Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0080803
Nº Convencional: JTRL00024959
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
DIRECÇÃO EFECTIVA DE VIATURA
SEGURO AUTOMÓVEL
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
LITISCONSÓRCIO
DANOS FUTUROS
LUCRO CESSANTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL199904280080803
Data do Acordão: 04/28/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. DIR PROC CIV. DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ART494 ART496 ART562 ART566. CPC95 ART322 ART325 N1 N2. CPP98 ART71.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1997/04/15 IN REC N97A208. AC RC DE 1995/11/30 IN CJ ANO XX TOMO 5 PAG72. AC STJ DE 1992/10/28 IN CJ ANO 18 TOMO 4 PAG31.
Sumário: I - Em matéria de responsabilidade civil por facto ilícito, derivada de acidente de viação, é de todo infundado o pedido de intervenção principal provocada, formulado pela demandada seguradora com base na incerteza ou dúvida sobre os sujeitos passivos da relação controvertida.
Estar-se-ia, neste caso, perante uma situação de pedidos subsidiários ou exclusiva iniciativa do demandante.
II - Não há litisconsórcio necessário que obrigue ambos os pais a deduzirem um pedido conjunto de indemnização por danos não patrimoniais resultantes da morte e sofrimento da filha, vitima de acidente de viação: - o dano de cada um deve ser apreciado, independentemente do dos outros.
III - O chamado seguro "garagista" cobre a responsabilidade civil do condutor -vendedor de automóveis- que, no âmbito duma relação laboral com empresa que se dedicava à compra e venda de veículos, conduzia o veículo sinistrado no exercício da sua profissão com vista à sua venda, por ordem e no interesse da entidade patronal, ainda que o veículo não fosse ainda propriedade desta e, figurando (condutor) na respectiva apólice como condutor autorizado.
IV - Os danos futuros têm de ser previsíveis; e eles não existem quando a vítima tinha apenas 15 anos de idade, era estudante e projectava tirar curso superior vivendo exclusivamente a expensas da filha apenas fazer cessar despesas eminentes e não fez gorar lucros razoavelmente esperáveis.
V -Os juros moratórios relativos a indemnização por danos não patrimoniais são devidos, tão somente a partir da data da sentença que, salvo declaração em contrário, deve sempre actualizar o montante indemnizatório.
Decisão Texto Integral: Rec. nº 8080/98, 3ª Secção
Acordam em audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
No presente processo comum com intervenção de tribunal singular, proveniente do 3º Juízo Criminal de Almada, onde tinha o nº 15/97.4GDALM, (A) e (B) deduziram pedido cível contra "Portugal Previdente - Companhia de Seguros, SA", considerando esta como parte legítima para vir a ser demandada pelos danos causados, em acidente de viação, na circulação da viatura "SQ-27-09", pois, segundo articularam, «a aludida viatura estava segurada na Companhia ora
requerida pela Apólice nº 453.944 e era propriedade de (C), tendo esta transferido para aquele a responsabilidade».
Notificada a Portugal Previdente, veio esta requerer a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, do arguido (D), de "M.C.C. - Comércio de Automóveis, Ldª" e de (C), pois a apólice de seguro nº 453.944 não cobre os danos provocados pelo acidente em causa nos autos, visto ser um contrato de seguro dito de "garagista", celebrado entre a seguradora e a empresa "Gemorauto - Comércio Automóveis, SA", sendo que o arguido, apesar de funcionário da "Gemorauto", conduzia o veículo sem ser
às ordens e sob direcção desta e o mesmo não estava para reparação, para compra ou para venda. Assim, o veículo ou circulava sem seguro válido e, nesse caso, o Fundo de Garantia Automóvel é o responsável pelos danos por ele causados, ou
circulava por conta da M.C.C., que detinha então a sua direcção efectiva e em cujo stand estava estacionado, ou circulava por conta de (C) sua proprietária.
Tal requerimento para intervenção principal provocada foi inferido por despacho de 30 de Abril de 1998, pois que no caso não se está perante um qualquer interesse litisconsorcial, mas eventual pluralidade subjectiva subsidiária, ou legitimidade sucessiva passiva, fundamento do pedido de intervenção principal provocada previsto no art. 325º, nº 2, do CPC. Porém, para tal incidente ser suscitado, só tem legitimidade o A. e não o R., «o que os demandantes não só não fizeram, como notificados do pedido de intervenção pela demandada, nada disseram - sendo que sempre poderiam aderir ao requerido, tornando-o também seu".
Notificados desse despacho, os demandantes vieram requerer a intervenção principal das entidades identificadas pela Portugal Previdente, dando como reproduzidos todos os fundamentos apresentados no requerimento desta.
Tal requerimento dos demandantes também foi indeferido, por se julgar inoportuno. Na verdade, segundo o despacho do Mm.º Juiz, o incidente de intervenção principal provocada só pode ser requerido em articulado da causa ou em requerimento autónomo até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea. Ora, quanto ao articulado da causa, não há réplica em enxerto cível deduzido em processo penal. Quanto ao referido requerimento autónomo, nos termos do disposto nos arts. 320º, al. a) e 322º, nº 1, primeira parte, do CPC, a intervenção principal espontânea só está prevista como admissível a todo o tempo nos casos dos arts. 27º e 28º do CPC e não no caso dos autos, configurado no artº 31º b ).
Dos dois despachos de indeferimento supra mencionados recorreu a "Portugal Previdente - Companhia de Seguros, SA"
e, da sua fundamentação, concluiu o seguinte (transcrição):
I - Ocorrendo, mesmo ao nível de hipótese, uma perspectiva solidariedade entre a Recorrente e as entidades chamadas, é a mesma lícita, nos termos do art. 325º nº 1 do CPC.
II - O pedido de intervenção principal provocada, deduzido pela A. em audiência de discussão e julgamento da causa é oportuno, nos termos do art. 322º e 326º do CPC.
Termos em que devem os presentes recursos merecer provimento, com as legais consequências.
Por sua vez, os demandantes (A) e (B) também recorreram do despacho judicial que lhes indeferiu o pedido de intervenção principal provocada e, da sua motivação, concluíram (transcrição ):
1. O Relatório do D.L. 329-A/95 refere que as alterações processuais trazidas pelo novo C.P.Civil, afirma como regra o principio de "privilegiar a decisão de fundo e consagra,como regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável" e ainda, "para além de expressamente se consagrar, como princípio geral que incumbe ao Juiz providenciar oficiosamente pelo suprimento das excepções dilatórias susceptíveis de sanação, praticando os actos necessários à regularização da
instância ou quando estiver em causa a definição das partes, convidando-as a suscitar os incidentes de intervenção de terceiros adequados". Ora daqui resulta que,
2 -Toda a estrutura e interpretações das disposições do novo C.P.Civil, aponta para que o Mm.º Juiz tome não só as necessárias iniciativas para a definição das partes, convidando as partes a suscitarem as intervenções de terceiros adequados, mas ainda, e por maioria de razão, o Mm.º Juiz deverá aproveitar todas as iniciativas das partes no sentido de fazerem intervir quem, tendo ou podendo ter posições legítimas na lide, possa assegurar uma perfeita composição do litígio de modo
a obter-se uma decisão que produza um efeito processualmente útil; porém e salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida não revela consonância com tal preocupação do legislador, além do mais.
3 - Aquele principio geral, insere-se num outro principio mais vasto e de grande valia na administração da justiça que é o principio da economia processual, o qual também se mostrará violado, por uma sentença que, podendo julgar a parte penal e a cível, venha só a apreciar aquela e deixa esvaziada de conteúdo, podendo e devendo, admitir no processo quem civilmente seja responsável pelo pedido cível, isto é, a deixar-se de fora o verdadeiro devedor civil, terá o tribunal um maior esforço e trabalho quando por hipótese:
- julgar a parte penal, condenando o responsável;
- julgar a parte cível apurando os prejuízos mas não tendo determinado nem condenado quem seja responsável por esses prejuízos;
- e daí que, os AA/demandantes tenham de vir ajuizar nova acção cível, em separado, repetindo actos e duplicando esforços que podiam ser evitados, com todos os graves inconvenientes daí advenientes.
