Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ GOMES | ||
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUESTÃO DEFESA POR IMPUGNAÇÃO DEFESA POR EXCEPÇÃO CONTRATO DE AGÊNCIA ANGARIAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Para os efeitos de omissão de pronúncia, o conceito de “questão” não integra os casos em que o juiz deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que pode ocorrer, quando muito, é o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento e portanto equacionável em sede de mérito.
2. A defesa por impugnação de facto, seja por simples negação, seja de forma motivada, caracteriza-se por uma incompatibilidade total ou parcial no plano factual, competindo à parte sobre quem impende o respectivo ónus probatório a prova da respectiva versão. 3. Na defesa por excepção peremptória, não ocorre incompatibilidade no plano factual entre as versões de cada parte, na medida em que se traduz na apresentação pelo réu de uma factualidade distinta da alegada pelo autor que, a par desta, é susceptível de operar uma incompatibilidade de direito, traduzida em efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito prático-jurídico pretendido pelo impetrante. 4. No caso vertente, a R. alegou factos tendentes a contradizer os alegados pelo A. na petição inicial, o que se traduz numa contraversão factual, cabendo à A. o ónus de provar tais factos por si alegados como constitutivos que são do direito que se arroga, em conformidade com o disposto no art.º 342.º do CC; neste contexto, os factos alegados pela R. são factos meramente instrumentais destinados a lançar dúvida séria sobre os assim alegados pela A., em sede de contraprova, nos termos do artigo 346.º do CC. 5. No caso vertente, embora estivesse vedado à R., como principal no âmbito do contrato de agência, contratar directamente com clientes que tivessem já sido angariados pela A. no passado ou à data da celebração daquele contrato, ou ainda com os que o viessem a ser angariados depois de tal celebração, do quadro factual apurado não é lícito concluir, sem mais, que a R. tenha sido angariada pela A., pois o que se verifica é que a participação daquela teve origem no contacto directamente feito por outrem. 6. Nem releva o facto de a R. ter tido acesso fácil e directo aos contactos da A. e de tal acesso se dever ao facto de a A. ter angariado trabalho à R. junto daqueles contactos, já que tais factos são tão vagos e imprecisos que não permitem sequer ajuizar da sua incidência efectiva naquela contratação. 7. Consequentemente, terá de concluir-se que a R. actuou nos limites da margem de contratação directa que lhe era facultada pela cláusula contratual estabelecida, não incorrendo na violação que lhe vem imputada pela A..
(Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. GR – AM, Ld.ª (A.), intentou, em 04-12-2008, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra JA (R.) a pedir que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.150,00, a título de danos patrimoniais, e € 2.500,00 por danos não patrimoniais, com base em incumprimento de um contrato de agência, celebrado entre ambas, alegando, no essencial, que: - No âmbito da sua actividade, a A. celebrou com a R. dois contratos de agência, sucessivos, um com início em 01-07-2005 e outro em 01-07-2007, pelo prazo de dois anos; - No âmbito dos referidos contratos, foram conferidos à A. poderes de representação, estabelecida a exclusividade da R. e convencionada uma comissão de 10% para a A. sobre o valor mensal que fosse facturado aos clientes; - Nessa base, a R. obrigou-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as produtoras e agências de publicidade angariadas por intermédio da A., no passado, presente e futuro; - No entanto, a R. contratou, directamente, com a produtora “TN – PFT, S.A.”, para participar, desde Dezembro de 2007 até Setembro de 2008, numa série televisiva, aproveitando-se dos contactos privilegiados da A., sem os quais não teria acesso fácil e directo àqueles contactos, auferindo, no mínimo, uma quantia não inferior a € 31.500,00; - Assim, a A. tem direito a cobrar € 3.150,00 correspondente à comissão de 10% sobre o valor facturado pela R., por representar o prejuízo daquela com a violação contratual desta; - Além disso, a A. sofreu danos não patrimoniais por ter sido afectada na sua imagem em razão daquele comportamento da R. 2. A R. contestou a sustentar que: - A participação na sobredita série televisiva não foi angariada pela A., mas deveu-se ao contacto directo da R.; - No âmbito do contrato de agência com início em 01-07-2007, não foi previsto o regime de exclusividade, pelo que a actuação da R. não constitui violação daquele contrato; - A R. nunca havia trabalhado para a empresa produtora, a qual é pessoa distinta de outras com as quais a A. alega ter tido contactos. Concluiu pela improcedência da acção e pede que a A. seja condenada como litigante de má fé. 3. A A. deduziu resposta, contradizendo o alegado pela R. e opondo-se ao pedido da sua condenação como litigante de má fé. 4. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e, seguidamente, seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória: 5. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 261-264, foi proferida sentença final, em 24/10/2011, a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar a R. no pagamento à A. da quantia de € 3.150.00, absolvendo-a no mais peticionado. 6. Inconformada com tal decisão, a R. apelou dela, formulando as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem com subordinação a números e não a caracteres alfabéticos, que chegam a ser triplicados, tornando a sua leitura pouco prática: 1.ª - A sentença objecto do presente recurso deve ser revogada na parte em que condenou a R., ora Recorrente, no pagamento da quantia de € 3.150,00, porque apreciou incorrectamente o alegado pelas partes nos articulados, bem como a prova, documental e testemunhal, produzida e aplicou, de forma manifestamente incorrecta o Direito aos factos; 2.