Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
77909/16.0YIPRT.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
ENTIDADES COM SEDE NO ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O procedimento nacional de injunção pode ser requerido contra entidades com sede no estrangeiro, desde que verificados os requisitos constantes do D.L. 269/98 de 01/09 e 32/2003 de 17/02, aplicando-se à respectiva notificação o estipulado nos tratados ou convenções internacionais, sendo, na sua falta, efectuada por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artº 239 do C.P.C.).

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:

           
C... S.A. intentou procedimento de injunção contra C... Llc, com sede em ... Estados Unidos da América, para cobrança da quantia total de € 216.616,21, alegando como causa um “Contrato de Compra e Venda” e a existência de uma “Dívida referente ao incumprimento de contrato de compra e venda correspondente a factura nº C004985 com vencimento a 18 de Outubro de 2015, no montante de USD 232.000,00, correspondente a € 210.139,00, com juro de mora à taxa de 4% acima da taxa Euribor a 3 meses (-0.023%), no valor de € 6.324,21.”

Notificada para pagar ou deduzir oposição no prazo de 15 dias, por carta registada com a/r, veio a R. ora recorrida, invocar a nulidade da sua citação e, no que ao caso importa, alegar a inaplicabilidade deste procedimento a entidades estrangeiras, por a natureza administrativa do mesmo e as regras de competência internacional e o princípio da territorialidade não permitir a utilização deste processo para obter a cobrança de dívidas de entidades não sedeadas em território nacional. 

Com data de 20.01.2017, pelo Balcão Nacional de Injunção, foi determinada a remessa do processo à distribuição com o seguinte fundamento:
“A requerente apresentou a oposição arguindo a nulidade da notificação.
Apesar de não haver comprovativo da notificação da requerida, remeta-se a injunção à distribuição em harmonia com o artº 16º/1 e 2 do Anexo ao DL 269/98, de 1/9.”