4 - No caso vertente parece estarmos, como diz a sentença recorrida, perante uma situação de pluralidade subjectiva subsidiária, prevista no art. 31º - B do C.P.C. uma vez que há fundamentada dúvida sobre o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica controvertida. E assim sendo,
5 - Contrariamente ao que diz a douta decisão recorrida, o caso sub-judíce aponta para que o incidente de intervenção possa ser provocado por requerimento autónomo a todo o tempo. Na verdade,
6 - O art. 325º nº 2 do C.P.C. admite que sejam chamados a intervir (intervenção Provocada) os sujeitos passivos referidos no art. 31º - B do mesmo Código, E,
7 - Quanto à oportunidade desse chamamento e intervenção, o nº 1 do art. 326º do C.P.C. refere que:
ou se faz em articulado da causa
Ou em requerimento autónomo / articulado próprio do incidente (se já não houver lugar mais articulado da acção - que é o caso vertente)
Quanto ao momento?
- Até ao momento em que se poderá deduzir a intervenção
espontânea em articulado próprio (requerimento autónomo do incidente).
Sem prejuízo do disposto no art. 296º do C.P.C..
Ora,
8 - A intervenção espontânea fundada na alínea a) do artº 320º do C.P.C. é admissível a todo o tempo, conforme art.º 322º nº 1 do C.P.C.; é este o nosso caso. Na verdade,
9 - A alínea a) do art. 320º do C.P.C, conjugado com o art. 28º do mesmo diploma refere-se à possibilidade de fazer intervir certo sujeito como parte principal, quando tal intervenção seja necessária para assegurar que a decisão a obter produza um efeito útil normal, conforme 2ª parte do nº 2 do art. 28º do C.P.Civil. E, é este o caso visto que sem a intervenção no processo de quem seja civilmente responsável (os chamados) não é possível obter-se nem executar-se o pedido cível formulado na acção. Por outro lado,
10 - Também a douta sentença recorrida não tem razão quando diz não estar em causa o disposto no art. 269º do C. P. Civil. É que,
11 - Se vier a declarar-se ilegítima a seguradora Portugal Previdente, S. A. e não se provar existir qualquer outra apólice de seguro válida, legitimado fica o chamamento ao processo ao
pedido cível do Instituto de Seguros de Portugal em representação do Fundo de Garantia Automóvel e do réu - penal (D), nos termos do D.L. 522/85 de 31/12/85 (Lei da Responsabilidade Civil Automóvel) maxime no seu nº 6 do seu art. 29º (que fixa o litisconsórcio necessário passivo de ambos). E assim é que,
12 - Pelo menos em relação a estes dois chamados ((D) e Fundo de Garantia Automóvel) sempre os AA. /demandantes poderão fazê-los intervir até ao trânsito em julgado da decisão que julga ilegítima alguma das partes o que ainda não ocorreu.
13 - A douta sentença recorrida fez indevida interpretação e aplicação dos seguintes princípios processuais civis: de privilegiar a decisão de fundo; do suprimento oficioso da sanação dos pressupostos processuais; do dever oficioso do Juiz convidar as partes a suscitar o incidente de intervenção de terceiros; da economia processual.
Princípios que violou.
14 - Fez ainda a douta sentença recorrida indevida interpretação e apIicação das seguintes normas legais que violou: arts. 28º nº 2 fine, 31º -B, 269º nº 1, 320º a), 322" nº 1, 323º, 325º nºs 1 e 2 e 326º todos do C.P.Civil.
15 - Com tais fundamentos e com os do douto suprimento de V. Ex. se espera que o Agravo seja reparado, e se o não for, pede-se que a douta decisão recorrida seja revogada, declarando-se como estando em tempo a intervenção principal provocada requerida pelos AA./demandantes; tudo com as legais consequências. Assim se fará Justiça!
Estes recursos foram admitidos a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final e, já nesta Relação, notificados os demandantes e demandada para dizerem se ainda mantinham interesse no julgamento dos recursos retidos, os mesmos reafirmaram tal interesse, embora os demandantes só no caso de ser dado provimento ao recurso da demandada no que respeita ao teor da sentença final.
Por sentença de 20 de Julho de 1998, foi julgada procedente por provada a acusação, parcialmente procedente o pedido cível formulado por (A) e procedente o pedido cível formulado por (B) e, por via disso,
a) foi condenado o arguido (D), pela prática de um crime
de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º/1 CP95, na pena de 14 (catorze) meses que prisão;
b) tal pena foi suspensa na sua execução, pelo período de 3 (três) anos;
c) mais foi condenado o arguido pela contra-ordenação p. e p. pelos art. 27º/1 e 3, 141º/1 e 2) e 148º/d do Cód. Estrada (D.L. nº 114/94), na coima de 20.000$00 (vinte mil escudos) e em 60 (sessenta) dias de inibição de conduzir;
d) foi condenada a "Portugal Previdente", no pagamento a (A) da quantia de 11.768.548$00 (onze milhões, setecentos e sessenta e oito mil quinhentos e quarenta e oito escudos), quantia a que acrescerão juros de mora à taxa legal e até integral pagamento, desde 98/01/27 (data da notificação para contestar - fls. 115) e até integral pagamento;
e) foi condenada, ainda, a "Portugal Previdente", no pagamento a (B) da quantia de 80.000$00 ( oitenta mil escudos), quantia a que acrescerão juros de mora em termos idênticos aos já referidos em d).
f) as custas da parte crime foram pelo arguido, com 4 ( quatro) UC de taxa de justiça, 1/3 desta de procuradoria e acrescendo àquela 1% - arts. 513º e 514º C.P.P., 85º/b e 95º C.C.J. e 13º/3 D.L. nº 423/91, de 30/10.
g) as custas dos pedidos cíveis, na proporção do respectivo decaimento.
Foi dessa sentença que recorreu para esta Relação a demandada "Portugal Previdente - Companhia de Seguros, SA " e, da sua motivação, concluiu que (transcrição ):
- Estando em causa a fixação de valores que radicam na esfera jurídica da falecida menor (dano morte e sofrimento desta) o art. 496º nº 2 do Código Civil obriga à intervenção de ambos os
Pais .
b ) A falta do Pai da sinistrada - como ocorre nos autos - corresponde a uma excepção dilatória, nos termos do art. 494º do Código Civil, a qual é de conhecimento oficioso (art. 485º do Código Civil).
c) A sentença recorrida deveria ter tomado conhecimento de tal excepção, mesmo não tendo sido invocada, e ao não o fazer, tal omissão constitui fundamento de nulidade, nos termos
do art. 668º do Código do Processo Civil.
d) A consideração de apólice de "garagista" da Recorrente, em detrimento de idêntica que a MCC - entidade que tinha a direcção efectiva do veículo BMW, apenas porque o arguido era empregado da Gemorauto, viola claramente o nº 3 do art. 2º do D.L. nº 522/85
e) Sendo que a Gemorauto por não ser proprietária nem possuidora do BMW não estava em condições de receber o respectivo produto de venda, nem tinha legitimidade para emitir a correspondente quitação.
f) Logo, sendo a MCC quem tinha a direcção efectiva do veículo e seria, em primeira linha a beneficiária da eventual venda - até porque o negócio com a Gemorauto, seguradora da Recorrente, poder-se-ia não concretizar - a apólice de seguro a funcionar era a de "garagista" que a MCC possuía junto da AXA Portugal SA.
g ) Não sendo de funcionar a apólice da Gemorauto, junto da Recorrente.
h) Ou, no limite haverá que entender que existindo duas apólices sobre o mesmo risco, com segurados diferentes, haverá uma responsabilidade solidária da ambas as seguradoras pelo pagamento das indemnizações arbitradas.
i) Os valores arbitrados pelo valor morte e pelo pretium doloris são excessivos - situando-se acima dos acolhidos pela jurisprudência dominante violando-se os artigos 496º nº 3 e 494º do Código Civil.
j) O dever de pagar e a fixação do respectivo valor emanan da decisão recorrida, a qual não transitou em julgado, pelo que não há lugar à fixação de juros de mora sobre os valores de indemnização desde a data da citação
1) Ao fazê-lo a sentença recorrida violou o art. 805º nº 3 do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento revogando, a sentença recorrida.