ª - O presente recurso tem, de igual modo, por objecto diversos "vícios" da decisão ora recorrida, e que respeitam: (i) à falta de fundamentação da decisão, nomeadamente, quanto à prova considerada para o Tribunal a quo ter decidido da forma como o fez; (ii) ao excesso de pronúncia, pois o Tribunal a quo considerou questões que não foram, sequer, enunciadas pela acção proposta pela Recorrida; (iii) à omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a questões expressamente enunciadas pela ora Recorrente na sua contestação; 3.ª - Entre a Recorrida e a Recorrente foi celebrado um novo contrato de agência, com início em 1.07.2007, pelo prazo de dois anos; 4.ª - Ficou convencionado, além do mais, que o principal (a Recorrente) se comprometia a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente, no passado, no presente e no futuro; 5.ª Esta cláusula não consubstancia em bom rigor, uma cláusula de exclusividade, já que a Recorrente não poderia fazer qualquer tipo de trabalho com as empresas, produtoras ou agências de publicidade que tivessem sido angariadas por intermédio da Recorrida, sendo certo que o poderia fazer com todas as outras; 6.ª - A própria A/Recorrida veio aos autos reconhecer que sugeriu a R. à Empresa "T..., S.A." e que a Recorrente, para efeitos do seu processo de negociação/contratação para a telenovela RW", entrou em contacto com a produtora da série, a empresa "TN", confessando, assim, que a Recorrida não teve qualquer intervenção neste processo (cfr. resulta dos artigos 15.°, 20.° e 27.° da PI); 7.ª - A empresa "T..., S.A.” e a empresa "TN, FPT, S.A.,” são, em bom rigor, pessoas colectivas distintas, com personalidade jurídica própria e distinta, o que, desde logo, se alcança através da análise dos números de matrícula nas respectivas Conservatórias do Registo Comercial, bem como dos números de identificação fiscais (NIF), que são, em ambos os casos, distintos; 8.ª - Por sua vez, a empresa “T..., S.A.” tem a sua sede em …, encontra-se registada na CRC de …, sob o n.° …, tendo como número de identificação fiscal (NIF) o n.° …; por sua vez, a empresa “TN, FPT, S.A.” tem a sua sede em Oeiras, encontra-se registada na CRC de …, sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva n.° …, correspondendo assim a pessoas colectivas juridicamente distintas; 9.ª - Para a novela “RW”, a Recorrente foi contratada directamente pela produtora da novela, a Empresa TN, S.A., empresa para a qual nunca havia trabalhado; 10.ª - Sendo que, conforme se cuidou de referir, a empresa “TN, S.A.”, é uma pessoa colectiva, juridicamente distinta da empresa T..., S.A. 11.ª - A consideração das sociedades comerciais como pessoas jurídicas têm consequências jurídicas importantes, de que convém destacar desde já as seguintes: a) - Consequência fundamental do reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades comerciais é a existência de um novo sujeito de direitos e obrigações, distinto dos sócios e com um património separado dos patrimónios destes; b) - Uma vez que a toda a pessoa jurídica corresponde, pelo menos, um património autónomo, a cada nova sociedade corresponde também um património autónomo; c) - Por outro lado, o reconhecimento da personalidade jurídica comercial vem estabelecer um princípio fundamental da separação entre a sociedade e sócios, assim como entre a sociedade e os titulares dos seus órgãos e estes não se confundem com agentes ou auxiliares ou com os procuradores; 12.ª - Nos presentes autos, encontra-se demonstrado nos autos que as sociedades "T..., SA" e "TN, S.A.” são pessoas colectivas distintas (conforme documentos juntos na contestação); 13.ª - M...ito embora, não afirme expressamente, o Tribunal a quo faz versar a sua decisão no afastamento da regra geral da separação entre a sociedade e os seus sócios e entre os seus colaboradores. A desconsideração da personalidade colectiva é um instituto que serve para proceder ao levantamento da personalidade jurídica quando esta seja usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros; 14.ª - Ora, no caso dos autos nunca foram postas em causa as condutas dos sócios das sociedades "T..., SA" e "TN, S.A.”, designadamente, o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus sócios, libertando-se das obrigações e dos compromissos que tinham para com terceiros; nem tal foi alegado/invocado pela A./Recorrida; 15.ª - Sendo certo que nunca, sequer, a A./Recorrida, suscitou tal questão, conforme é perceptível, através da mera análise das peças processuais; 16.ª - Conforme é sabido, a "tese" desconsideração da personalidade colectiva, que o Tribunal a quo veio considerar, apenas em certos casos, excepcionais, pode ser aplicada/invocada, sendo certo que depende ainda de um especial dever de fundamentação; 17.ª - A Jurisprudência e a Doutrina são unânimes, no sentido que apenas em certos casos, específicos e "excepcionais", é permitida a consideração da "te-se" desconsideração da personalidade colectiva; 18.ª - O que, desde logo, se encontra plenamente evidenciado nos diversos Acórdãos (Relação de Guimarães, Porto e Lisboa) citados no presente Recurso; 19.ª - Como "traço comum" dos supra enunciados Acórdãos, é manifesto que a não é possível a simples desconsideração da personalidade jurídica das pessoas colectivas, e que a mesma apenas poderá suceder em casos específicos, que dependem da verificação de determinadas circunstâncias (que resultem dos autos). Consequentemente, sem que tenha sido invocado e que os autos forneçam elementos que permitam assegurar a utilização abusiva da personalidade jurídica, não é possível a sua desconsideração, pura e simples; 20.ª - Sendo certo, que, conforme se disse, nos autos em apreço (e o que é válido para a PI apresentada, para as respostas do Tribunal a quo, bem como para a sentença recorrida), nunca, em momento algum, foi sequer invocada ou esteve em discussão (muito menos demonstrada) uma (alegada) conduta desconforme, quer relativamente à "T..., SA", quer relativamente à "TN, S.A.”, que permitisse a consideração do referido instituto da desconsideração da personalidade jurídica das pessoas colectivas; 21.