C. LDA:, de forma irrevogável todos os créditos presentes e futuros que a nossa empresa detém ou viera deter sobre V.Exas., pelo que todos os pagamentos devem ser efectuados para a conta com o NIB (…) de que aquela empresa é titular no Banco BIG…”. 18-Em 14.01.2014, a VFR remeteu ao 1º R., comunicação por carta registada com aviso de recepção, interpelando-o para o pagamento das facturas e nota de débito mencionadas no ponto 12, no valor de € 444.950,38, acrescidas dos respectivos juros de mora, no valor de € 29.901,66, mais referindo que o “pagamento imediato das referidas facturas já vencidas e dos respectivos juros de mora”, deveria ser feito à A. “a quem, em 2 de Janeiro de 2012, foram cedidos os créditos futuros emergentes de todos os contratos de empreitada celebrados ou por celebrar pela VFR, com todos os direitos acessórios, com excepção do direito de suspensão dos trabalhos e resolução do contrato que, assim, se manteve na esfera da Cedente. Por todos os factos expostos, se reitera a V. Exas. a comunicação de suspensão total dos trabalhos oportunamente transmitida a V. Exa. pela VFR, nos termos do disposto nos artºs 428º do Código Civil, bem como a retenção da obra pela C. LDA nos termos do artº 754º e ss. do mesmo diploma, a quem foi entregue a posse efectiva da obra, tudo enquanto não forem pagos os valores das facturas referidas e dos seus juros de mora.” 19-A VFR repetiu a mesma comunicação, novamente, em 29.01.2014, mediante carta registada com aviso de recepção. 20-A VFR remeteu ao 1º R. comunicação, acompanhada do cálculo dos juros de mora, por correio electrónico de 15.01.2014, 21-Ao qual o R. respondeu no mesmo dia: “Acuso a recepção do vosso e-mail, vou dar seguimento ao acordado junto da entidade bancária”. 22-Estas comunicações efectuadas pela VFR, foram feitas com a concordância da A. 23-No início de Janeiro de 2014 a VFR entregou à A. as chaves do imóvel sito na Herdade A. que as mantém até à data. 24-Por escritura pública de 12/03/2009, o 2º R. celebrou com o1º R. um denominado “Compra, Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança e Mandato”, pelo qual declarou emprestar ao 1º R. a quantia de € 145.000,00, que este declarou receber, destinada à aquisição de prédio urbano constituído por lote de terreno para construção, pelo prazo de 547 meses, pago em 547 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 2 seguinte à data da realização da escritura e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. 25-O 1º R. mutuário utilizou a totalidade da quantia mutuada. 26-Todas as quantias respeitantes ao pagamento desta quantia seria debitada através da conta de depósitos à ordem, a qual se obrigou a manter devidamente provisionada para o efeito. 27-Para garantia do bom cumprimento deste contrato, o 1º R. constituiu a favor do 2º R. uma hipoteca registada pela Ap. 972 de 2009/03/02 sobre o lote de terreno para construção sito na Herdade A. 28-Por escritura pública de 12/03/2009, o 2º R. celebrou com o1º R. um denominado “Mútuo com Hipoteca e Fiança e Mandato”, pelo qual declarou emprestar ao 1º R. a quantia de € 405.000,00, que este declarou receber, destinada à construção de edificação no lote de terreno acima referido, pelo prazo de 547 meses, pago em 547 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 2 seguinte à data da realização da escritura e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. 29-O 1º R. mutuário utilizou a totalidade da quantia mutuada. 30-Todas as quantias respeitantes ao pagamento desta quantia seria debitada através da conta de depósitos à ordem, a qual se obrigou a manter devidamente provisionada para o efeito. 31-Para garantia do bom cumprimento deste contrato, o 1º R. constituiu a favor do 2º R. uma hipoteca registada pela Ap. 960 de 2009/03/02 sobre o mesmo terreno para construção. 32-Por escritura pública de 26/03/2012, o 2º R. declarou igualmente mutuar ao 1º R. a quantia de € 27.000,00, que este recebeu no acto de escritura. 