Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
98/13.1TBPVC-A.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar uma ação de divórcio se o autor tem domicílio em Portugal, ainda que não seja essa a sua residência habitual – arts. 62.a e 72 do CPC.
2. É irrelevante a exceção de litispendência se está pendente em tribunal estrangeiro ação de divórcio idêntica, na falta de convenção internacional em sentido diferente – art. 580.3 do CPC.
3. E a pendência de ação de divórcio idêntica em jurisdição estrangeira não é fundamento legal para se suspender a instância na ação pendente em Portugal – arts. 269.c e 980.d do CPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:



A Instância Central, Secção de Família e Menores (Ponta Delgada) da Comarca dos Açores julgou-se competente e nada obstar ao conhecimento do mérito da ação de divórcio de JD... (autor, recorrido) contra MP... (ré, recorrente).

Recorreu a ré, pedindo que se revogue aquele despacho e se declare a incompetência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação de divórcio.

Cumpre decidir se os tribunais portugueses são ou não internacionalmente competentes, se se verifica litispendência, ou se é de suspender a instância na presente ação.

Fundamentos.

Factos.

Provaram-se os seguintes factos, constantes dos autos:

O Autor intentou no Tribunal Judicial de Povoação, Açores, contra Marisa V., ação de divórcio sem o consentimento desta, alegando (fls. 2vº):
Que reside na Rua ;
Que contraiu casamento com a ré em 1997.04.24;
Que desse casamento nasceram dois filhos menores: Raquel  e Philipe .

Que autor e ré não coabitam na mesma casa desde há mais de quatro anos, não partilhando a mesma cama e a mesma mesa desde essa data  e verificando-se assim uma rutura da vida em comum.

A ré, em contestação, opôs que:

O autor e a ré quando casaram fixaram a sua morada no concelho de P..,Portugal;
Mas emigraram depois para a Bermuda, onde fixaram morada em …, Warwyck;
E desde dezembro de 2007 fixaram morada em 182 Ennerdale , Ontario  Canada, com os filhos Raquel  e Philipe ;
Separaram-se em 9 de julho de 2010 no Canadá;
O casal nunca viveu nem vive com habitualidade em Portugal desde 2000;
O autor veio requerer o divórcio junto dos tribunais canadianos em 2012.07.24.

Análise jurídica.

Considerações do Tribunal recorrido.

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

2.1. Da competência:

a) Na sua contestação a ré longamente argumenta sobre a incompetência internacional do tribunal para conhecer do divórcio, importando aqui reter que o núcleo da sua argumentação é a alegação de residência do autor no Canadá, partindo daí para a conclusão de que não se verifica o pressuposto do art. 62, al. a), do CPC [desconsidero aqui as argumentações em torno da al. b) do mesmo artigo, porquanto irrelevante para a questão]. O autor por seu lado, replicando, diz na matéria ser falso que viva no Canadá, tendo aliás deixado de residir nesse país meses antes de instaurar a acção, a esse tempo residindo em Portugal, como de resto continua a residir, com deslocações intermitentes às Bermudas.
b) Noto apenas que o autor se indicou na petição como residente em Portugal, foi de resto notificado pessoalmente para comparência na tentativa de conciliação por carta para o endereço que indicou como o da sua residência, e que é irrelevante para a questão o facto de antes ter residido no Canadá (e de ali até ter intentado idêntica acção) ou de depois ter passado a residir alternadamente em Portugal e nas Bermudas. Relevante é que nos termos do art. 62, al. a), do CPC, o tribunal português é internacionalmente competente quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, e que nos termos do art. 72 do CPC é territorialmente competente para a acção de divórcio (disso aqui se trata) o tribunal do domicílio ou residência do autor. Em resumo, a competência internacional do tribunal não nos oferece dúvida e nesta matéria a extensa argumentação da ré em contrário assenta apenas na gratuita afirmação de residir o autor fora de Portugal, tentando fundar concludentemente esse suposto facto em actos que ele teria praticado no Canadá, mas que não têm esse alcance, na medida em que ele mesmo manifesta que com efeito ali residiu mas veio entretanto para Portugal, onde intentou esta acção.