ª - Pelo que o Tribunal “a quo” nunca poderia ter decidido nos termos em que o fez, desconsiderando que a “T..., S.A.” e a "TN, S.A.”, são pessoas colectivas distintas e autónomas, entre si; 22.ª - A Recorrente obrigou-se, no âmbito do contrato de agência, apenas a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as produtoras e agências de publicidade que tenham sido angariadas por intermédio da Recorrida no passado, no presente e no futuro; 23.ª - A A./Recorrida, e contrariamente ao que alega, não angariou trabalhos, não encetou negociações, nem no passado, nem no presente, com a “TN, S.A.”, em representação da Recorrente, conforme, inclusive, reconhecido pelo próprio Tribunal a quo, na sentença ora recorrida; 24.ª - A Recorrente, para efeitos da novela "RW", nunca teve um relacionamento (contratual) "directo" com a empresa T..., S.A.; 25.ª - Mas sim com a empresa TN, S.A., empresa juridicamente distinta, com a qual nunca havia trabalhado; 26.ª - O processo de negociação e contratação da Ré para a telenovela "RW" não teve a intervenção ou foi mediado pela Autora, tendo sido efectuado, de modo directo, entre a produtora “TN, S.A.” e a R., sem intervenção de qualquer agente ou agência; 27.ª - A Recorrente junto aos autos uma declaração da TN, SA, onde esta "atesta" que o papel da Recorrente na novela RW foi obtido directamente pela mesma, sem intervenção de agente ou agência (cfr. doc. n.° 1, junto com a contestação); 28.ª - Ou seja, a Recorrente logrou fazer prova (documental), no sentido que a sua contratação para a novela não teve a intervenção de agente ou agência (seja a Recorrida ou outra entidade), sendo assim falso o invocado pela A., quando alega que o foi a sua intervenção que esteve na origem do papel da R. na novela RW; 29.ª - O Tribunal a quo apenas considerou que a “T..., S.A.” solicitou que a Recorrida indicasse actrizes e que terá sido "sugerida" a Recorrente; 30.ª - O Tribunal a quo expressamente reconheceu que não ficou provado que foi essa “sugestão”/contacto que iniciou o processo de colaboração da Recorrida com a série; 31.ª - A "T..., S.A.”, e a "TN, S.A.” são pessoas colectivas distintas e autónomas, entre si; 32.ª - De acordo com as regras do ónus da prova, cabia à Recorrida a prova dos factos que alega, o que, minimamente, não se verificou, face ao que nunca a sentença recorrida poderia ter decidido da forma como o fez; 33.ª - A Recorrida não angariou trabalhos, não encetou negociações no passado nem no presente com a "TN, S.A.”, em representação da R.; 34.ª- Não nos parece razoável que o facto da Recorrente ter feito trabalhos no passado para produtoras angariadas pela Recorrida, tendo-se tornado publicamente conhecida, se considere incumprimento do contrato de agência, por ter contratado directamente com uma produtora que nunca negociou com a Recorrida na qualidade de representante da Recorrente; 35.ª - Não entende a Recorrente que tenha o Tribunal a quo concluído que a Ré não poderia ter contactado ou ser contactada directamente, pela "TN, S.A." e com esta celebrado qualquer contrato; 36.ª - Atento a tudo o que vai, supra, expendido, facilmente se conclui que os elementos carreados para os autos apenas permitiriam uma decisão no sentido de absolver a ora Recorrente, considerando que esta apenas se obrigou perante a Recorrida a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com empresas, produtoras ou agências de publicidade que tenha sido angariado por intermédio da Recorrida, no passado, no presente e no futuro. Sendo, portanto, manifesto que a sentença ora recorrida faz uma errónea aplicação do direito aos factos dados co-mo provados, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que venha efectivamente a absolver a Recorrente do pedido, nos termos legais; 37.ª - De outro tanto, diga-se, ainda, que nos presentes autos, nunca, em momento algum, a Recorrida "incorporou" no seu pedido a desconsideração da personalidade colectiva, quer relativamente à "T..., S.A.", quer relativamente à "TN, SA", pelo que foi com "espanto" que a Recorrente verificou que a sentença ora recorrida veio invocar/considerar um aspecto nunca invocada pela Recorrida; 38.ª - Efectivamente, nunca a Recorrida, quer na sua PI, quer nas posteriores respostas apresentadas, invocou ou veio peticionar no sentido da desconsideração da personalidade colectiva, quer relativamente à "T..., SA", quer relativamente à "TN, S.A.". O mesmo se diga quanto a elementos/ circunstâncias que justificassem a aplicação do referido instituto, que nunca, em momento algum, foram invocadas ou peticionadas pela Recorrida; 39.ª - Assim sendo, ao ter considerado, por livre e exclusiva iniciativa, a referida tese da desconsideração da personalidade colectiva, o Tribunal a quo "foi para além" do pedido da Recorrida, em termos não permitidos, o que enferma a sentença de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos da parte final da alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos; 40.ª - Diga-se, ainda, que a sentença enferma do vicio de falta de fundamentação; 41.ª - Com efeito, percorrendo a sentença de que ora se recorre, é manifesto que a mesma é, em absoluto, omissa quanto à prova considerada pelo Tribunal a quo, para decidir nos termos em que o fez; 42.ª - Concretizando, não se alcança que prova o Tribunal a quo considerou (qual a prova e em que termos foi relevada), para ter dado como provado que foi a "intervenção" da Recorrida que esteve na origem da contratação da Recorrente para a novela "RW". O mesmo se diga, quanto à prova que o Tribunal a quo considerou (qual a prova e em que termos foi relevada) para ter considerado que a Recorrente já havia trabalhado para a TN – produtora da novela "RW" – em consequência da intervenção da Recorrida; 43.ª - É que, quanto à prova considerada (qual a prova e em que termos foi relevada), a sentença ora recorrida é, em absoluto, omissa, o que enferma a mesma do vício de falta de fundamentação, o que se invoca, para os devidos e legais efeitos; 44.ª - Acresce que, a sentença enferma do vício de omissão de pronúncia; 45.