33-O mutuário utilizou a totalidade da quantia mutuada. 34-Para garantia do bom cumprimento deste contrato, o 1º R. constituiu a favor do 2º R. uma hipoteca registada pela Ap. 2017 de 2012/03/26 sobre o mesmo terreno para construção. Do Mérito. Ainda que na presente fase processual não constituam objecto de controvérsia, comecemos por recordar alguns tópicos com interesse para a apreciação do recurso. i)-O direito de retenção só existe quando o devedor estiver obrigado a entregar certa coisa e tenha um crédito que resulte de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados (artigo 754.ª CC). ii)-O direito de retenção permite, pois, a um determinado credor, obrigado a entregar certa coisa ao seu proprietário, reter essa coisa até à extinção da própria dívida. iii)-Constituem requisitos da figura: - que o respectivo titular detenha licitamente uma coisar: - que tenha de entregar essa coisa a outrem; - que seja credor desse outrem; - que entre o crédito e a coisa entregue haja uma relação de conexão. iv)-O direito de retenção é um direito real de garantia, com função coercitiva para coagir o devedor do detentor de uma coisa a cumprir a obrigação respectiva. v)-Já não se discute que o empreiteiro goza do direito de retenção sobre a obra em construção ou já construída. A tese negativa teve, na doutrina, em Antunes Varela, o seu expoente máximo: ‘’As despesas efectuadas pelo empreiteiro na execução da obra não são despesas por causa da coisa, visto que a coisa (obra realizada) ainda não existe, quando elas são construídas. Elas não são determinadasou provocadaspela coisa que se pretende reter, embora possam ser efectuadas para que a coisa (a obra) venha a existir’’ (Das Obrigações em Geral, Vol II, 4.ª ed: 563). Esta doutrina não deixou de influenciar um número considerável de arestos. A polémica encontra-se, porém, hoje praticamente encerrada, no sentido positivo (Júlio Gomes, ‘’Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…), Cadernos de Direito Privado, 11:18/19; Cláudia Madaleno, A Vulnerabilidade das Garantias Reais, 2008:241 e ss). Podemos agora e numa base mais sólida avançar para a análise do caso sujeito. Ficou provado que: -em 04.04.2012, VFR cedeu à A. os créditos, incluindo garantias, de que era ou viria a ser titular sobre o 1º R. no âmbito da execução da empreitada, e obrigou-se ainda a entregar-lhe a obra para a A. poder cobrar os créditos cedidos – factos 14 a 16; -Em 30.04.2012, VFR comunicou ao 1º R. a cessão de créditos à A. –facto 17; -Em 01.06.2012, VFR e o 1º R. celebraram um contrato de empreitada de bem imóvel – factos 1 e 2; -VFR executou os trabalhos contratados – facto 10; -Até Outubro de 2013, por conta desses trabalhos, VFR emitiu e enviou ao 1º R diversas facturas, correspondentes ao preço desses trabalhos ou a despesas tidas com a execução da empreitada – factos 11 a 13; -No início de Janeiro de 2014, VFR entregou à A. as chaves do imóvel dos autos, objecto da empreitada, que as mantém até à data – facto 23; -Em 14.01.2014, VFR interpelou o 1º R. para pagamento das facturas à data vencidas e comunicou-lhe, novamente, a cessão de créditos acordada com a A., bem como a suspensão da execução dos trabalhos e a retenção da obra pela A., a quem já fora entregue a obra, o que repetiu em 15.01.2014 e 29.01.2014 – factos 18 a 21; -Estas comunicações foram efectuadas por VFR com a concordância da A. – facto 22. Como alega a recorrente ‘’perante esta factualidade, o Tribunal recorrido entendeu existir, válida e eficazmente, um contrato de empreitada entre a VFR e o 1º R. e uma cessão de créditos entre a VFR e a A. oponível ao 1º R.. E entendeu também admissível a retenção da obra pelo empreiteiro, bem como pelo cessionário se a cessão de créditos acompanhar a transmissão do direito de retenção. Mas não reconheceu à A. cessionária, o direito de retenção do imóvel do 1º R. O não reconhecimento deste direito à A. decorre, segundo o Tribunal, não da não verificação dos pressupostos do direito de retenção mas do disposto no artigo 760º do Código Civil, a propósito da transmissão do direito de retenção, conjugado com a dissonância temporal e subjectiva da cessão de créditos (ocorrida em 04.04.2012) com a comunicação da retenção da obra (feita em 14.01.2014), transmitida pela VFR (cedente) e não pela A. (cessionária) ao 1º R. dono da obra’’. Dispõe o artigo 582.