Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5457/08.9TBOER-A.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: QUESTÃO PREJUDICIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I- Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.
II- Nesta acção de oposição à execução discute-se a responsabilidade por uma relação cambiária cujos os efeitos, na perspectiva da opoente, não lhe podem ser assacados pois a mesma não se vinculou válidamente, quer a título particular quer no exercício das suas funções, já que nunca colocou uma marca de carimbo ou assinou a letra em questão, tendo havido falsificação.
III- Nestes autos, o que interessa, para responsabilizar a executada, é que a assinatura aposta no título seja da sua autoria, o que poderia ser verificado através do incidente de falsidade, que esta requereu.
IV- A pretendida suspensão da oposição à execução, até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo de inquérito, não pode ser acolhida, tanto mais que, mesmo que já houvesse decisão final condenatória, imputando um crime de falsificação de documento (título executivo), dessa decisão apenas decorreria uma presunção ilidível, por prova em contrário, de falsidade da assinatura do executado, nos termos estabelecidos no art. 674.º-A do C.P.C.
V- A suspensão através da prestação de caução também não é viável, não só por que a opoente não a prestou, como também não juntou qualquer documento que permitisse ao Juiz apreciar as duas assinaturas e assim pudesse concluir pela sua não similitude e portanto indiciando que a alegação da opoente era verdadeira.
(LS)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório
Por apenso à execução comum instaurada pela “Caixa, S.A.” contra “V..., S.A.” e outros, veio a executada “L..., S.A.” deduzir oposição à execução sustentando que, atenta a inexistência de título executivo junto pela exequente, quanto à ora opoente, em virtude da falsidade da assinatura constante do mesmo, deve a presente oposição ser considerada procedente por provada e, em conformidade com o disposto no n.º 4 do art. 817.º do C.P.C., ser extinta a presente lide.
Nestes termos e nos demais de direito deve:
- A presente instância ser suspensa até que seja proferida decisão do processo-crime que corre termos sob o n.º ..., na 3.ª Secção, dos Serviços do Ministério Público de Sintra, atenta a relação de prejudicialidade existente entre ambas, nos termos do art. 279.º n.º 1, do C.P.Civil;
- Se assim não se entender, o que apenas por mera hipótese académica se concebe, ser ordenada perícia para aferir da falsidade da assinatura da ora opoente constante do título executivo, tudo como supra referido;
- Após audição da exequente, V. Ex.ª decidir pela suspensão da instância executiva;
- Se, por hipótese, tal não se determinar, ser concedido prazo não inferior a 10 dias para que a executada preste caução, impondo-se, após, tal suspensão;
- A final, constatando-se tal falsidade, a presente lide ser extinta por inexistência de título executivo quanto à ora opoente.
Para tanto e em síntese – tendo em conta o que agora nos ocupa – alega a opoente que da letra em causa nos presentes autos consta uma marca de carimbo e uma assinatura no local de preenchimento correspondente ao aceite e ao sacado, sendo que a marca de carimbo tem a denominação social da ora opoente e a assinatura corresponderia pretensamente ao nome de B....
B.. exerceu funções como Presidente do Conselho de Administração da ora opoente, desde 23.10.2006 até 19.06.2007, data em que renunciou ao cargo.
Adianta que B..., quer a título particular quer no exercício das suas funções, nunca colocou uma marca de carimbo ou assinou a letra in casu.
Motivo pelo qual a assinatura presente na letra sub judice (bem como nas restantes letras) é falsa, por forjada, por não ter sido feita por B....
Aliás, em tal letra foi inclusivamente utilizado um carimbo que já não correspondia, à data da respectiva emissão, à forma societária da opoente, uma vez que tal sociedade era por quotas e a partir de 23.10.2006 se transformou em sociedade anónima.
Sendo que as letras em causa, todas datadas de Novembro de 2007, foram carimbadas ainda com o logotipo antigo.
Sustenta a opoente que a assinatura presente nos títulos de crédito imita a assinatura de B... e que os actos de, primeiramente, carimbar as letras e, em segundo lugar, falsificar a supra referida assinatura, foram praticados com o intuito de adstrir a opoente, face a terceiros de boa-fé, a uma obrigação que lhe é totalmente alheia e na qual a mesma nunca participou.
