Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
| Descritores: | AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE E DE MATERNIDADE NATUREZA ADMINISTRATIVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/08/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | –A averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade constituem providências tutelares cíveis, nos termos do artigo 3° alª i) do RGPTC, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro. –Actualmente, mostra-se reforçada a natureza administrativa de tais processos, que passaram a ser completamente desjudicializados. –A decisão final do Ministério Público é de índole administrativa, pois que o seu controle é feito por via da reapreciação hierárquica, sem qualquer intervenção do juiz - artigos 62º e 63º do RGPTC. –Tratam-se, apenas, de processos administrativos de apuramento da viabilidade da acção, não podendo ser aceites, mesmo implicitamente, como uma verdadeira acção, com valor jurisdicional, o que constitui obstáculo à sua distribuição na 1ª instância, segundo o artigo 206º nº 1 alª a) do Código de Processo Civil. SUMÁRIO: (da responsabilidade do relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO: A Conservatória do Registo Civil de X remeteu ao Juízo de Família e Menores de Vila Franca e Xira assento de nascimento do menor T, que é omisso quanto à paternidade. Registado e autuado na respectiva Secção de Família e Menores, em 08 de Janeiro de 2018, foi proferido o seguinte DESPACHO: “ Decorre dos artigos 17º nº 2, 60º e 62º do RGPTC que a instrução e a decisão final nos autos de averiguação oficiosa de maternidade ou de paternidade passou a competir ao Ministério Público sem a intervenção do juiz. Consequentemente, nada havendo a determinar, remeta os autos aos serviços do Ministério Público e dê baixa”. Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o Ministério Público, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª- Na sequência da remessa de assento de nascimento omisso quanto à paternidade do menor, a Conservatória do Registo Civil de X, remeteu o mesmo ao Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira, por ser o territorialmente competente. 2ª- Registado, distribuído e autuado, na respectiva Secção de Família e Menores, foi o processo concluso à Mmª Juiz que proferiu o douto despacho, ora posto em crise, no qual, remetendo os autos aos serviços do Ministério Público, deu baixa do mesmo, considerando, assim, que as averiguações oficiosas da paternidade deixaram de ser processos judiciais, iniciados e encerrados (arquivados) por determinação judicial, passando a ser processos do Ministério Público. 3ª- Os artigos 60° a 64° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), inserem-se num regime que regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respectivos incidentes (cfr. art° 1°, do RGPTC). 4ª- Nos termos do art° 3° alª i) do RGPTC, constituem providência tutelares cíveis a averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade. 5ª- Por seu turno, dispõe o art° 6º alª i), do RGPTC, que compete às Secções de Família e Menores da Instância Central do Tribunal de Comarca em matéria tutelar cível, proceder à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade. 6ª- Do mesmo modo, dispõe a Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/13, de 26/08) no seu art° 123° n° 1 alª l, que " Compete igualmente aos juízos de Família e Menores proceder à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade e (...)„ 7ª- Se é certo que se pode colocar a questão de saber se faz sentido ter um processo que corre nas Secções de Família e Menores, cuja instrução e decisão é do Ministério Público, a judicialização desse processo só na aparência é anacrónica, pois visa-se permitir a intervenção do juiz no que respeita ao dever de comparência e sancionamento de faltas e ainda a vigência do dever de verdade que não existe em processos administrativos do MP. 8ª- Decorre assim, do preceituado nestas disposições legais que a providência tutelar cível de averiguação oficiosa para investigação de maternidade ou paternidade ou para sua impugnação constitui um processo judicial configura-se como um processo judicial das Secções de Família e de Menores, onde a instrução e a decisão pertencem ao Ministério Público. 9ª- Ao determinar a baixa do processo, a Mmª Juiz fez uma incorrecta interpretação do preceituado nos artigos 3°alª i) e 6° alª i), do RGPTC e no artigo 123° n° 1, alª l), da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/13, de 26/08), indo contra lei expressa. 10ª- Nos termos expostos, deverá a presente apelação ser julgada procedente e, consequentemente, substituir-se o douto despacho recorrido por outro que não determine a baixa do processo e ordene a remessa dos autos, a título devolutivo, ao Ministério Público para efeitos de tramitação nos termos dos artigos 60° a 64° do RGPTC, finda a qual, os autos devem ser devolvidos à competente secção judicial para arquivamento. Não houve contra-alegações. Dispensados os vistos, cumpre decidir. II–FUNDAMENTAÇÃO. A)-Fundamentação de facto A matéria de facto relevante é a que resulta do relatório que antecede. B)-Fundamentação de direito. A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, consiste em saber se, para efeito de averiguações oficiosas da maternidade e da paternidade previstas nos artigos 1808º e 1864º do Código Civil, os assentos de nascimento dos menores enviados ao tribunal pelas conservatórias, devem ser remetidos aos serviços do Ministério Público a título definitivo, dando-se baixa dos respectivos papéis. Importa decidir. Nos termos do artigo 1864º do Código Civil, sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de averiguar a