ª - Com efeito, na contestação apresentada, a Recorrente formulou uma excepção peremptória, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Recorrida (constante dos artigos 1.° a 8.° da contestação); 46.ª - Bem como formulou pedido de litigância de má-fé, relativo à actuação da Recorrida, com a interposição da acção que deu origem ao presente pleito (constante dos artigos 81.° a 100.° da contestação); 47.ª - Ora, quer quanto à excepção peremptória, quer quanto ao pedido de litigância de má-fé, é manifesto que a sentença recorrida é, em absoluto, omissa; 48.ª - Na medida que não dedica, sequer, uma linha quanto à excepção peremptória e/ou quanto ao pedido de litigância de má-fé, ambos pedidos forM...lados pela Recorrida na contestação; 49.ª - Assim sendo, perante tal omissão de pronúncia quanto a aspectos/ pedidos expressamente forM...lados pela Recorrente na contestação, o Tribunal a quo "ficou além" do pedido da Recorrida, em termos não permitidos; 50.ª - O que enferma a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos; 51.ª - Ainda que assim não se entendesse, sempre teria que ter sido dado como improcedente o pedido da A., por não terem ficado demonstrados os elementos essenciais da constituição da obrigação de indemnizar; 52.ª - A cláusula 6.a do contrato de agência celebrado entre a Recorrida e a Recorrente, prevê "sob os contratos de prestação de serviço/trabalho, agenciados pelo principal, o agente cobrará uma comissão de 10%, relativamente ao valor mensal facturado ao cliente", ou seja, o direito à comissão pelo agente só se verifica nos contratos por si promovidos e os concluídos por clientes por si angariados; 53.ª - Como já demonstrado, o contrato celebrado entre a Recorrente e a "TN, SA" sem intervenção da Recorrida (promovido ou angariado), não está, nem pode estar elencado naqueles contratos agenciados pela Recorrida; 54.ª - Ora, o direito à comissão, abrange os contratos promovidos pelo agente e os concluídos por clientes por si angariados, pelo que, face aos factos que resultaram provados, a Recorrida nunca teria direito ao pagamento de qualquer quantia a esse título; 55.ª - Isso mesmo reconhece o Tribunal a quo quando afirma: Foi a ré, sem a intervenção de qualquer agente ou agência, que negociou de modo directo com a empresa produtora os termos da sua participação na referida série, auferindo pela mesma, desde Dezembro de 2007 a quantia mensal de € 3.500, 00; 56.ª - Da resposta ao quesito 12.° da BI ficou provado que a Recorrente obrigou-se apenas a não manter um relacionamento directo com as empresas com as quais tivesse trabalhado através da agência da Recorrida., 57.ª - Sempre caberia à Recorrida ter logrado demonstrar, em sede de produção de prova que o processo de colaboração da Recorrente na série "RW" se tinha iniciado com a sua indicação da Recorrente à "T..., SA", e não o demonstrou; 58.ª - Ainda assim entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente violou a cláusula 2.° do contrato de agência celebrado entre as partes, o que justificou a condenação daquela; 59.ª - Entendeu o Tribunal a quo que: “A consequência desse incumprimento, é a obrigação de pagar à autora a quantia que esta teria direito se tivesse celebrado o contrato de participação na série em representação da autora, ou seja, a comissão de 10% por os montantes por esta auferidos”; 60.ª - Sucede, porém, que o aludido contrato não previa qualquer sanção para a violação dessa cláusula, sendo certo que a mesma não decorre igualmente da lei, assim não se compreende como pôde o Tribunal a quo concluir nos termos expostos; 61.ª - Por tal é óbvio que, face às respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos quesitos objecto de produção de prova testemunhal em audiência de julgamento não logrou a Recorrida demonstrar qualquer prejuízo na sua esfera jurídica; 62.ª - Não entende a Recorrente a forma como o Tribunal a quo arbitrou o quanto da indemnização pedida pela Recorrida que não logrou fazer prova, pelo que não poderia o Tribunal proceder à atribuição àquela de qualquer indemnização, face à absoluta falência da verificação dos pressupostos legais para a constituição da obrigação de indemnizar; Pede, pois, a apelante que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva integralmente a R. do pedido forM...lado pela A.. 7. A apelada apresentou contra-alegações, começando por suscitar a intempestividade do recurso e, subsidiariamente, pugnando pela confirmação do julgado, tendo aquela questão prévia sido já decidida em sede do mecanismo de reclamação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é definido em função das con-clusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, 684.º, n.º 2, 685.º-A, n.º 1, e 685.º-B, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Dentro desses parâmetros, só está aqui em causa o segmento condenatório da sentença recorrida e a sua omissão em sede de litigância de má fé, sendo assim suscitadas as seguintes questões: A – Em primeira linha, as questões de nulidade da sentença recorrida com base em: a) – vício de omissão absoluta de fundamentação, para dar como provado que foi a intervenção da Recorrida que esteve na origem da contratação da Recorrente para a novela "RW", bem como para ter considerado que a R. já havia trabalhado para a “TN”, produtora da novela "RW", em consequência da intervenção da A.; b) – vício de omissão de pronúncia quanto à matéria da excepção peremptória invocada pela R. na contestação e ao pedido de condenação da A. como litigante de má fé; c) – vício de excesso de pronúncia na parte em que teria desconsiderado a pessoa colectiva relativamente às empresas “T..., S.A.”, e “TN, S.A.”, sem que tal matéria tivesse sido alegada;
B – Em segundo plano, a questão do erro na interpretação dos factos provados e na aplicação do direito aos mesmos, em particular quanto: a) - ao âmbito da alegada cláusula de exclusividade; b) – à questão de saber se, em face dessa cláusula, era lícito à R. contratar directamente com o produtora “TN, S.A.”, como contratou.