Adianta a opoente que, face à situação exposta, actuou a título penal, tendo dado assim entrada, em meados de Março de 2008, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Sintra, uma queixa contra, entre outros, a ora executada “V..., S.A.”, pelo crime de falsificação de assinatura, previsto e punível pelo art. 256.º do Cód. Penal, cujo inquérito sob o n.º ... corre seus termos na 3.ª Secção daqueles Serviços.
Alega também a opoente que, no referido inquérito, se encontram a ser desenvolvidas diligências/meios de prova vários, afim de ser produzida prova do cometimento do crime de falsificação de assinatura, pelo que a presente execução constitui causa prejudicial relativamente ao processo crime.
Que, no caso sub judice, encontra-se a ser discutida a responsabilidade por uma relação cambiária quando, na verdade, à ora opoente não podem ser assacados quaisquer desses efeitos, pois a mesma não se vinculou validamente.
Assim, continua a opoente, os presentes autos carecem da decisão do processo-crime supra referido que ainda não alcançou o seu terminus.
Pois, após produção de prova, se resultar provado que a assinatura que imputam à ora opoente é falsa por não ter sido feita pela sua legal representante B..., claro é que a presente execução, no que à opoente concerne, terá necessáriamente de decair.
Logo, segundo alega ainda a opoente, deve a presente instância ser suspensa até existir decisão transitada em julgado do processo-crime que corre termos como inquérito nos Serviços do Ministério Público do supra referido Tribunal.
Finalmente, sustenta a opoente que a sacadora, executada “V..., S.A.” a par da exequente, é a pessoa que mais beneficia com toda esta aparência de realidade, atendendo ao facto de todas as letras plasmarem uma (falsa) obrigação pecuniária a seu favor.
Atentas as anteriores relações comerciais entre a executada e a opoente, a primeira era, por um lado, a única que tinha acesso ao antigo carimbo da segunda e, por outro, detinha diversa documentação onde consta a verdadeira assinatura de B..., à data legal representante da opoente.
Assim e uma vez que existe desconformidade entre a «assinatura» constante no título executivo e aquela que verdadeiramente pertence quer á opoente quer à sua representante legal à data, é arguida a falsidade de tal assinatura, para todos os devidos e legais efeitos, requerendo se digna admitir a realização de perícia para aferir da falsidade em tal documento enquanto pretenso título executivo para a ora opoente e consequentemente que se notifique os Srs. F... e M..., sócios da executada “V..., S.A.”, para que disponibilizem todos os elementos/documentação que o perito nomeado considerar pertinentes e/ou para comparecerem perante o mesmo, devendo escrever, na sua presença, as palavras que este indicar.
Com o requerimento de oposição à execução foram juntos um documento do Registo Comercial (vide fls. 25/30) e fotocópia da denúncia criminal apresentada, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Sintra, pela ora opoente contra “V..., S.A.”, F...., M... e desconhecidos acompanhada de despacho do JIC admitindo a ora opoente a intervir nos autos crime na qualidade de assistente (vide fls. 31/51 e 53).

A exequente, Caixa, S.A. contestou a oposição à execução pugnando pela sua total improcedência, por não provada, devendo seguir-se os ulteriores termos da acção executiva até final.
Para tanto e em síntese, defende a exequente que tem sido amplamente decidido na jurisprudência e defendido na doutrina que a acção executiva não pode ser suspensa pela existência de causa prejudicial.
Sustenta também que mesmo a invocada falsidade da assinatura da representante da opoente, B..., constante do título, não pode proceder.
Finalmente, salienta que a letra ora apresentada como título executivo resultou de sucessivas reformas da letra inicial que foi emitida em 09.10.2006, no valor de € 153.350,00 e venceu-se em 03.04.2007 e conforme se pode verificar esta letra encontra-se devidamente carimbada e assinada.
Tendo a letra original sido ainda reformada mais duas vezes, através de letras e assim, mesmo que a letra executada não se encontrasse devidamente aceite, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, sempre a executada/opoente seria devedora da letra, ora pelo seu valor global, ora pelo valor das anteriores amortizações.