identidade do pai. É o caso dos autos. No domínio da antiga Organização Tutelar de Menores, a averiguação oficiosa de maternidade ou paternidade constituía um processo tutelar cível previsto no artigo 146º alª j), em que a instrução dos processos incumbia ao Ministério Público, que emitiria parecer sobre a viabilidade da acção de investigação de maternidade ou paternidade. Ao juiz competia proferir despacho final mandando arquivar o processo ou ordenasse a remessa do processo ao Ministério Público a fim de ser proposta a respectiva acção – Cfr artigos 202º a 205º da OTM. Tais processos tinham natureza administrativa, não podendo ser considerados “stricto sensu”, uma verdadeira acção. Estavam sujeitos a distribuição na 1ª instância nos termos do artigo 211º nº 1 alª a) do anterior Código de Processo Civil, pois se consideravam papéis que importavam começo de causa. Além disso, apontavam-se-lhes características de jurisdicionalidade porque, nos termos do artigo 205º da OTM, competia ao juiz proferir despacho final. Neste sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.01.1987[1], assim sumariado: “Está sujeita a distribuição a certidão integral do registo de nascimento do menor enviada ao tribunal para servir de base ao processo de averiguação de paternidade ou maternidade”. Actualmente, mostra-se reforçada a natureza administrativa de tais processos, que passaram a ser completamente desjudicializados. Tratam-se, apenas, de processos administrativos de apuramento da viabilidade da acção, não podendo ser aceites, mesmo implicitamente, como uma verdadeira acção, com valor jurisdicional, o que constitui obstáculo à sua distribuição na 1ª instância, segundo o artigo 206º nº 1 alª a) do Código de Processo Civil. E porquê? A averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade constituem providências tutelares cíveis, nos termos do artigo 3° alª i) do RGPTC, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, que entrou em vigor em 08 de Outubro de 2015. Dispõe o artigo 6º alª i), do RGPTC, que compete às Secções de Família e Menores da Instância Central do Tribunal de Comarca em matéria tutelar cível, proceder à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade. Nos termos do artigo 123º nº 1 alª l) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), compete às secções de família e menores proceder à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade e preparar e julgar as acções de impugnação e de investigação de maternidade e de paternidade. Apesar disso, o legislador retirou ao juiz a única competência que lhe estava atribuída. Para além de continuar a não poder determinar a prática de quaisquer diligências instrutórias, agora nem se pronuncia sobre a viabilidade ou a inviabilidade da futura acção de investigação, pois a decisão final é da exclusiva competência do Ministério Público. Ao contrário do que sucede com as demais causas, cuja instrução é presidida pelo juiz, a instrução dos processos de averiguação oficiosa para investigação de maternidade ou paternidade ou para sua impugnação incumbe ao Ministério Público, que pode usar de qualquer meio de prova legalmente admitido – artigo 60º do RGPTC. A tramitação e a movimentação dos respectivos processos são feitas exclusivamente nas secções de processos dos serviços do Ministério Público pelos oficiais de justiça próprios da carreira do Ministério Público, conforme se dispõe no artigo 3º nº 3 do Estatuto do Ministério Público – Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, sendo a última alteração da Lei 114/2017, de 29 de Dezembro. A decisão final do Ministério Público, é de índole administrativa, pois o seu controle é feito por via da reapreciação hierárquica, sem qualquer intervenção do juiz - artigos 62º e 63º do RGPTC. Dito de outra forma, o processo de averiguação oficiosa de maternidade ou de paternidade destina-se essencialmente à propositura eventual de uma acção pelo próprio Ministério Público. É esta circunstância a razão de ser da norma que atribui ao Ministério Público a competência para a instrução de tais processos. Apesar de os processos tutelares cíveis terem a natureza de jurisdição voluntária (artigo 12º do RGPTC), a legislação actual e acima referida, retirou à averiguação oficiosa de maternidade ou de paternidade o seu carácter de processo judicial das secções de Família e de Menores, onde a instrução e a decisão final pertencem ao Ministério Público, reforçando mesmo o seu carácter administrativo. Assim, em concordância com o despacho recorrido, deve determinar-se a baixa do processo e a remessa do mesmo ao Ministério Público. EM CONCLUSÃO: – A averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade constituem providências tutelares cíveis, nos termos do artigo 3° alª i) do RGPTC, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro – Actualmente, mostra-se reforçada a natureza administrativa de tais processos, que passaram a ser completamente desjudicializados. – A decisão final do Ministério Público é de índole administrativa, pois que o seu controle é feito por via da reapreciação hierárquica, sem qualquer intervenção do juiz - artigos 62º e 63º do RGPTC. – Tratam-se, apenas, de processos administrativos de apuramento da viabilidade da acção, não podendo ser aceites, mesmo implicitamente, como uma verdadeira acção, com valor jurisdicional, o que constitui obstáculo à sua distribuição na 1ª instância, segundo o artigo 206º nº 1 alª a) do Código de Processo Civil. III–DECISÃO. Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido. Sem custas. Lisboa, 08-03-2018 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Isoleta de Almeida Costa [1]CJ I/87.207. No mesmo entendimento, ver o Ac. RL de 25.11.1993, in CJ V/93.136. |