Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FARINHA ALVES | ||
Descritores: | ADVOGADO RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A pretensão do Autor de responsabilizar a Ré, advogada, foi fundada apenas nas faltas cometidas no âmbito das acções intentadas, não tendo sido invocada como falta relevante, a própria opção da Ré pela acção de execução específica. Deste modo, ao pretender, agora, fundar a responsabilidade da Ré na má escolha da acção que foi intentada, o A. está, se não a ampliar a causa de pedir numa fase processual em que isso já não é possível, ao menos a suscitar uma questão nova, que, não sendo do conhecimento oficioso do Tribunal, não pode agora ser conhecida. II - É directamente imputável à Ré a decisão absolutória da instância fundada na inadmissibilidade de pedido genérico que, apesar de convidada, não corrigiu. III - Tal falta é obviamente grave e, presumindo-se culposa, é geradora da obrigação de indemnizar os danos dela decorrentes. (FA) | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A, solteiro, residente nos Estados Unidos da América, intentou a presente acção declarativa com processo comum e sob a forma ordinária contra B, advogada, com domicílio profissional em Ponta Delgada, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 130 000,00, acrescida de juros de mora desde a citação, e do mais que se vier a liquidar em execução de sentença. Para tanto alegou, em síntese: Em Setembro de 2001 o A. contratou a Ré para o representar numa compra e venda de um imóvel e para o patrocinar numa acção judicial de execução específica, com pedido subsidiário de indemnização por incumprimento, conforme aconselhado pela Ré, face à recusa do promitente vendedor em outorgar na escritura. No âmbito dessa acção a Ré, convidada pelo Tribunal a especificar o valor do imóvel à data do incumprimento do contrato-promessa, reflectindo-o no pedido, nada fez. E, tendo sido notificada para depositar, a título de remanescente do preço, a quantia de € 47.306,05, quando apenas estava em dívida a parcela de € 42.397,82, não requereu a rectificação daquele lapso, não depositou à ordem dos autos a quantia devida, que tinha em seu poder, nem pediu ao A. o reforço da verba destinada ao depósito que fora ordenado. E a acção foi julgada improcedente no despacho saneador, por falta de depósito do remanescente do preço e por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, que não assinara o contrato-promessa. Decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça. No seguimento, foi intentada contra o ora A. acção de reivindicação do prédio prometido vender. Nessa acção a Ré apresentou contestação fora de prazo, já depois de ter sido proferida sentença a condenar o A. na entrega do prédio. Entretanto, também aconselhado pela Ré, o A. iniciara, no terreno prometido comprar, obras de construção de duas moradias, um armazém e arruamento, antes de obter o respectivo licenciamento. Obras que foram embargadas pela Câmara Municipal da Ribeira Grande. O que deu origem a que o A. fosse acusado, em notícias publicadas na imprensa local, de não respeitar o embargo, de desobediência às autoridades e de atentar contra o ambiente. Quer essas notícias, quer o embargo administrativo, quer o desfecho das acções judiciais referidas, causaram grande desgosto, angústia e abatimento ao Autor. E teve de renegociar a compra do terreno, e de pagar custas das acções em que decaiu e coimas respeitantes às obras embargadas, no que gastou montante global não inferior a € 120.000,00. Por outro lado, o sofrimento do A. proveniente da frustração das expectativas que lhe haviam sido criadas pela R. acerca do bom resultado das acções judiciais aludidas e do projecto de construção, ocasionou-lhe prejuízos de natureza não patrimonial de valor não inferior a € 10.000,00.
Citada, a ré contestou, invocando a prescrição do direito invocado pelo A., por terem decorrido mais de três anos entre a data em que o A. teve conhecimento dos factos em que o mesmo se funda e a instauração da presente acção, e, no mais, recusou qualquer responsabilidade no resultado das duas acções judiciais e negou ter aconselhado o A. a iniciar obras sem prévio licenciamento. O autor replicou. A convite do Tribunal, o A. veio concretizar o montante dos danos patrimoniais, alegando ter gasto € 1.871,74 em honorários a advogado, € 67.337,72 de acréscimo do preço, € 1.874,24 de custas nas duas acções, e cerca de € 5.000,00 em coimas relativas às obras não licenciadas, reduzindo o pedido ao montante de € 86.083,89, acrescido de juros de mora desde a citação. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição, prosseguindo os autos para julgamento, que culminou com a decisão de facto que consta de fls. 209 a 214. Seguiu-se a sentença, onde a acção foi julgada improcedente, com absolvição da ré do pedido. Inconformado, o A. apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões onde, em síntese, defende que estão verificados os pressupostos de responsabilidade civil contratual em que a presente acção se funda e que a Ré deve ser condenada no pedido formulado. Não foram apresentadas contra-alegações. Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, está em causa na presente apelação a apreciação da questão já acima enunciada. Ou seja, está em causa saber se devem ser julgados verificados, e em que medida, os pressupostos da responsabilidade civil contratual que o Autor imputa à Ré. Na decisão recorrida foi considerada a seguinte matéria de facto: a) Em Janeiro de 2001, o autor procurou a ré, na sua qualidade profissional de advogada, a quem solicitou os seus serviços visando a concretização e celebração da escritura pública de compra e venda do prédio rústico denominado …, sito no lugar com o mesmo nome, concelho da Ribeira Grande. (Al. A) dos Factos Assentes) b) Com efeito, o autor assinara em 10 de Março de 2000, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto aquele prédio rústico, sendo promitente vendedor C. (Al. B) dos Factos Assentes) c) Tendo em vista a celebração da escritura, o autor, em 18 de Setembro de 2001, outorgou procuração a favor da ré, a quem conferiu poderes para o representar em escrituras de compra e venda, tendo-lhe ainda conferido procuração forense destinada à propositura da acção judicial de execução específica, conforme aconselhado pela ré, face à recusa do promitente vendedor em outorgar tal escritura. (Al. C) dos Factos Assentes) d) O autor entregou ao promitente vendedor na data da assinatura do contrato-promessa, a título de sinal, a quantia de 4 000 000$00, ficando então em dívida o remanescente do preço no valor de 9 500 000$00, tendo posteriormente o autor reforçado o sinal com mais 1 000 000$00, pelo que ficou em dívida o valor de 8 500 000$00. (Al. D) dos Factos Assentes) e) Esse mesmo valor de 8 500 000$00, correspondente à parte do preço em dívida, foi entregue pelo autor à ré, em 21 de Setembro de 2001, a fim de ser oportunamente pago ao vendedor ou depositado à ordem dos autos de execução específica. (Al. E) dos Factos Assentes) f) A ré deu entrada duma acção declarativa de condenação com processo ordinário no Tribunal da Ribeira Grande no dia 15 de Maio de 2002, a qual correu os seus termos no 1.º Juízo sob o nº , contra o promitente vendedor e sua mulher. (Al. F) dos Factos Assentes) g) Nessa acção foi pedida a modificação de duas cláusulas do contrato-promessa, a condenação dos réus a reconhecer e cumprir esse contrato, com reconhecimento do ali autor como proprietário do prédio, conferindo-se força à sentença para o registo definitivo de aquisição a favor do ali autor e, subsidiariamente, a condenação dos ali réus a pagar ao ali autor uma indemnização correspondente ao valor do prédio, determinado objectivamente à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado. (Al. G) dos Factos Assentes) h) Por despacho de fls. 78 v.° desses autos, notificado à ré, o autor foi convidado a especificar o valor que alegava ter tido o imóvel à data do incumprimento e a reflecti-lo no pedido, nos termos dos artigos 265.°, n.° 3 e 266.°, n.° 2, do CPC. (Al. H) dos Factos Assentes) i) Posteriormente, através de carta expedida em 18/10/2002 foi a ré, enquanto mandatária do autor, notificada do despacho proferido nos mesmos autos convidando o autor a depositar a quantia de 47 306,05 €, que seria correspondente ao remanescente do preço em dívida. (Al. I) dos Factos Assentes) j) Esse valor constituía um lapso manifesto por não haver sido tido em conta o valor do reforço de sinal, o qual de resto havia sido indicado na petição, devendo por isso ser corrigido para o montante efectivamente em dívida, que era de 42 397,82 €. (Al. J) dos Factos Assentes) k) A ré não requereu a rectificação desse valor, nem solicitou ao autor qualquer reforço da verba destinada ao depósito do preço (recorde-se que tinha em seu poder a verba de 42 397,82 €), nem efectuou o depósito dessa quantia à ordem dos autos, nada tendo requerido ou suscitado a propósito desse despacho. (Resp. quesitos 2.° e 23.°) l) Em consequência dessas omissões por parte da ré, veio a ser proferido nessa referida acção, em 10 de Fevereiro de 2003, saneador-sentença julgando-a totalmente improcedente, e concretamente quanto à execução específica, por falta de consignação em depósito do remanescente do preço, bem como por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, a qual não assinara o contrato-promessa de compra e venda. (Resp. quesito 3.°) m) Do saneador-sentença a ré apresentou requerimento de interposição de recurso de apelação, o qual, depois de admitido com efeito suspensivo, deu lugar à apresentação de alegações por ambas as partes, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão recorrida, através de douto acórdão notificado à ré por carta de 21/10/2003. (Al. K) dos Factos Assentes) n) Nesse acórdão, ao mesmo tempo que se reconhece o lapso acima assinalado quanto ao valor do depósito («houve lapso do despacho do Sr. Juiz, o qual não teve em conta a quantia entregue posteriormente»), conclui-se pela improcedência do pedido de execução específica em virtude da falta de consignação em depósito, constando dele ainda que «a boa-fé que deve sempre estar presente, também nos actos de procedimento, impunha-lhe que no momento próprio tivesse levantado a questão ao Tribunal ou, ao menos, procedido ao depósito no quantitativo legalmente devido». (Al. L) dos Factos Assentes) o) Tal quantitativo legalmente devido encontrava-se em poder da ré desde 21 de Setembro de 2001, para efeitos de depósito, por lhe ter sido entregue pelo autor. (Al. M) dos Factos Assentes) p) A ré apresentou requerimento de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo posteriormente, em 11 de Março de 2004, apresentado nos autos a renúncia ao mandato conferido pelo autor. (Al. N) dos Factos Assentes) q) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça. (Al. O) dos Factos Assentes) r) Na sequência da decisão proferida naquela referida acção (execução específica), o promitente vendedor e a sua mulher intentaram contra o aqui autor, em 28/05/2003, uma acção declarativa com processo comum e sob a forma sumária, que correu os seus termos sob o n.º , no 1.° Juízo deste Tribunal da Comarca da Ribeira Grande, na qual pediram a sua condenação a restituir-lhes o prédio que era objecto do contrato-promessa livre e desocupado. (Al. P) dos Factos Assentes) s) O autor foi citado no âmbito dessa acção. (Al. Q) dos Factos Assentes) t) Com efeito, por carta registada de 30/05/2003 foi enviada a citação ao autor, para contestar a acção sumária n.