Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
Descritores: | DIREITO AO BOM NOME DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL LIBERDADE DE EXPRESSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Resulta, designadamente, dos artigos 26.º, 37.º e 38.º da CRP e 70.º do Código Civil, conjugados com o artigo 18º da Constituição, que não deve estabelecer-se em abstracto qualquer relação de hierarquia entre o direito à honra e ao bom nome, por um lado, e o direito de informação, por outro, pois ambos têm idêntica dignidade constitucional: nem o direito de informar é superior ao direito à honra e ao bom nome, nem este é superior àquele, pelo que a prevalência de um direito sobre o outro só pode ser apreciada e valorada perante o caso concreto. II - Numa sociedade livre e plural, a existência duma opinião pública bem informada é essencial à convivência em democracia, sendo que, para a formação dessa opinião pública, a liberdade de expressão e de informação constituem elemento fundamental. III - Mas o direito à honra, ao bom nome e reputação constitui também pilar fundamental de uma sociedade justa, livre, democrática e defensora dos direitos dos cidadãos. IV - Com efeito, se numa qualquer sociedade, sob o pretexto da defesa do direito à liberdade de expressão e de informação, fosse possível pôr em causa o direito à honra e ao bom nome, seguramente essa sociedade não seria livre nem democrática e, muito menos, baseada na dignidade da pessoa humana. V - Não obstante a liberdade de imprensa ter como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, a verdade é que ela tem de ser exercida de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação e a garantir o direito ao bom nome e à reserva da intimidade privada. VI - O direito de informação não é, pois, um direito absoluto, estando limitado por outros direitos igualmente legítimos e constitucionalmente protegidos, pelo que tem de ser exercido com grande preocupação cívica e com respeito pelos seus destinatários, que são os cidadãos em geral. VII - Em caso de conflito entre o exercício do direito de informar, por um lado, e o direito à honra e ao bom nome, por outro, deve a questão ser resolvidas à luz do princípio da ponderação de interesses, tendo-se sempre em consideração o caso concreto, devendo prevalecer o que se mostre mais relevante e digno de maior protecção jurídica. VIII - Assim, face a uma notícia que objectivamente seja considerada ofensiva da honra e do bom nome de determinada pessoa, deve ponderar-se desde logo se a notícia prossegue um interesse legítimo, ou seja, digno de protecção jurídica. Se se concluir que a informação prossegue um interesse legítimo (a ausência deste interesse afasta de imediato o exercício do direito de informar), importa analisar se a concreta notícia é verdadeira ou se, pelo menos objectivamente, havia razões para assim ser considerada. IX - Concluindo-se pela afirmativa (se a notícia é falsa e não havia razões objectivas para a reputar como verdadeira, é manifesta a ilicitude da conduta e a ausência da causa de justificação), impõe-se verificar se a concreta notícia se mantém nos limites necessários e suficientes para o exercício do direito de informar com clareza e completude ou se pelo contrário, de modo desnecessário e desproporcionado, foram utilizados conteúdos e/ou formas que nada esclarecendo ou completando a informação, apenas denigrem o visado na sua honra ou bom nome. X - Não pode ser considerada ofensiva da honra e bom nome uma notícia publicada num jornal Diário (ainda que não fosse verdadeira), segundo a qual, o Presidente da … se tinha reunido com o …, a quem teria feito a entrega duas queixas-crime, visando uma delas um ex-vogal da …, uma vez que, perante as circunstâncias do caso, a jornalista tinha fundadas razões para pensar que a notícia era verdadeira e teve o cuidado de não identificar o visado pelo nome. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. I A… propôs a presente acção com processo sumário, contra “B…, S.A.” e C…, Pedindo que os RR fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de €15.999,00, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento. Invoca, em síntese, que a R. C… escreveu e assinou uma notícia publicada pelo R. “B…SA”, que o ofendeu, causando-lhe danos vários, que computa em €15.999,00, assim descriminados: €3.5000,00 pela profunda tristeza e depressão sofrida; €5.5000,00 pela vergonha, enxovalho e humilhação que sofreu no plano pessoal e profissional; €6.999,00 pelos danos provocados na auto-estima e imagem social e profissional junto das comunidades jurídica e de protecção de dados pessoais, nacional europeia e internacional Os RR foram devidamente citados e contestaram, alegando, em síntese, que não praticaram qualquer facto ilícito, tendo a ré C… elaborado a notícia em causa com base nas informações que conseguiu recolher através de fontes que reputa fidedignas, estando absolutamente convencida da veracidade das informações delas constantes. Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo o tribunal respondido à matéria de facto controvertida. Seguidamente foi proferida a sentença final, com a absolvição dos RR do pedido. Dela recorreu o autor formulando as seguintes conclusões: «Sobre a matéria de facto: AA) No ano de 2008, o A. foi destinatário de uma actuação por parte dos serviços da … com conhecimento efectivo e contribuição activa do Presidente que tutela os serviços e com conhecimento dos restantes membros, que motivou uma participação denunciante do A. e Recorrente ao Ministério Público, à Inspecção de Finanças, ao Parlamento e ao Tribunal de Contas (fls. 205 e segs). BB) O Presidente da … e as testemunhas D… e E…, por essa participação, vieram a ser condenados a devolver ao Estado as quantias de 59.817,71 €, 86.493,35 e 38.293,34 €, respectivamente, por ilegalidade dos vencimentos dos seus mandatos: Doc. 1 e 2 com o presente recurso, fls. 205 e 754. CC) Os serviços da … e a Directora de serviços foram participados pelo A. e Recorrente por crimes cometidos no exercício das suas funções, não apenas aqueles de fls. 205 e segs., mas outros, nomeadamente a violação do dever de segredo e confidencialidade e violação do segredo de justiça (Docs. de fls. 205, 278, 290 a 310 e segs, 743, 754 e 790); DD) A Relações Públicas da …que lidava com os jornalistas e órgãos de comunicação é a funcionária que tinha os documentos do processo … nas suas pastas informáticas (Caso XIV, a pag. 54 do Doc. 1 junto com o Requerimento de Prova do A., a fls. 205 e fls. 278 e segs do 2º Vol.). EE) As notícias do dia 22 de Janeiro divulgaram a existência de documentos do processo … na …, introduzidos em Abril de 2003 e Setembro de 2004, quando este processo estava em segredo de justiça pois só deixou de estar em Maio de 2004, sendo que alguns desses documentos tinham, no dia seguinte a serem encontrados desaparecido do local da … onde estavam (ver: supra pag. 15 e 16 e fls. 36 a 47). FF) Nenhum órgão de comunicação social tinha noticiado em 22 de Janeiro de 2009 que o A. e Recorrente havia sido denunciado pelo Presidente da … junto do PGR por violação de sigilo (fls. 36 a 47). GG) O Comunicado da … de 22 de Janeiro de 2009 nada diz sobre a apresentação de uma queixa-crime contra o A.: diz apenas que os funcionários e vogais da … se encontram vinculados, após o fim dos seus vínculos e mandatos, ao dever de sigilo, sendo crime a violação deste dever. (Doc. 2 junto com a Contestação, na fl. 38). O mesmo Comunicado diz que o Presidente, que é quem vincula a …, não presta mais declarações. As notícias do dia 22 de Janeiro e a própria … dizem que o Presidente da … não presta declarações por causa do segredo de justiça (fls. 36 a 47, 270, 743). HH) O Presidente da … diz que não apresentou qualquer queixa por violação de sigilo contra o A. e Recorrente (fl. 15). II) Em nova resposta, o Presidente da … descreve a sua actuação, dizendo que entregou ao … a participação que o A. e Recorrente lhe havia enviado a dar conhecimento dos documentos do processo … nos computadores da … (fl. 16). JJ) O … diz que a denúncia apresentada pelo Presidente da …deu seguimento, “aliás”, à participação que o A. e Recorrente havia apresentado e constante de fls. 205 e segs e que levou à abertura do processo …, da …. Secção do DIAP (fl. 19). KK) O … disse que não podia dizer mais nada por causa da fase do processo (fl. 19). LL) No processo … … Secção do DIAP, o A. e Recorrente é Queixoso e Denunciante (fls. 288 e 289). MM) A jornalista R. C… foi incumbida no próprio dia de acompanhar o assunto das notícias da tarde de 22 de Janeiro de 2009 (depoimento de F… na sessão de Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as 16:08:58, com a referência digital 201105111551 123). NN) A jornalista R. C… não obteve informações da parte da …, nem do seu Presidente nem de quem a representa, nem do …, nem do próprio visado, A. e Recorrente: (depoimento de F… na sessão de Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as 16:08:58, com a referência digital 20110511 1551 123). OO) A jornalista R. C… e o R. B…SA só tiveram a acta da … de 20 de Janeiro de 2009 em 6 de Março seguinte, pelo que a acta não foi fonte da notícia (fls. 48 a 50) e defendê-lo é defender o absurdo (ver supra pag. 10). PP) A acta não refere a existência de duas queixas-crime, não refere que uma delas é contra o A. e Recorrente por divulgação de informação junto da comunicação social, nem pôde ter sido fonte da notícia por ser anterior aos factos noticiados (a acta é de 20 de Janeiro de 2009, os factos de 22 de Janeiro de 2009) e por ser contrária ao teor da notícia, pois esta reflecte a versão de que os documentos do processo … eram de blogues e pertenciam a processos da …, ao passo que a acta considera que os documentos eram da funcionária Relações Públicas da … (fls. 48 a 50, 270 