Por sua vez, a assistente (A) moveu recurso subordinado ao recurso interposto pela seguradora e, da motivação desse recurso subordinado, extraiu as seguintes conclusões (transcrição ):
A) - Quanto aos lucros cessantes
1ª - A douta sentença recorrida, ao não arbitrar qualquer indemnização por lucros cessantes, fez indevida interpretação da matéria pertinente dada como provada;
2ª - Foi contra a corrente Jurisprudencial e Doutrinal e fez erro de interpretação e de aplicação dos preceitos que regulam a matéria, maxime os arts 562º, 563º, 564º e 566º, todos do
C. Civil, normas que violou.
3ª - Deve assim, ser revogada a douta decisão recorrida, e condenando-se a tal título a Seguradora Demandada, a pagar à Demandante (A), a quantia de 16.200 contos, mais os juros desde a citação.
B) -Quanto aos danos não patrimoniais:
4ª - Também neste campo a decisão recorrida, fez indevida interpretação e valorização dos factos pertinentes dados como provados, aos quais subvalorizou em oposição à relevância dos mesmos.
5ª - Fez também indevida interpretação das normas aplicáveis, maxime dos arts. 496º 2 e 3 e 494º do C. Civil, preceitos que violou.
6ª - Deve assim, e a tal titulo ser revogada a douta sentença recorrida, e por via disso, a Demandada Companhia Seguradora ser condenada a pagar à Recorrente (A) -
Mãe da vítima as seguintes quantias:
a) pela perda do direito à vida da filha ou dano morte, esc. 8.000.000$00
b) - pelos sofrimentos sentidos pela vitima antes de morrer e desde o acidente, esc. 3.000.000$00
c) pelos danos morais consubstanciados na dor e instabilidade sofrida pela Mãe - Recorrente, esc. 4.000.000$00.
O arguido (D), em resposta ao recurso da seguradora, veio apenas rebater o primeiro ponto desse recurso, dizendo que não assiste razão à recorrente quanto à questão do litisconsórcio necessário.
A assistente, em resposta ao recurso principal, entendeu que o mesmo não merecia provimento.
A recorrente Portugal Previdente, em resposta ao recurso subordinado, entendeu que o mesmo não merecia provimento.
Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.
Ponto assente é o de que a douta sentença recorrida transitou em julgado no que diz respeito à parte criminal, pois quanto a essa matéria não houve recurso nem do Mº Pº, nem dos assistentes, nem do próprio arguido.
Quanto à matéria cível, única aqui a abordar, as questões a decidir são as seguintes:
A) No recurso interlocutório da seguradora:
1) saber se ocorre eventual solidariedade entre a recorrente e os chamados, o que tornaria lícita a intervenção principal, nos termos do art. 325º, nº 1, do CPC;
2) saber se a intervenção principal feita pelos demandantes foi tempestiva, nos termos do art. 322º e 326º do CPC.
B) No recurso interlocutório dos demandantes:
3) saber se o incidente de intervenção principal provocada por
requerimento dos demandantes foi tempestivo;
C) No recurso da demandada quanto à sentença final:
4) saber se o pedido deveria ter sido feito por ambos os pais da menor falecida e se a falta do Pai da sinistrada - como ocorre nos autos - corresponde a uma excepção dilatória, a qual é de conhecimento oficioso;
5) saber se era a MCC quem tinha a direcção efectiva do veículo e, portanto, quem devia ser demandada era, não a recorrente, mas a AXA Portugal SA, com quem aquela tinha um contrato de seguro de "garagista";
6 ) saber se os valores arbitrados pelo valor morte e pelo pretium doloris são excessivos - situando-se acima dos acolhidos pela jurisprudência dominante;
7) saber se os juros de mora sobre os valores de indemnização devem ser contados desde a data da citação;
D) No recurso subordinado da demandante (A):
8) saber se deviam ter sido arbitrados lucros cessantes, tal como pedido;
9) saber se deviam ser aumentados os valores fixados na douta sentença, pela seguinte forma:
a) pela perda do direito à vida da filha ou dano morte, para esc.
8.000.000$00
b) pelos sofrimentos sentidos pela vítima antes de morrer e desde o acidente, para esc. 3.000.000$00
c) pelos danos morais consubstanciados na dor e instabilidade sofrida pela Mãe - Recorrente, para esc. 4.000.000$00.
Para abordagem destas questões a lógica impõe-nos que comecemos pelo recurso interlocutório da demandada, pois se houver de proceder, haverá de ser anulado o processado quanto à matéria cível desde o momento em que a mesma
requereu a intervenção principaI; nessa anulação será de incluir a sentença e, consequentemente, não haverá que conhecer dos outros recursos.
Mas, se esse recurso subordinado improceder, teremos de conhecer seguidamente do recurso da demandada quanto à sentença final.
Se o recurso da demandada quanto à sentença final houver de proceder, teremos de conhecer, em seguida, do recurso interlocutório dos demandantes, mas se improceder, já não haverá de conhecer desse recurso interlocutório, aliás como
os próprios demandantes admitem (ver fls. 471).
Por fim, haverá que conhecer do recurso subordinado da demandante (A) quanto à sentença final.
Nestes recursos a Relação tem poderes de cognição em matéria de direito, pois as partes não prescindiram de documentação e a prova produzida em julgamento foi transcrita por súmula.
Contudo, os recursos não suscitaram questões quanto à matéria de facto e, na verdade, os factos provados e não provados na sentença recorrida não merecem qualquer reparo e devem considerar-se assentes para a decisão final.
São eles os seguintes:
1) No dia 7 de Janeiro de 1997, cerca das 20.15 horas, (D) conduzia o veículo "SQ-27-09", marca "B.M.W.", modelo 320, pela Rua (K), sentido Monte da Caparica - Torre da Caparica, área desta Comarca.
2) Tal veículo estava registado em nome de (C), mas havia sido vendido à "M.C.C. - Comércio de Automóveis, Lda.", sociedade que se dedica à compra e venda de automóveis.
3) O veiculo não fora registado em nome desta, porquanto assim é comum procederem os "stands" de compra e venda de usados, por os veículos estarem por pouco tempo em seu poder.
4) (D) é vendedor da "Gemorauto", concessionária da "Opel".
5) E, a "M.C.C." entrou em contacto com a "Gemorauto", a fim de lhe adquirir dois "Opel Corsa" novos.
6) Os contactos foram feitos entre (E), ao tempo Sócio-Gerente da "M.C.C." e (D), em nome da "Gemorauto".
7) Para a "M.C.C.", constituía condição de realização da aquisição, a entrega do veículo marca "B.M.W." que veio a ser interveniente no acidente.
8) A "Gemorauto " não tinha interesse no recebimento de retomas, como no caso dos autos, porque o veículo não era da marca "Opel" e porque teria valor superior a 2.000.000$00 (dois mil contos).
9) E, dava autorização e ordem aos seus vendedores, nomeadamente a (D), para procederem à colocação e venda daqueles veículos, nomeadamente através de conhecimentos e contactos particulares, procedimento que era habitual.
10) Sendo que, a quantia obtida seria depois creditada a favor do cliente, entrando a quantia proveniente da venda da retoma como receita da "Gemorauto".
11) Então se consumando o negócio de venda dos veículos pela "Gemorauto", no caso dos "Opel Corsa", só sendo pago em dinheiro, o remanescente do preço.
12) Ora, o "B.M.W." em causa nos autos tinha sido entregue a (D) pela "M.C.C.", no dia anterior ao do acidente e para que este arranjasse comprador para o mesmo, a fim de a "M.C.C." adquirir então à "Gemorauto", os dois referidos "Opel Corsa".
13) E, pouco antes, o mesmo deslocara-se ao Monte da Caparica, a fim de fazer contactos com vista à venda do "B.M.W."
14) Por isso, circulava o arguido com aquele automóvel, no dia, hora e local referidos em 1).
15) No mesmo sentido de marcha seguia à sua frente, à velocidade de cerca de 50 (cinquenta) Kms/h, o veículo "Renault Clio" conduzido por (F).
16) A via tem de largura 6,30 (seis vírgula trinta) metros, é ligeiramente a descer e tem uma visibilidade a mais de 200 (duzentos) metros.