Com a contestação apresentada pela exequente foram juntas fotocópias de três letras, no valor de € 153.350,00, de € 122.680,00 e de € 98.144,00, bem como duas fotocópias referentes a “Consulta Geral de Efeitos” da Caixa, S.A. (vide fls. 67/71).

Findos os articulados, o Mm.º Juiz proferiu (vide fls. 91/93) o seguinte despacho:
“(…)
Afigura-se a este tribunal que a participação criminal e o processo de inquérito crime em curso nos Serviços do Ministério Público de Sintra constituem princípio de prova suficiente para justificar a suspensão da execução.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 818.º n.º 1 do C.P.C., declaro suspensa a execução quanto à opoente L..., Ld.ª.
Notifique.

Da questão prejudicial.
(…)
O fundamento da oposição é a falsificação da assinatura imputada à opoente, por conseguinte um dos crimes sob investigação no inquérito crime.
A prova dos factos que nos presentes autos se discutem está intimamente relacionada com o objecto daquele processo, do qual aliás deriva, a ponto do conhecimento desses factos constituir causa prejudicial.
(…)
Decide-se assim, nos termos dos arts. 97.º n.º 1 e 279.º n.º 1 do C.P.C., suspender a instância de oposição até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo de inquérito que corre termos na comarca de Sintra, actualmente comarca da Grande Lisboa Noroeste, sob o n.º ....
Notifique (…)”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a exequente que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
São as seguintes as conclusões das respectivas alegações:
1. Na oposição à execução, a opoente apenas apresentou como documento a participação criminal apresentada nos Serviços do Ministério Público de Sintra, na qual alega a falsidade da assinatura aposta no título dado à execução.
2. A opoente não juntou qualquer documento que permitisse ao Mm.º Juiz apreciar as duas assinaturas, concluindo pela sua não similitude.
3. Assim, ao suspender a oposição à execução sem que tenha sido apresentado documento que constitua princípio de prova, a decisão recorrida violou o disposto no art. 818.º n.º 1 do C.P.C.
4. A execução não pode ser suspensa por existência de causa prejudicial dado que na execução não se visa a decisão de uma causa (Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2007, processo 07B864, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.08.2004, processo 04B2776, Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.04.2005, processo 694/05 e Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2006, processo 1561/2006 – 6.º, todos in www.dgsi.pt).
5. Ao decidir suspender a acção executiva por existência de causa prejudicial a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 279.º e 97.º do C.P.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, com as requeridas consequências legais, o que constitui uma decisão de justiça.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos legais dos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos cumpre agora apreciar e decidir, ao que nada obsta.

II – Fundamentação de facto.
Os elementos de facto a ter em conta na apreciação do recurso são os que se encontram já descritos no relatório antecedente e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido e para todos os efeitos legais.

III – Fundamentação de direito.
Tendo em consideração que – de acordo com os arts. 660.º n.º 2, 684.º n.º 3 e 685.º-A n.º 1, todos do C.P.Civil – é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que a este Tribunal a única questão a decidir nos presentes autos é a de saber se havia ou não fundamento para decretar a solicitada suspensão quer da instância de oposição quer da instância executiva.

Na presente oposição à execução, a executada, ora opoente “L..., S.A.”, requereu a suspensão desta instância até que seja proferida decisão no processo-crime que corre termos sob o n.º ..., na 3.ª Secção, dos Serviços do Ministério Público de Sintra, atenta a relação de prejudicialidade existente entre ambas, nos termos do art. 279.º n.º 1, do C.P.Civil; mas se assim não se entender, o que apenas por mera hipótese académica se concebe, seja então ordenada perícia para aferir da falsidade da assinatura da ora opoente constante do título executivo.
Fundamenta tal pretensão na pendência de um inquérito criminal iniciado com a apresentação, naqueles Serviços do Ministério Público, pela ora opoente, de uma denúncia criminal contra “V..., S.A.”, F..., M... e desconhecidos.
Conforme alega a opoente – nos artigos 45.º, 49.º e 50.º do requerimento inicial de oposição à execução – a decisão dos presentes autos encontra-se dependente da decisão do referido processo-crime, sendo que o poder de suspender a instância em casos de prejudicialidade encontra-se previsto no art. 279.º n.º 1 do C.P.C.