e segs. e 278 e segs). QQ) A jornalista R. C…, que se encontrava no Porto, não pediu à … o contacto do A. e Recorrente à …, instituição com quem se prendia a matéria, que tem o dever legal de actuar de boa-fé e transparência e a quem o A. e Recorrente havia dito, por escrito, que mantinha o mesmo número (fl. 316), antes pedindo a um terceiro, a testemunha G…, que não conhece o A. e Recorrente a não ser publicamente (ver supra pags. 12 a 14 e 18) e teve de o solicitar a uma outra terceira pessoa para o facultar à jornalista R. C…, sem confirmar a correcção do número (depoimento da testemunha dos RR G… na Gravação iniciada na primeira sessão de julgamento de 11 de Maio de 2011, às 15:40:08 e terminada às 15:50:18, com a referência digital 2011051115400813091). RR) A ter acontecido, a jornalista R. C… insistiu chamando para o número que a testemunha G… lhe forneceu, através de terceiros e sem confirmar a correcção do número, mas só a testemunha F…, seu editor e superior, funcionário do R. B..SA e que se encontrava em Lisboa se presta a testemunhar nesse sentido, sem conhecimento pessoal e limitado ao que a própria jornalista R. C… lhe terá (eventualmente) dito (depoimento da testemunha F… na Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as 16:08:58, com a referência digital 20110511 1551 123). SS) Certo é que a jornalista R. C… não conseguiu falar com o visado pela notícia porque não pediu o número à … com quem contactou várias vezes (fl. 316 e depoimento da testemunha F…o na Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as 16:08:58, com a referência digital 20110511 1551 123), aqui A. e Recorrente, não confirmou a informação junto da … nem junto da … (fls. 15, 16, 19, 36 a 47 e teor da própria contestação, nos seus artigos 15. e 17.) TT) Tudo foi feito entre a tarde do dia 22 de Janeiro de 2009 e a noite desse dia porque a Direcção do jornal estava irritada por não dar nenhuma notícia em primeira mão, tendo sido ultrapassado o R. B…SA pelos órgãos concorrentes (depoimento de F… na sessão de Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as16:08:58, com a referência digital 20110511 1551 123). UU) A jornalista R. C… confunde a presente acção cível com queixa-crime (fl. 320), não releva que há documentos nos computadores da … que foram introduzidos quando o processo … estava em segredo de justiça (fls. 36 a 47, 205 e segs, 270), e dá a notícia apesar de o Presidente da … e o … terem dito que o assunto estava em segredo de justiça e a fase do processo não permitia revelar informações. Também a testemunha F… confunde queixoso com autor, confunde-se sobre o conteúdo do Comunicado da … e não confirmou a informação junto da …, da … ou do visado, aqui A. e Recorrente (depoimento de F… na sessão de Gravação do dia 11 de Maio de 2011, entre as 15:51:24 e as 16:08:58, com a referência digital 20110511 1551 123). VV) Sem sustento nas notícias doutros órgãos de comunicação social, sem confirmação junto da …, nem junto da …ou do próprio visado, aqui A. e Recorrente, a jornalista R. C…e o R. B…SA deram a notícia de que A participação foi decidida na sessão plenária da própria comissão na passada terça-feira, antes ainda da publicação de notícias sobre os documentos. ” e de “A divulgação desta informação na comunicação social constituirá, contudo, uma infracção, a avaliar pelo comunicado da própria …, que aponta para um alegado crime cometido por este ex-membro da instituição, substituído há apenas uma semana” (fl. 11). WW) A notícia é falsa (fls. 15, 16, 19, 288 e 289). XX) A jornalista R. C… e o R. B…SA (bem como a testemunha F…, editor da primeira) não podiam estar convencidos da veracidade da notícia, pois não tinham elementos que dessem consistência a essa convicção. YY) O A. e Recorrente é advogado de profissão, foi vogal da … e da … e par do Presidente da …e das testemunhas D… e demais membros da …, todos professores, doutorados, desembargadores e procuradores-gerais adjuntos: fl. 669 e depoimentos das testemunhas D… (na sessão de 11 de Maio de 2011, pelas 14:26:18 até às 14:39:18, com a referência 2011051114261713091), H… (na sessão de 11 de Maio de 2011, pelas 14:40:04 até às 14:58:17, com a referência digital 2011051114400213091), I… (sessão de 11 de Maio de 2011, pelas 14:58:18 e até às 15:15:57, com a referência digital 2011051114581713091), J… (na sessão de 11 de Maio de 2011, pelas 15:16:49 até às 15:20:28, com a referência digital 2011051115164713091) e depoimento escrito de K… de fl. 669. ZZ) O A. e Recorrente sofreu os danos alegados nos artigos 14º a 25º da P.I., porque esses danos foram incontornáveis e produziram-se na esfera do A. e Recorrente como se produziriam na esfera dos doutorados, procuradores-gerais adjuntos e juízes desembargadores membros da …D. Relativamente à matéria de direito. 1 – A CRP confere ao A. e Recorrente os direitos fundamentais inseridos no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, do direito à identidade pessoal, à cidadania, ao bom nome e reputação, bem como à imagem: artigo 26º, nº 1 da CRP. 2 – A CRP confere aos RR o direito fundamental de informar (artigo 37º, nº 1 da CRP), com liberdade de imprensa, pois trata-se de jornalista e de órgão de comunicação social (artigo 38º, nº 1, da CRP), sendo este direito assegurado nos termos da lei (alínea b) do nº 2 do artigo 38º da CRP). 3 – A CRP, no seu artigo 18º, obriga à ponderação de valores, princípios e direitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias e demais direitos fundamentais a estes análogos em estrita observância da concordância prática dos preceitos constitucionais e bens jurídicos neles existentes, operando essa ponderação pelo princípio da proporcionalidade e pelo princípio de reserva do núcleo essencial dos direitos reconhecidos. 4 – O A. e Recorrente sofreu danos inegáveis pela divulgação da notícia pelos RR, não tendo de indicar a importância exacta em que avalia os danos (artigo 569º do CC). O tribunal, quando não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º do CC). 5 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito: nº 1 do artigo 496º do CC. Existe obrigação de indemnizar em dinheiro pois os danos não permitem a reconstituição natural (artigo 566º, nº 1, do CC). 6 – O A. e Recorrente tem direito de acesso aos tribunais e ao direito para fazer valer e proteger estes seus direitos: artigo 20º, nº 1, da CRP. 7 – O A. tem direito ao nome e este direito inclui o direito ao bom nome, à reputação, à identidade pessoal, à cidadania, bem como à auto imagem: nº 1 do artigo 70º do CC. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade moral: nº 1 do artigo 70º do CC. 8 – A liberdade de imprensa implica o respeito pelas normas deontológicas no exercício da actividade jornalística: alínea f) do nº 2 do artigo 2º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13 de Janeiro, na última versão). 9 – A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da CRP e da lei, de forma a garantir o rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática: artigo 3º da Lei de Imprensa. Os direitos fundamentais dos jornalistas têm a extensão e conteúdo definidos na CRP e no Estatuto do Jornalista, quer os seus direitos, quer as suas liberdades, quer os seus deveres e limites: artigo 22º da Lei de Imprensa. 10 – O direito à indemnização pelos danos sofridos e provocados pelos jornalistas e órgãos de comunicação social no âmbito do exercício do direito de informar ao abrigo da liberdade de imprensa é independente do direito de resposta e de rectificação, decorrendo de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama: nº 5 e nº 1 do artigo 24º da Lei de Imprensa. Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio de imprensa observam-se os princípios gerais, sendo os órgãos de comunicação social solidariamente responsáveis: nº 1 e 2 do artigo 29º da Lei de Imprensa. 11 – Os jornalistas e os jornais não gozam de qualquer estatuto de privilégio quanto à responsabilidade civil. 12 – De acordo com o artigo 14º do Estatuto do Jornalista (Lei 1/99, de 6 de Novembro, com a redacção actual), constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a sua actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, como deveres: - Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo (alínea a) do nº 1) - Procurar a diversidade das fontes e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem (alínea e) do nº 1); - Proteger a confidencialidade das fontes de informação, excepto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas (alínea a) do nº 2). - Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência (alínea c) do nº 2) - Proceder às rectificações e correcções que lhes sejam imputáveis (alínea b) do nº 2). 13 – A ofensa ao bom nome é geradora de responsabilidade: artigo 484º do CC. 14 – O artigo 483º, nº 1, do CC diz que quem violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos sofridos. 15 – A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso: nº 2 do artigo 487º do CC. É ao lesado que cabe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 16 – A responsabilidade é solidária se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos: nº 1 do artigo 497º. 17 – A responsabilidade civil tem função punitiva, exemplar, pedagógica e preventiva: Paula Meira Lourenço, “A Função Punitiva da responsabilidade Civil”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006. 18 – A diligência exigível à jornalista R. C… é mais qualificada do que a diligência exigível ao bom pai de família, pois é uma diligência específica e mais intensa decorrente da sua qualidade de jornalista e vinculada pelos deveres deontológicos consignados em lei da República. 