º 294/03.OTBRGR, no prazo de 20 dias, vindo aquele depois a incumbir a ré de o patrocinar nessa causa. (Resp. quesito 6.°) u) A ré apresentou contestação em 14/10/2003, já depois de ter sido proferida sentença a condenar o autor a entregar o prédio, face ao decurso do prazo para contestar, tendo a contestação sido mandada desentranhar. (Al. R) dos Factos Assentes) v) A ré quando apresentou a contestação desconhecia que já tinha sido proferida sentença naquele processo. (Resp. quesito 31.°) w) A ré apresentou reclamação, que não foi atendida, e interpôs recurso da sentença, que foi admitido, tendo, porém, deixado desertar o recurso por falta de alegações. (Al. S) dos Factos Assentes) x) A sentença que condenou o autor a entregar o prédio tornou-se assim definitiva. (Al. T) dos Factos Assentes) y) Em várias ocasiões a ré insistiu com o autor para a provisionar com vista ao pagamento das taxas de justiça devidas nos processos judiciais. (Resp. quesito 24.°) z) O autor, que obtivera do proprietário e promitente vendedor do prédio em causa autorização, aquando da celebração do contrato-promessa, para aí se instalar imediatamente, solicitou à ré aconselhamento e apoio jurídico relativamente à edificação nesse imóvel de um aldeamento turístico, englobando esse apoio jurídico todo o processo de licenciamento necessário às construções que aí projectava edificar. (Resp. quesito 8.°) aa) A ré aconselhou o autor a iniciar prontamente as obras de construção, antes do pedido de licenciamento, informando-o que apenas posteriormente se trataria das diligências relativas a esse licenciamento. (Resp. quesitos 9.° e 22.°) ab) O autor, que é emigrante há várias décadas nos EUA, aceitou como bom o aconselhamento proposto pela ré e por outras pessoas em quem depositava confiança e deu por isso início à realização de obras no local. (Resp. quesito 10.°) ac) Em 08/05/2003 tais obras, consistindo na construção de duas moradias, um armazém e um arruamento em betão foram embargados pela Câmara Municipal da Ribeira Grande. (Al. V) dos Factos Assentes) ad) Desse embargo foi notificada a ré, na qualidade de representante do autor. (Al. W) dos Factos Assentes) ae) O autor teve conhecimento do embargo administrativo e das notícias publicadas na imprensa, no dia seguinte à sua ocorrência, através de contacto telefónico que a ré com ele estabeleceu. (Resp. quesito 36.° e 38.°) ai) Em consequência das obras e do embargo referidos, o autor viu-se confrontado com a publicação de diversas notícias na imprensa local, que o referiam directamente, acusando-o de não respeitar o embargo, de desobediência às autoridades e de atentar contra o ambiente. (Al. X) dos Factos Assentes) ag) As notícias relativas ao embargo administrativo e ao desfecho das acções judiciais causaram no autor um grande desgosto e abatimento, uma vez que o autor projectara investir no imóvel uma considerável quantia das suas economias. (Resp. quesito 11.°) ah) O autor, no ano 2000, efectuou um pedido de licenciamento que requereu à Câmara Municipal de Ribeira Grande, para a construção de uma moradia num outro prédio, sito à Lomba da Maia e que correu os seus termos naquela Câmara sob o n.º 64/2000. (Al. U) dos Factos Assentes) ai) O autor teve de renegociar o preço da aquisição do imóvel em razão de no contrato-promessa de compra e venda a mulher do promitente vendedor o não ter assinado e este posteriormente se ter recusado a vender pelo preço inicialmente acordado. (Resp. quesito 41.º) aj) Em face do resultado das acções judiciais e do embargo administrativo referidos, para o que contribuiu decisivamente a actividade da ré, o autor teve que optar entre, por um lado, perder a totalidade do investimento que já realizara, quer com a promessa de compra, quer com o projecto de construção e com as próprias obras, com o que já despendera quantia superior a 600 000,00 €, e, por outro lado, tentar renegociar a compra do imóvel com o proprietário e prosseguir os esforços visando a aprovação e legalização das construções no local. (Resp. quesito 13.°) ak) Procurando concretizar a compra do imóvel, o autor teve que reiniciar negociações com o respectivo proprietário e suportar um dispêndio bastante superior ao previsto inicialmente, a fim de concretizar a compra do imóvel. (Resp. quesito 14.°) al) Depois de romper a relação contratual que mantinha com a ré o autor decidiu contratar um novo advogado, para o aconselhar e apoiar nas negociações com o proprietário do imóvel, bem como na aprovação e legalização do seu projecto de construção. Nessa circunstância o autor aceitou rever o preço de aquisição inicialmente acordado, vindo a adquirir o imóvel em causa por 134 675,43 €. am) Foi o autor quem suportou as custas judiciais relativas ao decaimento nas acções. (Resp. quesito 15.°) an) O autor despendeu a quantia de 1871,74 € com honorários e despesas com o advogado que o passou a representar nas negociações para aquisição do imóvel. (Resp. quesito 16.°) ao) Na sequência dessas negociações o autor conseguiu finalmente chegar a acordo com o proprietário e promitente vendedor do imóvel quanto à respectiva aquisição. (Resp. quesito 17.°) A matéria de facto assim fixada não vem impugnada mas, em nosso entender, justifica algumas rectificações, no que respeita às alíneas l), n), af) e aj), esta associada à alínea ai). Recorda-se que a primeira daquelas alíneas tem a seguinte redacção: l) Em consequência dessas omissões por parte da ré, veio a ser proferido nessa referida acção, em 10 de Fevereiro de 2003, saneador-sentença julgando-a totalmente improcedente, e concretamente quanto à execução específica, por falta de consignação em depósito do remanescente do preço, bem como por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, a qual não assinara o contrato-promessa de compra e venda. (Resp. quesito 3.