17) A cerca de 40 (quarenta) metros, em sentido contrário (Torre da Caparica - Monte da Caparica), seguia a pé (B), que transportava à mão e junto da berma da estrada, do seu lado direito - esquerdo, relativamente ao sentido que o arguido seguia -, o ciclomotor matricula " 1-Alm-20-56" de que era dono
e que se encontrava avariado e sem luzes, mas assinalado, com os reflectores apostos nas rodas.
18) Consigo e também junto da berma da estrada, à direita de (B), atento o respectivo sentido de marcha, seguia também a pé, (G), ao tempo com 15 (quinze) anos de idade.
19) E, no local referido em 1), início da Rua e, após ligeira curva à esquerda, (D) iniciou ultrapassagem ao veiculo referido em 15).
20) Para as ocupantes deste veiculo, o arguido surgiu inesperadamente.
21) Seguia a uma velocidade não inferior a 80 (oitenta) Kms./h.
22) Sendo que o dia tinha sido chuvoso e por isso o piso se encontrava molhado.
23) E, a Rua em causa situa-se dentro da localidade do Monte da Caparica.
24) Depois de realizada a ultrapassagem, não mais o arguido conseguiu retomar a sua mão de trânsito, perdendo o controle do automóvel e indo embater na berma da estrada do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, onde embateu, de frente, numa barreira de terra que ali se encontrava, capotando de seguida.
25) O que sucedeu dada a velocidade que o arguido imprimia ao veículo, forma repentina de efectuar a ultrapassagem e dado o estado do pavimento, molhado e "gasto da aderência".
26) Após o que e tendo o veículo retomado a sua posição normal, seguiu sempre pela berma da estrada, do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, em descontrole e aos ziguezagues.
27) Embatendo ainda de novo, de frente, noutra barreira de terreno que ladeia a estrada, naquela berma.
28) Após o que, embateu na referida (G) e no ciclomotor supra
referido, sem que aquela pudesse esboçar qualquer intenção de fuga, lançando-os ao chão.
29) Após o embate, o veículo continuou a sua marcha descontrolada, parando apenas 47,8 (quarenta e sete, vírgula oito) metros após o inicio da perda de controle do veículo e primeiro embate à esquerda, referido em 24).
30) (G) deu entrada no "Hospital Garcia de Orta" em AImada, pelas 20.35 horas daquele dia e foi sujeita a várias intervenções cirúrgicas de urgência, como laparotomia e toracotomia direitas, hepatorrafia e fleborrafia supra-hepáticas, esta por laceração das veias hepáticas.
31) E veio a falecer em consequência de graves lesões traumáticas, crânio, meningo, encefálicas e abdominais, tais como infiltração hemorrágica do couro cabeludo nas regiões frontal e temporal direitas, infiltração hemorrágica do
músculo temporal direito, fractura da grande asa do esfenóide direito, fractura do tecto de ambas as órbitas, pequeno hematoma sub dural na região frontal direita, focos de contusão hemorrágicos dispersos pela substância branca e cinzenta dos
lobos frontal e temporal direitos e parietal esquerdo, derrame pleural de líquido sero-hemático, bilateral em ambas as cavidades pleurais, com cerca de 350 (trezentos e cinquenta) c.c., fractura do lobo direito do fígado, ligeira atalectasia pulmonar bilateral, pirotoneu sujo por sangue, fractura do hilo do rim direito e hematoma retoperitoneal.
32) Lesões traumáticas sofridas por via do acidente referido.
33) O arguido actuou da forma descrita, não obstante se ter apercebido do tipo de via em causa e estado do piso, bem como velocidade impressa ao veículo e tipo de manobra feita, sem que contudo tenha representado como possível vir a
colher alguém.
34) A seguir ao acidente, o arguido deslocou-se ao "H.G.O.", junto de um amigo seu, Médico, a fim de se inteirar do estado de saúde da vítima.
35) Demonstra constrangimento pelos factos praticados e seu resultado.
36) É considerado e estimado, no seu meio social.
37) Mantém-se como Vendedor da "Gemorauto" e ganha 140.000$00/150.000$00 (cento e quarenta/cento e cinquenta mil escudos) por mês.
38) Vive com a mulher, Bancária e que ganha 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos) mês e três filhos, de 13 (treze) e 12 (doze) anos de idade e um outro de 8 (oito) meses.
39) Não tem antecedentes criminais ou estradais anteriores.
40) A falecida (G) tinha ao tempo, 15 (quinze) anos de idade e era uma jovem saudável, cheia de vida e alegria de viver.
41) Estava ligada à mãe, por laços de grande afectividade.
42) Frequentava à data o 10º Ano de escolaridade, era boa aluna, não tinha perdido qualquer ano e pretendia cursar Direito.
43) Vivia exclusivamente com a mãe, que estava separada do pai há pelo menos 12 (doze) anos e, desde então não mais manteve contactos com este.
44) Para vestir a filha para o funeral, (A) comprou:
- um vestido no valor de 60.200$00 (sessenta mil e duzentos escudos);
- roupa interior e camisola, no valor de 6.000$00 (seis mil escudos);
- sapatos, no valor de 10.000$00 (dez mil escudos);
tudo no valor de 76.200$00 (setenta e seis mil e duzentos escudos).
45) No funeral - agência, transportes, anúncio e flores gastou a mesma a quantia de 192.348$00 (cento e noventa e dois mil, trezentos e quarenta e oito escudos).
46) Aquela, esperava que a sua filha viesse a ajudar o agregado familiar, composto por ela Doméstica e seu companheiro, (H) que trabalha na Construção Civil e ganha 80.000$00 (oitenta mil escudos)/mês.
47) (A) teve grande sofrimento psíquico pelo desgosto provocado com a morte da filha, perdendo cerca de 30 (trinta) Kgs. e desde então e até hoje, mantém-se em estado de choque e grande instabilidade afectiva.
48) Do acidente, resultou a perda total do veiculo de (B), no
valor de 80.000$00 (oitenta mil escudos).
49) A "Gemorauto" contratara com a "Portugal Previdente" a apólice de seguro nº 453 944, que cobria danos causados a terceiros na circulação automóvel, com base em responsabilidade civil, até 100.000.000$00 (cem milhões
de escudos).
50) Trata-se de um "seguro de garagista", no âmbito do qual foi estipulado por Seguradora e Segurado, que a apólice garantia "a responsabilidade civil em que incorrem, por virtude das suas funções, os garagistas, bem como quaisquer pessoas ou entidades que habitualmente exercem actividade de fabrico, montagem ou transformação, de compra e/ou venda, de reparação, de desempanagem ou de controlo do bom funcionamento do veiculo, desde que o responsável pela respectiva condução seja o portador da carta de condução que se refere na apólice".
51) (D), ora arguido, fora indicado na apólice, como o
condutor habitual, referindo-se quanto a matricula e marca "várias", desde que com peso até 2.500 Kgs.
52) Desde 95/05/15 que a "M.C.C." mantém apólice de seguro do ramo automóvel (Garagista), com a "Axa Seguros Portugal", com máximo de 150.000$00 (cento e cinquenta milhões de escudos) e indicando-se como condutor, (I), portador da carta de condução nº P - 179350.
53) É habitual na "Gemorauto" os trabalhadores suportarem os danos próprios causados, uma vez que afirma só tem "seguro contra terceiros".
54) E, por isso e por causa do acidente, o arguido acabou por comprar o "B.M.W." em causa nos autos, que arranjou e depois vendeu, o que fez como forma de suportar os prejuízos causados, como é comum na sua empresa e se disse, em 53).
55) Até ao dia 96/12/26, os danos na circulação automóvel, causados pelo veiculo em causa nos autos, estavam cobertos por contrato de seguro com a "Metrópole", apólice nº 543078, altura em que o titular do seguro substituiu a viatura por ele abrangida.
56) (D) compareceu à primeira data realizável do julgamento.
- Factos Não Provados -
A) A demandada e o pai da menor tinham já o seu divórcio a correr no Tribunal Judicial de AImada, onde foi realizada a 1ª conferência em 95/01/15 e decretado o Divórcio, em 97/07/07.