19 – A jornalista e R. C…, ao não consultar a …, nem a …, nem o visado, aqui A. e Recorrente – partes envolvidas no assunto – , violou o seu dever de zelo imposto pela alínea e) do nº 1 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 20 – A jornalista e R. C…, ao não perguntar à … pelo contacto do A. e Recorrente quando este havia comunicado por escrito àquela comissão que mantinha o mesmo contacto, optando por pedir, ademais pressionada pelo tempo e pela direcção do jornal R., a um colega que não conhecia senão publicamente o A. e Recorrente, o qual teve de pedir a uma terceira pessoa não interveniente nos autos, sem nenhum ter confirmado a correcção do número de contacto, violou a alínea e) do nº 1 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 21 – A jornalista e R. C…, ao fazer a notícia sem qualquer suporte para aquilo que, de novidade, noticiava, A participação foi decidida na sessão plenária da própria comissão na passada terça-feira, antes ainda da publicação de notícias sobre os documentos. ” e de “A divulgação desta informação na comunicação social constituirá, contudo, uma infracção, a avaliar pelo comunicado da própria …, que aponta para um alegado crime cometido por este ex-membro da instituição, substituído há apenas uma semana”, nem nas notícias dos outros órgãos de comunicação social, nem no Comunicado da …, nem na Acta de 20 de Janeiro de 2009, nem no Presidente da …, nem na …, nem no visado, violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 22 – A jornalista e R. C…, ao noticiar que a … havia apresentado queixa contra o A. e Recorrente quando todas as notícias enfatizavam o facto de documentos do processo … tinham sido encontrados nos computadores da … e aí introduzidos quando esse processo estava em segredo de justiça, tendo alguns desaparecido no dia seguinte a ser encontrados, sem qualquer suporte, deliberadamente optou pelo sensacionalismo, violando o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 23 – A jornalista e R. C…, ao noticiar que o Presidente da … havia apresentado queixa-crime contra o A. e Recorrente por violação de sigilo, noticiou um facto falso, pois o A. e Recorrente é denunciante e queixoso, e violou a alínea a) do nº 1 e c) do nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 24 – A jornalista e R. C…, ao noticiar que o Presidente da … apresentou queixa-crime contra o A. e Recorrente quando o próprio Presidente da … se negou afirmá-lo e veio poucos dias depois dizer que não havia apresentado qualquer queixa contra o A. e Recorrente, violou a alínea a) do nº 1 e alínea e) do nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 25 – A jornalista e R. C…, ao noticiar que o Presidente da …apresentou queixa-crime contra o A. e Recorrente quando o próprio … se recusa a prestar declarações e vem poucos dias mais tarde dizer que nenhuma queixa deu entrada e a única participação foi aquela que deu seguimento à participação do A. e Recorrente, abrindo o processo de que este é queixoso e denunciante, violou a alínea a) do nº 1 e alínea e) do nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 26 – A jornalista e R. C…, ao não identificar as fontes e ao proteger as fontes para obter benefícios ilegítimos ou proteger quem a usou para veicular informações falsas violou o disposto na alínea f) do nº 1 e na alínea a) do nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista. 27 – O jornal R., através do seu Director ou Director-Adjunto (alínea c) do artigo 20º da Lei de Imprensa), nomeou editor de justiça um jornalista (testemunha F…) que não tem conhecimentos para a função, pois presta depoimento em processo cível chamando queixoso ao autor, confunde-se no teor do conteúdo do Comunicado da … e confunde –se ao dizer que o A. e Recorrente havia sido visado pelas restantes notícias dos autos a fls. 36 a 47, o que é falso e não aconteceu. 28 – Por outro lado, a Direcção do jornal mantém na área da justiça uma jornalista com cerca de 15 anos de jornalismo, que confunde acção cível com queixa-crime, que não releva interesse ao facto de documentos do processo Casa Pia terem sido introduzidos nos computadores da … quando aquele processo estava, ainda, em segredo de justiça, que não pediu os contactos do A. e Recorrente à …, donde aquele havia saído há apenas uma semana, pediu antes a quem não conhece o mesmo A. e Recorrente, além de que nenhuma informação obteve de quem representa a …, nem da …, nem do A. e Recorrente visado, nem obteve qualquer meio idóneo para sustentar a notícia gravosa e ofensiva para o A. e Recorrente. 29 – A jornalista RC… violou os deveres legais a que estava adstrita, violando os direitos do A. e Recorrente e as disposições legais a que estava adstrita. 30 – Existe culpa da jornalista na violação dos seus deveres legais de exercício da liberdade de informação ao abrigo da liberdade de imprensa. 31 – A sentença recorrida é inconstitucional porque não faz a concordância prática dos preceitos constitucionais que consagram os direitos fundamentais em jogo, com ponderação à luz do princípio da proporcionalidade e com respeito pela reserva do núcleo essencial dos direitos do A. e Recorrente, antes valorizando incondicionalmente os direitos dos RR muito para além da configuração e limitação legal desses direitos e eliminando o núcleo essencial dos direitos do A. e Recorrente. 32 – Existem danos sofridos pelo A. e Recorrente e dever de indemnizar pelos prejuízos sofridos. 33 – A sentença deve condenar os RR ao pagamento da indemnização ao A. e Recorrente pelos danos que este sofreu em virtude da notícia falsa e feita com violação dos deveres deontológicos e legais a que a jornalista R. C… e o R. jornal B…SA estavam adstritos, sendo essa violação culposa à luz da diligência específica que a qualidade de jornalistas impõe aos RR e geradora de responsabilidade civil que é solidária». E termina o apelante dizendo que, revogando a sentença recorrida e condenando os RR ao pagamento de uma indemnização ao autor pelos danos que sofreu em virtude da notícia falsa, e feita com violação dos deveres deontológicos e legais a que a jornalista R. C… e o R. jornal B…SA estavam adstritos, recorrendo, se necessário, à fixação da indemnização com base na equidade, o Tribunal apelado fará inteira justiça. Os RR pugnam pela confirmação da sentença. II Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1) No dia 23 de Janeiro de 2009, a jornalista C… escreveu e assinou uma notícia na página 10 do jornal diário B…SA, com o conteúdo constante de fls. 11, e pela qual divulgou as informações seguintes: "O Presidente da …, K…, reuniu-se ontem com o …, tendo-lhe entregue duas queixas-crime. Segundo o B…SA apurou, uma incluirá os documentos do processo da … - público desde Maio de 2004 - que um ex-vogal da comissão pediu que fossem encaminhados para a procuradoria e a outra visa o próprio vogal. A participação foi decidida na sessão plenária da própria comissão na passada terça-feira, antes ainda da publicação de notícias sobre os documentos. A divulgação desta informação na comunicação social constituirá, contudo, uma infracção, a avaliar pelo comunicado da própria …, que aponta para um alegado crime cometido por este ex-membro da instituição, substituído há apenas uma semana.”. 2) Perante esta notícia, o A. perguntou ao Presidente da … (…), por carta datada de 26.01.2009 e constante de fls. 12 a 14, o seguinte: "a) Se houve ou não deliberação da … a determinar a apresentação de queixa-crime contra o exponente por violação de sigilo; b) Caso tenha havido essa deliberação, o acesso à acta dessa deliberação e da sua fundamentação, caso haja, bem como a todos os elementos informativos prestados pelos Serviços Jurídicos da …, ou outros consultados pela …, donde os seus membros hajam sido informados ou concluam que a actuação do exponente acima retratada em 1- ou outra que invoquem, constitui o cometimento de violação do sigilo. c) Quem prestou as declarações à comunicação social em nome da … nas notícias dos dias 22 e 23 de Janeiro? Se o Presidente da … se escusou a fazer comentários às televisões sobre as queixas por estas estarem, no seu entendimento, em segredo de justiça, quem e por ordem de quem prestou aquelas declarações?". 3) Em resposta, o Presidente da … informou o A. nos termos constantes de fls. 15 que[1]: "1) Não houve deliberação da … nos termos referidos na al a) da sua exposição". 2) Fica, assim, prejudicada resposta à al b) dessa exposição. (…) 4) As declarações da … sobre este caso foram exclusivamente as constantes do comunicado aos órgãos de comunicação social de 22 de Janeiro de 2009 e as feitas pelo signatário (o próprio presidente) à saída da audiência com o Sr. …". 4) Em 05.02.2009, o Presidente da … remeteu nova resposta ao A., nos termos constantes de fls. 16, onde informou que: "Informo que, tal como solicitou na sua exposição - participação que me apresentou em 12 de Janeiro de 2009, entreguei-o, bem como o aditamento enviado em 13 do mesmo mês e ano, ao Sr. …. Juntei a estes elementos a exposição - requerimento que (embora não assinada) me dirigiu em 13 de Janeiro de 2009, relativa a aspectos administrativos - financeiros do funcionamento da … - para efeitos, também, de análise e apreciação pela … - já que a mesma também sugere o entendimento de ter ocorrido a prática de outras irregularidades no âmbito da Comissão". 5) O A. requereu ao … através da missiva constante de fls. 17/18 o seguinte: "a) Informação sobre se alguma das queixas apresentadas pelo Presidente da …visa, imediata, directa e pessoalmente, o aqui requerente;”. 6) Em resposta, a … remeteu ao A. a informação constante de fls. 19 com o seguinte teor: "- A denúncia apresentada pelo Exmº. Sr. Presidente do … deu origem ao …. .. Secção. - A denúncia deu aliás, seguimento aos factos comunicados por Vª. Exª. em documento que foi junto, e que tinha a data de 12.01.2009.". 7) O A. é advogado de profissão, foi vogal da … e membro da … e representou a … em diversas conferências internacionais. 