Remetidos os autos à distribuição, cumprido o contraditório quanto às nulidades e excepções invocadas, veio a ser proferido despacho nos seguintes termos:
“ Da não admissibilidade no caso concreto do procedimento de injunção  C... S A intentou procedimento de injunção contra C... Llc, com sede nos EUA.
Notificada veio a requerida invocar a não aplicabilidade do processo de injunção alegando para tanto que se está perante um processo de natureza administrativa, que visa a obtenção célere de um título executivo, a celeridade imposta implica que as garantias de defesa sejam bastante menores do que em outro processo judicial, tendo em consideração a natureza do procedimento em questão e as regras da competência internacional e o principio da territorialidade, o procedimento de injunção não pode ser utilizado para cobrança de dívidas de entidades não sedeadas em território nacional, essa é razão pela qual existe um processo europeu de injunção.
Respondeu a requerente dizendo que entre as situações em que pode ser recusado o requerimento de injunção não consta a situação de a requerida ter sede em país estrangeiro, o Citius permite que se demande uma entidade estrangeira.
O regime jurídico dos procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos consta em anexo ao DL 269/98, de 01 de Setembro.
No referido regime não encontramos qualquer norma da qual decorra expressamente que o mesmo não é aplicável a entidades com sede no estrangeiro.
Podemos desde já dizer que, muito embora se desconheça o que consta do Citius, para o caso isso é irrelevante, porque bem pode tal sistema não estar em sintonia com a lei.
Por outro lado, o facto de, entre as situações em que pode ser recusado o requerimento de injunção, não constar a situação de o requerido ter sede em país estrangeiro, não permite, por si só, a conclusão de que o permite.
E existe um elemento que, cremos, afasta a possibilidade de intentar procedimentos de injunção contra entidades com sede no estrangeiro.
No caso de ser intentada uma acção comum contra uma entidade com sede no estrangeiro - e sem curar da questão da competência internacional dos tribunais portugueses - o art.º 239º do CPC ( e que era o art.º 247º do CPC revogado) dispõe que quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o estipulado nos tratados e convenções internacionais.
Portugal e os EUA são parte da Convenção de Haia de 15 de Novembro de 1965 relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil
e Comercial, como resulta de https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/status-table/?cid=17.
A referida Convenção foi aprovada para ratificação pelo DL n.º 210/71, de 18 de maio.
Nos termos do art.º 8º n.º 2 da CRP as normas constantes de convenções internacionais regulamente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
No que respeita ao procedimento de injunção, dispõe o art.º 12º n.º 2 do respectivo regime, anexo ao DL 269/98, que à notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
Os números em referência respeitam ao CPC revogado, sendo actualmente os artigos 223º, 224º, 228º e 230º.
O referido procedimento não prevê a aplicação do disposto no art.º 247º do CPC revogado, actualmente o art.º 239º.
O Exm.º Conselheiro Salvador da Costa, in A injunção e Conexas Acção e Injunção, 4ª edição, pág. 202, considera, indirectamente, que o requerimento de injunção é aplicável a residentes no estrangeiro, na medida em que considera aplicável o disposto no art.º 247º do CPC.
Os procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos constantes do DL 269/98 têm um regime especial – diríamos mesmo, no confronto com o regime constante do CPC – um regime especialíssimo.
Nem do DL 269/98, nem do Regime anexo, consta qualquer norma que mande aplicar o CPC nos casos omissos.
Não é aplicável o disposto no art.º 549º n.º 1 do CPC, o qual apenas rege para os processos especiais regulados no CPC.
O art.º 10º do CC só é aplicável quando existe uma verdadeira lacuna.
No caso, não se verifica a existência de uma lacuna.
Estamos, como referido, perante um regime especialíssimo.
Além disso, se o legislador pretendesse que fosse aplicável o requerimento de injunção a entidades com sede no estrangeiro, nenhuma razão havia para não considerar aplicável, também, o então art.º 247º do CPC, quando considerou aplicáveis os artigos 231.º e 232.º, n.os 2 a 5 do artigo 236.º e o artigo 237.º do Código de Processo Civil.
De referir que nos termos do disposto no art.º 9º n.º 3 do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Destarte, o legislador ao não considerar, no regime do procedimento de injunção, aplicável o disposto no art.º 247º do CPC revogado, agora 239º, quis significar a intenção afastar a aplicabilidade do procedimento de injunção relativamente a entidades com sede no estrangeiro.
A esta intenção não será alheio o facto de numa acção comum, ao prazo para contestar (actualmente de 30 dias) acresce uma dilação de 30 dias quando o réu é citado no estrangeiro – art.º 245º n.º 3 do CPC.
Ora, nos termos do art.º 12º n.º 1 do regime anexo ao DL 269/98 o prazo para deduzir oposição é de 15 dias e, nos termos do disposto no art.º 4º do DL 269/98, não há lugar a qualquer dilação.
A respeito da dilação refere Lebre de Freitas, in CPC Anotado Volume, 1º, 3ª edição, anotação ao art.º 245º:
A dilação visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil, nos casos em que a distância geográfica entre o tribunal da acção e o local da citação, ou a modalidade desta, tornam – ou podem tornar – insuficiente o prazo peremptório. Trata-se de assegurar a integridade do prazo da contestação ( ou similar), tendo nomeadamente em conta que a recente generalização da citação postal e os novos mecanismos da citação com hora certa implicam a frequência muito maior da citação quase-pessoal “
A aplicação do regime em referência – prazo de 15 dias, sem qualquer dilação - a entidades com sede no estrangeiro poderia colidir com a garantia de defesa efectiva e plena em tempo útil.
E o que está em causa não é o que sucedeu in casu – em que a requerida contestou em tempo – mas um principio de aplicação geral.
Em face de tudo o exposto, julga-se que não é admissível o procedimento de injunção quando o requerido tem sede no estrangeiro, não admissibilidade que constitui uma excepção dilatória inominada ( o corpo do art.º 577º do CPC admite, expressamente, pela utilização da locução “ entre outras “, a existência de excepções dilatórias inominadas ), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar á absolvição da instância ( art.º 576º n.º 2 e 278º n.º 1 alínea e), ambos do CPC)
Termos em que se julga verificada a excepção dilatória inominada de não admissibilidade, no caso, do procedimento de injunção, por intentado contra uma sociedade com sede no estrangeiro e em consequência e ao abrigo dos preceitos legais citados, absolve-se a requerida da instância.”