III – Fundamentação
1. Factualidade dada como provada em 1.ª Instância
Vem dada como provada pela 1.ª Instância a seguinte factualidade, que aqui se reordena para melhor compreensão do seu encadeamento lógico e cronológico: 1.1. A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada – al. A) dos Factos Assentes; 1.2. No âmbito da sua actividade, a A. celebrou com a R., com início em 01/07/2005, um contrato de agência cujos termos constam do documento de fls.12 a 14, que se dão aqui por integralmente reproduzidos – al. B) dos Factos Assentes; 1.3. No contrato referido em 1.2 consta a seguinte cláusula: “a) - Pelo presente contrato, o Principal contrata o Agente, em regime de exclusividade, obrigando-se a não contratar outros agentes no território abrangido, para angariar Clientes, promovendo a celebração de contratos de prestação de serviço/trabalho com o Principal.” b) – O principal compromete-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas, Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente. – al. M) dos Factos Assentes com referência a todo o conteúdo da cláusula 2.ª do contrato reproduzido a fls. 12; 1.4. Este contrato não foi renovado, tendo sido pelas A. e R. sido celebrado um novo contrato de agência, com início a 01/07/2007, pelo prazo de dois anos, nos termos que constam do documento de fls.15 e 16, que se dão aqui por integralmente reproduzidos – al. C) dos Factos Assentes; 1.5. A R. conferiu poderes à A. para, em seu nome e por sua conta, celebrar com os clientes contratos de prestação de serviços ou de trabalho – al. E) dos Factos Assentes; 1.6. Entre outras, constam do contrato referido em 1.4 as seguintes cláusulas: “2.ª Objecto a) - O principal compromete-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas, Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente, no passado, no presente e no futuro” “4.ª Agência com poderes de representação 1. O Principal confere, desde já e expressamente, ao Agente os necessários poderes representativos para, em seu nome e por sua conta, celebrar com os clientes os correspondentes contratos de prestação de serviços/trabalho.” – al. D) dos Factos Assentes; 1.7. Com a outorga do novo contrato e a não renovação do anterior, as partes quiseram findar o regime de exclusividade previsto no contrato referido em 1.2 – resposta ao art.º 13.º da base instrutória; 1.8. A R. obrigou-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as empresas, produtoras ou agências de publicidade que tenha sido angariado por intermédio do agente, no passado, no presente e no futuro – resposta ao art.º 1.º da base instrutória; 1.9. A R. obrigou-se apenas a não manter um relacionamento contratual directo com empresas com as quais tivesse trabalhado através da agência da A. – resposta ao art.º 12.º da base instrutória; 1.10. Com a outorga do novo contrato, as partes quiseram permitir apenas que a R. pudesse contratar outros agentes – resposta ao art.º 15.º da base instrutória; 1.11. Com o acordado, a A. auferia uma comissão de 10% sobre o valor mensalmente facturado aos clientes – al. F) dos Factos Assentes; 1.12. Ao abrigo dos contratos acima referidos, a A. celebrou contratos com a “Fl, S.A.”, e a “T..., S.A.”, ao abrigo dos quais a R. participou como actriz nas telenovelas “...” e ...”, da TVI e SIC, respectivamente – al. G) dos Factos Assentes; 1.13. Desde 1997, era a A. quem representava a R., primeiro como modelo e depois como actriz, e a promovia – al. H) dos Factos Assentes; 1.14. A série “RW” iniciou a sua exibição em Agosto de 2008, tendo a R. iniciado a sua participação desde Dezembro de 2007 – al. I) dos Factos Assentes; 1.15. A R. desempenha a personagem “M...”, uma das protagonistas – al. J) dos Factos Assentes; 1.16. A produtora da referida série é a empresa “TN – PFT, S.A.” – al. K) dos Factos Assentes; 1.17. A empresa “T..., S.A.”, solicitou à A. que indicasse actrizes e actores para fazerem parte do elenco da série, a estrear pela SIC, intitulada “RW” – resposta ao art.º 2.º da base instrutória; 1.18. Em resposta a esse pedido, a A. apresentou-lhe várias propostas, entre elas a R. – resposta ao art.º 3.º da base instrutória; 1.19. A R. foi contactada por pessoas que trabalhavam na “TN” e antes o faziam na “T..., S.A.” – resposta ao art.º 10.º da base instrutória; 1.20. A R. nunca havia trabalhado para essa empresa – resposta ao art.º 11.º da base instrutória; 1.21. Foi a R., sem a intervenção de qualquer agente ou agência, que negociou de modo directo com a empresa produtora os termos da sua participação na referida série – al. L) dos Factos Assentes; 1.22. A R. teve acesso fácil e directo aos contactos da A. – resposta ao art.º 7.º da base instrutória; 1.23. Aquele acesso se deveu ao facto de a A. ter angariado trabalho à R. junto daqueles contactos – resposta ao art.º 8.º da base instrutória; 1.24. A A. mantém com a empresa “TN” relações referentes a outros agenciados – resposta ao art.º 9.º da base instrutória; 1.25. Pela participação na série “RW”, desde Dezembro de 2007, a R. auferiu a quantia mensal de € 3.500,00 – resposta ao art.º 5.º da base instrutória; 1.26. Tendo, até Setembro de 2008 auferido a quantia global de € 31.500,00 – resposta ao art.º 6.º da base instrutória. 2. Do mérito do recurso
2.1. Quanto às questões de nulidade da sentença
2.1.1. Da falta de fundamentação