B) A vítima vestia a seguinte roupa e artigos comprados pela mãe e que ficaram estragados e/ou extraviados, pelo acidente:
- argolas de ouro - 16.000$00 (dezasseis mil escudos);
- mochila/mala - 8.500$00 (oito mil e quinhentos escudos);
- relógio "Swatch" - 8.000$00 (oito mil escudos);
- fio de ouro - 25.000$00 (vinte e cinco mil escudos);
- camisola - 3.500$00 (três mil e quinhentos escudos);
- pulôver - 6.000$00 (seis mil escudos);
- calças de ganga - 6.800$00 (seis mil e oitocentos escudos);
- Kispo - 18.000$00 (dezoito mil escudos);
- botas - 22. 000$00 (vinte e dois mil escudos).
C) O veículo não estava às ordens da "Gemorauto", para reparação ou compra e venda, por si.
D) O arguido conduzia o referido veículo por sua conta e no seu próprio interesse.
E) Ou por conta e no interesse de (C) sua proprietária registada.
F) Ou por conta e no interesse da "M.C.C.".
G) Pois neste "stand" levantou o arguido o veiculo, para proceder à sua venda sem qualquer intervenção da "Gemorauto".
H) (D) pretendia fazer um negócio particular com a venda do "B.M.W.", angariando comissão.
I) O automóvel conduzido pelo arguido, capotou duas vezes.
lrrespondível por Conclusivo
A1) O arguido não assinalou devidamente a manobra de ultrapassagem que ia fazer.
B1) O arguido actuou, sem ter atenção ao estado do tempo e condições do piso, bem como a menor visibilidade determinada pela hora nocturna e pelas descritas condições atmosféricas, não adequando igualmente a sua velocidade àquelas condições.
C1) Agiu com negligência e inconsideração, pautadas por falta de cuidado e cautelas para evitar o resultado, de que foi o único responsável.
E1) Era o arguido quem tinha a direcção efectiva do veículo.
F1) Era (C), quem tinha a direcção efectiva do veiculo.
G1) Era a "M.C.C." quem tinha a direcção efectiva do veículo.
I - Recurso interlocutório da demandada "Portugal Previdente
Companhia de Seguros, SA":
Neste recurso a demandada ataca simultaneamente dois despachos, o de fls. 300-302, no qual foi indeferida a intervenção provocada pela própria demandada, e o de fls. 310, no qual foi indeferida a intervenção provocada pelos demandantes.
Ora, quanto ao despacho de fls. 310, obviamente a demandada não tem legitimidade para dele recorrer, pois foi um despacho proferido contra os demandantes e não contra ela. Na verdade, têm legitimidade para recorrer «as partes civis, da parte das
decisões contra elas proferidas» ( art. 410º, nº 1, al. c, do CPP).
É certo que o despacho de fls. 310 acaba por afectar também a demandada, pois indefere um requerimento, dos demandantes onde estes fizeram como seu um anterior requerimento da demandada. Mas, uma coisa é ser afectado por um despacho (o que possibilita o direito de resposta num eventual recurso movido contra esse despacho ), outra é ser o despacho proferido contra a parte que o provocou. Ora, a demandada não provocou o despacho de fls. 310 e, portanto, tal despacho não foi proferido contra ela.
Em suma, a demandada não tem legitimidade para a interposição de recurso contra o despacho de fls. 310 e, nessa parte, dele não se tomará conhecimento.
Quanto ao despacho de fls. 300-302, não há dúvida de que a demandada tem legitimidade para dele recorrer, pois através dele indefere-se um requerimento da demandada para obter uma intervenção provocada.
O que importa, quanto à matéria deste recurso interlocutório, é averiguar se havia fundamento, na fase processual em que foi requerida a intervenção, para a mesma ser admitida.
Recorde-se que a demandada Portugal Previdente pôs a questão deste modo:
- Ela, seguradora, tem um contrato de seguro dito de "garagista" com a empresa Gemorauto para quem trabalha o arguido (D). Tal contrato está assim definido no art. 2º, nº 3, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro (sujeitos da obrigação de segurar): «estão ainda obrigados os garagistas, bem como quaisquer pessoas ou entidades que habitualmente exercem actividade de fabricação, montagem ou transformação, de compra e ou venda, de reparação de desempanagem ou de controle do bom funcionamento de veículos, a segurar a responsabilidade civil
em que incorrem quando utilizem, por virtude das suas
funções, os referidos veículos no âmbito da sua actividade profissional». Contudo, no caso em apreço, nem a Gemorauto tem alguma coisa a ver com o veículo acidentado, nem este estava para reparação, para compra ou para venda, nem o
arguido (D) estava a conduzi-lo por ordem da sua entidade
patronal. Assim a apólice de seguro "garagista" celebrado entre a Portugal Previdente e a Gemorauto não cobre a responsabilidade civil do acidente em causa.
Tal responsabilidade civil ou está a cargo da pessoa em nome de quem está registado o veículo, de nome (C), ou da "M.C.C. -
Comércio de Automóveis, Ldª" que adquiriu o veículo à (C) e no
interesse e sob a direcção de quem o (D) o estaria a conduzir, ou do próprio (D) que o estaria a conduzir no seu interesse e sob a sua direcção, ou, não havendo seguro a cobrir a responsabilidade civil, do Fundo de Garantia Automóvel. Por isso, a demandada Portugal Previdente requeria a intervenção principal da (C), "M.C.C. - Comércio de Automóveis, Ldª", do (D) e do Fundo de Garantia Automóvel.
Ora, a intervenção principal provocada está hoje prevista no art. 325º do CPC 95 (nº 1 «qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como associado da parte contrária») e corresponde ao anterior art. 356º.
Como diz J. Alberto dos Reis, em anotação aos arts 356º e 357º (in "Código de Processo Civil Anotado", 1 vol., pág. 514):
«O interveniente principal vem a juízo, não simplesmente para auxiliar uma das partes, como assistente, não para formular pretensão incompatível com a do autor, como o oponente, mas para fazer valer um direito seu, que coexiste com o do autor ou do réu. É, portanto, um novo litigante que, como parte principal, vem associar-se ao autor ou ao réu. A intervenção dá, assim, origem a um litisconsórcio sucessivo; daí a expressão «intervenção litisconsorcial», com que a figura é designada por alguns processualistas estrangeiros».
Ora, no caso em apreço, não está em causa qualquer relação litisconsorcial entre a demandada e os por ela chamados a intervir, antes uma cumulação subjectiva que poderia ter dado origem a diversos pedidos subsidiários (art. 31º-B do CPC 95), isto é, poderiam ter sido subsidiariamente demandados diversos réus em consequência do pedido principal, alegando-se dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida.
Contudo, tais pedidos subsidiários haveriam de ter sido feitos obviamente pelos demandantes, nos termos do art. 325º, nº 2, do CPC 95 («no caso previsto no artigo 31º - B, pode ainda o autor chamar a intervir como réus os terceiros contra quem pretenda formular pedido subsidiário»).
Aliás, se bem pensarmos, a demandada Portugal Previdente não veio suscitar qualquer questão de legitimidade passiva, por existir um litisconsórcio necessário ou voluntário, antes alegou que a acção improcedia no que lhe diz respeito, pois o contrato de seguro invocado pelos autores no seu pedido não cobria a responsabilidade civil em causa e que esta responsabilidade poderia estar, sucessivamente a cargo de outros. Competia, portanto, aos autores - e não à ré - suscitarem o incidente a que refere o art. 325º, nº 2.
Alega a demandada, ainda, que sem produção de prova não
saber se havia ou não solidariedade entre ela e algum dos outros chamados a intervir. Mas, na verdade, essa alegação é inexacta, pois, nunca se poderia apurar, em sede de julgamento, dada a natureza do contrato de seguro celebrado entre a Gemorauto e a Portugal Previdente, que a situação em causa estava abrangida pela apólice em apreço e ainda por outra apólice de seguro, pois o condutor do veículo
ou estava a conduzi-lo no âmbito da sua relação laboral com a Gemorauto ou não estava. Se estava no âmbito dessa relação laboral, não podia estar a conduzir o veículo simultaneamente sob a direcção efectiva de outrem.
Por outro lado, a questão da legitimidade nunca poderá ficar dependente de prova a produzir ulteriormente em julgamento, pois terá sempre de ser verificada pela relação jurídica tal como configurada pelas partes nos seus articulados, neste caso pela própria alegação da demandada.
Por fim, ainda que, por absurdo, se pudesse configurar uma situação em que duas seguradoras estavam a cobrir o mesmo risco - o que até aparenta ser ilegal - não haveria qualquer relação entre elas, muito menos de solidariedade e,
portanto, sendo demandada uma delas, não poderia esta vir requerer a intervenção principal da outra.