Não conformado com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“I.O presente recurso vem interposto da, aliás, douta sentença do Tribunal “a quo”, que, julgando verificada uma excepção dilatória inominada, absolveu a Requerida da instância, abstendo-se de conhecer do mérito da causa.
II.Entendeu o Mmo. Juiz “a quo” que, “não é admissível o procedimento de injunção quando o requerido tem sede no estrangeiro”.
III.Salvo o devido respeito, andou mal o Mmo. Juiz “a quo” ao decidir nos termos supra referidos porquanto não teve tal decisão cobertura legal, como a seguir se verá.
IV.Não se encontra no DL 269/98, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nem em qualquer outra fonte de direito, consagração para o entendimento sufragado pelo Mmo Juiz “a quo”, de que não é aplicável a entidade estrangeira o procedimento de injunção.
V.Decorre do artigo 11.º do referido diploma legal, os casos em que o requerimento de injunção deve ser recusado.
VI.Previsão legal essa que é de enumeração taxativa, conforme se pode atentar da sua redacção: “o requerimento só pode ser recusado se …”.
VII.Tal revela a intenção clara do legislador em apenas limitar a recusa do requerimento de injunção aos casos expressamente consagrados, dos quais não consta o facto de a Requerida ter sede no estrangeiro.
VIII.Ora, tal como referido, e bem, na Douta sentença ora recorrida, o art. 9.º, n.º 3 do CC dispõe que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
IX.Assim, face à previsão taxativa dos casos em que o requerimento de injunção deve ser recusado, não compreende a Recorrente, como pode ser tal norma passível da interpretação de que poderão haver outros casos com igual consequência.
X.Acrescente-se ainda que, é a própria plataforma CITIUS, meio adequado através do qual o Requerente num procedimento de injunção submete o seu requerimento inicial, que permite que se demande uma entidade estrangeira.
XI.Da mesma forma, o Balcão Nacional de Injunções admite, como admitiu, este tipo de injunções.
XII.Entendeu ainda o Mmo. Juíz “a quo” que o carácter especialíssimo do procedimento de injunção obsta à aplicação subsidiária das normas do CPC, nomeadamente a do actual artigo 239.º CPC, por não existir previsão expressa no referido diploma, para a sua aplicação.
XIII.De facto, nos termos do art. 12.º, n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98, “À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil”.
XIV.No entanto, tal não permite ao intérprete inferir que outras normas do mesmo CPC não têm aplicação, tendo em conta a formulação da norma, o espírito do diploma legal, e o carácter especial do procedimento de injunção face aos procedimentos regulados no CPC.
XV.Em várias decisões dos nossos tribunais superiores, e na Doutrina, é admitida a aplicação subsidiária de várias disposições do CPC ao procedimento de injunção, ainda que sem a existência de uma remissão expressa nesse sentido, contida no diploma que regula o seu regime jurídico.
XVI.Nesse sentido, e por todos, veja-se o afirmado pelo STJ (em Ac. de 05.03.2013, proferido no proc. n.º 1869/11.9TBPTM-A.E1.S1), que aplica o art. 247.º, n.ºs 1 e 2 CPC (actual art. 239.º CPC) ao procedimento de injunção submetido à sua análise.
XVII.Parece assim claro, à Recorrente, o entendimento, aliás generalizado na doutrina e jurisprudência, de que a norma do art. art. 247.º, n.ºs 1 e 2 CPC (actual art. 239.º CPC) tem aplicação ao procedimento de injunção.
XVIII.Mesmo que assim não se entendesse, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, nunca poderia o intérprete ser levado a excluir a aplicação de um regime jurídico, com base na falta de previsão expressa do seu procedimento legal (ainda mais quando, como supra se referiu, não teve o legislador intenção de afastar essa aplicação).
XIX.Nesse caso, o intérprete teria de recorrer ao instituto da analogia, cujas técnicas hermenêuticas levariam, de igual forma, à aplicação do regime geral, consagrado no CPC.
XX.Estando, assim, a notificação do requerimento inicial do procedimento de injunção, claramente submetida ao regime consagrado no actual art. 239.º CPC.
XXI.Entendeu ainda o Mmo. Juiz “a quo” que num procedimento de injunção não estão reunidas as condições para a cabal defesa do Requerido, quando este seja uma entidade estrangeira.
XXII.Desde logo pelo prazo de defesa que lhe assiste ser de apenas 15 dias quando numa acção comum o Requerido pelo simples facto de ser residente no estrangeiro teria uma dilação de 30 dias.
XXIII.Ora, nos termos do art. 4.º do DL n.º 269/98, “à contagem dos prazos constantes das disposições do regime aprovado pelo presente diploma são aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, sem qualquer dilação”. (negrito e sublinhados nossos).
XXIV.Pelo que, ao aderirmos à sua tese, seríamos forçados a considerar que nunca seria possível o recurso ao procedimento de injunção, nos casos em que, nos termos do art. 245.º CPC, ao prazo de defesa do citando/notificando, acrescesse uma qualquer dilação, por a sua aplicação ser sempre violadora garantias de defesa do requerido.
XXV.O que resultaria, in extremis, no resultado perverso de apenas ser possível o recurso a este procedimento nos casos em que o recorrido residisse na mesma área da comarca sede do balcão de injunções, para onde fosse submetido o requerimento inicial, e ainda, apenas se a notificação fosse realizada na pessoa do notificado.
XXVI.A razão de ser para a inexistência de dilação de prazos no processo de injunção prende-se com o facto de este tipo de procedimento ser norteado por uma lógica de simplificação da sua tramitação.
XXVII.Aliás, na exposição de motivos do DL 269/98 que institui precisamente o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pode ler-se que “no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção de forma célere e simplificada, de um título executivo…”.
XXVIII.Tais princípios de celeridade e simplificação não significam, contudo, espartilhar a aplicabilidade do processo de injunção aos casos em que o CPC não mande aplicar prazo dilatório aos prazos de defesa por si consagrados.
XXIX.É que, apesar de tudo, a aqui Recorrida foi capaz de apresentar a sua defesa, de forma completa, pelo que não se concebe ter sido, por qualquer forma, violada a sua garantia de defesa efectiva, em tempo útil.
XXX.Não pode, assim, a alegada excepção dilatória inominada ser considerada procedente, devendo ser considerado admissível o procedimento de injunção ainda que o requerido tenha sede no estrangeiro.
XXXI.Em face do exposto, deve o presente recurso proceder, e ser revogada a sentença recorrida, sendo, em consequência, ordenado ao Tribunal “a quo” que conheça do mérito da causa.”

Pela R. foram interpostas contra alegações, pugnando pelo indeferimento do recurso:

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, a única questão a decidir, que delimita o objecto deste recurso, consiste na
a)-Admissibilidade do recurso ao procedimento de injunção relativamente a entidades residentes/com sede no estrangeiro.

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A matéria de facto a considerar é a constante do relatório acima elaborado.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Insurge-se o recorrente da decisão que absolveu a recorrida da instância por julgar verificada a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade de procedimento de injunção contra entidade sedeada no estrangeiro.
Considerou o tribunal recorrido em suma dois argumentos:
nem no D.L. 269/98, nem do Regime Anexo, resulta aplicável o disposto no artº 239 do N.C.P.C., o que denota que o legislador não quis aplicar este regime a entidades com sede no estrangeiro;
- às notificações no âmbito deste procedimento, não acresce qualquer dilação, o que poderia colidir com a garantia de defesa efectiva e plena em tempo útil, se aplicado a entidades sedeadas no estrangeiro.

Decidindo
b)-Da admissibilidade do recurso ao procedimento de injunção relativamente a entidades residentes/com sede no estrangeiro.

Para responder a esta questão, há que determinar a génese e objectivos prosseguidos com o procedimento de injunção.

Procurou o legislador com a adopção deste regime especialíssimo simplificar e agilizar a cobrança de dívidas, objecto de uma litigância de massas, a que dificilmente o sistema vigente até então no regime processual civil, nas suas diferentes formas, ordinária, sumária ou sumaríssima, poderia dar resposta cabal, célere e eficaz.
Assim, ao instituir um sistema especial tendente à cobrança de dívidas, refere o legislador, no preâmbulo ao D.L. 269/98 de 1 de Setembro, as causas e a solução apontada referindo que “A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar.
Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da 'funcionalização' dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças. É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido. Não podendo limitar-se o direito de acção, importa que se encarem vias de desjudicialização consensual de certo tipo de litígios, máxime do que acima se apontou (…)” adoptando um novo procedimento simplificado “no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, 'de forma célere e simplificada', de um título executivo (…)”.

É efectivamente esta a função primacial do procedimento de injunção - a obtenção de um título executivo, em casos em que esteja em causa a simples cobrança de uma dívida.

Assim se fez consignar no artº 7 do D.L. nº269/98, de 1 de Setembro: que “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto – Lei nº32/2003, de 17 de Fevereiro.”
Por sua vez, o referido D.L. nº32/2003 institui um regime especialíssimo, porque aplicável às transacções comerciais, nele definidas, com vista à transposição da Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, a qual veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos no pagamento destas transacções comerciais.
No seu artº 3, definiu-se o conceito de transacção comercial, como “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.”
Ao delimitar a aplicação do seu preceito, definindo no artº 3 as situações em que é aplicável, estatuiu igualmente um conjunto expresso de exclusões ao seu âmbito de aplicação, constantes estas do artº 2 deste diploma legal.
Instaurado este procedimento de injunção, estabelecem os artºs 12 e 12-A do referido Diploma, o regime de notificações do(a) requerido(a), especificando o artº 4 do diploma preambular do mencionado D.L. 269/98 que “À contagem dos prazos constantes das disposições do regime aprovado pelo presente diploma são aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, sem qualquer dilação.”
Ora, conforme menciona a decisão recorrida, o artº 12 do D.L. 269/98, remete para os artºs 231, 232 , 236 nº2 a 5 e 237 do anterior C.P.C., actuais artºs 223, 224, 228 e 230, não fazendo qualquer referência ao disposto no então artº 247, actual artº 239 do C.P.C.
Quererá isto dizer, como entende a sentença recorrida, que o legislador pretendeu afastar deste procedimento especial, as entidades com sede no estrangeiro?
Nada na génese deste procedimento, ou na letra do mesmo, nos permite retirar esta conclusão.
Denote-se que mesmo com a adopção do procedimento de injunção europeu, pelo Regulamento CE nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/06, visou-se tão só agilizar e simplificar a execução de dívidas em casos transfronteiriços, obtendo um título exequível no estado membro competente (com exclusão da Dinamarca).
Não se pretendeu impor o recurso a este procedimento aos casos de créditos pecuniários civis ou comerciais constituídos no mercado europeu por entidades de dois ou mais países integrantes da União Europeia, afastando a possibilidade de recurso quer à acção comum, quer ao procedimento de injunção interno.
Assim, mesmo neste caso, em que o credor tem ao seu dispor este procedimento de injunção europeu, a escolha cabe-lhe sempre, não sendo uma imposição.
O credor pode optar, ou pelo procedimento interno, se pretender tão só obter um título executivo, válido na ordem interna, ou pelo procedimento europeu, se pretender obter um título exequível noutro estado membro.
É o que decorre directamente do n.º 2 do art.º 2.º Regulamento (CE) n.º 1896/2006, “O presente regulamento não obsta a que um requerente reclame um crédito na acepção do artigo 4.º através da instauração de outro procedimento previsto na legislação de um Estado-Membro ou no direito comunitário.”
 Ou seja, como claramente se refere no ponto 10.º do preâmbulo do regulamento, o procedimento estabelecido pelo mesmo regulamento “… deverá constituir um meio suplementar e facultativo à disposição do requerente, que manterá toda a liberdade de recorrer aos procedimentos previstos no direito interno. Por conseguinte, o presente regulamento não substituirá nem harmonizará os mecanismos de cobrança de créditos não contestados previstos no direito interno.” (neste sentido - Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/02/2012, Proc. Nº 353017/10.7YIPRT.G1)
Assim sendo, pode sempre o credor, verificados os demais pressupostos, optar pelo procedimento interno ou pelo procedimento europeu de injunção, sendo que a sede do requerido em território abrangido por este regulamento não é, nem factor de exclusão, nem de obrigatoriedade, na adopção de qualquer destes procedimentos.
Conclui-se assim que a demanda de devedores com sede no estrangeiro, por meio de procedimento de injunção é admissível, mesmo em casos em que tenham ao seu dispor outro meio. 
Alega ainda o tribunal recorrido em apoio da sua decisão que “se o legislador pretendesse que fosse aplicável o requerimento de injunção a entidades com sede no estrangeiro, nenhuma razão havia para não considerar aplicável, também, o então art.º 247º do CPC, quando considerou aplicáveis os artigos 231.º e 232.º, n.os 2 a 5 do artigo 236.º e o artigo 237.º do Código de Processo Civil.”
Não é esse no entanto, o sentido ou alcance desta norma, nem dela se pode retirar a consequência que o tribunal recorrido considerou.
Vejamos:
O D.L. 269/98 de 01/09 estabelece um regime de notificação/citação, também  ele simplificado, consoante exista convenção de domicílio ou não, mandando aplicar aos casos em que tal convenção não exista “o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil”, com as especificidades dos nºs 3 a 10 do artº 12.
Obviamente que se tratam estes de normativos a observar nas notificações na ordem interna, pois que demandada uma empresa com sede no estrangeiro, rege o disposto no então artº 247 e actual artº 239 do C.P.C. - é aplicável os tratados e convenções internacionais, sendo a notificação/citação feita nos termos destes diplomas, ou se não existirem nos termos definidos neste preceito legal e não nos termos previstos no artº 12.
Nem faria sentido a remissão para o artº 247 do C.P.C., inserido num artigo que visa regular de forma simplificada a citação na ordem interna, em caso de domicílio não convencionado.
Desta aparente e inexistente omissão, não se retira nem pode retirar a conclusão de que o legislador quis excluir as empresas sedeadas no estrangeiro, mas apenas que quis regular um regime de notificação/citação, com especialidades e que se pretendia também ele simplificado.
Resta-nos analisar o segundo argumento invocado pelo tribunal recorrido, considerando que “A aplicação do regime em referência – prazo de 15 dias, sem qualquer dilação - a entidades com sede no estrangeiro poderia colidir com a garantia de defesa efectiva e plena em tempo útil.”
Efectivamente dispõe o artº 4 do D.L. 269/98 que à contagem dos prazos constantes no regime da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, são aplicáveis as regras do C.P.C., “sem qualquer dilação”.
No entanto, a ausência de dilação neste tipo de procedimentos, não se coloca apenas em relação às entidades com sede no estrangeiro, como parece considerar o tribunal recorrido, mas igualmente em relação a entidades com sede em território nacional, nomeadamente nas Regiões Autónomas, à notificação feita em pessoa diversa do R., etc., como bem refere o recorrente.
Esta questão não pode ser equacionada no sentido de restringir este procedimento apenas a entidades com sede em território nacional e, dentro destas, apenas àquelas sedeadas em território continental e em que não se verificassem as demais circunstâncias previstas no artigo 245 do C.P.C.
Com efeito, em todas estas situações se poderia defender que estavam em causa a ofensa de direitos constitucionais, por violação do artº 20 nº 4 (processo equitativo), 18º (proporcionalidade) e 13º (igualdade) da Constituição da República Portuguesa.
A questão efectivamente coloca-se e colocou-se, mas a nível da conformidade do artº 4 do D.L. 269/98 à nossa Constituição e sobre ela se pronunciaram quer os Tribunais Superiores, quer o Tribunal Constitucional.
Declarada a inconstitucionalidade desta norma (vidé Acordão da Relação de Lisboa de 16/07/08, Rijo Ferreira, Proc. nº 1839/2008-1) sobre esta questão pronunciou-se o Acordão do Tribunal Constitucional de 13/01/2010 (Ac. 20/2010) que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na parte em que determina a não aplicação da dilação prevista no artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do Processo Civil, no caso de citação feita a pessoa diversa do réu. (Proc. 638/2008).
Mais se considerou neste acórdão que “entre os valores da "proibição da indefesa" e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica existe à partida, e como se disse no Acórdão 508/2002, uma relação de equivalência constitucional: todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos. Ora, quando vinculado por vários valores constitucionais, díspares entre si pelo conteúdo mas iguais entre si pela relevância, deve o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em benefício exclusivo de outro ou de outros.
Ao determinar que, no regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de pequeno montante emergentes de contratos, os prazos se contassem de acordo com as regras fixadas pelo Código Civil mas sem qualquer dilação, o artigo 4.º do Decreto-Lei 269/98 procurou ainda cumprir, em equilíbrio com o sistema geral que o legislador aqui havia instituído, finalidades de simplificação e celeridade processual que se entenderam ser justificadas face ao tipo de litigiosidade em causa. À luz do disposto pelo artigo 20.º da CRP, tais finalidades correspondem à prossecução de interesses e valores constitucionais que vinculam o legislador tanto quanto o vincula a obrigação de respeitar, na modelação das normas de processo, a "proibição da indefesa".
Não sendo inconstitucional tal norma, sendo a inexistência de dilação aplicável a todos os requeridos (incluídos nas situações previstas no artº 245 do C.P.C.), não é igualmente critério para concluir, como faz o tribunal recorrido, que o procedimento de injunção não se aplica em relação a requeridos com sede no estrangeiro.
Nestes casos, ou seja, “quando o requerido resida no estrangeiro, como ocorre no caso vertente, deve observar-se o estipulado nos tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a notificação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (art. 247º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Ora, a República Portuguesa está vinculada à primazia do direito internacional, e conforme se dispõe no art. 8º, nº 3 da Constituição da República “ as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.(Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2103, Gregório Silva Jesus, Proc. nº 1869/11.9TBPTM-A.E1.S1).

Conclui-se pois que o procedimento de injunção pode ser requerido contra entidades com sede no estrangeiro, desde que verificados os requisitos constantes do D.L. 269/98 e 32/2003, aplicando-se à respectiva notificação o estipulado nos tratados ou convenções internacionais, sendo, na sua falta, feita por carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artº 239 do C.P.C.).

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelada.



Lisboa 12/10/17


                       
Cristina Neves           
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433,
de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

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