º, n.º 1: ‘’Na falta de convenção em contrário, a cessão de crédito importa a transmissão, para o concessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente’’ Sendo claro, à luz do nosso ordenamento, que o penhor e a hipoteca, por exemplo, possam ser cedidos sem o crédito (artigos 676.º e 727.º e ss) para garantia de outro crédito sobre o mesmo devedor, já o mesmo não acontece com o direito de retenção (artigo 760.º). Pires de Lima/A. Varela, na anotação a este último artigo, limitam-se a citar Vaz Serra: ‘’No que toca à transmissibilidade do direito de retenção, parece não haver dúvida em admiti-la, quando se der a transmissão do crédito: transmitido este, transmite-se com ele o direito de retenção , que não tem carácter exclusivamente pessoal . O que não podia aceitar-se seria a transmissão do direito de retenção, sem o crédito respectivo. O direito de retenção é concedido pela lei em atenção a particulares qualidades do crédito garantido por ele e não pode, por isso, ser desligado desse crédito para passar a assegurar outro qualquer’’ (est. cit., n.º 24) – (Código Civil, Anotado, Vol. I, 2.ª ed.:705). Para a compreensão dos diferentes regimes de transmissão das garantias é particularmente esclarecedor Jorge Ribeiro de Faria: ‘’Comecemos pelas garantias. Se, v.g. o cedente tiver o seu crédito garantido por uma hipoteca, e o ceder, o cessionário (a menos que se acorde numa outra coisa) terá o seu direito (o mesmo) também garantido por hipoteca (pela mesma hipoteca). Na garantia por penhor, sucede outro tanto. A coisa empenhada passa mesmo das mãos do cedente para o cessionário. Salvo se se encontrar em poder de terceiro, pois que, sendo assim, a coisa manter-se-á na posse deste (artigo 582.º, n.º 1). Mas suponhamos, agora, que o sapateiro ficou com os sapatos do cliente para garantia do preço do conserto. Será que, no caso do sapateiro ceder o seu crédito sobre o cliente a um terceiro, nessa transmissão vai contida a transmissão do direito de retenção (com a entrega ao terceiro dos sapatos apreendidos)? Vejamos. O direito de retenção é transmissível. Isto é, é transmissível o direito de o terceiro utilizar os sapatos para se pagar por um crédito. Só que este crédito tem que ser aquele por causa do qual os sapatos foram apreendidos. Isto quer dizer, dito por outras palavras, que se o sapateiro quiser que alguém mais possa utilizar os sapatos do cliente para garantia de um crédito, tem que lhe transmitir o crédito sobre esse cliente. Diz, na verdade, o artigo 760: ‘’O direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante’’. Mas se o direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante, daí o que não resulta é que a transmissão do crédito implique (de resto, o artigo é claro nesse sentido) a transmissão do direito de retenção. Haverá que dizê-lo expressamente: o que, aliás, bem se compreenderá, se se atentar na intima ligação do direito de retenção com a pessoa do credor originário’’ (Direito das Obrigações, Vol. II, 1990:53º ss; Antunes Varela, op. cit: 311 ss). A cessão de créditos do autos, da empreiteira para a autora é uma cessão de créditos futuros que a lei autoriza (artigos 211.º e 399.º) sendo que o crédito cedido, antes de passar para a esfera jurídica da cessionária, há-de passar antes pela esfera jurídica da empreiteira, à medida que os trabalhos forem executados, medidos e facturados (cf. cláusula 5ª do contrato de empreitada – doc. 2 da PI). A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (artigo 583.º, n.