Em suma: a demandada requereu sem fundamento legal a intervenção principal provocada e o seu recurso interlocutório, contra o despacho de fls. 300 a 302, não merece provimento.
I - Recurso da demandada quanto à sentença final:
A primeira questão deste recurso é da existência de pretensa excepção dilatória por o pedido, no que diz respeito aos valores que radicam na esfera jurídica da falecida menor (dano morte e sofrimento desta) ter sido feito apenas pela mãe da menor falecida, desacompanhado do pai. Na verdade, alega a
demandada, a falta de um dos interessados em caso de litisconsórcio necessário implica a ilegitimidade do autor (Código de Processo Civil, artigo 28º), geradora do indeferimento liminar da petição inicial (Código de Processo Civil, artigo 474º, nº 1 alínea b ).
O art. 28º, nº 1, do CPC, indica que se a lei ou o negócio exigirem a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Ora, no caso em análise, de indemnização por danos não patrimoniais por virtude de falecimento, a questão radica no facto do art. 496º, nº 2, do C. Civil, dispor que por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos e sobrinhos que o representem.
A frase "em conjunto" tem levantado algumas dificuldades, mas, como bem tem vindo a decidir o S.T.J., não tem implicações processuais e tão só substantivas, pelo que não se está na lei a configurar um caso de litisconsórcio necessário activo, pelo menos nos casos em que a indemnização se funda na culpa
do condutor (vejam-se, por exemplo, os Acs. do S.T.J. de 15/04/97 in rec.97A208, de 03/02/76, in rec. 66059, e de 24/07/79, in rec. nº 67998).
Citaremos, aqui, parte do primeiro desses acórdãos, que nos parece completamente esclarecedor:
«A expressão "em conjunto" crê-se que não oferece dúvida de
que se não reporta a um problema de legitimidade processual caso se exclua do âmbito do pedido a componente "desgosto", "dor" experimentada, vivida pelo títular do direito (o credor da
indemnização pode limitar o seu pedido ao dano da morte, na
componente perda da vida - princípio da disponibilidade). A valoração de um pedido assim formulado, deste dano na sua
expressão mais reduzida (e não se o pode avaliar), não sofre
qualquer diferença, para mais ou para menos, dependente de
outra ou outras componentes. Peticionar a indemnização pelo
dano da morte pode ser feita por qualquer um dos titulares do direito.
Questão diversa desta (que tem natureza processual) é a da sua valoração (esta sim de natureza substantiva) e esta depende da prova. Sucede que só artificialmente poderemos autonomizar a componente "desgosto" - aqui, não funciona como dano (não é o tal dano especial próprio) mas como componente. Para valorar o dano da morte, para encontrar uma
expressão quantitativa capaz de satisfazer a sua função (de
compensação), interessa conhecer o número de titulares do direito. Tendo a função de compensar , há que saber quantos os interessados a ser compensados. Importa ainda conhecer
a intensidade do desgosto, não porque a sua ausência
justifique a exclusão mas porque, ao abrigo do artigo 494º do CC, influencia a valoração. É essa expressão quantitativa que irá ser atribuída "em conjunto" (sem respeito pela atribuição e repartição segundo as regras sucessórias) ao grupo (adiante se precisará se a ideia se refere aos 3 considerados no nº 2) e
que irá ser repartida em igualdade entre os que encabeçam
os seus componentes.
Esse o sentido da expressão em "conjunto", afastar as regras sucessórias e estabelecer norma especifica dizendo que se procede a uma atribuição e a uma repartição conjunta. Não há litisconsórcio necessário nem conveniente (CPC - 28º). A esta mesma conclusão se deve chegar se se adoptar a tese de Vaz Serra (que, como já se observou, considerava que o artigo 496º, nº 2 CC, afastou a regra do artigo 2024º CC).O que o artigo 496º, nº 2 CC diz, e pela doutrina e jurisprudência é atendido é que há chamados sucessivos, preterindo o cônjuge sobrevivo e os filhos os outros parentes.
"O artigo 496º, nº 2, quando reconhece direito de indemnização
por danos não patrimoniais, ao cônjuge e aos descendentes,
em conjunto, quer naturalmente dizer que, havendo cônjuge e descendentes, todos têm direito de indemnização, não sendo,
portanto, o direito daquele excluído pelo destes, e vice-versa"
(p. 43). Dentro de cada grupo de pessoas, há que reparar os
danos que cada uma delas sofreu (o cônjuge, os filhos, os netos; na falta destes, os pais ou outros ascendentes destes,
os irmãos ou sobrinhos que os representem) - segundo o acórdão em anotação, "a locução em conjunto significa que o cônjuge sobrevivo e os filhos (ou outros descendentes) participam simultaneamente na titularidade do direito, ao passo que as demais pessoas com direito de indemnização têm um direito sucessivo, preterindo as primeiras as segundas, e assim sucessivamente.
O que está certo".
"O dano de cada um dos titulares do direito à indemnização
ser apreciado independentemente do dos outros" pois só o seu
dano é reparável, devendo "ser indemnizado de harmonia com os danos não patrimoniais efectivamente sofridos" (p. 43). Sendo assim, também na sequência da tese de Vaz Serra,
porque há apenas que reparar o dano de cada pessoa, não há litisconsórcio necessário, pois nem alei nem a estrutura da relação jurídica o impõem, sendo que àquela reparação acresce a compensação relativa a cada um pelo dano "desgosto" e que pode variar com a intensidade desse desgosto (não se distinguindo entre o "dano comum" e o "dano especial" próprio mas considerando-o todo ele indemnizável nos termos do nº 3, in fine, do artigo 496º CC). Vaz Serra, nas observações deixadas transcritas, limita a extensão da expressão " em conjunto" ao primeiro grupo ("cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes") do artigo 996º, nº 2 CC. Já o fizera também este Supremo no acórdão anotado .
Fá-lo ainda A. Varela - P. de Lima in CC Anot. (4. ed. rev. e act., 1/501 - "terem direito à indemnização em conjunto significa apenas que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2º e 3º grupos indicados no mesmo nº 2, para os quais vigora o princípio
do chamamento sucessivo" p. 501). Fá-lo e principalmente,
a lei naquele nº 2 e é a norma o que fundamentalmente interessa».
Improcede, pois, esta primeira alegação da recorrente.
A questão fundamental do recurso da demandada Portugal Previdente prende-se, porém, com a alegação de que a apólice do contrato de seguro celebrado entre ela é a Gemorauto não cobre a responsabilidade civil no acidente reportado nos autos.
Efectivamente, como já foi dito anteriormente, a demandada celebrou com a Gemorauto um contrato de seguro, dito de "garagista", titulado pela apólice de seguro nº 453 944, que cobria danos causados a terceiros na circulação automóvel,
com base em responsabilidade civil, até 100.000.000$00 (cem milhões de escudos).
Conforme se pode ver dessa apólice, cuja cópia está a fls. 194 a 237, e de acordo com a cláusula particular nº 11, acordada entre as partes, «Esta apólice garante a Responsabilidade Civil em que incorrem, por virtude das suas funções, os garagistas, bem como quaisquer pessoas ou entidades que habitualmente exerçam actividade de fabrico, montagem ou transformação, de compra e/ou venda, de reparação de desempanagem ou de controlo do bom funcionamento de veículo, desde que o responsável pela respectiva condução seja o portador da carta de condução que se refere na apólice».
Ora, como também consta das condições dessa apólice, o
condutor do veículo em causa era um dos que, no âmbito dos riscos assumidos nesse contrato de seguro, poderia conduzir veículos na actividade garagista da Gemorauto.
Provou-se em julgamento que a Gemorauto «dava autorização ordem aos seus vendedores, nomeadamente a (D), para procederem à colocação e venda daqueles veículos, nomeadamente através de conhecimentos e contactos
na altura do acidente, por ordem da Gemorauto e, portanto, no âmbito da relação laboral estabelecida entre ele e essa empresa.
Mais se provou que a Gemorauto, não tendo embora interesse em retomas de veículos, queria que os seus vendedores vendessem os veículos dos indivíduos ou empresas que a contactavam para comprar automóveis, pois essa era uma
maneira de concretizar o negócio, recebendo a importância da respectiva venda.