°) Ora o facto assim julgado assente não é exacto, o que pode ser verificado pelo teor da decisão em causa, de que está cópia a fls. 38 e seguintes dos presentes autos. Como ali se pode ver, a decisão proferida não foi a de julgar improcedentes todos os pedidos, mas apenas os pedidos formulados a título principal - pedido de execução específica do contrato-promessa, e pedidos de modificação do contrato. A acção comportava um pedido subsidiário - de indemnização por incumprimento do contrato-promessa – em relação ao qual a decisão foi a de absolvição da instância, fundada na inadmissibilidade de pedido genérico. Por seu turno, a alínea n) é do seguinte teor: n) Nesse acórdão, ao mesmo tempo que se reconhece o lapso acima assinalado quanto ao valor do depósito («houve lapso do despacho do Sr. Juiz, o qual não teve em conta a quantia entregue posteriormente»), conclui-se pela improcedência do pedido de execução específica em virtude da falta de consignação em depósito, constando dele ainda que «a boa-fé que deve sempre estar presente, também nos actos de procedimento, impunha-lhe que no momento próprio tivesse levantado a questão ao Tribunal ou, ao menos, procedido ao depósito no quantitativo legalmente devido». (Al. L) dos Factos Assentes) Neste caso está em causa o acórdão deste TRL que apreciou, e confirmou, o saneador-sentença referido na alínea l), também documentado nos autos, a fls. 61 a 66. Ora desse acórdão resulta muito claramente a confirmação da sentença recorrida, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, salvo no que respeita à questão da ilegitimidade da Ré mulher, declarada em primeira instância, mas não no acórdão subsequente, onde a questão foi considerada de mérito e não processual. Assim, é seguro que o pedido de execução específica foi julgado improcedente, também no acórdão da Relação por, estando provado nos autos que o promitente vendedor era casado em regime de comunhão geral de bens, a Ré mulher não ter assinado o contrato-promessa, não podendo o Tribunal suprir essa falta na acção de execução específica. Foi depois de, assim, ter concluído pela impossibilidade de execução específica do contrato-promessa que o acórdão em causa apreciou a questão da oportunidade do depósito do remanescente do preço, tendo aí concluído que o mesmo devi ter sido feito antes da sentença, pelo que a sua falta também determinava a improcedência daquele pedido. Ou seja, não foi decidido naquele acórdão que a falta de depósito foi a causa de improcedência da acção, mas apenas que a acção também improcederia por falta daquele depósito, o que é diferente do que, sob alegação do A., vem dado como assente naquela alínea dos factos assentes. Por seu turno a alínea af) é do seguinte teor: af) Em consequência das obras e do embargo referidos, o autor viu-se confrontado com a publicação de diversas notícias na imprensa local, que o referiam directamente, acusando-o de não respeitar o embargo, de desobediência às autoridades e de atentar contra o ambiente. (Al. X) dos Factos Assentes) Neste caso também parece seguro que as notícias publicadas, documentadas a fls. 17 a 20 dos autos, na parte em que acusam o Autor de não respeitar o embargo e de desobediência às autoridades, não podem ser consideradas uma consequência do embargo. Elas são, antes, a consequência da continuação das obras embargadas, pois que é isso mesmo que ali é noticiado. Ou seja, aquelas notícias, certamente negativas em relação ao Réu, dão conta de que o mesmo não respeitou o embargo das obras, tendo-as continuado, iniciando a construção de uma terceira moradia. O que está em causa nas notícias documentadas nos autos não é, pois, o embargo, mas a continuação das obras embargadas. O próprio conteúdo da alínea af) revela isso mesmo, quando se refere a “não respeitar o embargo” e a “de desobediência às autoridades”. Pois que o desrespeito do embargo é algo de necessariamente posterior, e autónomo, em relação ao próprio embargo. E a desobediência às autoridades também se refere, certamente, à continuação das obras embargadas. Aquela alínea af) da matéria de facto deverá, pois, ficar reduzida às notícias de atentado contra o ambiente, e ainda assim, tendo em conta que as mesmas foram publicadas no contexto da continuação das obras embargadas. Sendo que não está provado, nem foi alegado, que essa continuação tivesse sido aconselhada pela Ré. Por fim, consta das alíneas ai) e aj): ai) O autor teve de renegociar o preço da aquisição do imóvel em razão de no contrato-promessa de compra e venda a mulher do promitente vendedor o não ter assinado e este posteriormente se ter recusado a vender pelo preço inicialmente acordado. (Resp. quesito 41.º) aj) Em face do resultado das acções judiciais e do embargo administrativo referidos, para o que contribuiu decisivamente a actividade da ré, o autor teve que optar entre, por um lado, perder a totalidade do investimento que já realizara, quer com a promessa de compra, quer com o projecto de construção e com as próprias obras, com o que já despendera quantia superior a 600 000,00 €, e, por outro lado, tentar renegociar a compra do imóvel com o proprietário e prosseguir os esforços visando a aprovação e legalização das construções no local. (Resp. quesito 13.