º 1). A sociedade empreiteira comunicou a cessão ao dono da obra em 30.04.2012, data a partir da qual aquela cessão se deve considerar eficaz em relação ao devedor. Em 04.04.2012, VFR e a autora celebraram entre si o ajuizado contrato de cessão de créditos nos termos do qual a primeira declarou ceder à A. “todos os créditos, presentes e futuros, incluindo garantias, acessórios e juros de mora, de que é ou venha a ser titular sobre o cliente LF (…), no âmbito da execução da empreitada de construção civil de uma moradia sita na Herdade A (…) para a Cessionária proceder, como titular dos créditos, à sua cobrança em outsourcing de gestão de tesouraria, remunerando-se quando a Cessionária receber os créditos cedidos, e na medida em que os receba, em 10% desse recebimento.” Mais estipularam, na cláusula 3ª, que “1.A cessionária, a partir da celebração deste contrato de cessão, passará, como titular dos créditos cedidos, a executar em seu nome os procedimentos legais necessários para a cobrança dos créditos cedidos. 2.–Se o Cedente interpelar o devedor LF para pagamento dos créditos cedidos e este lho fizer, a Cedente entrega à Cessionária os valores recebidos em 10 dias, a contar da data do seu recebimento.” Consta ainda da cláusula 5ª desse contrato que “A Cedente entregará ainda à Cessionária todos os bens e obras que esteja a executar sempre que a Cessionária lho solicite para proceder à cobrança coerciva dos créditos cedidos.” Como vimos, o direito de retenção é legalmente admissível desde que o crédito que ele garante também seja transmitido. As partes previram-no expressamente. Todavia, o direito de retenção é fundado na ligação específica do retentor com a própria coisa e não na obrigação que impende sobre o cedido de pagar o preço da obra. O direito de retenção apresenta como pressuposto para o seu exercício a detenção lícita de uma coisa. Como diz Júlio Gomes (op. cit: 19) ‘’é necessário deter para depois reter’’. Nada obriga a que a entrega da coisa seja simultânea com a transmissão do crédito. ‘’Designadamente, a lei não impõe uma transmissão simultânea do direito de crédito (cedido) e do direito de retenção. Nem impede que o direito de retenção seja transmitido depois da cessão do crédito, desde que este também o seja ou tenha sido (cedido ou transmitido)’’ e onde a lei não distingue… Sendo assim as coisas, atendendo às características da indivisibilidade, acessoriedade e realidade da garantia, não se nos afigura suficiente a mera transmissão do crédito para que o direito de retenção se torne efectivo. É ainda necessário a nosso ver a entrega corpórea da coisa retida ao novo titular. Ora, ‘’ficou provado que no início de Janeiro de 2014 a VFR entregou à A. as chaves do imóvel dos autos, objecto da empreitada, que as mantém até à data – facto 23 – e que em 14.01.2014, a empreiteira interpelou o 1º R. para pagamento das facturas à data vencidas e comunicou-lhe, novamente, a cessão de créditos acordada com a A.,bem como a suspensão da execução dos trabalhos e a retenção da obra pela A., a quem já fora entregue a obra , o que repetiu em 15.01.2014 e 29.01.2014 – factos 18 a 21’’ Quer isto dizer que quando o direito de retenção é exercido contra o 1º R., já a empreiteira tinha entregado a obra à A. O primeiro grau afirma ainda que ‘’sendo certo que o crédito existente tinha sido cedido à autora, não podia a VFR comunicar a retenção da obra, por terceiro que a não detinha , nem o disposto na cláusula 5:ª a legitimava a tal’’. Pensamos, contudo, que a comunicação, tal como a própria retenção pode ser exercida por auxiliares (cfr. v.g. facto 22). Disso não se terá apercebido o tribunal. O direito de retenção é oponível erga omnes, ergo aos réus. Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu os réus do pedido b), que se substitui por outro capítulo que julga procedente o pedido de reconhecimento do direito de retenção do autor sobre o ajuizado imóvel, como garantia de pagamento do valor do seu crédito peticionado. Custas pelo recorrido. Lisboa,27.04.2017 Luís Correia de Mendonça Maria Amélia Ameixoeira Rui Moura | ||
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