A R./apelante arguiu a nulidade da sentença por considerar que, na sentença recorrida, se omitiu, em absoluto, a fundamentação para dar como provado que foi a intervenção da A./Recorrida que esteve na origem da contratação da R. para a novela "RW", bem como para ter considerado que a R. já havia trabalhado para a “TN, S.A.”, produtora da novela "RW", em consequência da intervenção da A.. Ora, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, como causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, constitui um vício formal resultante da inobservância das regras elementares que disciplinam a elaboração da sentença, no tocante à sua estrutura lógica, prescritas no artigo 659.º, n.º 2 e 3, do mesmo Código. Assim, na sentença, devem ser, em primeira linha, enunciados, de forma discriminada, os factos que se consideram provados, seguindo-se depois a análise fáctico-jurídica com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Em face disso, só ocorre falta absoluta de fundamentação relevante, quando tais ditames não forem observados em termos de nem sequer viabilizar um juízo de mérito ou demérito sobre o litígio. Também importa não confundir aquele vício com a falta de fundamentação de cada um dos juízos probatórios formulados em sede da decisão de facto, quando autonomamente proferida, nos termos do n.º 2 do artigo 653.º do CPC, fundamentação essa que nem sequer deve ser transposta para a sentença. O vício de falta de fundamentação da decisão de facto pode traduzir-se em nulidade de 2.º grau, impugnável, desde logo, por via de reclamação ao abrigo do disposto no n.º 4 do citado art.º 653.º ou, independentemente disso, em sede de recurso da sentença final, nos termos do n.º 5 do artigo 712.º do CPC.
No caso vertente, a sentença recorrida contém a enunciação exacta da factualidade tida por provada e a análise factico-jurídica sobre ela desenvolvida pelo tribunal “a quo” na perspectiva do quadro normativo aplicável. De resto, a apelante não invoca a falta de fundamentação em relação às respostas dadas sobre a matéria de facto controvertida, mas apenas quanto às ilações que o tribunal recorrido delas retira, em sede de análise fáctico-jurídica, no sentido de considerar demonstrado, ante a factualidade provada e não provada, que “a ré tinha a obrigação contratual de não celebrar directamente, sem a participação e conhecimento da autora, qualquer contrato com aquela produtora, pois no passado a mesma já havia sido angariada pela A.”. Só que não estamos aqui perante qualquer falta de fundamentação, mas quando Muito ante uma questão de acerto ou não dessa fundamentação, o que se reconduz já a eventual erro de julgamento a apreciar em sede de mérito. Termos em que improcede a apontada arguição nulidade da sentença.
2.1.2. Da omissão de pronúncia
a) – Quanto ao conhecimento da pretensa excepção peremptória
A Recorrente arguiu também a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, sustentando, em síntese, que o tribunal recorrido não apreciou a matéria da excepção peremptória invocada pela R. na contestação. Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o juiz, na sentença, deve conhecer das questões de mérito, mormente da pretensão autor e das excepções peremptórias, só podendo ocupar-se das que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe, como no caso das chamadas excepções impróprias, salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões. Nesta linha, no que aqui releva, constituem questões, além da pretensão deduzida pelo autor – integrada pelo pedido e respectiva causa de pedir -, cada uma das excepções peremptórias invocadas pela defesa ou que devam ser apreciadas oficiosamente pelo tribunal. Porém, já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que pode ocorrer é, quando M...ito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento e portanto equacionável em sede de mérito. A omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas pelas partes ou àquelas de que cumpra ao juiz conhecer oficiosamente, no termos acima configurados, constitui fundamento de nulidade da sentença, por força do disposto na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
Ora, quanto à matéria da pretensa excepção peremptória, esta questão já fora, de algum modo, abordada no despacho de fls. 178, afigurando-se tão elementar que mal se percebe a razão da persistência da apelante nesse ponto. Tudo está na distinção conceitual a fazer entre defesa por impugnação de facto e defesa por excepção, à luz das noções dadas no artigo 487.º, n.º 2, do CPC. Com efeito, a defesa por impugnação de facto ocorre quando o réu contradiz os factos alegados pelo A., seja por simples negação, seja de forma motivada – a designada impugnação per positionem -, apresentando uma contraversão total ou parcialmente incompatível com a versão do au-tor. Significa isto que a defesa por impugnação de facto se caracteriza por uma incompatibilidade total ou parcial no plano factual, competindo à parte sobre quem impende o respectivo ónus probatório a prova da respectiva versão. Por sua vez, na defesa por excepção peremptória não ocorre incompatibilidade no plano factual entre as versões de cada parte. O que se verifica é a apresentação pelo réu de uma factualidade distinta da alegada pelo autor que, a par desta, é susceptível de operar uma incompatibilidade de direito, traduzida em efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito prático-jurídico pretendido pelo impetrante.