°) Ora, se a primeira destas alíneas não sugere qualquer reparo, o mesmo não se passa com a segunda. Antes de mais, saber se a Ré contribuiu decisivamente para o resultado das acções judiciais e para o embargo administrativo é matéria conclusiva e de direito, insusceptível de ser fixada em sede de decisão sobre matéria de facto. E, como se verá de seguida, não lhe poderá ser imputado o decaimento no pedido de execução específica nem a extemporaneidade da contestação apresentada na acção de reivindicação. Depois, continua a ser matéria conclusiva e de direito a que se prende com as alternativas que se colocavam ao Autor depois de decididas aquelas duas acções. E, tanto quanto se julga, continuava em aberto a possibilidade de recurso à acção de incumprimento do contrato-promessa, em que a decisão proferida fora meramente absolutória da instância. Assim, tudo o que pode ser considerado bem assente naquelas duas alíneas é que o Autor renegociou a compra do imóvel, no qual já despendera quantia superior a € 600.000,00. O Direito Como se viu, está em causa na presente apelação saber se a Ré deve ser condenada a indemnizar o Autor por determinados prejuízos por ele sofridos e que o mesmo imputa ao cumprimento defeituoso, pela Ré, do contrato de mandato que com ela celebrou. Está, assim, em causa a verificação, no caso dos autos, dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, em especial, da existência de nexo de causalidade entre os actos, ou omissões da Ré, que foram invocados na acção, respeitantes ao exercício do mandato conferido pelo Autor, e os danos por este sofridos. Por uma questão de rigor, e também de comodidade, essa verificação irá ser feita a partir das conclusões formuladas pelo apelante que, como é sabido, limitam o objecto do recurso. Foi, aliás, na perspectiva de tal procedimento que as conclusões do recurso não foram transcritas no anterior relatório. Conclui a apelante: 1ª Sobre a Apelada recaíam os deveres de agir de forma a defender os interesses legítimos do seu cliente, ora Apelante, de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do seu direito ou pretensão, de estudar com cuidado e tratar com zelo as questões de que foi incumbida, utilizando para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade e de aconselhar toda a composição que achasse justa e equitativa; 2ª A douta sentença recorrida reconhece que a Apelada praticou omissões censuráveis, incompatíveis com um patrocínio diligente, não agiu com diligência exigível a um advogado de normal diligência, incumprindo no dever de diligência e zelo, a sua actuação foi pelo menos temerária, a sua prestação foi, a vários títulos, censurável e o seu cumprimento da prestação pecou por defeito; Nestas duas conclusões não vem suscitada qualquer questão. A primeira contém um enunciado das regras e princípios a que deve obedecer o exercício do mandato por parte do advogado, tendo consagração legal no Estatuto da Ordem dos Advogados, à data, no art. 83.º do DL n.º 84/84 de 16-03. E a segunda é limitada a uma constatação do conteúdo da decisão recorrida onde, efectivamente, foi reconhecida a existência de omissões censuráveis da Ré, incompatíveis com um patrocínio diligente. Prossegue o Apelante 3ª A douta sentença afirma existirem todos os elementos da responsabilidade obrigacional, excepto o nexo causal entre a actuação da Apelada e os danos, por na origem dessa actuação estar um contrato-promessa de compra e venda sem a assinatura da mulher do promitente vendedor, sendo única solução sempre renegociar com o vendedor e pagar o dobro do preço acordado inicialmente; 4ª Ora, foi a Apelada quem, perante esse contrato-promessa, escolheu propor acção de execução específica, em vez de, como era seu dever, alertar o Apelante para aquela falta de assinatura e as suas consequências e aconselhar a negociação com o vendedor, antes de serem feitos quaisquer investimentos num imóvel que não era do Apelante, nomeadamente com obras de construção; 5ª Da imprevisão da Apelada quanto ao destino da acção de execução específica que ela decidiu instaurar nasce a sua responsabilidade; 6ª Quando procurou inicialmente a Apelada, o Apelante estava em posição de colocar o promitente vendedor em mora ou incumprimento e de obter a restituição do sinal em dobro; 7ª Os prejuízos que o Apelado veio a sofrer resultam da opção da Apelada de intentar a acção de execução específica e de não depositar o preço em dívida no âmbito dessa acção, o que gerou o incumprimento contratual do Apelante e consequentemente a condenação a restituir o imóvel ao promitente vendedor; 7ª-a) Para que haja causa adequada, não é necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que ele seja apenas uma das condições desse dano; 8ª Os prejuízos patrimoniais sofridos pelo Apelante e demonstrados nos autos, com o pagamento do dobro do preço inicialmente convencionado, os honorários do Ilustre mandatário que finalizou o negócio e as custas judiciais, deverão ser ressarcidos pela Apelada, que lhes deu causa; Neste conjunto de conclusões e, em especial na quinta e sétima, o Apelante identifica os actos da Ré que, em seu entender são os fundamentos da responsabilidade desta pelos danos que sofreu. Trata-se do núcleo fundamental das conclusões e do presente recurso, sendo aqui que se questiona a existência de nexo de causalidade entre os actos ou omissões da Ré e os danos sofridos pelo Autor. Como resulta muito claramente das conclusões transcritas, o Apelante pretende fundar a responsabilidade da Ré no facto de esta ter optado por instaurar uma acção de execução específica do contrato-promessa, apesar de este não se mostrar assinado pela mulher do promitente vendedor, associado ao facto de, no âmbito da acção instaurada, não ter depositado o remanescente do preço em dívida. Mas, em relação à falta deste depósito, já na decisão recorrida se concluiu, e o próprio Apelante parece aceitar, que a sua efectivação não tinha a virtualidade de salvar a acção, inviabilizada pela falta de consentimento da Ré mulher, insusceptível de ser suprida pelo Tribunal. Visto nesta perspectiva, aquele depósito seria mesmo um acto inútil que, em conformidade, nem sequer