8) Os jornais “N…” e “M…” divulgaram no dia 22 de Janeiro de 2009 a existência de documentos digitalizados respeitantes ao processo … no sistema informático da … 9) No dia 22 de Janeiro de 2009, a agência … difundiu, pelas 13.21h o texto constante de fls. 39/40, no qual se lê: “A par da participação do presidente da comissão, K… ao … que vai ser feita esta tarde, a comissão pretende “tomar as medidas necessárias com vista ao total esclarecimento quanto à divulgação pública de documentos internos”. 10) No dia 22 de Janeiro de 2009, a … emitiu a “Nota aos Órgãos de Comunicação Social “ constante de fls. 38 e da qual consta[2]: “A …D salienta que, nos termos da Lei de Protecção de Dados, qualquer funcionário ou vogal da …, mesmo após a cessação das suas funções, está obrigado a sigilo profissional, sendo a violação de tal dever crime.”. 11) A deslocação do Presidente da … à … e a apresentação de duas queixas-crime foi noticiada ao longo do dia 22 de Janeiro por diversos órgãos de comunicação social, tais como TVI24, RTP 1, B…SA e TSF. 12) A R. C… foi encarregue de acompanhar ao assunto pelo seu editor, F…, tendo desenvolvido várias diligências no sentido de obter mais informações. 13) A R. através de diversos contactos apurou que na sessão plenária da …do dia 20 de Janeiro tinha sido deliberado apresentar duas queixas-crime, sendo que uma delas visava o A. 14) A R., através do jornalista G…, obteve o contacto telefónico do A., tendo procurado contactá-lo, mas sem êxito. 15) Dado que não conseguira contactar o A., a R. C… optou por, na notícia referida em 1), não o identificar com a indicação do seu nome, limitando-se a referi-lo como ex-vogal ou ex-membro da …. 16) A R. C… estava convicta da veracidade das informações constantes da notícia. 17) Com data de 20 de Fevereiro de 2009 o A. remeteu ao jornal ... a carta constante de fls. 48 a 50, onde afirmava serem absolutamente falsos os factos noticiados e se colocava á disposição para uma mediação ou arbitragem, sem o que se veria obrigado a recorrer aos meios judiciais. 18) No dia 13 de Março de 2009, o director do jornal B…SA remeteu ao A. a carta constante de fls. 51 onde lamenta quaisquer incómodos que tenha resultado do artigo e em que anexa cópia da certidão emitida pela … respeitante à Acta da … n.º .. 19) Em tal certidão refere-se que: “A Comissão debateu a questão, considerou que, no comportamento do ex-vogal poderão estar em causa a prática de ilícitos criminais que deverão ser participados ao Ministério Público. O Presidente, na audiência que terá com o …, apresentará também, a participação da ….” 20) Refere, ainda, que “as partes eliminadas correspondem a matéria que podendo estar sujeita a segredo de justiça, não pode a … divulgar, de certidão constando, apenas, a deliberação da … de participar à Procuradoria-geral da Republica factos que poderão integrar ilícitos criminais praticados pelo ex-vogal.”. III O DIREITO. O apelante impugna a matéria de facto. Vejamos. 1. O presente processo foi instaurado em 2009, pelo que é aplicável o C.P.Civil na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, em vigor desde 01.01.2008. Como estatui o n.º 1 do artigo 712.º do CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documentos novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Estipula o artigo 685º-B, sob a epígrafe «o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto»: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 3. (…) 4. (…) 5.(…)» Por sua vez, o n.º 2 do artigo 522.º-C determina: [q]uando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos. 2. Esta matéria vinha regulada de forma semelhante no artigo 690.º-A do CPC anterior à reforma de 2007. Pode ler-se no preâmbulo do Decreto-lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que aditou o artigo em análise: «[a] consagração desta nova garantia (duplo grau de jurisdição em matéria de facto) das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso é à respectiva fundamentação». Em anotação ao mesmo artigo refere LEBRE DE FREITAS[3]: «[n]o nº 1, impõe-se ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (neste sentido: AMÂNCIO FERREIRA, Manual cit., p. 157, criticando o ac. do STJ de 1.10.98, BMJ, 480,p.348, que, mais sensatamente, mas em contrário do texto legal, julgou dever ser convidado o apelante a suprir a falta)». Também em anotação a este artigo escreve LOPES DO REGO[4]: «Este preceito, aditado pelo DL n.º 39/95, vem estabelecer um particular ónus de alegação e fundamentação a cargo do recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto. Tal solução é justificada no preâmbulo daquele diploma legal: “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso». Finalmente, esclarece o mesmo autor que, no sentido de se desincentivar claramente possíveis manobras dilatórias, este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa sobre matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos n.ºs 1 e 2. E resulta do n.º 1 do artigo em análise (art. 685.º-B, com a redacção resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) que o recorrente tem de proceder obrigatoriamente a estas especificações, sob pena de rejeição do recurso nessa parte. Pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que aditou este artigo: «[é] ainda de referir a alteração das regras que regem o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, determinando que cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição…». Por outro lado, tem sido entendimento dos nossos Tribunais Superiores que a reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712º do C.P.C., não pode confundir-se com um novo julgamento (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ, de 14/3/06, C.J., Ano XIV, tomo I, 130). É também o que resulta do preâmbulo do citado DL nº39/95, onde se refere que «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento ...». E, ainda, que «... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)». Com efeito, o controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, não pode ignorar a livre apreciação da prova feita pelo julgador na base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode subverte o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 655º, nº 1, do CPC, segundo o qual “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, que está confiado ao tribunal da 1ª instância, pois para a formação da convicção do julgador podem contribuir (e contribuem com frequência elementos que não podem ser transpostos para a gravação vídeo ou áudio. 3. Tendo em consideração a doutrina exposta, vejamos agora se se justifica a alteração da matéria de facto. a) Pretende o recorrente que ao facto n.º 10 da sentença seja acrescentado o ponto 6 do comunicado da CNPT: “O Presidente da … irá hoje ser recebido pelo Senhor …, com vista a participar actos que podem configurar ilícitos criminais, pelo que, a partir desse momento, não fará por enquanto quaisquer declarações adicionais”. Por estar em causa um facto provado por documento e que poderá ter interesse para a decisão da causa, ao facto n.º 10 será acrescentado o ponto n.º 6 do Comunicado da … de 22 de janeiro de 2009. Mas será também acrescentado o seu n.º 5, para melhor compreensão do que está em causa, passando então aquele n.º 10 a ter a seguinte redacção: «10) No dia 22 de Janeiro de 2009, a … emitiu a “Nota aos Órgãos de Comunicação Social “ constante de fls. 38 e da qual consta, nomeadamente: “A … salienta que, nos termos da Lei de Protecção de Dados, qualquer funcionário ou vogal da …, mesmo após a cessação das suas funções, está obrigado a sigilo profissional, sendo a violação de tal dever crime.”. Nessa medida, a … tomará as medidas necessárias, com vista ao total esclarecimento quanto à divulgação pública de documentos da …. O Presidente da … irá hoje ser recebido pelo Senhor … com vista a participar actos que podem configurar ilícitos criminais, pelo que, a partir desse momento, não fará por enquanto quaisquer declarações adicionais». b) Pretende-se também que ao facto n.º 3 seja acrescentado o ponto 3 da resposta do Presidente da … (fls. 15): “Quaisquer outras eventuais informações a este respeito só poderão, presentemente, considerando as regras do segredo de justiça, ser prestadas pela …, entidade á qual o assunto ficou afecto”. Tal como foi dito em relação ao n.º 10, trata-se de um facto que está provado por documento e pode ter interesse para a decisão da causa, pelo que o facto n.º 3 passará a ter a seguinte redacção: «3. Em resposta, o Presidente da … informou o A. nos termos constantes de fls. 15 que: "1) Não houve deliberação da … nos termos referidos na al a) da sua exposição". 2) Fica, assim, prejudicada resposta à al b) dessa exposição. 3) Quaisquer outras eventuais informações a este respeito só poderão, presentemente, considerando as regras do segredo de justiça, ser prestadas pela PGR, entidade á qual o assunto ficou afecto». c) Pretende-se que o facto 14 da sentença seja substituído pelos três parágrafos que constam de fls. 987. Todavia não tem o recorrente qualquer razão, quer porque não se trata de verdadeiros factos com interesse para a decisão da causa (parágrafos 1.º e 2.º) quer porque nem sequer foram alegados. d) Pretende-se que o facto 16 (A ré C… estava convicta da veracidade das informações constantes da notícia) seja alterado de forma a que se dê como provado o contrário do que dele consta. Não tem razão o apelante, pois, por um lado esse facto não ficou provado e, por outro, a resposta (contrária à pretendida) foi devidamente fundamentada em 1ª instância, para onde se remete. e) Pretende-se que os factos 9 e 11 sejam alterados. Mas não tem qualquer razão o impugnante, pois o que deles consta está provado pelos documentos junto aos autos. O facto 9 consta “ipsis verbis” de fls. 40. Nos docs. de fls. 44 (TVI24) e 47 (TSF) fala-se em duas queixas-crime, sem se referir o nome do ora autor. Mas no facto 11 também não é citado. f) Pretende-se que a seguir ao facto 12 seja acrescentado o que consta de fls. 996/997. Todavia, apenas se justifica o que consta da primeira frase: «A divulgação desta informação na comunicação social constituirá, contudo, uma infracção, a avaliar pelo comunicado da própria …, que aponta para um alegado crime cometido por este ex-membro da instituição, substituído há apenas uma semana.”