Como vimos, o Mm.º Juiz a quo acolheu a pretensão da opoente, decidindo suspender a instância de oposição até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo criminal que corre termos, ainda na fase de inquérito, na Comarca de Sintra, ao abrigo dos arts. 97.º n.º 1 e 279.º n.º 1, ambos do C.P.C.
Por seu turno, a exequente, ora apelante, não se conformou com tal decisão, uma vez que, na sua perspectiva, a opoente não juntou qualquer documento que permitisse ao Mm.º Juiz apreciar as duas assinaturas, concluindo pela sua não similitude, violando-se assim o disposto no art. 818.º n.º 1 do C.P.C.
Vejamos, embora se adiante que a decisão recorrida, nesta parte, não é de manter.
Dispõe o art. 97.º n.º 1 do C.P.Civil que se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativa, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
Prevê-se, assim, o caso de uma acção civil estar dependente de uma questão que é da competência do tribunal criminal, do tribunal administrativo ou de tribunal civil de outra ordem.
Se a resolução prévia de uma questão criminal for necessária para se conhecer do mérito da causa nos termos do citado art. 97.º pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal criminal decida aquela questão prejudicial.
Ora, não nos parece que seja esse o caso em apreço.
Definindo o que deve entender-se por causa prejudicial para os efeitos dos nºs 1 e 2 daquele preceito legal, escreveu o Prof. Alberto dos Reis, no Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, edição de 1946, págs. 206 e 268 que “ … uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda …”, ou seja, “… quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda …”.
Ou como escreveu Rodrigues Bastos, nas suas Notas ao Código de Processo Civil, III vol., em nota ao art. 279.º, é de entender que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra “… quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito …”.
Ora, nesta acção de oposição à execução – conforme alegado nos artigos 23.º e 38.º, entre outros, do requerimento inicial – discute-se a responsabilidade por uma relação cambiária cujos os efeitos, na perspectiva da opoente, não lhe podem ser assacados pois a mesma não se vinculou válidamente, …, a opoente, quer a título particular quer no exercício das suas funções, nunca colocou uma marca de carimbo ou assinou a letra in casu.
Com efeito, pode acontecer – como escreveu Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução”, 12.ª edição, Almedina, pág. 20 – “… que exista o título executivo e não exista o direito material. Hipótese mais susceptível de ocorrer quando o título respeita a um acto negocial ou extrajudicial (o título pode ser falso, o acto jurídico que dele consta pode estar viciado por incapacidade, erro, dolo ou coacção) …”.
Prosseguindo na mesma obra, a pág. 21 “… o título executivo não garante em absoluto a existência do crédito. Mas como a posse do título é requisito suficiente ao exercício da acção executiva conclui-se que o direito de acção executiva é autónomo e independente do direito substantivo …”.
Adiantando ainda o mesmo autor, na citada obra, pág. 20, que “… Basta ao credor estar munido do título executivo para poder exercitar a acção executiva, …, havendo estreita ligação entre a função jurisdicional de declaração e a de execução, sendo esta complemento natural daquela …”.
Ao passo que, na acção crime, os factos investigados serão apreciados em termos da sua qualificação jurídico-criminal com vista à punição dos infractores.
Nela averiguar-se-á se tais factos constituem crime à luz dos conceitos de natureza estritamente penal, visando-se a eventual aplicação de uma pena de natureza criminal.
O que vale por dizer que a decisão a proferir na acção crime (note-se ainda em fase de inquérito/investigação) não prejudica o julgamento da presente acção de oposição à execução.
Inexistindo, pois, prejudicialidade entre as questões a decidir nesta acção e na acção criminal.
De todo o modo, sempre se adiantará que a prejudicialidade penal – conforme escreveu o Prof. Alberto dos Reis, in Comentários, I, 88 – não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, conferindo-lhe, antes, a possibilidade de o fazer, se assim o entender.
Tal factualidade conferida ao juiz depende sempre da existência de uma verdadeira relação de dependência, ou seja, de prejudicialidade entre a questão cível e o processo-crime.