deveria ter sido ordenado pelo Tribunal. Nem a sua falta poderia traduzir incumprimento do contrato-promessa, pois que não era viável, por facto imputável ao promitente vendedor, a celebração do contrato prometido. E a opção da Ré pela acção de execução específica, embora referida na petição inicial, e sempre implícita no exercício do mandato judicial, não integra, segundo se julga, a causa de pedir da presente acção, não tendo sido invocada como fundamento do pedido formulado. A causa de pedir da acção é integrada pelos factos concretos que foram alegados em fundamento do pedido, e entre esses factos não figura a própria escolha da acção que foi intentada. Como se fez constar no relatório inicial, para além de ter alegado que a propositura da acção de execução específica foi uma escolha da Ré, como não poderia deixar de ser, o A. alegou, em relação a essa acção, em síntese: A Ré não correspondeu ao convite do Tribunal no sentido de especificar o valor do imóvel à data do incumprimento do contrato-promessa, reflectindo-o no pedido. E, tendo sido notificada para depositar, a título de remanescente do preço, a quantia de € 47.306,05, quando apenas estava em dívida a parcela de € 42.397,82, não requereu a rectificação daquele lapso, não depositou à ordem dos autos a quantia devida, que tinha em seu poder, nem pediu ao A. o reforço da verba destinada ao depósito que fora ordenado. E a acção foi julgada improcedente no despacho saneador, por falta de depósito do remanescente do preço e por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, que não assinara o contrato-promessa. Ou seja, em momento algum da petição inicial foi feita qualquer censura em relação à opção da Ré pela instauração de uma acção de execução específica. A censura foi dirigida à falta de resposta da Ré ao convite do Tribunal para indicar o valor do imóvel na data do incumprimento do contrato-promessa, apesar de não ter sido extraída daí qualquer consequência, e à falta de depósito do remanescente do preço. São estas as duas faltas concretamente imputadas à Ré no que respeita à acção de execução específica, sendo que o Autor não extraiu qualquer efeito da primeira, e só à segunda imputou, no art. 40.º da petição inicial, a improcedência daquela acção. É verdade que no art. 13.º do mesmo articulado foi alegado que aquela acção foi julgada improcedente também por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, mas nada foi acrescentado, apreciado, ou discutido, em relação a tal facto, que, ao menos aparentemente, o Autor se limitou a relatar, sem lhe conferir maior relevância. Designadamente não questionou ali a opção da Ré, pelo recurso à acção de execução específica. E aquela opção não pode ser, sem mais, considerada descabida, ao menos na medida em que se podia considerar ancorada no pedido subsidiário. No fundo, a vontade do Autor era a de adquirir o imóvel, onde até já havia efectuado obras, e, por isso, terá sido dada prevalência ao pedido de execução específica do contrato, à partida inviável, mas que poderia ter sucesso por via negocial, no confronto do outro pedido formulado, cuja procedência podia ser bem mais gravosa para os Réus do que a celebração do contrato prometido. Como quer que seja, parece-nos seguro que a pretensão do Autor de responsabilizar a Ré apenas foi fundada nas faltas cometidas no âmbito das acções intentadas, não tendo sido invocada como falta relevante, a própria opção da Ré pela acção de execução específica, opção que não se pode considerar questionada antes das alegações de recurso, ou com a qual a ré não foi oportunamente confrontada. Deste modo, julga-se que, ao pretender, agora, fundar a responsabilidade da Ré na má escolha da acção que foi intentada, o A. está, se não a ampliar a causa de pedir numa fase processual em que isso já não é possível, ao menos a suscitar uma questão nova, que, não sendo do conhecimento oficioso do Tribunal, não pode agora ser conhecida. Pois que os recursos visam reapreciar a decisão recorrida e não a prolação de decisões novas, sendo o seu objecto limitado, antes de mais, às questões que foram, ou deveriam ter sido, objecto de apreciação naquela decisão. Assim sendo, e não existindo nexo de causalidade entre a falta de depósito do preço e a improcedência da acção de execução específica, deve concluir-se que a improcedência da acção desta acção não resultou das omissões da Ré que foram alegadas na petição inicial. Mas na acção de execução específica foi cumulado um pedido subsidiário de indemnização em relação ao qual foi proferida decisão absolutória da instância por se tratar de um pedido genérico, que não foi regularizado, apesar do convite do Tribunal. Neste caso o resultado da acção é directamente imputável à Ré, que, depois de formular um pedido genérico, não o corrigiu, apesar de ter sido convidada a fazê-lo. Tal falta é obviamente grave e, presumindo-se culposa, é geradora da obrigação de indemnizar os danos dela decorrentes. Como se viu, a falta em questão deu lugar a uma decisão de absolvição da instância em relação ao pedido de indemnização, decisão cujos efeitos são meramente processuais, traduzidos no fim daquela instância, sem afectar os direitos materiais das partes que constituíam o objecto do processo. Designadamente, a absolvição da instância não obstava à propositura de uma nova acção com o mesmo objecto, apenas corrigida do vício que deu causa à referida absolvição. Deste modo, e no que respeita aos interesses do ora Apelante, aquela absolvição da instância deu causa ao pagamento das custas do respectivo decaimento, limitado ao pedido de indemnização por incumprimento. Pois que o decaimento no pedido de execução específica não pode ser imputado à Ré da presente acção. O montante dessas custas, incluído no