. Mas esta passagem já consta do facto n.º 1, pelo que nada há a acrescentar. A matéria do 2.º parágrafo (nenhum dos órgãos de comunicação social havia noticiado tal facto) não se encontra provada, como se disse relativamente aos factos 9 e 11. Os restantes ou não são verdadeiros factos (são meros juízos de valor) ou não se encontram provados e nem sequer foram alegados. 4. Vejamos agora cada um dos factos constantes das conclusões: - AA a EE. Trata-se de factos não alegados, quer na petição, quer na contestação, pelo que, obviamente, não podem ser dados como provados. A resposta à contestação foi mandada desentranhar por despacho transitado em julgado, razão pela qual, como é evidente, não pode ser tida em conta. - FF. Repete-se aqui o que foi dito em relação aos factos 9 e 11. O facto provado sob o n.º 11 tem a seguinte redacção: A deslocação do Presidente da … à … e a apresentação de duas queixas-crime foi noticiada ao longo do dia 22 de Janeiro por diversos órgãos de comunicação social, tais como TVI24, RTP 1, B…SA e TSF. O recorrente diz que deve ser dado como provado (FF): «Nenhum órgão de comunicação social tinha noticiado em 22 de Janeiro de 2009 que o A. e Recorrente havia sido denunciado pelo Presidente da … junto do … por violação de sigilo». Portanto, no facto 11 apenas se refere que os órgãos de comunicação social noticiaram que Presidente da … apresentou duas queixas-crime. Não se faz alusão ao autor nem à matéria dessas queixas. Assim, não pode ser dado provado o que o apelante refere em FF, pois, como se disse, em relação aos factos 9 e 11, pelo menos nos docs. de fls. 44 e 47 são referidas duas queixas-crime. - GG. Trata-se de facto provado por documento e a ele se refere o facto 10, com a alteração supra referenciada. - HH. Trata-se de facto a provar por documento, conforme referido em relação ao facto n.º 3, pelo que nada há a acrescentar. - II a KK. São factos provados por documento e, no essencial, constam dos factos 4 a 6. - LL. Não tem nada a ver com o presente processo, pelo que, por maioria de razão, não tem qualquer interesse para a decisão da causa. - MM. O que tem interesse para o processo consta já do facto 12. - NN. e OO. Tal como são referidos não se trata de factos alegados, sendo certo, contudo, que não podem ser dados como provados, quer com base em documentos, quer no depoimento de qualquer das testemunhas inquiridas. No entanto, sempre se dirá o seguinte: na fundamentação sobre a matéria de facto foi referido que a testemunha F… disse que, na sequência dos contactos desenvolvidos, a R. apurou que na sessão plenária da … do dia 20 de janeiro tinha sido deliberado apresentar duas queixas-crime, sendo que uma delas visava o autor; e, na verdade, consta da respectiva acta o seguinte: «a comissão debateu a questão, considerou que no comportamento do ex-vogal poderão estar em causa a prática de ilícitos criminais que deverão ser participados ao Ministério Publico. O Presidente, na audiência que terá com o … apresentará, também, a participação da ….» -PP. A acta consta do processo, pelo que não há qualquer justificação para se dar como provado o que dela não consta. Aliás, já foi transcrita em parte, e aqui pretende-se que se dê como provado o que dela não consta. - QQ. Esta matéria consta em parte do facto provado sob o n. 14. Desta alínea constam também meros juízos de valor. Saber se a ré C… pediu ou não à … o contacto do apelante não tem qualquer interesse para a decisão da causa, até porque aquela poderia não o facultar. Por outro lado vem provado que a R., através do jornalista G…, obteve o contacto telefónico do A. tendo procurado contactá-lo, mas sem êxito. - RR. Não se trata de verdadeiros factos, mas de meros juízos de valor. - SS, TT, UU. Não faz o menor sentido pretender que esta matéria seja dada como provada, porque, por um lado, nem sequer foi alegada e, por outro, são meros juízos de valor e conclusões do apelante. - VV. Sobre esta matéria já tudo foi dito. A matéria de facto já consta, no essencial, do n.º 1 dos “factos provados”. - WW e XX. Não está provado que a notícia seja falsa. Do facto n.º 16 da sentença consta que a R. C…estava convicta da veracidade das informações constantes das notícias. - YY. O que tem interesse para a decisão da causa Já se encontra provado sob o n.º 7. - ZZ. Estes factos foram dados como não provados em 1ª instância. Face ao que foi referido inicialmente (possibilidade de alteração da matéria de facto em 2ª instância) não tem este tribunal da Relação elementos suficientes para dar resposta diferente. 5. Por todo o exposto, a matéria de facto apenas será alterada relativamente aos factos n.ºs 3 e 10 da matéria dada como provada em 1ª instância, ou seja: O n.º 3 passará a ter a seguinte redacção: «3. Em resposta, o Presidente da … informou o A. nos termos constantes de fls. 15 que: "1) Não houve deliberação da … nos termos referidos na al a) da sua exposição". 2) Fica, assim, prejudicada resposta à al b) dessa exposição. 3) Quaisquer outras eventuais informações a este respeito só poderão, presentemente, considerando as regras do segredo de justiça, ser prestadas pela PGR, entidade á qual o assunto ficou afecto». E o n.º 10 a que segue: «10) No dia 22 de Janeiro de 2009, a … emitiu a “Nota aos Órgãos de Comunicação Social “ constante de fls. 38 e da qual consta, nomeadamente: “A … salienta que, nos termos da Lei de Protecção de Dados, qualquer funcionário ou vogal da …, mesmo após a cessação das suas funções, está obrigado a sigilo profissional, sendo a violação de tal dever crime.”. Nessa medida, a … tomará as medidas necessárias, com vista ao total esclarecimento quanto à divulgação pública de documentos da …. O Presidente da … irá hoje ser recebido pelo Senhor …, com vista a participar actos que podem configurar ilícitos criminais, pelo que, a partir desse momento, não fará por enquanto quaisquer declarações adicionais». IV 1. Como resulta do artigo 1º da Lei 2/99, de 13.01, (que aprovou a lei da imprensa) é garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei. E determina o artigo 37º da CRP que todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. Por sua vez determina o artigo 38.º na parte que aqui importa considerar: «É garantida a liberdade de imprensa» (n.º 1); «A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores …» (n.º 2, alínea a.) «A liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissional…» (n.º 2, alínea b.). Preceitua, por outro lado, o artigo 18.º da CRP nos seus n.ºs 1 e 2: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Esta norma constitucional contém, no entender de Jorge Miranda/Rui medeiros, os mais importantes dos princípios materiais comuns aos direitos, liberdades e garantias num Estado de Direito democrático, nomeadamente[5]: 1. A aplicação imediata dos preceitos constitucionais (n.º 1, 1ª parte); 2. A vinculação de todas as entidades públicas (n.º 1, 2ª parte; 3. A vinculação das entidades privadas (n.º 1, 3ª parte); Portanto, os preceitos constitucionais respeitantes a direitos fundamentais são directamente aplicáveis[6] e devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta dispõe, no que diz respeito à intimidade, à honra e à reputação, que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, nem ataques à sua honra e reputação, tendo toda a pessoa, contra tais intromissões ou ataques, direito a protecção da lei (artigo 12º); e, a propósito da liberdade de expressão e informação, que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão. (artigo 19º).[7] Da maior importância é também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, no essencial, estabelece o direito de toda a pessoa ao respeito da sua vida privada e familiar, livre de quaisquer ingerências da autoridade pública, a não ser nos casos nela previstos (artigo 8º). E reconhece a todos o direito à liberdade de expressão, sendo que este direito compreende a liberdade de opinião, e a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideais, sem ingerência de qualquer autoridade pública, embora com a admissão de restrições que a lei preveja, em especial destinadas a salvaguardar a protecção da honra ou dos direitos de outrem (artigo 10º).[8] 2. Como resulta do artigo 26º da CRP (inserido no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias pessoais) a todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação, consagrando o artigo 25.º, n.º1, o direito à integridade moral. «A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (…) Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.[9]» «O direito ao bom nome e reputação, propriamente dito, constitui um dos aspectos do livre desenvolvimento da dignidade humana que, na sua vertente externa, se trata de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso.[10]» Consistirá «essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação[11].» «O direito ao bom nome e à reputação tem um alcance jurídico amplíssimo, situando-se no cerne da ideia de dignidade da pessoa. A relevância constitucional da tutela do bom nome e da reputação legitima a criminalização de comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de imprensa ou a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da compensação dos danos não patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por ofensa do bom nome e da reputação das pessoas.