«Ora, o "B.M.W." em causa nos autos tinha sido entregue a (D) pela "M.C.C.", no dia anterior ao do acidente e para que este arranjasse comprador a fim de a "M.C.C." adquirir então à "Gemorauto", os dois referidos "Opel Corsa".
Deste modo, é bem claro que o veículo acidentado estava em poder da Gemorauto, na pessoa de um seu empregado, que aí actuava por sua ordem e no âmbito da actividade garagista, pois era a Gemorauto que o desejava vender, a fim de poder concretizar um outro negócio futuro.
É certo que o veículo não era propriedade da Gemorauto e também é exacto que era do interesse da proprietária (a M.C.C.) a venda do veículo, o qual colocou, para esse fim, à disposição do vendedor da Gemorauto. Mas, entre a M.C.C. e o condutor do veículo não havia qualquer relação laboral, pelo que nunca poderia funcionar o seguro de garagista que é suposto a M.C.C. ter. Também, o condutor não actuou por conta própria - nem sequer se provou que recebesse comissão - mas antes no âmbito da sua função laboral com a Gemorauto.
Por isso, a conclusão do Mmº Juiz na douta sentença, é lógica e deve ser mantida: «...o arguido actuava, quer no interesse da "M.C.C.", quer da "Gemorauto" - com efeito, a compra e venda que iriam celebrar só se efectuaria, estando ambas as partes interessadas. Simplesmente e para efeitos de contrato de
seguro, a questão não está no interesse, nem na direcção efectiva do veículo - está antes, nas funções que exercia o condutor do veiculo sinistrado. E, quanto a estas, actuou o arguido no âmbito das suas funções de Vendedor , como era hábito e de acordo com as ordens da sua entidade patronal. - 2.9. Os danos causados no caso estão pois no âmbito do contrato de seguro, estipulado entre a "Gemorauto" e a
"Portugal Previdente".
Improcede, também, esta conclusão do recurso da demandada.
Alega a demandada, ainda, que os valores arbitrados pelo valor morte e pelo pretium doloris são excessivos - situando-se acima dos acolhidos pela jurisprudência dominante e violando-se os arts. 496 nº 3 e 494º do Código Civil.
Ora, por um lado, não existem valores "jurisprudencialmente correctos" no que toca aos montantes indemnizatórios, pois cada caso é um caso e, portanto, a jurisprudência é meramente casuística.
Por outro, os valores dos capitais obrigatoriamente seguros têm vindo a subir nos últimos anos, por força de regras impostas pela Comunidade Europeia.
Assim, em 1986 o capital obrigatoriamente seguro, por cada lesado, era de 6.000 contos, mas em 1987, já era 120.000 contos, em 1993 de 35.000 contos e em 1996, 120.000 por sinistro, qualquer que seja o número de vítimas ou a natureza dos danos. Esses valores, automaticamente actualizados para os contratos em vigor, significam maiores prémios para as seguradoras, mas também indemnizações mais adequadas aos valores reais dos prejuízos, pelo que não admira que a jurisprudência existente em relação aos montantes indemnizatórios em caso de sinistro rodoviário fique rapidamente ultrapassada e não sirva de exemplo para o futuro.
Assim, a indicação, por parte da seguradora, de que "os valores fixados situam-se acima do que a maioria da jurisprudência tem fixado para casos semelhantes" não tem qualquer suporte e, não indicando, ela própria, quais os
valores que então consideraria correctos para o caso em apreço, não podemos deixar de considerar sem fundamento esta sua alegação, notando, embora, que, mais adiante, no recurso da demandante, voltaremos à questão da fixação dos
danos não patrimoniais.
Por fim, a demandada não aceita que os juros de mora sobre os valores de indemnização tenham de ser contados desde a data da citação.
Do art. 805º, nº 3, do C. Civil, decorre que nos casos de processos relativos a responsabilidade por factos ilícitos, só existe mora, em princípio, quando o devedor toma conhecimento de que o credor tornou líquido o montante
do seu prejuízo, ou seja, a partir do momento da citação.
Contudo, como o princípio geral da obrigação de indemnizar é o de «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação» (art. 562º do C. Civil), o juiz pode (e, em geral, deve), ao fixar a indemnização, quando a mesma tem de ser computada em dinheiro, tomar em conta a desvalorização da moeda desde a altura do evento danoso até ao momento actual, para que o credor da indemnização possa
ser ressarcido num montante equivalente. É o que dispõe o art. 566º, nº 2, do C. Civil.
No caso em que o juiz procede a essa actualização não há lugar a juros de mora a não ser desde o momento da sentença, pois doutro modo haveria uma repetição de valores, recebendo o credor duplamente pela mora do devedor, uma através dos juros, outra através da actualização, visto que tanto os juros como a actualização visam ressarcir a mora das obrigações pecuniárias.
Em suma:
- os juros moratórios são devidos a partir da sentença da 1ª instância, quando nesta se procedeu à correcção monetária da quantia pedida a título de indemnização;
- mas devem considerar-se desde a citação se os montantes atribuídos não tiverem em conta aquela actualização.
Esta tem sido a jurisprudência constante do S.T.J., resumida e explicada com grande clareza no Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de Novembro de 1995 (in C.J., XX, tomo V, p. 72).
Ora, no caso da douta sentença recorrida, o Mm.º Juiz não esclareceu se o montante indemnizatório relativo ao ressarcimento pelos danos não patrimoniais estava ou não actualizado ao momento da sentença. Porém, como tais danos devem ser computados por juízos de mera equidade, como já dissemos, e como tais juízos são feitos no acto de julgar, conclui-se facilmente que no caso de indemnização por danos não patrimoniais o montante indemnizatório é, salvo declaração em contrário, sempre actualizado ao momento da sentença, sendo devidos juros de mora unicamente a partir dessa data. Aliás, o próprio art. 566º, nº 2, do C. Civil, manda atender, para cálculo da indemnização em dinheiro, à data mais recente que
puder ser atendida pelo tribunal, portanto, em princípio, ao momento da sentença.
Em suma, no caso dos autos, sobre valores das indemnizações por danos patrimoniais (80.000$00 ao (B) e 268.548$00 a (A)
vencerão juros legais desde a notificação à demandante para contestar o pedido e sobre os valores dos danos não patrimoniais vencerão juros legais desde a data da sentença.
III- Recurso interlocutório dos demandantes:
Uma vez que o recurso da demandada improcedeu totalmente quanto à questão fundamental por ela suscitada - a de que a apólice do seguro por ela efectuado com a Gemorauto não cobria a responsabilidade civil no acidente em causa -, o recurso interlocutório dos demandantes, destinado a obter a intervenção principal de réus contra quem podia formular pedidos subsidiários, tornou-se absolutamente inútil.
Dele não tomaremos conhecimento.
IV- Recurso subordinado da demandada (A)
A primeira questão que a recorrente suscita é a de que tem direito ao ressarcimento pelos lucros cessantes.
Na verdade, a demandante (A) havia pedido a quantia de 16.200.000$00, a título de lucros cessantes, em virtude de ter a expectativa de que a sua filha, quando tivesse meios de subsistência, a viesse a sustentar na velhice.
Sobre o cálculo de danos futuros indeterminados, o art. 564º, nº 2, do C. Civil diz que «na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da
indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Como vemos, os danos futuros têm de ser previsíveis.
A previsibilidade faz apelo a critérios de normalidade, àquilo que razoavelmente se pode esperar, em suma ao nexo de probabilidade com a situação que existiria, caso não existisse a lesão (art. 563º CC).
Ora, a falecida era uma jovem de 15 anos, ainda estudante e, portanto, muito longe de entrar no mercado de trabalho. Ainda que se admita que como "boa estudante" um dia viesse a tirar um curso superior, mesmo isso não passa de uma mera conjectura, pois não é possível dizer-se com tanta antecedência o que iria ser a sua vida profissional, ou se um dia não optaria por uma vida doméstica. Por outro lado, quem sabe se estaria em condições de ajudar a sua mãe na velhice e em que medida o faria, ou mesmo se esta gostaria ou necessitaria então de ser ajudada.