2.2. Da litispendência:

a) Excepciona em seguida a ré, e não menos longamente, com a litispendência, que se verificaria por estar pendente em tribunal do Canadá acção de divórcio, ao que o autor replica que a pendência de causa em jurisdição estrangeira é irrelevante, salvo sendo outra a solução estabelecida em convenção internacional, que no caso e na matéria não existe.
b) Afigura-se-me absolutamente manifesta a razão do autor, directa e claramente fundada na norma do art. 580, nº 3, do CPC, e na inexistência de convenção internacional aplicável à situação em apreço (e que aliás a ré não alega). Um pouco lateralmente, e apenas para situar um pouco o verdadeiro alcance da pendência dessa outra acção no Canadá, direi apenas, ainda, que se e quando tal acção for decidida, e nesse caso se e quando a decisão for objecto de revisão de sentença estrangeira, poderá o decidido valer em Portugal (e ser o facto levado a registo), então, só então e se esta acção não estiver ainda finda, verificar-se-ia aqui isso sim o caso julgado.

Conclusões da recorrente:

A  isto, opõe a recorrente as seguintes conclusões:

1. Os presentes autos deram início com a presente ação de divórcio com fundamento na separação há pelo menos 4 anos.
2. Altura que as aqui partes, nunca mais tiveram qualquer convivência de cama, mesa ou habitação.
3. A partir dos elementos fornecidos pelo próprio recorrido, é possível determinar que a vida entre os cônjuges, desenrolou-se pelo menos nos últimos anos no Canada, onde nasceu o filho mais novo do casal (veja-se a certidão de nascimento junta e ainda a indicação da morada da R.).
4. Mas que também é confirmado pelos elementos fornecidos na contestação, nomeadamente pelos documentos referentes à acção de divórcio intentada pelo recorrido contra a recorrente no Canada, nos termos dos quais se apura também desde já que foi naquele país que ocorreu e perdura a separação de facto e que é naquele país que o casal mantém a sua residência (vide doc 1 junto com a contestação).
5. Pelo que os factos integrantes da causa de pedir (consubstanciados na separação de facto por mais de quatro anos) ocorreram no Canada.
6. Resulta da al. a) do artigo 62 do CPC que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
7. O que remete para o disposto no art. 72 do novo CPC, nos termos do qual é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor, pelo que, o primeiro critério atributivo de competência legal, no caso dos autos, é o princípio da coincidência por via do domicílio do autor.
8. Para determinar se o autor tem domicílio em território português haverá que atender ao critério estabelecido no art. 82 do C. Civil, nos termos do qual “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares tem-se por domiciliada em qualquer deles”.
9. É sabido que, não basta a indicação de uma morada em Portugal para que daí seja extraído de qualquer residência do autor ou da Ré em Portugal para efeitos do disposto no arto 62 al. a) conjugado com o disposto no art. 72, ambos do novo CPC.
10. De acordo com o princípio da coincidência a acção pode ser proposta nos tribunais portugueses quando estes sejam territorialmente competentes para a apreciação da causa, ou seja, quando haja coincidência entre a competência interna (em razão do território) e a competência internacional.
11. Ora, dispondo o art. 72 do CPC, que para as acções de divórcio e separação de bens é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor, em face do supra referido critério do art. 82 do C. C. e da circunstância de o recorrido ter residência no Canada, é manifesto que jamais se verificariam os pressupostos de aplicação da al. a) do art. 62 do novo CPC, bem como das als. b) e c) da mesma norma.
12. A norma de conflitos portuguesa estabelece a seguinte ordem de prioridades, sendo sucessivamente aplicável, para casos de separação judicial de pessoas e bens e divórcio: (1) Lei nacional comum dos cônjuges; na sua falta (2)·Residência habitual comum; na sua falta, (3)·Lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.