[12]» Por outro lado, quanto à liberdade de expressão e de informação, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, imagem ou outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações (artigo 37º, nº 1); o direito – se for o caso – a indemnização pelos danos sofridos (artigo 37º, nº 4, final); e, ainda, a liberdade de imprensa, com o alcance, designadamente, da liberdade de expressão e criação dos jornalistas [artigo 38º, nº 2, alínea a)]. Resulta, pois, destas disposições normativas que a liberdade de expressão e informação revestem a natureza de direito fundamental. No entanto, tal não significa, nem podia significar, que a liberdade de expressão e de informação não estejam sujeitas «a concordância prática com outros direitos, designadamente com os direitos pessoais (artigos 25.º, n.º 1, e 26.º) estabelecendo a lei garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias (artigo 26.º, n.º 2).[13]» Assim, estabelece o nº 1 do artigo 70º do CC que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. Por isso ninguém pode ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração pessoal ou social. Destas disposições normativas conjugadas com o artigo 18º do mesmo diploma resulta que não deve estabelecer-se em abstracto uma qualquer relação de hierarquia entre aqueles dois direitos. Na verdade têm idêntica dignidade constitucional, igual valência normativa: nem o direito de informar é superior ao direito à honra nem este é superior àquele. Com efeito, numa sociedade livre e plural, a existência duma opinião pública bem informada é essencial à convivência em democracia, sendo que, para a formação dessa opinião pública, a liberdade de expressão e de informação constituem elemento fundamental. Mas o direito à honra, ao bom nome e reputação constitui também pilar fundamental de uma sociedade justa, livre e democrática e defensora dos mais elementares direitos dos cidadãos. Com efeito, se numa qualquer sociedade, sob o pretexto da defesa de um direito à liberdade de expressão e de informação fosse possível pôr em causa o direito à honra e ao bom nome, seguramente essa sociedade não seria livre nem democrática e, muito menos, baseada na dignidade da pessoa humana. O direito ao bom nome e reputação constitui, pois, um limite a outros direitos, nomeadamente à liberdade de imprensa, que é o que agora está em causa. Não pode afirmar-se, em abstracto, a superioridade do direito à honra sobre o direito de liberdade de expressão e informação nem deste sobre aquele. A prevalência de um direito sobre o outro só pode ser apreciado e valorado perante o caso concreto. E, entendimento contrário não resulta do texto constitucional, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 16º e 29º), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10º, nºs 1 e 2) nem da doutrina e da jurisprudência mais recente, como nos dá conta, por exemplo, o acórdão do STJ de 15.09.2011, proferido no processo 2634/06.OTBTPM.E1.S1, disponível na Internet. 3. O Estatuto do Jornalista foi aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, entretanto alterada pela Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro.[14] No essencial prescreve, como direitos fundamentais dos jornalistas, os da liberdade de expressão e de criação, e da liberdade de acesso às fontes [artigo 6º, alíneas a) e b)], bem como a sua não sujeição a impedimentos, discriminação ou censura (artigo 7º); e como seu dever fundamental, o de exercer a actividade com respeito pela ética profissional, designadamente lhes competindo informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião [artigo 14º, nº 1, alínea a)], bem como abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência, ou ainda abster-se de recolher imagens capazes de atingir a dignidade das pessoas [artigo 14º, nº 2, alíneas c) e d)]. E resulta, ainda, a sujeição dos jornalistas aos termos gerais da responsabilidade civil (artigo 14º, nº 3). As regras deontológicas atinentes à profissão de jornalista constam do respectivo Código Deontológico, aprovado em 4 de Maio de 1993.[15] Entre outros, estabelecem-se os deveres de relatar os factos com rigor e exactidão e de os interpretar com honestidade (1.), o de combater o sensacionalismo (2.), o de utilizar meios leais para obter informações ou imagens (4.), o de salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado (7.), e os de respeitar a privacidade dos cidadãos, salvo quando esteja em causa o interesse público, e de antes de recolher imagens atender às condições de serenidade e liberdade do envolvido (9.). A Lei de Imprensa foi aprovada, como se disse, pela Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro.[16] Esta garante a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei (artigo 1º, nº 1), com o alcance de abranger o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, discriminações ou censura (artigo 1º, nºs 2 e 3). A liberdade de imprensa implica, designadamente, o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente os que refere no seu artigo 22º [artigo 2º, nº 1, alínea a)]. Por fim, estabelece, como limites à liberdade de imprensa, os que decorram da Constituição e da lei, por forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, e a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada e à imagem dos cidadãos (artigo 3º). 4. Decorre do que fica dito que, numa sociedade democrática surgem frequentemente conflitos entre o exercício do direito de informar, por um lado, sobretudo pelos órgãos de comunicação social, e o direito à honra, ao bom nome, por outro. Invoca-se então, quer o direito de informar, quer o direito à honra e ao bom nome. Estas questões devem ser resolvidas à luz do princípio de ponderação de interesses, tendo-se sempre em consideração, como se disse, o caso concreto, devendo prevalecer o interesse que se mostre mais relevante (digno de maior protecção jurídica). Assim, face a uma notícia que objectivamente seja considerada ofensiva da honra e do bom nome de determinada pessoa, deve ponderar-se desde logo se a notícia prossegue um interesse legítimo, ou seja, digno de protecção jurídica. Se se concluir que a informação prossegue um interesse legítimo (a ausência deste interesse afasta de imediato o exercício do direito de informar), importa analisar se a concreta notícia é verdadeira ou se, pelo menos objectivamente, havia razões para assim ser considerada. «Concluindo-se pela afirmativa (se a notícia é falsa e não havia razões objectivas para a reputar como verdadeira, é manifesta a ilicitude da conduta e a ausência da causa de justificação), impõe-se verificar se a concreta notícia se mantém nos limites necessários e suficientes para o exercício do direito de informar com clareza e completude ou se pelo contrário, de modo desnecessário e desproporcionado, foram utilizados conteúdos e/ou formas que nada esclarecendo ou completando a informação, apenas denigrem o visado na sua honra ou bom nome. Em conclusão: se da análise do caso concreto, resulta que a notícia é dada na prossecução de interesse legítimo e é verdadeira ou há razões objectivas para se considerar como tal, e embora ofensiva da honra ou reputação do visado, se mantém dentro dos limites informativos, isto é, se diz tudo o que era necessário a uma informação clara e isenta, mas só diz o que era necessário a tal desiderato, deve prevalecer o direito de informar; se, ao contrário, a notícia, embora no essencial verdadeira, de forma desadequada e desproporcionada relata factos ofensivos à honra do visado sem qualquer relevância para o esclarecimento do público, deve ter-se como injustificada a conduta»[17]. O conflito entre direitos iguais ou da mesma espécie resolve-se pela cedência de cada um, na medida do necessário para que todos possam produzir igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (artigo 335.°, n.º 1 do Código Civil). Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente o conflito há-de resolver-se pela prevalência do direito que deva considerar-se superior (artigo 335.º, n.º 2 do mesmo diploma legal). 5. É hoje geralmente aceite nos regimes democráticos que o direito de expressão e de divulgação do pensamento não pode estar sujeito a qualquer forma de censura. E tais direitos, traduzidos na existência de uma imprensa livre, plural e responsável, constituem pilares essenciais do Estado de direito democrático. Todavia, há que ter também em consideração que, sendo tal direito legítimo, não pode deixar de estar sujeito aos limites impostos pela convivência social, imanente à vida em sociedade: a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros. Como se referiu no acórdão do TC de 05.02.97 (DR 2ª série, de 15.04.97)...é evidente que a liberdade de expressão só termina onde – passe a tautologia – deixou de haver expressão de ideia ou pensamento para haver ameaça, insulto, invectiva pessoal... Se é certo que a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, a verdade é que ela tem de ser exercida de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação e a garantir o direito ao bom nome e à reserva da intimidade privada (artº 3º da Lei 2/91). O direito de informação não é, pois, um direito absoluto, estando limitado por outros direitos igualmente legítimos e constitucionalmente garantidos, como o direito ao bom nome. Não pode, por isso, ser exercido de forma a lesar outros direitos também dignos de protecção jurídica. E, como foi salientado, não se pode dizer que exista uma relação de hierarquia entre o direito à honra e ao bom nome, por um lado, e a liberdade de expressão/liberdade de informação, por outro. Trata-se de direitos com igual dignidade constitucional. E, seguramente, há que respeitar o direito à honra e ao bom nome de todo o cidadão, designadamente através da imprensa, ainda que de figuras públicas se trate. Tal direito jamais poderá ser posto em causa. O direito à liberdade de expressão, exercido, nomeadamente, através da comunicação social, tem de ser exercido com grande preocupação cívica e com respeito pelos seus destinatários, que são os cidadãos em geral. E as restrições à liberdade de imprensa encontram-se frequentemente relacionadas com a protecção da honra e o bom nome das pessoas. V Vejamos o caso posto à nossa consideração. 