total das custas em que o Autor decaiu nas duas acções, terá de ser apurado posteriormente, se necessário em incidente de liquidação. A absolvição da instância deu ainda causa ao pagamento de honorários a outro advogado, mandatado em substituição da Ré, que renunciara ao mandato, respeitantes à actividade desenvolvida para resolver a situação decorrente da absolvição da instância no pedido de indemnização. Pois que essa absolvição da instância, sendo directamente imputável à referida Ré, deixou a situação por resolver, não podendo ser questionado o recurso do Autor aos serviços de outro advogado. O montante dos honorários pagos, de € 1.871,74, não foi posto em causa nos autos nem suscita dúvidas relevantes, tendo designadamente em conta as circunstâncias em que o novo advogado foi chamado a intervir e o valor dos interesses em confronto. Também não foi questionada a estratégia de defesa dos interesses do ora Apelante prosseguida pelo novo mandatário, nem os autos fornecem informação suficiente para tanto. Aliás, mesmo que devesse concluir-se que a estratégia seguida não foi a mais adequada, e que deveria ter sido intentada uma acção de incumprimento do contrato-promessa, o montante dos honorários nunca seria inferior ao que foi pago. Também nada foi discutido na acção em relação aos honorários que foram, ou não, pagos à Ré, relativos ao patrocínio nas duas acções em que interveio mandatada pelo Autor. Assim sendo, nada pode ser aqui considerado a esse propósito, sendo seguro que caberia à Ré a invocação de quaisquer factos que pudessem ser atendidos na fixação deste direito do Autor a indemnização pelos honorários pagos a advogado contratado para dar resolver a situação gerada com a absolvição da instância na acção de incumprimento do contrato-promessa. A Ré deverá, pois, ressarcir o A. do montante daqueles honorários. Diversamente, a referida absolvição da instância não deu causa ao agravamento do preço de compra e venda do imóvel em causa nos autos, pois que, como já se referiu, os seus efeitos são meramente processuais, deixando inalteradas as posições jurídicas substantivas das partes. Que poderiam voltar a ser discutidas no âmbito de uma nova acção com o mesmo objecto. Esse agravamento também não pode ser imputado à Ré, por via da improcedência do pedido de execução específica. Como já se viu, este era um pedido, à partida, inviável pela falta de assinatura da esposa do promitente vendedor, facto que não era imputável à Ré. Para além disso, a improcedência daquele pedido não sanou o incumprimento do contrato por parte do promitente vendedor, não decorrendo daí uma situação de incumprimento contratual por parte do Autor. Para este efeito também não releva a decisão proferida na acção de reivindicação do prédio prometido vender, decisão que traduz, efectivamente, uma consequência normal da improcedência da acção de execução específica. Pois que esta decisão também não sanou o incumprimento contratual do promitente vendedor, continuando a ser possível, depois dela, a instauração da acção de incumprimento do contrato-promessa. De resto, ainda em relação a esta acção de reivindicação, que foi contestada fora de prazo, a matéria de facto assente não permite imputar à Ré a perda do prazo para contestar. Pois que não foi feita prova de que a notícia da acção lhe tivesse sido comunicada em tempo pelo ora Apelante, citado na sua pessoa. As partes apresentaram versões contraditórias em relação a tal facto, que não se provaram, entendendo-se que era sobre o ora Apelante que recaía o ónus de provar que comunicou a pendência da acção à Ré em tempo de ser deduzida contestação. Na falta dessa prova, não pode ser imputado à Ré a perda do prazo para contestar e, consequentemente, a perda desta acção de reivindicação. De todo o exposto resulta que, em sede de danos patrimoniais, a matéria de facto alegada e provada nos autos apenas permite imputar à Ré a responsabilidade pelas custas devidas pela absolvição da instância verificada no pedido de indemnização cumulado na acção de execução específica, e pelo pagamento dos honorários pagos pelo Autor para resolver a situação resultante da referida absolvição da instância. No mais, julga-se que não existe efectivamente, nexo de causalidade entre os actos, ou omissões da Ré e os danos verificados. Voltando às conclusões, prossegue o Apelante: 9ª Igualmente deverão ser ressarcidos os danos não patrimoniais - o grande desgosto e abatimento - que o desfecho das acções judiciais causou ao Apelante; 10ª As notícias relacionadas com o embargo das obras de construção, que a Apelada aconselhara o Apelante a iniciar antes da apresentação do correspondente pedido de licença administrativa, que causaram grande desgosto e abatimento ao Apelante, são igualmente consequência do procedimento da Apelada; 11ª O nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia de causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste; 12ª O grande desgosto e abatimento causados ao Apelante em virtude do resultados das acções judiciais intentadas e contestadas pela Apelada, colocando em risco todo o investimento por ele projectado, que o levara despender as economias que reunira durante a sua vida de emigrante nos Estados Unidos e das notícias relacionadas com o embargo, acusando-o de não respeitar esse embargo, de desobedecer às autoridades e de atentar contra o ambiente, imputações essas que são muito graves por constituírem crime, são danos merecedores da tutela do direito; Nestas últimas conclusões está em causa a responsabilidade da Ré pelos danos não patrimoniais invocados pelo Autor. Que faz assentar esses danos na perda das duas acções patrocinadas pela Ré, e no embargo das obras e notícias com ele relacionadas. O que é um pouco diferente do que foi alegado na petição inicial. Neste articulado, o Autor alegou, efectivamente, no art. 30.º: “Quer essas notícias, quer o embargo administrativo, quer o desfecho das acções judiciais referidas, causaram grande desgosto, angústia e abatimento ao Autor, que projectara investir no imóvel em causa as economias que com grande esforço conseguira reunir ao longo de várias décadas de trabalho nos Estados Unidos da América” Mas, no subsequente art. 36.º, concluiu nos seguintes termos: “Por outro lado, o sofrimento do A. proveniente da frustração das expectativas que lhe haviam sido criadas pela R. acerca do bom resultado das acções judiciais aludidas e do projecto de construção, ocasionou-lhe prejuízos de natureza não patrimonial de valor não inferior a € 10.000,00.” Ou seja, esta conclusão parece não abranger todas as premissas enunciadas no art. 30.º, não parecendo que as notícias do embargo possam ser consideradas incluídas na frustração das expectativas do Autor, em relação aos resultados das acções e ao projecto de construção. Essa diferença não prejudica, porém, a atendibilidade de todos os danos alegados, tendo naturalmente como limite o do pedido formulado. Pois que o tribunal está limitado pelos factos alegados e pelo pedido formulado, movendo-se livremente dentro desses limites. A matéria de facto a considerar é, pois, para além da que respeita ao resultado das duas acções, já acima referida, a que segue, tendo também em conta as rectificações acima introduzidas: ac) Em 08/05/2003 tais obras, consistindo na construção de duas moradias, um armazém e um arruamento em betão foram embargados pela Câmara Municipal da Ribeira Grande. (Al. V) dos Factos Assentes) ad) Desse embargo foi notificada a ré, na qualidade de representante do autor. (Al. W) dos Factos Assentes) ae) O autor teve conhecimento do embargo administrativo e das notícias publicadas na imprensa, no dia seguinte à sua ocorrência, através de contacto telefónico que a ré com ele estabeleceu. (Resp. quesito 36.° e 38.°) ai) Em consequência das obras e do embargo referidos, o autor viu-se confrontado com a publicação de diversas notícias na imprensa local, que o referiam directamente, acusando-o de atentar contra o ambiente. (Al. X) dos Factos Assentes) ag) As notícias relativas ao embargo administrativo e ao desfecho das acções judiciais causaram no autor um grande desgosto e abatimento, uma vez que o autor projectara investir no imóvel uma considerável quantia das suas economias. (Resp. quesito 11.°) Ora já se viu que, no que respeita às acções judiciais, apenas é possível responsabilizar a Ré pela absolvição da instância decidida no pedido subsidiário de indemnização cumulado na acção de execução específica, e que essa decisão não comprometeu qualquer direito material do Autor, designadamente o de intentar nova acção com o mesmo objecto. Assim, e nesta parte, a Ré apenas pode ser responsabilizada pela perda da instância, mas não pela perda da acção. Quanto ao embargo, embora seja surpreendente que o A. possa ter pensado que podia iniciar obras com a dimensão das que pretendia realizar no prédio sem obter o prévio licenciamento, ainda é mais surpreendente que a Ré lhe tivesse aconselhado tal procedimento. Por isso se aceita que a Ré deva responder pelas consequências do embargo, em particular pelo grande desgosto e abatimento que o A. sofreu em consequência do mesmo e daquilo que o mesmo significava para os seus projectos de investimento no local. Pois que o embargo significou, acima de tudo, uma ameaça para todo o projecto de investimento do Autor e, muito em particular, de perda dos investimentos já feitos, no caso bem significativos. E também são consequências negativas do embargo as notícias que do mesmo foram publicadas na imprensa regional, na parte em que visaram o próprio embargo e as obras embargadas, incluindo a acusação de atentar contra o ambiente. Mas ficam de fora, nos termos acima referidos, as notícias que tinham como tema o desrespeito do embargo, com a continuação das obras embargadas, pois que não se prova, nem foi alegado, que a Ré tivesse aconselhado essa continuação. Tudo visto, e com a relatividade que um tal juízo encerra, valoram-se estes danos não patrimoniais sofridos pelo A., com especial destaque para o embargo das obras, em consequência do comportamento censurável da Ré, no montante de € 8.000,00 (oito mil euros). Em resumo, julga-se que a Ré deve ser condenada a indemnizar o Autor, em sede de danos patrimoniais, no montante correspondente às custas em que decaiu na absolvição da instância decidida no pedido de indemnização, a liquidar posteriormente, e aos honorários que pagou para resolver a situação decorrente dessa absolvição da instância, no montante apurado de € 1.871,74. E, em sede de danos não patrimoniais, no montante de € 8.000,00. A estes montantes acrescem juros, contados à taxa supletiva legal, desde a presente dada em relação aos créditos já liquidados, e desde a respectiva liquidação em relação ao crédito a liquidar posteriormente, nos termos dos art.s 805.º e 806.º do C. Civil. Termos em que, na parcial procedência da apelação, se revoga a decisão recorrida e se julga parcialmente procedente a acção, condenando-se a Ré a pagar ao Autor o montante de € 9.1871,74, acrescido de juros, contados á taxa legal, desde a presente data, e ainda o montante, a liquidar posteriormente, correspondente às custas da absolvição da instância proferida em relação ao pedido de indemnização na acção judicial referida na alínea f) da matéria de facto assente, acrescido de juros desde a respectiva liquidação. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento. Lisboa, 06-11-2008 (Farinha Alves) (Tibério Silva) (Ezagüy Martins) ______________________________________________________ |