Nestes autos, o que interessa, para responsabilizar a executada, é que a assinatura aposta no título seja da sua autoria, o que poderia ser verificado através do incidente de falsidade, o que, aliás, vem alegado pela opoente nos artigos 65.º e 66.º do requerimento inicial e a final peticionado quando diz “… Se assim não se entender, seja ordenada perícia para aferir da falsidade da assinatura da ora opoente constante do título executivo, tudo como supra referido (arts. 568.º n.º 1, 577.º e 578.º todos do C.P.C.) …”.
Sendo certo que, baseando-se a execução, em título extrajudicial, além dos fundamentos de oposição especificados no art. 814.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração – cfr. resulta do disposto no art. 816.º do C.P.C.
Pelo que, baseando-se a execução em título extrajudicial como fundamento de oposição à execução, pode ser alegada a falsidade do título em que se baseia a execução.
Ora, a regulamentação da prova pericial estabelecida nos artigos 568.º a 591.º do C.P.Civil seguramente que oferecerá, ao Juiz da acção cível, todas as garantias para essa investigação e julgamento, como no processo-crime.
Não havendo falta de adequada previsão, dentro do processo civil – veja-se também as regras previstas nos arts. 544.º a 551.º-A, do C.P.Civil – para a investigação e julgamento da falsidade de documentos, ter-se-á de concluir pela falta de fundamento para a suspensão do processo ao abrigo da segunda parte do n.º 1 do art. 279.º do C.P.Civil.
Acresce que a oposição à execução desempenha o seu papel, constituindo o meio normal conferido ao executado para se defender de títulos executivos cuja validade pretenda impugnar – vide arts. 813.º a 816.º do C.P.C.
Dispondo o art. 818.º n.º 1 do C.P.C que, havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão.
Em anotação ao citado art. 818.º, escreveu o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, o seguinte:
“… Quando a execução se funde em documento escrito particular cuja assinatura não tenha sido notarialmente reconhecida e o executado alegue, na oposição, que não o assinou o pretenso devedor (executado ou não, tidas em conta as normas do art. 56.º), o juiz, ouvido o exequente, pode suspender a execução se for junto documento (maxime, o bilhete de identidade do devedor, o seu passaporte ou outro documento autêntico por ele subscrito) que indicie que a alegação do opoente é verdadeira.
Neste caso, a suspensão não é automática: juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor …”.
Também se pode ler em “Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, de Artur Anselmo de Castro, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 294 que “… A exigência de prova por documento está ligada ao efeito da admitida suspensão da execução em consequência da oposição, tendo por fim evitar que a acção executiva seja paralisada por oposições com base em factos que normalmente na circunstância se provam por documento e que dele desacompanhados se apresentam como não dignos de credibilidade …”.
No mesmo sentido se pronunciaram Jorge Barata e Laranjo Pereira, in “Acção Executiva Comum. Noções Fundamentais”, II volume, pág. 37 – se bem que relacionado com os embargos de executado – ao escreverem que “… o legislador, ao impor ao executado a apresentação dos documentos comprovativos dos factos extintivos ou modificativos, invocados na petição de embargos, visou fundamentalmente evitar oposições infundadas à execução, deduzidas com o objectivo de protelar o andamento regular da acção executiva …”.
Sucede que, no caso vertente, a opoente não só não prestou caução como também não juntou – como bem refere a apelante nas conclusões da alegação de recurso – qualquer documento que permitisse ao Juiz apreciar as duas assinaturas, concluindo pela sua não similitude.
Como salienta a apelante, nas referidas conclusões da alegação de recurso, a opoente apenas apresentou como documento a participação criminal apresentada nos Serviços do Ministério Público de Sintra, na qual alega a falsidade da assinatura aposta no título dado à execução.
Ora, a pretendida suspensão da oposição à execução, até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo de inquérito, não pode ser acolhida, tanto mais que, mesmo que já houvesse decisão final condenatória, imputando um crime de falsificação de documento (título executivo), dessa decisão apenas decorreria uma presunção ilidível, por prova em contrário, de falsidade da assinatura do executado, nos termos estabelecidos no art. 674.º-A do C.P.C.
Nestes termos, procedem as conclusões da alegação de recurso da apelante relativas à impossibilidade de suspensão da oposição à execução, impondo-se, por isso, a revogação do despacho recorrido nesta parte.