1. Dispõe a este propósito o artigo 29º da Lei da Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, no seu nº 1, que “na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”[18]. Ora, os princípios gerais, em matéria de responsabilidade civil, constam do artigos 483º e seguintes do C. Civil. Determina o artigo 483.º, relativo à responsabilidade civil por actos ilícitos: «1- aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. 2- ó existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei» Estamos perante um caso de eventual responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. São, assim, requisitos da responsabilidade civil extracontratual: a) o facto ilícito; b) a imputação do facto ao agente; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Aqui apenas será discutível a ilicitude do acto praticado pelos réus e o dano não patrimonial eventualmente sofrido pelo autor, pois quanto aos restantes pressupostos do dever de indemnizar nenhuma questão se levanta. Assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, em que se move a causa de pedir da acção, compete, em princípio, ao lesado o ónus da prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, nos termos do disposto pelos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, do C.Civil. Este direito constitui, assim, um limite a outros direitos, nomeadamente à liberdade de imprensa. Por isso determina o artigo 484º que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. E a culpa deve ser apreciada em abstracto, ponderando-se as circunstâncias de cada caso e a diligência do homem médio, do bónus pater familias (artigo 487.º, n.º 2 do C. Civil). 2. No dia 23 de Janeiro de 2009 a ré C… fez publicar no Jornal “B…SA” a aludida notícia, na qual era afirmado designadamente que no dia anterior o Presidente da … tinha apresentado duas queixas-crime ao .… incluindo uma delas documentos relativos ao processo da …, «que um ex-vogal da comissão pediu que fossem encaminhados para a procuradoria e a outra visa o próprio vogal”. Mas, segundo o autor, estas notícias são falsas e não têm sustento em qualquer fonte credível: «nem a …, nem o presidente da …, nem o … ou a … sustentaram tais notícias, como se conclui com certeza assente em fontes documentais exaradas da própria … e da … O presidente da … não se pronunciou sobre qualquer legalidade no final da audiência, não apresentou duas queixas-crime na …, não disse nada sobre a conduta do exponente e signatário, não acusou de nada, nem apresentou qualquer queixa-crime contra ele (artigo 7 da PI). Ainda segundo o autor «os réus actuaram com ostensivo dolo ofensivo dos direitos de personalidade do Autor: à jornalista C… bastaria perguntar ao presidente da … e da … as questões que o aqui Autor colocou que obteria as respostas que o Autor recebeu e aqui reproduz e prova, e, assim verificava que os factos que os réus noticiaram eram falsos» (artigo 8.º da PI). E «com ostentivo dolo e com perversão: de facto, o que o Presidente da …deu entrada na … foi o seguimento das exposições feitas pelo aqui A., mas os RR noticiaram como tendo sido queixas contra o A. (artigo 9.º da PI). Por sua vez os RR alegam, em síntese: - a deslocação do Presidente da … à … para apresentar duas queixas-crime em virtude da divulgação pública da existência no sistema informático interno da CNPD de documentos relativos ao processo da …foi largamente noticiado por diversos órgãos de comunicação social no dia 22 de Janeiro de 2009, nomeadamente pela TVI24, RTP1, B…SA e TSF; - A ré C…, através de diversos contactos, apurou que na sessão plenária da … no dia 20 de janeiro tinha sido deliberado apresentar duas queixas-crime, sendo que uma delas visava o autor; - A R. C… procurou contactar o autor, mas sem êxito, pelo que não indicou o nome do visado, limitando-se a dizer que era um ex-vogal ou ex-membro da …, substituído há apenas uma semana; - A ré C… elaborou a notícia em causa com base em informações que conseguiu recolher através de fontes que reputou fidedignas e estava absolutamente convencida da veracidade das informações constantes da notícia; - Da acta de 20.01.2009 da … consta, nomeadamente: «A Comissão debateu a questão, considerou que, no comportamento do ex-vogal poderão estar em causa a prática de ilícitos criminais que deverão ser participados ao Ministério Público. O Presidente, na audiência que terá com o …, apresentará também, a participação da CNPD» (fls. 54) - A certidão da …confirma a factualidade apurada pela R. C… quanto à apresentação de uma queixa contra o Autor e que é referida na notícia em causa. 3. As informações prestadas pela … e pela … ao apelante parecem indicar que não foi apresentada qualquer queixa contra o ora apelante. No entanto ficou provado: a deslocação do Presidente da … à … e a apresentação de duas queixas-crime foi noticiada ao longo do dia 22 de Janeiro por diversos órgãos de comunicação social, tais como TVI24, RTP 1, B…SA e TSF (11); a R. através de diversos contactos apurou que na sessão plenária da … do dia 20 de Janeiro tinha sido deliberado apresentar duas queixas-crime, sendo que uma delas visava o A. (13); a R., através do jornalista G…, obteve o contacto telefónico do A., tendo procurado contactá-lo, mas sem êxito (14); dado que não conseguira contactar o A., a R. C… optou por, na notícia em causa, não o identificar com a indicação do seu nome, limitando-se a referi-lo como ex-vogal ou ex-membro da CNPD (15); a R. C… estava convicta da veracidade das informações constantes da notícia (16). É certo que o apelante pôs em causa a prova destes factos. Mas, como se disse, não vemos que possam ser alterados, pelo que assim devem ser apreciados e valorados. De qualquer forma parece-nos oportuno tecer algumas considerações: a …considerou, na reunião de 20 de Janeiro de 2009, que no comportamento do ex-vogal (o ora apelante) poderia estar em causa a prática de ilícitos criminais que deveriam ser participados ao Ministério Público, e que o seu Presidente, na audiência que iria ter com o …, apresentaria a participação da …; no dia 22 vários órgãos de comunicação social referiram-se à deslocação do Presidente da … à … e à participação de eventuais ilícitos criminais relacionados com notícias divulgadas sobre a existência de documentos do processo … nos computadores da comissão; também se referiu nesses meios de comunicação que, em relação à divulgação pública da existência de tais documentos na rede interna, a Comissão lembrou que “qualquer funcionário ou vogal da … mesmo após a cessação das suas funções, está obrigado a sigilo profissional, sendo crime a violação desse dever; o ora autor tinha cessado funções uma semana antes; no doc. n.º 6 junto com a contestação – de 22.01.2009 (fls. 44)- consta que a …esclareceu que «foram as primeiras queixas formais» que recebeu «relacionadas com ocorrências referentes à comissão em causa»; também no doc. de fls. 44 se faz referência a “queixas” (no plural); o Presidente da …, no depoimento escrito que prestou em 21.12.2010 (fls. 191/192) declarou, nomeadamente: O ora Autor, apesar da indicada designação, acedeu às referidas reproduções de peças do chamado “processo …” ; e, considerando que a sua existência no sistema informático da … indiciava procedimento criminoso, formulou queixa penal à … solicitando ao signatário que a transmitisse ao Sr. … (2); por seu turno, a Comissão, na sua reunião de 20 de Janeiro de 2009, por considerar que a mencionada actuação do seu ex-vogal ora Autor indiciava procedimento com incidência penal, deliberou formular queixa criminal, encarregando o signatário de a apresentar ao Sr. … (3); a entrega das duas queixas-crime citadas – do ora Autor e da … – o correu durante a audiência que, no dia 22 de Janeiro de 2009, o Sr. … concedeu ao signatário (4). Portanto, perante estes factos, entendemos que a R. C… tinha fortes razões para acreditar que a notícia que publicara era verdadeira. E não vemos que haja aqui qualquer intuito de pôr em causa a honra e o bom nome do ora autor. Parece-nos, pois, não haver qualquer dúvida de que a ré não agiu dolosamente. Mas, salvo melhor opinião em sentido contrário, também não se pode dizer que foi negligente na abordagem da notícia, Com efeito: - Por não ter conseguido contactar o ora autor, a ré evitou mencionar o seu nome; - Outros órgãos de informação divulgaram durante o dia 22 notícias semelhantes; - Da acta n.º 2/2009, de 20 de Janeiro de 2009, consta nomeadamente: «O vogal I… disse ter recebido um e-mail do ex-vogal, enviado no dia 14 de janeiro…no qual são anexados os documentos copiados das pastas da funcionária. A Comissão debateu a questão, considerou que, no comportamento do ex-vogal poderão estar em causa a prática de ilícitos criminais que deverão ser participados ao Ministério Público. O Presidente, na audiência que terá com o …, apresentará também, a participação da ….» - A notícia não pode ser considerada sensacionalista. Consequentemente, não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e da correlativa obrigação de indemnizar, por não se verificar a prática de qualquer conduta ilícita por parte dos RR. VI Mas admitindo que se verificava o requisito da ilicitude, ainda seria discutível o dever de indemnizar a título de danos não patrimoniais. 