13. Por força do disposto conjugadamente nos arts. 25, 31, 52 nº 1 e 55 nº 1, todos do C.C., a própria lei portuguesa prevê a possibilidade de o divórcio ser decretado entre nacionais portugueses (as aqui partes são portugueses) residentes em país estrangeiro, em conformidade com a lei desse país, no caso concreto pela lei canadiana, como a lei do domicílio comum.
14. A lei só atribui competência internacional aos Tribunais portugueses se o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram, tiverem sido praticados em Portugal (al. b) do art. 62 do novo CPC).
5. Conforme os sinais dos autos os filhos residem com a mãe no Canada e o pai indicou uma morada em Portugal, indiciando que o casal deixou de ter residência conjunta, no nosso país.
16. Embora, como se disse, já seja possível fixar que os factos que integram a causa de pedir na ação ocorreram no Canadá, mas se dúvidas houvessem, seria pois necessário apurar a que país é que a vida familiar se acha/achou mais estreitamente ligada e em que país ocorreram os factos (separação de facto) que conferem a qualquer das partes o direito de pedir a declaração de divórcio.
17. O recorrido veio requerer o divórcio junto dos tribunais canadianos em 24/07/2012.
18. Foi atribuído, no âmbito daqueles autos, o poder paternal provisório por sentença de 12 de Novembro de 2013 do Supremo Tribunal de Justiça do Ontário, Canada a ora R. (vide doc 2 junto com a contestação).
19. Não cremos que haja qualquer dúvida sobre qual o país ao qual o casal, enquanto tal, mais esteve ligado, nem tão pouco acerca de que os factos que integram a causa de pedir foram todos praticados fora do território português.
20. Segundo o Código Civil português, a lei pessoal dos indivíduos é a do seu Estado nacional, nos termos do citado art. 31 nº 1.
21. No entanto, o nº 2, do mesmo artigo, acrescenta, em parcial derrogação daquela regra, que são reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, de conformidade com a lei desse país, contanto que esta lei se considere competente.
22. Isto não obstante o citado art. 31 nº 2, contemplar apenas na sua letra as situações constituídas por via de negócio jurídico.
23. O divórcio poderá ser assim decretado entre nacionais portugueses residentes em país estrangeiro, em conformidade com a lei desse país.
24. Estamos perante uma situação em que se verifica a razão de ser do disposto no art.31, nº 2, já que a recorrente, reside, no país onde encontra pendente a ação de divórcio, onde o recorrido, também reside.
25. Há que falar em protecção das expectativas das partes na validade da situação criada à sombra da lei do país em que viviam.
26. Sendo certo que o pedido de divórcio formulado no Canada tem como fundamento factos que a lei portuguesa admite como causa de divórcio – separação de fato – pelo que estão também preenchidos os pressupostos das disposições do direito português (vide doc 3 junto com a contestação).
27. Daí decorrendo que o direito ao divórcio invocado pelo recorrido não se torna efectivo apenas e necessariamente por meio de ação proposta em território português, devendo antes sê-lo – como já foi – por meio de ação proposta nos Tribunais Canadianos.
28. Mesmo pela aplicação do estrito critério objectivo da conexão espacial do casal com um determinado país não há dúvida que essa conexão existe apenas em relação à ordem jurídica canadiana, pois que foi no Canadá que a vida comum do casal se desenrolou durante mais de dois anos até à separação de facto; tendo levado para esse país a filha Raquel nascida em Portugal, foi lá que nasceu o filho Philipe , e foi também lá que foi regulado o poder paternal após o casal se ter separado.
29. Embora o casal tenha deixado de ter residência comum continuaram a ter ambos residência no Canada, pelo que mesmo a ser aplicável o critério da residência, ele apontaria igualmente para a aplicação da lei substantiva canadiana (vide doc 4 junto com a contestação)
30. A competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento de ações que tenham algum elemento de conexão com outras ordens jurídicas depende da verificação de qualquer das circunstâncias enunciadas no art. 62 do CPC.
31. Conforme resulta do acima exposto não estão verificados qualquer daqueles elementos e requisitos de conexão para efeito de atribuição de competência internacional dos tribunais para julgar a presente ação.