*
Na presente oposição à execução, a executada, ora opoente “L..., S.A.”, requereu ainda suspensão da instância executiva e se, por hipótese, tal não se determinar, seja concedido prazo não inferior a 10 dias para que a executada preste caução, impondo-se, após, tal suspensão.
Como vimos, o Mm.º Juiz a quo acolheu a pretensão da opoente, decidindo suspender a execução quanto à opoente “L..., Ld.ª”, por entender que a participação criminal e o processo de inquérito crime em curso nos Serviços do Ministério Público de Sintra constituem princípio de prova suficiente para justificar a suspensão da execução.
Por seu turno, a exequente, ora apelante, não se conformou também com esta parte da decisão, uma vez que, na sua perspectiva, a execução não pode ser suspensa por existência de causa prejudicial dado que na execução não se visa a decisão de uma causa.
Vejamos, adiantando desde já que a decisão recorrida, nesta parte, também não é para manter.
O processo executivo comum está sujeito ao regime dos arts. 801.º e segs. do C.P.C.
Ao processo comum de execução são aplicáveis subsidiáriamente, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva – arts. 466.º n.º 1 do citado diploma legal.
Dispõe o art. 279.º n.º 1 do C.P.C. que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Sendo pressuposto da suspensão que a decisão da causa esteja dependente da decisão de uma outra e que, na acção executiva, não há lugar a qualquer decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado, não é possível aplicar tal previsão à acção executiva, embora se admita a sua aplicabilidade às fases declarativas nesta enxertadas.
No caso vertente, foi alegada uma causa que inquina a validade do título executivo, daí que uma das executadas – no caso “L..., Ld.ª” – tenha deduzido oposição à execução que, como já vimos, constitui o meio próprio conferido à executada para se defender de títulos executivos que só aparentemente sejam válidos.
Fernando Amâncio Ferreira, na já citada obra “Curso de Processo de Execução” págs. 19/20, pronunciou-se do seguinte modo:
“… O processo de execução não se reconduz a uma sucessão de actuações materiais, havendo nele lugar a uma actividade jurisdicional declarativa, no decurso da qual se examinam certos pressupostos especiais específicos, independentemente dos apreciados no processo declarativo prévio, quando o haja, e se viabiliza um debate sobre o direito subjectivo material para o qual se solicita a tutela jurisdicional executiva …”.
A este propósito, pronunciou-se o Prof. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma” 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 199, nos seguintes termos:
“… Antes da revisão do Código, só a prestação de caução impedia o prosseguimento da execução, …, Com a redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 38/2003 de 08.03, passou a haver duas possibilidades de o opoente conseguir a suspensão da execução: a primeira, de alcance geral, consiste na prestação de caução; a segunda, circunscrita ás acções fundadas em título particular sem a assinatura reconhecida, tem lugar quando o embargante alegue que a assinatura não é genuína …”.
Como já referimos (vide fls. 13 deste acordão), a opoente não observou nenhuma das exigências legais elencadas no mencionado art. 818.º n.º 1 do C.P.Civil que lhe dariam a possibilidade de conseguir a suspensão da execução.
Com efeito, no caso sub judice, a opoente não só não prestou caução como também não juntou qualquer documento – maxime, o bilhete de identidade da legal representante da opoente, B..., o seu passaporte ou outro documento autêntico por ela subscrito – que permitisse ao Juiz apreciar as duas assinaturas e assim pudesse concluir pela sua não similitude e portanto indiciando que a alegação da opoente era verdadeira.
Não tendo a opoente observado os condicionalismos indicados no referido art. 818.º n.º 1 do C.P.C., a pretendida suspensão da instância executiva não pode ter acolhimento.
Nestes termos, procedem as conclusões da alegação de recurso relativas à impossibilidade da suspensão da instância executiva, impondo-se, por isso, a revogação do despacho recorrido, também nesta parte.
IV – Decisão.
Por todo o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e, por isso, se revoga o despacho recorrido, devendo o processo prosseguir de harmonia com o disposto no art. 817.º n.º 2, sem prejuízo também do disposto no art. 818.º n.º 1 primeira parte (Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução), ambos do C.P.Civil.
Custas a cargo da apelada.
Lisboa, 18 de Março de 2010.
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
José Eduardo Miranda Santos Sapateiro
Maria Teresa Batalha Pires Soares