No caso vertente, a R., sob os artigos 1.º a 5.º, alegou factos tendentes a contradizer os alegados pelo A. na petição inicial, quanto à intervenção da A. na participação da R. na série televisiva “RW”, o que se traduz numa contraversão factual, nesse particular, cabendo assim à A. o ónus de provar tais factos por si alegados como constitutivos que são do direito que se arroga, em conformidade com o disposto no art.º 342.º do CC. Nesse contexto, os factos alegados pela R. são factos meramente instrumentais destinados a lançar dúvida séria sobre os assim alegados pela A., em sede de contraprova, nos termos do artigo 346.º do CC. Tal matéria não é, manifestamente, uma defesa exceptiva, mas sim defesa por impugnação de facto motivada, pelo que não se verifica a invocada omissão de pronúncia. Termos em que também aqui improcede a arguição da nulidade invocada.
b) – Quanto à litigância de má fé
A apelante invoca ainda a omissão de pronúncia quanto à questão de litigância de má fé imputada à A., por aquela suscitada na contestação, sobre o que a sentença recorrida, de facto, não se pronunciou, quiçá pela simples razão de ter considerado parcialmente procedente a acção. Seja como for, tal questão pode ainda assim ser suprida no âmbito do presente recurso.
2.1.3. Do excesso de pronúncia
Vem, por fim, a apelante arguir excesso de pronúncia por considerar que o tribunal recorrido relevou, de algum modo, a desconsideração das pessoas colectivas “T..., S.A.”, e “TN, S.A.”, sem que tal matéria tivesse sido alegada. Ora, o excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, ocorre quando o tribunal se pronuncie sobre questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso, nos termos vedados pelo n.º 2 do artigo 660.º do mesmo diploma. Também aqui constituem questões aquelas que se pudessem configurar como pretensões ou excepções peremptórias, umas e outras sujeitas à invocação das partes, mas que não foram efectivamente formuladas. Já não constituem questões os argumentos de que o tribunal se tenha socorrido no tratamento das pretensões ou excepções deduzidas, mesmo que não aduzidos pelas partes, sabido como que lhe é lícito fazê-lo no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes como se determina na 1.ª parte do artigo 664.º do CPC. E poderá ainda o tribunal tomar conhecimento de excepções peremptórias impróprias, portanto não sujeitas à invocação da parte a quem aproveitam, contanto que os autos forneçam a base factual para tal e desde que respeitado o princípio do contraditório, como decorre do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 496.º e 515.º do CPC. Sucede que, no que aqui interessa, o tribunal recorrido o que fez não foi propriamente convocar o instituto da desconsideração da personalidade colectiva, a título de abuso de direito, o que se traduziria, de resto, numa excepção peremptória de conhecimento oficioso, mas tão só interpretar os factos provados com o alcance de considerar que a R. fora já angariada pela A., em virtude de ter sido contactada pelas mesmas pessoas que passaram de uma para outra sociedade. Tal ilação inscreve-se ainda no âmbito da pretensão deduzida pela A., não constituindo, por conseguinte, conhecimento de questão não suscitada pelas partes. Improcede assim a referida arguição de nulidade da sentença.
2.2. Da questão de fundo
2.2.1. Enquadramento preliminar
A presente acção funda-se em alegado incumprimento imputado à R. do contrato de agência celebrado entre ela, na qualidade de principal, e a A., na qualidade de agente, contrato esse que teve o seu início em 01/07/ 2007. Não sofre dúvida a qualificação desse contrato, tal como foi adoptada na sentença recorrida, e a sua subordinação ao regime constante do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril. Nesse âmbito, as duas questões essenciais em discussão prendem-se com o alegado carácter de exclusividade em relação ao agente e, seguidamente, com a questão de saber se a R. violou essa cláusula de exclusividade.
2.2.2. Quanto à cláusula de exclusividade
Relativamente à dita cláusula de exclusividade importa reter que, no âmbito do contrato de agência celebrado entre as mesmas partes em Julho de 2005, constava o ponto 1.2 com o seguinte teor: “a) - Pelo presente contrato, o Principal contrata o Agente, em regime de exclusividade, obrigando-se a não contratar outros agentes no território abrangido, para angariar Clientes, promovendo a celebração de contratos de prestação de serviço/trabalho com o Principal.” b) – O principal compromete-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas, Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente. Todavia, no contrato celebrado em Julho de 2007, foi eliminado o ponto sobre a exclusividade atribuída ao agente, mantendo-se apenas a estipulação de que: a) - O principal compromete-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas, Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente, no passado, no presente e no futuro” As razões de tal alteração constam dos pontos 1.7 a 1.10 da factualidade provada, segundo os quais: 1.7. Com a outorga do novo contrato e a não renovação do anterior, as partes quiseram findar o regime de exclusividade previsto no contrato referido em 1.2 – resposta ao art.º 13.º da base instrutória; 1.8. A R. obrigou-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as empresas, produtoras ou agências de publicidade que tenha sido angariado por intermédio do agente, no passado, no presente e no futuro – resposta ao art.º 1.º da base instrutória; 1.9. A R. obrigou-se apenas a não manter um relacionamento contratual directo com empresas com as quais tivesse trabalhado através da agência da A. – resposta ao art.º 12.º da base instrutória; 1.10. Com a outorga do novo contrato, as partes quiseram permitir apenas que a R. pudesse contratar outros agentes – resposta ao art.º 15.º da base instrutória.