32. O pedido formulado pelo recorrido e atentos os fundamentos em que tal pedido se apoiou e os demais sinais dos autos permitiam declarar que com a, na propositura da presente acção, foram infringidas as regras de competência internacional dos Tribunais portugueses, o que deveria ter determinado a declaração de incompetência absoluta do Tribunal recorrido para a julgar (art. 96 al. a) do novo CPC).
33. Em consequência, deverá ser revogado o Douto Despacho proferido e em sua substituição ser proferido Douto Acórdão que declare a incompetência absoluta do Tribunal por infracção das citadas regras de competência internacional dos Tribunais portugueses, absolvendo-se a recorrente da instância nos termos do disposto no art.  99 nº 1 do novo CPC.
34. Estando já a decorrer num Tribunal canadiano acção entre as aqui partes para decretação do seu divórcio com fundamento na separação de facto, a propositura por uma dessas partes contra a outra de nova acção num Tribunal português com o mesmo pedido de decretação de divórcio e com o mesmo fundamento da separação de facto fará essa nova acção incorrer no vício da litispendência.
35. Previamente à propositura da presente acção, o aqui recorrido deu entrada contra a ora recorrente junto do Supremo Tribunal de Justiça do Ontário, com morada em Nº 393 University Ave, 10a Andar, Toronto Ontário M5G 1E6, acção judicial para decretação do seu divórcio com fundamento na separação de facto, a qual corre os seus termos junto daquele Tribunal sob o no FS-12-380074.
36. Como ficou dito e resulta da causa de pedir que está em causa nos presentes autos consubstanciam-se na separação de facto por mais de quatro anos.
37. Ora, conforme se constata dos autos no FS-12-380074 que corre os seus termos junto do Supremo Tribunal de Justiça do Ontário, pretende o então A. ora recorrido que seja declarado o divórcio com fundamento na separação de fato desde há 4 anos a contar da data da propositura daquela ação (24 em Julho de 2012) e, na presente acção, vem novamente invocar os mesmos factos consubstanciados na separação de facto por mais de quatro anos.
38. A esta luz, a propositura da presente acção poderá configurar-se como um caso de repetição da submissão à apreciação jurisdicional de questão já em apreciação, no tribunal canadiano que é a jurisdição competente para apreciar aquele pedido de divórcio, o que constitui litispendência que deveria ter sido julgada a sua verificação.
39. A pretensão aqui deduzida pelo então A. de pedido de divórcio com fundamento na separação de fato, constitui-se assim como uma nova sujeição à apreciação jurisdicional de questão já em litígio noutro Tribunal.
40. Existe assim identidade de partes, de causa de pedir e de pedido, entre a presente acção e a outra supra identificada que corre termos no Supremo Tribunal de Justiça de Ontário, pelo que existe uma relação de litispendência entre as mesmas nos termos do disposto no arts. 576 e 577 alínea i) do C.P.C..
41. Consequentemente, deverá ser revogado o despacho ora colocado em crise e ser proferido Douto Acórdão que julgue procedente a litispendência arguida e em consequência a ora recorrente ser absolvida da instância (arts. 576 nº 2 e 278 ambos do C.P.C.).
42. Mas, caso assim se não entenda, sempre deverá reconhecer-se que a pendente acção de Processo de Divórcio no FS-12-380074 que corre os seus termos junto do Supremo Tribunal de Justiça de Ontário, constitui causa prejudicial de que depende o julgamento da presente acção, pelo que, no limite e nos termos do disposto no art. 269 alínea c) e 276 nº 1 alínea c) ambos do C.P.C., deverá ser ordenada a suspensão da presente instância até decisão transitada em julgado nos ditos autos do Supremo Tribunal de Justiça de Ontário.
Ao ter julgado improcedente as exceções arguidas de incompetência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação de divórcio, de litispendência, e causa prejudicial, o Mmo. Juiz a quo, fez uma incorreta interpretação, dos artigos 62, 72, 96 al) a), 576, 577 alínea i), 278, 269, e 276 nº 1 alínea c) todos do CPC e artigos 82, 52, 55, 25, 31 do C.C.