Com uma filha de apenas 15 anos de idade, a mãe o que poderia razoavelmente esperar dela, sob o ponto de vista económico, era o passar de muitos anos em que teria enormes despesas pela frente, com o seu sustento e educação. Ou seja, por muito custoso que seja mencionar isto perante a imensa dor de uma mãe que perdeu a filha em plena adolescência - mas é a própria mãe que aqui vem levantar o problema económico - a morte fez cessar despesas eminentes, não fez gorar lucros razoavelmente esperáveis. A futurologia não faz parte do nexo
de causalidade.
Improcede, pois, o pedido de lucros cessantes por parte da demandante.
Por fim, a demandante questiona o valor, a seu ver insuficiente, que foi arbitrado para os danos não patrimoniais.
Recorde-se que a douta sentença fixou em 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), o dano morte, em 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos) as dores e sofrimento sentidos pela própria vítima antes da morte e em
3.000.000$00 (três milhões de escudos), o sofrimento e instabilidade sofridos pela demandante.
A demandante pretende, pela perda do direito à vida da filha ou dano morte, esc. 8.000.000$00, pelos sofrimentos sentidos pela vítima antes de morrer e desde o acidente, esc. 3.000.000$00 e pelos danos morais consubstanciados na dor e instabilidade sofrida pela Mãe - Recorrente, esc. 4.000.000$00.
Nos termos do art. 562º do C. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (art. 566º do mesmo Código).
São indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º).
Como é sabido, a fixação de tais danos é feita por critérios de equidade (art.s 496º, nº 3 e 494º do C. Civil).
Tal como na douta decisão recorrida, citaremos aqui o Ac. do S.T.J. de 28 de Outubro de 1992, in C.J., Ano XVIII, Tomo IV, pág. 31: «Os danos morais ou prejuízos de natureza não patrimonial
correspondem àquilo que na linguagem jurídica se costuma designar por "pretium doloris", ou ressarcimento tendencial da
angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto» .
Ora, a vítima tinha 15 (quinze) anos, á data dos factos, era saudável e tinha alegria de viver. O embate foi violento, do mesmo tendo resultado vários traumatismos, graves e certamente profundamente dolorosos. A vítima foi sujeita a ,
várias intervenções cirúrgicas, antes de vir a falecer. Era filha única, da demandante (A). Esta e sua filha mantinham relação muito intensa. A demandante ficou fortemente abatida, pela morte da filha.
As diferenças entre o arbitrado na douta sentença recorrida e o agora pedido pela demandante acabam por ser pouco significativas. Parece, por isso, razoável, tendo em atenção ainda o absurdo do acidente que vitimou a jovem, em que esta foi por completo alheia e indefesa face aos acontecimentos, optar pelos valores que a infeliz mãe pede, para de algum modo compensar a sua enorme tristeza.
Termos em que, nesta parte, procede o recurso da demandante. De tudo o exposto, podem retirar-se as seguintes conclusões:
1º - Quanto ao despacho de fls. 310, obviamente a demandada não tem legitimidade para dele recorrer, pois foi um despacho proferido contra os demandantes e não contra ela.
2º - No caso em apreço, não está em causa qualquer relação litisconsorcial entre a demandada e os por ela chamados a intervir, antes um cumulação subjectiva que poderia ter dado origem a diversos pedidos subsidiários (art. 31º - B do CPC 95), isto é, poderiam ter sido subsidiariamente demandados diversos réus em consequência do pedido principal, legando-se dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida.
3º - Contudo, tais pedidos subsidiários haveriam de ter sido feitos, obviamente, pelos demandantes e não pela demandada, nos termos do art. 325º, nº 2, do CPC 95.
4º - Não há litisconsórcio necessário que obrigue ambos os pais a deduzirem em conjunto o pedido no que diz respeito aos valores que radicam na esfera jurídica da falecida filha (dano morte e sofrimento desta).
5º - E bem claro que o veículo acidentado estava em poder da Gemorauto, na pessoa de um seu empregado, que aí actuava por sua ordem e no âmbito da actividade garagista, pois era a Gemorauto que o desejava vender, a fim de poder
concretizar um outro negócio futuro. Os danos causados no caso estão pois no âmbito do contrato de seguro, estipulado entre a "Gemorauto" e a "Portugal Previdente".
6º - A indicação por parte da seguradora de que "os valores fixados situam-se acima do que a maioria da jurisprudência tem fixado para casos semelhantes" não tem qualquer suporte e não indicando ela própria, quais os valores que então consideraria correctos para o caso em apreço, não podemos deixar de considerar sem fundamento esta sua alegação.
7º - Os juros moratórios são devidos a partir da sentença da 1ª instância, quando nesta se procedeu à correcção monetária da quantia pedida a título de indemnização, mas devem considerar-se desde a citação se os montantes atribuídos não tiverem em conta aquela actualização.
8ª - No caso de indemnização por danos não patrimoniais o montante indemnizatório é, salvo declaração em contrário, sempre actualizado ao momento da sentença, sendo devidos juros de mora unicamente a partir dessa data.
9ª - Uma vez que o recurso da demandada improcedeu totalmente quanto à questão fundamental por ela suscitada - a de que a apólice do seguro por ela efectuado com a Gemorauto não cobria a responsabilidade civil no acidente em causa -, o recurso interlocutório dos demandantes, destinado a obter a intervenção principal de réus contra quem podia formular pedidos subsidiários, tornou-se absolutamente inútil.
10ª - Com uma filha de apenas 15 anos de idade, a mãe o que poderia razoavelmente esperar dela, sob o ponto de vista económico, era o passar de muitos anos em que teria enormes despesas pela frente, com o seu sustento e educação. Ou seja, por muito custoso que seja mencionar isto perante a imensa dor
de uma mãe que perdeu a filha em plena adolescência - mas é a própria mãe que aqui vem levantar o problema económico - a morte fez cessar despesas eminentes, não fez gorar lucros razoavelmente esperáveis.
11ª - As diferenças entre o arbitrado na douta sentença recorrida quanto aos danos não patrimoniais e o agora pedido pela demandante acabam por ser pouco significativas. Parece, por isso, razoável, tendo em atenção ainda o absurdo do acidente que vitimou a jovem, em que esta foi por completo alheia e indefesa face aos acontecimentos, optar pelos valores que a infeliz mãe pede, para de algum modo compensar a sua enorme tristeza.
Acordam, assim, em:
- não conhecer do recurso da demandada "Portugal Previdente
Companhia de Seguros, SA" contra o despacho lavrado a fls.
310, por ilegitimidade;
- negar provimento ao recurso interlocutório da demandada "Portugal Previdente - Companhia de Seguros, SA " contra o despacho lavrado a fls. 300 a 302.;
- conceder provimento parcial ao recurso da demandada "Portugal Previdente - Companhia de Seguros, SA", mas apenas no que respeita ao momento em que se fixam os juros, pois sobre os valores das indemnizações por danos patrimoniais (80.000$00 ao (B) e 268.548$00 a (A)) vencer-se-ão juros Iegais desde a notificação à demandante para contestar o pedido e sobre os valores dos danos não patrimoniais vencer-se-ão
juros legais desde a data deste acórdão;
- não conhecer do recurso interlocutório dos demandantes contra o despacho de fls. 310;
- conceder provimento parcial ao recurso da demandante (A), mas apenas na parte em que pediu a alteração dos valores fixados aos danos não patrimoniais, que agora se fixam em esc.
8.000.000$00 pela perda do direito à vida, em esc. 3.000.000$00 pelos sofrimentos sentidos pela vítima antes de morrer e em esc. 4.000.000$00 pela dor e instabilidade sofrida pela recorrente.
No mais mantém-se o decidido, nomeadamente na parte da sentença relativa à matéria criminal, entretanto transitada em julgado, na fixação dos valores dos danos patrimoniais e nas custas do processo.
Fixam-se em 10 UC a taxa de justiça a cargo da demandada e em 3 UC a taxa de justiça a cargo da demandante (A), ambos com metade de procuradoria, por terem decaído em parte nos seus recursos (art.os 520º, al. a, do CPP, 87º, nº 1, al. b, e 95º do CCJ).
Notifique.
(Processado e revisto pelo relator)
Lisboa 28 de Abril de 1999
(José Vaz dos Santos Carvalho)
(João Manuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes)
(Joaquim Manuel dos Santos Barata)