1. Nos termos do artigo 496º do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Mesmo no domínio da responsabilidade extrajudicial discutiu-se na doutrina a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais. E isto porque havia quem defendesse que eles são insusceptíveis de reparação pecuniária, não havendo dinheiro capaz de reparar uma dor, uma injúria, a perda de um órgão importante do corpo humano ou a sua deformação. Além disso seria muito difícil, senão impossível, avaliar o valor desses danos. Trata-se, contudo, de questão que, segundo cremos, está completamente ultrapassada, pois não tem qualquer razão de ser. Procura-se, assim, com a indemnização pelos danos não patrimoniais, atenuar as consequências que para o lesado advêm da conduta do lesante. Ou como se defendeu no acórdão do STJ de 16.04.91[19], o artigo 496º do CC fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado. Por isso deve entender-se que com a avaliação de tais danos se pretende mais compensar do que indemnizar o mal causado pela lesão sofrida. Nesta linha de pensamento escrevia o Prof. Vaz Serra na RLJ ano 113º-104: “a situação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto que não é um equivalente do dano, um valor que reponha a coisa no estado anterior à lesão, tratando-se então de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente”. Ou, como escreve Inocêncio Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, pag. 297: “na impossibilidade de reparar directamente os danos pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente através de uma soma em dinheiro susceptível de proporcionar satisfações porventura de ordem espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados”. Tem-se entendido, e com razão, que é muito difícil, senão impossível, calcular o montante exacto da compensação devida pelos danos morais. Como dissemos, não se trata propriamente de indemnizar a vítima, mas antes de a tentar compensar, atenuando-se um mal já consumado. É que o dinheiro pode proporcionar à pessoa lesada satisfações não só de carácter económico, mas também de carácter espiritual e até mesmo moral, que possa atenuar a dor e o sofrimento. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral” Vol. I, pág.. 502 diz que “a indemnização” por danos morais reveste uma natureza acentuadamente mista: “por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reparar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. É que se trata de prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro, tal como a integridade física, a saúde, a honra e a reputação[20]. Como vimos, a nossa lei aceita a ressarcibilidade dos danos morais, mas apenas daqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito: o dano há-de ser de tal maneira grave que justifique a concessão ao lesado duma satisfação de ordem pecuniária (compensação), nos termos referidos. Ou, como se refere no citado acórdão do STJ de 15.06.93 (BMJ 428- 535), que revistam gravidade objectiva e acentuada, de modo a justificarem uma compensação de ordem pecuniária. “Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral” (ac. STJ de 26.06.91- BMJ 408-538). Assim, para que a divulgação de um facto respeitante a uma determinada pessoa possa gerar a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais é necessário que seja apta a provocar danos graves; e essa gravidade há-de ser aferida objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de 27 de Setembro de 2007 e de 12 de Março de 2009, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 07B2528 e 08B2972, respectivamente). E, tratando-se de um facto divulgado através da comunicação social, a divulgação há-de ser apta a “abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol., 4ª ed., Coimbra, 1987, pág. 486), não só no seu meio profissional, mas entre os cidadãos em geral. 2. Sobre os danos alegados pelo ora autor/apelante praticamente nada ficou provado. Pelo contrário, não foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos alegados na PI: - que a notícia publicada pelos RR causou ao A. profunda tristeza e depressão. - que a notícia causou ao A. um profundo sentimento de vergonha quando se cruzava profissionalmente com colegas que tinham lido a notícia. - que o A. foi enxovalhado e humilhado. Assim, tendo em consideração o que foi referido, não nos parece que se possa concluir que o autor sofreu danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito. VII Em síntese: 1. Resulta, designadamente, dos artigos 26.º, 37.º e 38.º da CRP e 70.º do Código Civil, conjugados com o artigo 18º da Constituição, que não deve estabelecer-se em abstracto qualquer relação de hierarquia entre o direito à honra e ao bom nome, por um lado, e o direito de informação, por outro, pois ambos têm idêntica dignidade constitucional: nem o direito de informar é superior ao direito à honra e ao bom nome, nem este é superior àquele, pelo que a prevalência de um direito sobre o outro só pode ser apreciada e valorada perante o caso concreto. 2. Numa sociedade livre e plural, a existência duma opinião pública bem informada é essencial à convivência em democracia, sendo que, para a formação dessa opinião pública, a liberdade de expressão e de informação constituem elemento fundamental. 3. Mas o direito à honra, ao bom nome e reputação constitui também pilar fundamental de uma sociedade justa, livre, democrática e defensora dos direitos dos cidadãos. 4. Com efeito, se numa qualquer sociedade, sob o pretexto da defesa do direito à liberdade de expressão e de informação, fosse possível pôr em causa o direito à honra e ao bom nome, seguramente essa sociedade não seria livre nem democrática e, muito menos, baseada na dignidade da pessoa humana. 5. Não obstante a liberdade de imprensa ter como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, a verdade é que ela tem de ser exercida de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação e a garantir o direito ao bom nome e à reserva da intimidade privada. 6. O direito de informação não é, pois, um direito absoluto, estando limitado por outros direitos igualmente legítimos e constitucionalmente protegidos, pelo que tem de ser exercido com grande preocupação cívica e com respeito pelos seus destinatários, que são os cidadãos em geral. 7. Em caso de conflito entre o exercício do direito de informar, por um lado, e o direito à honra e ao bom nome, por outro, deve a questão ser resolvidas à luz do princípio da ponderação de interesses, tendo-se sempre em consideração o caso concreto, devendo prevalecer o que se mostre mais relevante e digno de maior protecção jurídica. 8. Assim, face a uma notícia que objectivamente seja considerada ofensiva da honra e do bom nome de determinada pessoa, deve ponderar-se desde logo se a notícia prossegue um interesse legítimo, ou seja, digno de protecção jurídica. Se se concluir que a informação prossegue um interesse legítimo (a ausência deste interesse afasta de imediato o exercício do direito de informar), importa analisar se a concreta notícia é verdadeira ou se, pelo menos objectivamente, havia razões para assim ser considerada. 9. Concluindo-se pela afirmativa (se a notícia é falsa e não havia razões objectivas para a reputar como verdadeira, é manifesta a ilicitude da conduta e a ausência da causa de justificação), impõe-se verificar se a concreta notícia se mantém nos limites necessários e suficientes para o exercício do direito de informar com clareza e completude ou se pelo contrário, de modo desnecessário e desproporcionado, foram utilizados conteúdos e/ou formas que nada esclarecendo ou completando a informação, apenas denigrem o visado na sua honra ou bom nome. 10. Não pode ser considerada ofensiva da honra e bom nome uma notícia publicada num jornal Diário (ainda que não fosse verdadeira), segundo a qual, o Presidente da CNPD se tinha reunido com o Procurador-Geral da República, a quem teria feito a entrega duas queixas-crime, visando uma delas um ex-vogal da Comissão, uma vez que, perante as circunstâncias do caso, a jornalista tinha fundadas razões para pensar que a notícia era verdadeira e teve o cuidado de não identificar o visado pelo nome. ** Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 05.06. 2012 José David Pimentel Marcos Tomé Gomes Maria do Rosário Morgado. ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Este n.º 3 sofrerá a alteração decidida a fls. 23/24. [2] Este n.º 10 sofrerá a alteração decidida a fls. 23/24. [3] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, 2003, pág. 52. [4] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2004, págs. 584/585. [5] JORJE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, pág. 152. [6] Para maiores desenvolvimentos vejam-se Jorje Miranda/Rui Medeiros e Gomes Canotilho/Vital Moreira, em anotação ao artigo 18.º da CRP. [7] A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, foi publicada no Diário da República, I série, de 9 de Março de 1978. [8] A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma em 4 de Novembro de 1950, foi aprovada, para ratificação, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro. [9] Rabindranah Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, págs. 303/304. [10] Maria Paula G. Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, pág. 97. [11] Gomes Canotilho/vital moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, págs. 180/181. [12] JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit. pág. 289. [13] JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit. pág. 430. [14] A Lei nº 64/2007 foi ainda rectificada pela declaração de rectificação nº 114/2007, de 20 de Dezembro. [15] O Código Deontológico do Jornalista está disponível no sítio do sindicato dos jornalistas, em www.jornalistas.eu [16] Esta Lei foi rectificada pela declaração de rectificação nº 9/99, de 4 de Março; e entretanto alterada pela Lei nº 18/2003, de 11 de Junho. [17] Acórdão do STJ de 15.09.2011, proferido no recurso n.º 2634/06. [18] Não está em causa qualquer ilícito de natureza criminal. [19] BMJ 406-618. [20] Galvão Telles ob. cit. pag. 296 |