O autor tem domicílio em Portugal, habitual ou não

O autor, invocando residir em Povoação, Portugal, intentou ação de divórcio contra a ré, invocando rutura da vida em comum, por não coabitarem na mesma casa há mais de quatro anos.

A ré opõe que, depois do casamento, os cônjuges emigraram para o Canadá, onde se separaram em 2010 e nunca viveram com habitualidade em Portugal desde 2000. Alega assim que a separação (facto que fundamenta o pedido de divórcio) ocorreu no Canadá, e portanto os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer do pedido de divórcio.

O Tribunal recorrido nota que o autor indicou na petição residir em Portugal, onde foi pessoalmente notificado para a tentativa de conciliação, e assim não lhe oferece dúvida a competência internacional do tribunal português, na medida em que “ele mesmo manifesta que com efeito ali residiu [no Canadá], mas veio entretanto para Portugal onde intentou esta ação”.

Ora bem.

O art. 62 do CPC estabelece os fatores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses. Nomeadamente, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes (a) quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; (b) quando foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram; (…)

O art. 62.a conjuga-se com o art. 72 do mesmo Código, segundo o qual “para as ações de divórcio (…) é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor”.

A ré objeta que o autor tem a sua residência no Canadá (conclusão 11), não bastando que tenha indicado uma morada em Portugal para daí se extrair que resida no nosso país para efeitos do disposto no art. 62.a e 72 do CPC.

Mas esta é uma objeção improcedente, já que o autor, conforme observou o Tribunal recorrido, indicou residência em Povoação, Açores; portanto, em Portugal. Morada onde pôde ser pessoalmente notificado para comparecer em juízo.

Será este pelo menos um domicílio alternativo, nos termos do art. 82.1 do Código Civil. Portanto, só pode concluir-se que o autor (também) tem domicílio em Portugal.

Não precisa de ter residência habitual em Portugal. Basta que tenha domicílio no país, conforme estabelece expressamente o art. 72 do CPC.

Tendo domicílio em Portugal, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes.

A ré também argumenta com a norma de conflitos decorrente dos arts. 55.1 e 52.1 do Cód.Civil – conclusão 13. Mas manifestamente sem razão, pois resulta claramente dessas normas que as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei portuguesa (a lei nacional comum: art. 52.1), e que ao divórcio é também aplicável o disposto na lei portuguesa (e não a lei canadiana: art. 55.1).

E não se diga que o facto de ter sido requerido o divórcio nos tribunais canadianos afecta a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da questão, pois a norma de competência dos arts. 62.a e 72 do CPC é clara: à face do direito português, é competente para conhecer do pedido em Portugal o tribunal do domicílio ou da residência do autor.

Não há litispendência com jurisdição estrangeira nem causa prejudicial daí decorrente.

A ré invoca também litispendência porquanto está pendente nos tribunais canadianos ação de divórcio entre os cônjuges com identidade de partes, de pedido e de causa de pedir – conclusão 40.

Mas, conforme o tribunal recorrido já esclareceu, a pendência de ação no tribunal estrangeiro é irrelevante, salvo havendo convenção internacional em contrário, o que não é o caso. Assim o estabelece expressamente o art. 580.3 do CPC. Só havendo sentença estrangeira confirmada em Portugal é que poderia invocar a exceção de caso julgado.

Não pode pois invocar aqui litispendência com ação de divórcio pendente no Canadá.

Pede também a recorrente, subsidiariamente, que se reconheça que aquela ação pendente no Canadá constitui causa prejudicial ao julgamento da presente ação de divórcio e que se suspenda a instância até haver decisão transitada do tribunal do Canadá – arts. 269.c e 276.1.c do CPC.

Mas este pedido da recorrente é claramente ilegal, pois o que resulta da lei portuguesa é que a  sentença a proferir no Canadá não pode ser confirmada em Portugal estando pendente no nosso país idêntica ação de divórcio – art. 980.d do CPC.  Antes pelo contrário, a pendência de ação no Canadá não pode constituir causa prejudicial ao julgamento da presente ação em Portugal.

A decisão recorrida não enferma pois de qualquer vício.

Em suma:

1. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar uma ação de divórcio se o autor tem domicílio em Portugal, ainda que não seja essa a sua residência habitual –  arts. 62.a e 72 do CPC.
2. É irrelevante a exceção de litispendência se está pendente em tribunal estrangeiro ação de divórcio idêntica, na falta de convenção internacional em sentido diferente – art. 580.3 do CPC.
3. E a pendência de ação de divórcio idêntica em jurisdição estrangeira não é fundamento legal para se suspender a instância na ação pendente em Portugal – arts. 269.c e 980.d do CPC.

Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso e confirmamos na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Processado e revisto.


Lisboa, 2015.12.21


João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton