Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2047/2006-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO ATÍPICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: I- Não assume a natureza de concurso público, que é negócio jurídico unilateral, mas de um verdadeiro contrato atípico, próximo do contrato de trabalho (artigos 405.º 1152.º do Código Civil), o acordo pelo qual uma empresa, perante pessoa a identificar designada “concorrente” que se vincula a estar disponível para as actividades em causa durante 120 dias, 24 horas por dia, se obriga a prestar-lhe uma determinada compensação monetária independentemente do prémio final e outros, compensação que aponta para a natureza de contraprestação pela actividade/disponibilidade dos contraentes/concorrentes.
II- Um tal contrato está submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais, aplicando-se aos contraentes-concorrentes as proibições que constam dos artigos 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º446/85, de 25 de Outubro face ao disposto no artigo 20.º que exclui do âmbito de aplicação daqueles artigos 21.º e 22.º as relações abrangidas pelo artigo 17.º,ou seja, aquelas entre empresários ou que exerçam profissões liberais, o que não é o caso dos contraentes-concorrentes.
III- A cláusula que estipula que a “Endemol pode, em qualquer momento, e por qualquer motivo, pôr termo à presença e participação do Concorrente no Programa. Neste caso, o concorrente não tem direito a qualquer compensação monetária, para além da compensação referida na cláusula 3.4. deste contrato. Esta cláusula é ainda aplicável ao caso de suspensão ou cancelamento, por qualquer motivo, da produção do Programa”, uma tal cláusula confere ao proponente o poder discricionário - “ por qualquer motivo” equivale a motivo nenhum - de fazer cessar o contrato em qualquer altura e sem compensação, quer directamente, quer indirectamente pela suspensão ou cancelamento do programa televisivo a que respeita, o que traduz violação do disposto no artigo 22.º/1, alínea b) e também do disposto no artigo 22.º/1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro
IV- Também a cláusula 2.2.,alínea j) ao dispor que “ os direitos da E.[…], ora reconhecidos, cedidos ou autorizados, poderão ser livremente cedidos ou licenciados a terceiros sem o consentimento prévio do concorrente”, tal cláusula permite à proponente ceder a sua posição contratual e dispor, entre outros, dos direitos que os contraentes/concorrentes lhe transmitiram, sem o acordo destes, o que traduz violação do disposto no artigo 18.º,alínea l), o que implica a nulidade da cláusula
V- A cláusula 4.5 ao dispor que “ o concorrente declara ter conhecimento e aceitar incondicionalmente as regras e directrizes do formato do Programa, tal como estão assumidas aqui e no Anexo a este contrato. No entanto, a E.[…] reserva-se o direito de, em caso de necessidade, retirar ou alterar as regras do Programa”, tal cláusula ao permitir à proponente acrescentar, retirar ou alterar as regras do Programa que são cláusulas contratuais gerais, viola igualmente o disposto no artigo 22.º,n.º1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, impondo-se declarar a sua nulidade
VI- A cláusula 4.6 ao dispor que “ cabe à E.[…] o poder de decidir e agir face a circunstâncias imprevistas que possam ocorrer no Programa. Circunstâncias imprevistas incluem, entre outras, fenómenos naturais, circunstâncias que não estejam previstas ou completamente definidas nas regras do Programa, causas de força maior, ou circunstâncias relacionadas com defeitos e/ou problemas técnicos. O concorrente não contestará quaisquer decisões tomadas pela E.[…] e seguirá as orientações que lhe sejam dadas em consequência de tais circunstâncias imprevistas”, uma tal cláusula permite à proponente, de uma forma indirecta, interpretar quaisquer cláusulas do contrato, fixando o seu sentido e as correspondentes declarações de vontade dos contraentes, assim violando o disposto no artigo 18.º,alínea e) do diploma em causa, impondo-se, assim , declarar a sua anulabilidade.
VII- A cláusula 4.8. ao dispor que “ compete única e exclusivamente à E.[…] decidir quais as circunstâncias e condições em que o concorrente poderá abandonar temporariamente o Programa e reentrar na Casa sem perder a oportunidade de ganhar o prémio monetário”, tal cláusula também viola o disposto no artigo 18.º, alínea e) do DL 446/85 visto conferir à predisponente a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato
VIII- A cláusula 5.1. ao dispor que “ a E.[…] Lda. e outras empresas que colaborem com a produção, realização e exploração do Programa, não serão responsáveis por qualquer perda, dano moral, físico, material ou qualquer outra lesão relacionados com o Concorrente ou terceiros, causados ou sofridos no âmbito da participação do concorrente no programa, excepto se imputáveis à E.[…] a título de dolo ou culpa grave”, uma tal cláusula limita a responsabilidade civil extracontratual da proponente, por danos à vida, à integridade moral, física, à saúde, e danos patrimoniais extracontratuais, em flagrante contraste com o seu poder de direcção e de conformação da actividade dos contraentes-concorrentes, violando claramente o disposto no artigo 18.º, alíneas a) e b) do DL 446/85, cláusula que sempre seria nula, por contrária á lei, nos termos gerais do artigo 280.º do Código Civil
IX- A cláusula 5.2. ao dispor que “ o Concorrente tem conhecimento e aceita o formato, regras e procedimentos do Programa e os possíveis riscos adjacentes, O Concorrente indemnizará a E.[…] ou reembolsá-la-á por quaisquer responsabilidades exigidas por terceiros”, uma tal cláusula ficciona o conhecimento e a aceitação por parte dos contraentes/concorrentes de cláusulas contratuais e eventos danosos com elas conexos que, de modo algum, podem, razoavelmente, concretizar antecipadamente, por total ausência dos factos respectivos, o que configura flagrante violação do disposto no artigo 19.º,alínea d) do DL 446/85
X- A cláusula 9.2. a) dispõe que “ todas as questões respeitantes à interpretação e execução do presente contrato, com excepção das referentes à violação das obrigações previstas nas cláusulas 1.4, 2.3 e 6.1 deverão ser resolvidas por um tribunal arbitral, constituído nos termos desta cláusula e subsidiariamente pelas leis portuguesas de arbitragem que se apliquem”, tal cláusula consagra uma convenção de arbitragem que é admissível nos termos do artigo 1.º, n.º1 da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto
XI- A cláusula 9.2 d) ao dispor que “ o Tribunal decidirá quanto á matéria de facto e de direito, sendo que da decisão apenas se poderá recorrer quanto à matéria de direito”, tal cláusula não é nula pois não implica renúncia do direito à anulação da decisão arbitral que não se confunde com os recursos da decisão arbitral que são os mesmos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal da comarca (artigo 29.,n.º1§ da Lei n.º 31/86) aos quais as partes podem renunciar, não traduzindo esta cláusula violação do disposto no artigo 21., alínea h) do DL 446/85
XII- A condenação da predisponente a dar publicidade á decisão inibitória “ por intermédio de anúncio a publicar em dois jornais diários de âmbito nacional e de grande circulação, em três dias consecutivos, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão e a vir aos autos comprová-la”, tal divulgação não é desproporcional. Com efeito, uma produção audiovisual destinada a ser levada ao público pelos mais variados suportes técnicos conhecidos impõe que ao maior número de pessoas, num universo potencialmente interessado que é o nacional, seja proporcionado o conhecimento das cláusulas consideradas nulas no âmbito do presente contrato, procurando alertá-las para uma situação que as pode atingir

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs, nos Juízos Cíveis de Lisboa, contra,

ENDEMOL PRODUÇÕES TELEVISIVAS PORTUGAL, LD.ª, esta acção declarativa constitutiva, pedindo que se declarem nulas e de nenhum efeito as cláusulas que identifica, condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com ao concorrentes, especificando na sentença o âmbito de tal proibição, se condene a Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar, mediante anúncio a publicar em dois jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos e que se remeta certidão da presente sentença ao Gabinete de Direito Europeu, com fundamento, em síntese, em que a R, no exercício da sua actividade de produção de programas televisivos, elaborou as condições de um contrato a subscrever pelos participantes num programa de televisão denominado “Big Brother”, contendo cláusulas proibidas face ao ordenamento jurídico português.

A cláusula 1.5 viola o disposto nos art.ºs 21.º, al. a) e art.º 22.º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei n.º 446/85;

a cláusula 2.2 j viola o disposto no 18.º, al. l);

a cláusula 4.5 viola o disposto no 22.º, n.º 1, al. c);

as cláusulas 4.6 e 4.8 violam o disposto no art.º 18.º, al. e);

a cláusula 5.1 viola o disposto nos 18.º, al. a) e b);

a cláusula 5.2 viola o disposto no art.º 19.º, al. d);

as cláusulas 9.2, a) e 9.2, b) violam o disposto no 21, al. h), todos do mesmo diploma.

Citada, contestou a R pedindo a improcedência da acção dizendo, para o efeito, ser falso que se dedique à produção do programa “Big Brother”, cuja produção já havia terminado à data da contestação e que não tenciona produzir novas séries, que o contrato em causa não é um contrato de adesão, mas um concurso público nos termos do art.º 463.º do C. Civil, modalidade da promessa pública a que se refere o art.º 459.º do C. Civil, pelo que lhe não é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais e que o escrito que é apresentado aos concorrentes para assinarem, por um lado, estabelece as condições de participação dos concorrentes e por outro, enuncia as regras do próprio concurso, constituindo um verdadeiro regulamento de concurso. As cláusulas 1.5, 4.5, 4.6 e 4.8 são regras desse concurso e não cláusulas contratuais, a cláusula 2. 2 j respeita apenas à cedência a terceiros de direitos autorais, as cláusulas 5.1 e 5.2 devem ser interpretadas de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil não sendo aplicável o disposto no art.º 19.º, al. d) do Dec. Lei n.º 446/85 e o ponto 9.2 não pretende afastar a aplicação do disposto no art.º 28.º da Lei n.º 31/96.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a acção procedente e declarando nulas e de nenhum efeito as clausulas nº 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d), do contrato junto a fls.15 a 23, condenando a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com concorrentes de concursos televisivos e condenando a Ré a dar publicidade a esta proibição por intermédio de anúncio a publicar em dois jornais diários de âmbito nacional e de grande circulação, em três dias consecutivos, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão e a vir aos autos comprová-la.

 Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a absolvição do pedido, formulando as seguintes conclusões:

1. Um concurso público para televisão é uma modalidade de negócio jurídico unilateral, prevista na lei como fonte autónoma de obrigações -o concurso público -sujeito ao disposto nos artigos 457.º a 463.º do Código Civil e que constitui uma excepção ao chamado princípio do contrato;

2. Existindo uma promessa pública, com as características de concurso público, não é de aplicar o regime estabelecido o DL n.º 446/85, de 25/10, cuja finalidade é disciplinar os negócios jurídicos bilaterais denominados também "contratos de ou por adesão" ou "condições negociais gerais;

3. As disposições constantes dos pontos 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 não têm natureza contratual;

4. As disposições constantes dos pontos 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4.8, 5.1, 5.2, e 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 inserem-se no poder regulamentar do Dono do Concurso, como expressão do conteúdo do negócio jurídico unilateral;

5. Ao considerar tais disposições como de natureza contratual, a Douta Sentença violou, entre outros, os artigos 457.º a 463.º do Código Civil e os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

6. Mas mesmo que por hipótese de raciocínio se considerassem tais disposições como de natureza contratual, ainda assim não deveriam tais cláusulas ser consideradas nulas;

7. Entre a Apelante e os Concorrentes, no caso sub Júdice, estabelecem-se relações que mais se equiparam a relações entre empresários ou entidades equiparadas, do que a relações de consumo.

8. Assim, as cláusulas 1.5, 4.5, 9.2, alíneas a) e d) não deverão ser consideradas proibidas e consequentemente nulas, por tal proibição apenas se aplicar às relações com consumidores finais (cfr. artigos 21.º e 22.º do DL 446/85).

9. A disposição constante do ponto 1.5 do documento de fls. 15 a 23 não limita ou de qualquer modo altera obrigações assumidas, na contratação, directamente pela ora Apelante, nem atribui à Apelante o direito de alterar unilateralmente os termos do "contrato";

10. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, os artigos 21.º a) e 22.º n.º 1 c) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

11. A disposição constante do ponto 4.5 do documento de fls. 15 a 23 não atribui à Apelante o direito de alterar unilateralmente os termos do "contrato";

12. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 22.º n° 1 c) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

13. A disposição constante do ponto 2.2 j) do documento de fls. 15 a 23 não consagra a favor da Apelante a possibilidade de cessão de posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar;

14. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º I) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

15. As disposições constantes dos pontos 4.6 e 4.8 do documento de fls. 15 a 23 não conferem à Apelante a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do "contrato";

16. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º e) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

17. As disposições constantes dos pontos 4.6 e 4.8 do documento de fls. 15 a 23 não conferem à Apelante a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do "contrato";

18. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 180 e) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

19. A disposição constante do ponto 5.1 do documento de fls. 15 a 23 (excluindo a expressão "a título de dolo ou culpa grave) não exclui ou limita a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas, nem a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais;

20. Ao considerar tal disposição nula in totum, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 18.º a) e b) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

21. A disposição constante do ponto 5.2 do documento de fls. 15 a 23 não impõe ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes;

22. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 19.º d) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

23. A disposição constante do ponto 9.2 a) e d) do documento de fls. 15 a 23 não exclui ou limita a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas nem prevê modalidade de arbitragem que não assegure as garantias de procedimento estabelecidas na lei;

24. Ao considerar tal disposição nula, a Douta Sentença violou, entre outros, o artigo 21.º h) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;

25. O concurso Big Brother, no seu formato, não é acessível ao público em geral.

26. Sendo o universo dos concorrentes perfeitamente delimitado, não se justifica e é desproporcionada a condenação de dar publicidade a uma eventual proibição.

27. Nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do DL 446/85, na redacção que lhe foi dada pelo DL 220/95, não há lugar a custas, em virtude das acções destinadas a proibir o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais que se considerem abusivas delas estarem isentas, disposição esta violada na Douta Sentença, ao condenar em custas a ora Apelante.

O M.º P.º contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1) A Ré é uma sociedade por quotas, encontrando-se matriculada sob o n.º 4505 e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

2) A Ré tem por objecto a actividade de produção, comercialização e a distribuição de qualquer tipo de produções televisivas. 

3) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo "Disposições Gerais”., o ponto 1.5 com o seguinte teor:

" A E.[…] pode, em qualquer momento, e por qualquer motivo, pôr termo à presença e participação do Concorrente no Programa. Neste caso, o Concorrente não tem direito a qualquer compensação monetária, para além da compensação referida na cláusula 3.4 deste contrato. Esta cláusula é ainda aplicável ao caso de suspensão ou cancelamento, por qualquer motivo, da produção do Programa".

4) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo "Direitos e Deveres do Concorrente", o ponto 2.2, alínea j) com o seguinte teor:

"Os direitos da E.[…], ora reconhecidos, cedidos ou autorizados, poderão ser livremente cedidos ou licenciados a terceiros sem o consentimento prévio do Concorrente".

5) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo " Regras da Casa", o ponto 4.5 com o seguinte teor:

 " O Concorrente declara ter conhecimento e aceitar incondicionalmente as regras e directrizes do formato do Programa, tal como estão resumidas aqui e no Anexo a este contrato. No entanto, a E.[…] reserva-se o direito de, em caso de necessidade, acrescentar, retirar ou alterar as regras do Programa".

6) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo "Regras da Casa", o ponto 4.6 com o seguinte teor:             

Cabe à E.[…] o poder de decidir e agir face a circunstâncias imprevistas que possam ocorrer no Programa. Circunstâncias imprevistas, incluem, entre outras, fenómenos naturais, circunstâncias que não estejam previstas ou completamente definidas nas regras do Programa, causas de força maior, ou circunstâncias relacionadas com defeitos e/ou problemas técnicos. O Concorrente não contestará quaisquer decisões tomadas pela E.[…] e seguirá as orientações que lhe sejam dadas em consequência de tais circunstâncias imprevistas".

7) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo" Regras da Casa", o ponto 4.8 com o seguinte:

Compete única e exclusivamente à E.[…] decidir quais as circunstâncias e condições em que o Concorrente poderá abandonar temporariamente o Programa e reentrar na Casa sem perder a oportunidade de ganhar o prémio monetário”.

8) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe “Contrato", no capítulo "Responsabilidade Civil”, o ponto 5.1 com o seguinte teor:

" A E.[…], Ld.ª e outras empresas que colaborem com a produção, realização e exploração do Programa, não serão responsáveis por qualquer perda, dano moral, físico, material ou qualquer outra lesão relacionados com o Concorrente ou terceiros, causados ou sofridos no âmbito da participação do Concorrente no Programa, excepto se imputáveis à E.[…] a título de dolo ou culpa grave".

9) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe “Contrato", no capítulo "Responsabilidade Civil", o ponto 5.2 com o seguinte teor: “Concorrente tem conhecimento e aceita o formato, regras e procedimentos do Programa e os possíveis riscos adjacentes. O Concorrente indemnizará a E.[…] ou reembolsá-la-á por quaisquer responsabilidades exigidas por terceiros".

10) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo "Lei Aplicável e Tribunal Competente", o ponto 9.2, alínea a), com o seguinte teor:

 "Todas as questões respeitantes à interpretação e execução do presente contrato, com excepção das referentes à violação das obrigações previstas nas cláusulas 1.4, 2.3 e 6.1, deverão ser resolvidas por um Tribunal Arbitral, constituído nos termos desta cláusula e subsidiariamente pelas leis portuguesas de arbitragem que se apliquem ".

11) Consta do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, com a epígrafe "Contrato", no capítulo "Lei Aplicável e Tribunal Competente", o ponto 9.2, alínea d), com o seguinte teor:

 "O Tribunal decidirá quanto à matéria de facto e de direito, sendo que da decisão apenas se poderá recorrer quanto à matéria de direito".

12) À data da entrega em juízo da petição inicial, a Ré encontrava-se a produzir a terceira edição do programa televisivo "Big Brother".

13) No exercício da sua actividade, a Ré dedica-se à produção do programa televisivo " Big Brother”.

14) A Ré entrega aos concorrentes que pretendem participar no programa, um "contrato" análogo ao referido em 2) a 11) supra.

15) Na posse do mencionado "contrato", o concorrente limita-se a preencher os espaços em branco nele existentes, relativos à sua identificação e assina.

16) As cláusulas insertas no contrato foram previamente elaboradas pela Ré.

17) São apresentadas, já impressas, aos interessados na participação no programa televisivo " Big Brother".

18) Aos concorrentes apenas é concedida a possibilidade de aceitar, ou não esse clausulado.

19) Estando-lhes vedada a possibilidade de, através de negociação, por qualquer forma o alterar.

20) Tal "contrato" destina-se a ser utilizado pela Ré no futuro, para contratação com qualquer pessoa interessada na participação em futuros programas televisivos " Big Brother".

21) À data da apresentação da contestação nos presentes autos tinha terminado a produção do programa televisivo " Big Brother 3”.

22) Para a 3ª série do Programa “Big Brother”, a Ré assinou com os respectivos concorrentes um documento semelhante ao doc. 2 junto com a petição inicial.

23) Nos contratos referidos no facto anterior não foram efectuadas alterações ou aditamentos ao conteúdo do referido documento.

B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento do Tribunal pela apelante consistem em saber, se:

a) As disposições em causa nos autos se configuram como disposições de um contrato, como decidiu o Tribunal a quo, ou como disposições de um concurso público, nos termos previstos nos art.ºs 457.º e 463.º, do C. Civil, como pretende a apelante (conclusões 1 a 5).

b) Lhe é aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (conclusões 6 a 12).

c) Ao declarar a nulidade da disposição 2. 2 j) o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 18.º, al. l) do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusões 13 e 14).

 d) Ao declarar a nulidade das disposições 4.6 e 4.8 o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 18.º, al. e) do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusões 15 a 18).

e) Ao declarar a nulidade da disposição 5.1 o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 18.º, al. a) e b) do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusões 19 e 20).

f) Ao declarar a nulidade da disposição 5.2 o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 19.º, al. d) do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusões 21 e 22).

g) Ao declarar a nulidade da disposição 9.2 a) e d) o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 21.º, al. h) do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusões 23 e 24).

h) É desproporcionada a condenação a dar publicidade a uma eventual proibição (conclusão 26).

i) A acção está isenta de custas, nos termos do art.º 29.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 446/85 (conclusão 27).

 Vejamos.

I. 1. Quanto à primeira questão, a saber, se as disposições em causa nos autos se configuram como disposições de um contrato ou como disposições de um concurso público nos termos previstos nos art.ºs 457.º e 463.º, do C. Civil.

Pretende a apelante que o espécime em causa nos autos se configura como um negócio unilateral e dentro desta categoria como um concurso público, nos termos previsto nos art.ºs 457.º a 463.º do C. Civil, apesar dela própria, ao pré-elaborar os seus termos, a ter apelidado de “contrato”, a celebrar entre si e pessoa a identificar, designado de “concorrente” e a reger-se “pelas cláusulas seguintes”, entre as quais se incluem as cláusulas em causa nos autos[1].

Não obstante e uma vez que o nomen iuris dado pelas partes – ou por uma delas, como no caso acontece – a uma realidade negocial não é determinante da sua qualificação jurídica, antes esta devendo procurar-se na substância das disposições correspondentes, é na exegese o denominado “contrato” que devemos procurar qual a qualificação jurídica correspondente.

O concurso público é uma modalidade de promessa pública, negócio unilateral constituído pela promessa de uma prestação “…a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo…” (art.º 459, n.º 1, do C. Civil), cuja especificidade consiste no modo de determinação do beneficiário da prestação (mediante concurso, segundo as regras para o efeito fixadas pelo promitente) e no caso sub judice configura-se como uma promessa pública onerosa uma vez que, ao fazê-la, como grosso modo resulta do denominado “formato” junto aos autos, a promitente propõe-se obter a vantagem económica consistente na captação de espectadores para o correspondente programa televisivo com as inerentes virtualidades lucrativas.  

A pedra de toque que nos permitirá afirmar se, no caso sub judice, estamos perante um concurso público ou perante um contrato, situa-se em saber se, quer o encontrar-se em determinada situação ou praticar certo facto, positivo ou negativo, exigido aos promissários/concorrentes, quer as regras prefixadas pelo promitente, se destinam apenas a determinar o beneficiário da promessa – caso em que estaremos perante uma única prestação, embora onerosa, ou se, afinal, se configuram ambas – actividade e regras – como uma verdadeira contraprestação em face da prestação prometida e como cláusulas que regulam a prestação de cada uma das partes – caso em que estaremos perante um contrato bilateral, com correspectividade de prestações. 

E essa pedra de toque terá de ser encontrada no conjunto das disposições em causa, como passaremos a fazer.

I. 2. Analisando essas disposições pela ordem com que foram consagradas no denominado “contrato”, começamos por verificar na al. b) dos considerandos e na disposição 2.6 que os contratantes/concorrentes se obrigam a estarem disponíveis para as actividades em causa durante 120 dias, 24 horas por dia, o que, em termos de dias de trabalho/actividade (8h/dia), equivale a 360 dias de trabalho.

Essas actividades, como resulta, entre outras das disposições 2.1 e 2.2, consistem numa actividade de representação real ou de representação de si próprios e a sua conformação/direcção pertence à apelada (disposições 1.1 e 4.1), implicando restrição da liberdade de expressão (1.4), da liberdade de movimentos (1.6), do direito de escolha e exercício profissional durante o período em causa e mesmo depois dele terminar (2.5, 4.12 e 7.1), do direito à imagem, do direito de criação cultural e disposição do mesmo (2.2), do direito à privacidade (al. b) dos considerandos, 1.6, 2.1), do direito à escolha/recusa de médico (4.13), do direito à sua autodeterminação (4.10), do direito de propriedade e disposição dos seu bens (4.7) e correspondendo-lhe uma denominada “compensação monetária” (2.2 h) e 3.4), independente do prémio final e outros (3.1 a 3.3).

Esta “compensação monetária” embora fundamentada, no dizer da apelada, no facto de se tratar de “…uma participação prolongada…”, em que “…o concorrente poderá sofrer uma diminuição dos seus rendimentos” (3.4) aponta, seguramente, mesmos isolada de outros valores previstos como “prémios” e “direitos” (3.1 e 2.2, a) a g)), para a natureza de contraprestação pela actividade/disponibilidade dos contraentes/concorrentes, exercida nas condições restritivas indicadas.

E, assim, independentemente, da componente de “concurso público”, tal como previsto no art.º 463.º do C. Civil, em relação ao “prémio” final, o certo é que o vínculo estabelecido entre a apelada e os contraentes/concorrentes se configura como uma relação contratual bilateral, em que cada um dos contraentes se obriga a entregar ao outro a prestação respectiva – a actividade/disponibilidade por parte destes e a compensação monetária, prémios, direitos e alimentação, por parte daquela.

Não estando em causa a qualificação jurídica desse contrato, não poderemos deixar de dizer que, de entre os contratos típicos, a espécie contratual em causa se aproxima do contrato de trabalho definido no art.º 1152.º do C. Civil e art.º 10.º do Código do Trabalho como “…aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.  

I. 3. As disposições em causa nos autos, a saber, 1.5, 2.2 j), 4.5, 4.6, 4. 8, 5.1, 5.2 e 9. 2. a) e d), como resulta do seu próprio texto e da sua inserção sistemática em tal “contrato”, respeitam ao contrato que deixamos definido e não ao “concurso público” a que se reporta a apelada.

É que, sem embargo de, no seu conjunto se tratar de um contrato atípico, com traços característicos do contrato de trabalho e da promessa pública na modalidade de concurso público, os traços característicos dominantes são os do primeiro – contrato de trabalho – de tal modo que podemos afirmar que, o que é exigido aos contraentes/concorrentes, não é o encontrarem-se em determinada situação ou praticar certo facto, positivo ou negativo, mas sim, a prestação de uma actividade/disponibilidade, que podemos definir como a representação de si próprios, perante um público televisivo, de Internet e de publicações conexas (2.2 b)). 

Tratando-se, pois, de cláusulas contratuais e não de meras regras de concurso público, resta-nos averiguar se lhes é aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o que nos conduz à segunda das questões da apelação.

II. Quanto à segunda questão, a saber, se é aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

Pretende a apelante que a relação estabelecida entre ela e os contraentes/concorrentes é uma relação entre “empresários” e não uma relação em que estes últimos figurem como consumidores, pelo que, desde logo, as cláusulas 1.5, 4.5 e 9.2, al.ªs a) e d) não deveriam ser consideradas proibidas e consequentemente nulas, por tal proibição se aplicar às relações com consumidores finais, nos termos dos art.º 21 e 22.º do Dec. Lei n.º 446/85.

Embora não identifique as premissas em que funda o epíteto de empresários relativamente aos contraentes/concorrentes – os quais, não obstante se aceitarem a representação de si próprios se encontram, nessa representação, sob a direcção da apelante – o conteúdo útil de tal proposição da apelante situa-se na afirmação de que os contraentes/concorrentes não são consumidores. 

E essa proposição afigura-se-nos correcta na perspectiva em que, consumidores, em sentido estrito, serão os espectadores do “programa” produzido pela apelante e não os cidadãos cuja actividade esta utiliza em tal produção, mas incorrecta na conclusão segundo a qual, não sendo consumidores, não é aplicável ao contrato em causa o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

Este regime jurídico, como aliás, dispõe o art.º 1.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na redacção do Dec. Lei n.º 220/95, de 31 de Janeiro, é aplicável a todas as “…cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar…”, ou seja, maioritariamente, aos denominados contratos de adesão que normalmente são celebrados com base em cláusulas gerais com as características de pré-disposição, unilateralidade, rigidez, generalidade e indeterminação, sem embargo de a protecção do consumidor estar na génese deste instituto jurídico[2].

E como dispõe o art.º 25.º do Dec. Lei n.º 446/85, a acção inibitória pode ter lugar relativamente às “…cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura…”.

Ora, o contrato que a apelada se propôs celebrar com cada um dos contraentes/concorrentes tem as características apontadas, sendo constituído por cláusulas gerais, unilateralmente predispostas, rígidas, dirigidas a uma generalidade de pessoas e contratos e a uma utilização futura (n.º 20 da matéria de facto supra), pelo que lhe é aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

É certo que o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais prevê, quanto às cláusulas contratuais proibidas (Capitulo V), para além do princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé (Secção I, art.º 15.º), proibições de cláusulas nas relações entre empresários ou entidades equiparadas (Secção II, art.º 17.º) e proibições nas relações com os consumidores finais (Secção III, art.º 20.º), sendo que a estas se aplicam as proibições próprias e as relativas às relações entre empresários e equiparados.

Mas, como dispõe o art.º 20.º, “Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 17.º, aplicam-se as proibições das secções anteriores e as constantes desta secção”.

Não se vislumbrando qualquer fundamento válido para se qualificarem os contraentes/concorrentes como empresários ou entidades equiparadas e suscitando-se dúvidas quanto à sua qualificação como consumidores finais, sempre a aplicação de todas as proibições referidas resultará da norma residual contida neste art.º 20.º sob a expressão “…em todas as não abrangidas pelo art.º 17.º…”.

Não pode, pois, proceder a pretensão da apelante no sentido de que às cláusulas 1.5, 4.5 e 9.2, al.ªs a) e d) não é aplicável o disposto nos art.º 21 e 22.º do Dec. Lei n.º 446/85.

III. A questões terceira a sétima (al.ªs c) a g) supra) suscitadas pela apelante reportam-se a cada uma das cláusulas que, como já vimos, não são meras regras do concurso como pretende a apelante, mas verdadeiras cláusulas contratuais, e que o Tribunal a quo julgou inválidas face ao regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

III. 1. A cláusula 1.5 ao dispor que:

" A E.[…] pode, em qualquer momento, e por qualquer motivo, pôr termo à presença e participação do Concorrente no Programa. Neste caso, o Concorrente não tem direito a qualquer compensação monetária, para além da compensação referida na cláusula 3.4 deste contrato. Esta cláusula é ainda aplicável ao caso de suspensão ou cancelamento, por qualquer motivo, da produção do Programa" (n.º 3 da matéria de facto), confere à apelada o poder discricionário – por qualquer motivo, o que equivale a motivo nenhum – de fazer cessar o contrato em qualquer altura e sem compensação, quer directamente, quer indirectamente pela suspensão ou cancelamento do programa televisivo a que respeita.

Essa cláusula, viola o disposto no art.º 22.º, n.º 1, al. b) e também o disposto o disposto nos art.ºs 21.º, al. a) e art.º 22.º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei n.º 446/85[3] na medida em que a cessação do contrato, sem qualquer compensação, constitui também alteração das obrigações assumidas, pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 2. A cláusula 2.2, alínea j) ao dispor que: "Os direitos da E.[…], ora reconhecidos, cedidos ou autorizados, poderão ser livremente cedidos ou licenciados a terceiros sem o consentimento prévio do Concorrente" (n.º 4 da matéria de facto), permite à apelada ceder a sua posição contratual e dispor, entre outros, dos direitos que os contraentes/concorrentes lhe transmitiram, sem o acordo dos contraentes/concorrentes, nessa medida violando o disposto no art.º 18.º, al. l) do diploma citado[4], pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 3. A cláusula 4.5 ao dispor que:

 " O Concorrente declara ter conhecimento e aceitar incondicionalmente as regras e directrizes do formato do Programa, tal como estão resumidas aqui e no Anexo a este contrato. No entanto, a E.[…] reserva-se o direito de, em caso de necessidade, acrescentar, retirar ou alterar as regras do Programa" (n.º 5 da matéria de facto), ao permitir à apelada acrescentar, retirar ou alterar as regras do Programa que, como já vimos são cláusulas contratuais, viola a proibição de semelhante cláusula constante do art.º 22.º, n.º 1, al. c), já citado, pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 4. A cláusula 4.6 ao dispor que:

Cabe à E.[…] o poder de decidir e agir face a circunstâncias imprevistas que possam ocorrer no Programa. Circunstâncias imprevistas, incluem, entre outras, fenómenos naturais, circunstâncias que não estejam previstas ou completamente definidas nas regras do Programa, causas de força maior, ou circunstâncias relacionadas com defeitos e/ou problemas técnicos. O Concorrente não contestará quaisquer decisões tomadas pela E.[…] e seguirá as orientações que lhe sejam dadas em consequência de tais circunstâncias imprevistas" (n.º 6 da matéria de facto), permite à apelada, de uma forma indirecta, interpretar quaisquer cláusulas do contrato, fixando o seu sentido e a correspondentes declarações de vontade dos contraentes, assim violando o disposto no art.º 18.º, al. e) do diploma em causa, pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 4. E o mesmo acontece com a cláusula 4.8, a qual, ao dispor que:

“Compete única e exclusivamente à E.[…] decidir quais as circunstâncias e condições em que o Concorrente poderá abandonar temporariamente o Programa e reentrar na Casa sem perder a oportunidade de ganhar o prémio monetário” (n.º 7 da matéria de facto) também viola o disposto no art.º 18.º, al. e), pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 5. A cláusula 5.1 ao dispor que:

"A E.[…] Ld.ª e outras empresas que colaborem com a produção, realização e exploração do Programa, não serão responsáveis por qualquer perda, dano moral, físico, material ou qualquer outra lesão relacionados com o Concorrente ou terceiros, causados ou sofridos no âmbito da participação do Concorrente no Programa, excepto se imputáveis à E.[…] a título de dolo ou culpa grave" (n.º 8 da matéria de facto), limita a responsabilidade civil extracontratual da apelada, por danos à vida, à integridade moral, física, à saúde, e danos patrimoniais extracontratuais, em flagrante contraste com o seu poder de direcção e de conformação da actividade dos contraentes/concorrentes, violando claramente e sem necessidade de maior explanação, o disposto no art.º 18.º, al. a) e b) do diploma em causa, sem embargo de, apesar da existência de tais preceitos, ainda que eles não existissem ou tivessem diverso conteúdo, sempre tais cláusulas seriam nulas por contrárias à lei, nos termos gerais (art.º 280.º do C. Civil), pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 6. A cláusula 5.2 ao dispor que:

 (O) “Concorrente tem conhecimento e aceita o formato, regras e procedimentos do Programa e os possíveis riscos adjacentes. O Concorrente indemnizará a E.[…] ou reembolsá-la-á por quaisquer responsabilidades exigidas por terceiros" (n.º 9 da matéria de facto), ficciona o conhecimento e a aceitação por parte dos contraentes/concorrentes de cláusulas contratuais e eventos danosos com elas conexos que, de modo algum podem, razoavelmente, concretizar antecipadamente, por total ausência dos factos respectivos, o que configura flagrante violação do disposto no art.º 19.º, al. d) do diploma em causa[5], pelo que não podia deixar de ser declarada a sua nulidade.

III. 7. 1. A cláusula 9.2 a) dispõe que:

"Todas as questões respeitantes à interpretação e execução do presente contrato, com excepção das referentes à violação das obrigações previstas nas cláusulas 1.4, 2.3 e 6.1, deverão ser resolvidas por um Tribunal Arbitral, constituído nos termos desta cláusula e subsidiariamente pelas leis portuguesas de arbitragem que se apliquem " (n.º 10 da matéria de facto).

Dispõe o art.º 21.º, al. h) que: “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contraentes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimentos estabelecidas na lei”.

A cláusula 9.2 a) consagra uma convenção de arbitragem, a qual é admissível, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, uma vez que não se vislumbra que seja estabelecida relativamente a direitos indisponíveis.

De resto, atento o texto da mesma cláusula e o disposto no art.º 1.º, n.º 1 citado, sempre se deverá interpretar tal convenção (por adesão) como excluindo da arbitragem eventuais litígios sobre direitos indisponíveis.

Quanto à exclusão dos litígios que possam surgir no âmbito das cláusulas 1.4, 2.3 e 6.1, da convenção de arbitragem, o Tribunal a quo parece ter interpretado essa exclusão como uma exclusão de tutela jurisdicional, o que se nos afigura não corresponder ao conteúdo da cláusula.

Com efeito, a exclusão dessas matérias da convenção de arbitragem permite o funcionamento, na íntegra, da tutela jurisdicional consagrada no art.º 3.º do C. P. Civil, podendo qualquer dos contraentes suscitar a solução de eventual conflito nos tribunais judiciais.

Isso mesmo resulta do texto da cláusula 6.1 em cuja parte final se prevê a possibilidade de “responsabilizar” e de “exigir indemnização”, actos que pressupõem a intervenção de uma entidade munida de jus imperii para a declaração e imposição coactiva do direito e correspondente dever de indemnizar, ou seja, a intervenção dos tribunais judiciais.

Não se vislumbra, pois, que tal cláusula viole o disposto no art.º 21.º, al. h) do diploma em causa, procedendo, quanto a ela, as conclusões da apelação.    

III. 7. 2. A cláusula 9.2 d) dispõe que:

"O Tribunal decidirá quanto à matéria de facto e de direito, sendo que da decisão apenas se poderá recorrer quanto à matéria de direito" (n.º 11).

O Tribunal a quo declarou tal cláusula nula, por absolutamente proibida, com fundamento em que o n.º 3 do art.º 27.º da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto, “…impõe que, caso da sentença da comissão arbitral caiba recurso, e este vier a ser interposto, a anulabilidade só poderá ser apreciada no âmbito desse recurso. Ora, impondo a lei esta limitação, o facto de, na cláusula em análise, se renunciar ao recurso quanto à matéria de facto, pode implicar a renúncia ao direito à anulação da decisão arbitral, direito esse que é irrenunciável”.

O texto da cláusula não permite uma tal interpretação.

De facto, como dispõe o art.º 27.º da Lei n.º 31/86, a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal judicial por algum dos fundamentos aí tipificados, sendo irrenunciável o correspondente direito a requerer essa anulação (art.º 28.º, n.º 1).

Este direito de requerer a anulação, cabendo recurso e sendo este interposto, terá de ser exercido no âmbito desse recurso, como dispõe o art.º 27.º, n.º 3, cujo texto permite, desde logo, a interpretação no sentido de que, não cabendo recurso, ou cabendo recurso e não sendo este interposto, a anulabilidade da decisão arbitral pode ser requerida, autonomamente, no prazo previsto no art.º 28.º, n.º 2, ao tribunal judicial.

Este direito de requerer a anulação da decisão arbitral, não obstante o disposto no art.º 27.º, n.º 3, não se confunde com os recursos da decisão arbitral, que são os mesmos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca (art.º 29.º, n.º 1).

A estes podem as partes renunciar, como dispõe tal preceito, no todo ou em parte, sem que essa renúncia abranja o direito a requerer a anulação da decisão arbitral, o qual é irrenunciável, como vimos.

No caso sub judice, a cláusula 9.2, d) consagra a renúncia ao recurso sobre a decisão em matéria de facto, a qual é admissível e não implica a renúncia direito a requerer a anulação da decisão arbitral, com os fundamentos previstos no art.º 27.º, n.º 1.  

Não se vislumbra, pois, que tal cláusula viole o disposto no art.º 21.º, al. h) do diploma em causa, procedendo, quanto a ela, as conclusões da apelação.

IV. Quanto à oitava questão, a saber, se é desproporcionada a condenação a dar publicidade a uma eventual proibição.

O Tribunal a quo considerando, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/05/2000, que a condenação a dar publicidade à sentença é um meio de divulgar a sentença ao maior número de pessoas possíveis, com interesse no conhecimento da decisão inibitória, condenou a apelante “…a dar publicidade a esta proibição por intermédio de anúncio a publicar em dois jornais diários de âmbito nacional e de grande circulação, em três dias consecutivos, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta decisão e a vir aos autos comprová-la”. 

Contra esta decisão se insurge a apelante considerando a condenação respectiva como desproporcional, mas não lhe assiste razão.

O regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, após a alteração pelo Dec. Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, passou a dispor de dois meios de publicidade à declaração de invalidade de cláusulas contratuais gerais, sendo uma comum, de preceito, através do registo em serviço próprio da respectiva sentença (art.ºs 34.º e 35.º) e outra de aplicação casuística, pressupondo o respectivo pedido do autor da acção e a correspondente apreciação jurisdicional (art.º 30.º, n.º 2).

No caso sub judice, o Mº P.º pediu a condenação da R a dar publicidade à sentença e esse pedido foi julgado procedente.

Pretende a apelada que “A condenação a dar publicidade cabe dentro da discricionariedade do poder jurisdicional, tendo em consideração a necessidade, ou não, de alertar o público em geral para a existência de eventuais cláusulas proibidas”.

Como se infere da sua própria proposição, não se trata aqui de uma discricionariedade do poder jurisdicional, mas de um acto jurisdicional fundamentado, cuja prática pressupõe um pedido e a resposta, em contraditório, a esse pedido, como neste caso aconteceu.

E atenta a natureza da matéria em causa nos autos, que para o efeito, se pode considerar, grosso modo, uma produção audiovisual destinada a ser levada ao público pelas mais variados suportes técnicos conhecidos, o registo a que se reportam os art.º 34.º e 35.º configura-se como veiculo de publicidade manifestamente insuficiente, mais se assemelhando à negação dessa mesma publicidade[6].

A publicidade a dar à declaração de nulidade das cláusulas, para assegurar o escopo prosseguido com tal acto – levar a decisão judicial ao conhecimento do maior numero de pessoas directamente interessada, possível – não poderia deixar de se aproximar do conhecimento público do contrato de adesão em causa.

A decisão do Tribunal a quo propõe-se atingir esse escopo legislativo pelo que nada tem de desproporcional.  

Improcedem, pois, as conclusões da apelação quanto a esta questão.

V. Quanto à nona questão, a saber, se a acção está isenta de custas, nos termos do art.º 29.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 446/85.

Como dispõe o art.º 29., n.º 1 do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10: “A acção destinada a proibir o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais que se considerem abusivas … está isenta de custas”, pelo que não poderia o Tribunal a quo condenar a apelante nas custas, como fez.

Procedem, pois, as conclusões da apelação quanto a esta questão.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença quanto às cláusulas 9.2 a) e d) e quanto à condenação da apelada nas custas, confirmando-se no restante. 

Sem Custas (art.º 29.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10).

Lisboa, 08 de Maio de 2007

(Orlando Nascimento)

(Roque Nogueira)

(Pimentel Marcos)

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[1] Como consta no início do texto: “CONTRATO. Entre 1. Endemol… e 2….nascido a….daqui em diante designado de “Concorrente”…É celebrado o presente contrato, que se rege pelas cláusulas seguintes:”.
E como se refere na penúltima das páginas correspondentes: “REDUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO Se o Tribunal ou outra instância competente considerar que alguma cláusula deste contrato é total ou parcialmente inválida, nula ou inexequível, tal cláusula (ou parte relevante) será considerada excluída, mantendo-se o restante do contrato inteiramente em vigor.”. 
[2] Cfr. Prof. António Pinto Monteiro, O Novo Regime Jurídico dos Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais, 2002, págs. 5-8.

[3] Art.º 21.º São em absoluto proibidas…; art.º 22.º São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado
[4] Art.º 18.º São em absoluto proibidas…
[5] Art.º 19.º São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado…
[6] Se à divulgação efectuada por todos os meios tecnológicos existentes no momento se contrapõe uma publicidade registral, de cartório, não é de publicidade que se trata, mas de ocultação.