Ora o artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3-7, com a redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-4, consigna que: Depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente, nos termos do qual a outra parte fique impedida de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo. Sucede que da factualidade acima respigada resulta que, no segundo contrato, deixou de existir a cláusula de exclusividade quanto ao agente em relação a outros potenciais agentes, passando a permitir-se ao principal que contratasse com outros agentes, mantendo-se também a faculdade de o próprio principal contratar directamente com clientes que ainda não tivessem sido angariados pela A.. Resta saber se o comportamento imputado à R. foi para além dos limites dessa faculdade, como se verá no ponto seguinte.
2.2.3. Quanto ao incumprimento contratual
Neste capítulo, o que importa é saber se o comportamento da R., ao contratar directamente com a empresa “TN, S.A.”, com vista à sua participação na série televisiva “RW”, em Dezembro de 2007, o fez dentro dos limites permitidos pela alínea a) da cláusula 2.ª do contrato de agência celebrado em Julho de 2007. Como já ficou dito, a mencionada cláusula estipula que: “O principal compromete-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as Empresas, Produtoras ou Agências de Publicidade que tenha sido por intermédio do Agente, no passado, no presente e no futuro” E, como ficou provado, o alcance dessa cláusula é de que: 1.8. A R. obrigou-se a não fazer qualquer tipo de trabalho directo com as empresas, produtoras ou agências de publicidade que tenha sido angariado por intermédio do agente, no passado, no presente e no futuro – resposta ao art.º 1.º da base instrutória; 1.9. A R. obrigou-se apenas a não manter um relacionamento contratual directo com empresas com as quais tivesse trabalhado através da agência da A. – resposta ao art.º 12.º da base instrutória. Nessa medida, estava vedado à R., como principal, contratar directamente com clientes que tivessem já sido angariados pela A. antes (no passado) ou à data (no presente) da celebração daquele contrato, como com os que o viessem a ser depois de tal celebração (no futuro).
Ora, quanto ao comportamento imputado à R., há que ter presente a seguinte factualidade provada: - Ao abrigo dos contratos acima referidos, a A. celebrou contratos com a “Fl, S.A.”, e a “T..., S.A.”, ao abrigo dos quais a R. participou como actriz nas telenovelas “...” e ...”, da TVI e SIC, respectivamente – al. G) dos Factos Assentes; - Desde 1997, era a A. quem representava a R., primeiro como modelo e depois como actriz, e a promovia – al. H) dos Factos Assentes; - A série “RW” iniciou a sua exibição em Agosto de 2008, tendo a R. iniciado a sua participação desde Dezembro de 2007 – al. I) dos Factos Assentes; - A R. desempenha a personagem “M...”, uma das protagonistas – al. J) dos Factos Assentes; - A produtora da referida série é a empresa “TN – PFT, S.A.” – al. K) dos Factos Assentes; - A empresa “T..., S.A.”, solicitou à A. que indicasse actrizes e actores para fazerem parte do elenco da série, a estrear pela SIC, intitulada “RW” – resposta ao art.º 2.º da base instrutória; - Em resposta a esse pedido, a A. apresentou-lhe várias propostas, entre elas a R. – resposta ao art.º 3.º da base instrutória; - A R. foi contactada por pessoas que trabalhavam na “TN” e antes o faziam na “T..., S.A.” – resposta ao art.º 10.º da base instrutória; - A R. nunca havia trabalhado para essa empresa – resposta ao art.º 11.º da base instrutória; - Foi a R., sem a intervenção de qualquer agente ou agência, que negociou de modo directo com a empresa produtora os termos da sua participação na referida série – al. L) dos Factos Assentes; - A R. teve acesso fácil e directo aos contactos da A. – resposta ao art.º 7.º da base instrutória; - Aquele acesso se deveu ao facto de a A. ter angariado trabalho à R. junto daqueles contactos – resposta ao art.º 8.º da base instrutória; - A A. mantém com a empresa “TN” relações referentes a outros agenciados – resposta ao art.º 9.º da base instrutória.
Daqui se extrai, no essencial, que a R. nunca havia trabalhado dantes para a empresa “TN, S.A.”, produtora da série televisiva “RW”, e que a A. manteve com esta empresa relações referentes a outros agenciados, mas não em relação à R.. É certo que a A. foi contactada pela empresa “T..., S.A.” para angariar actores e actrizes com vista a participarem na série televisiva “RW” e que aquela lhe indicara então, entre outros, a R., mas da resposta negativa ao art.º 14.º da base instrutória resulta como não provado que tal indicação tivesse desencadeado o processo de colaboração da R. na sobredita série. Deste quadro factual não se afigura lícito concluir, sem mais, que a R. tenha sido angariada pela A. para a participação na referida série televisiva. Bem pelo contrário, o que se verifica é que a participação da R. naquela série teve origem no contacto directamente feito pela “TN, S.A.” à própria R.. E, salvo o devido respeito, não se afigura suficientemente relevante o facto de a R. ter sido contactada por intermédio de pessoas que trabalhavam na empresa “TN, S.A.” e que antes o faziam na empresa “T..., S.A.”, para mais desconhecendo-se qual a função dessas pessoas nas ditas empresas. Nem também parece relevar o facto de a R. ter tido acesso fácil e directo aos contactos da A. e de tal acesso se dever ao facto de a A. ter angariado trabalho à R. junto daqueles contactos, factos estes tão vagos e imprecisos que não permitem sequer ajuizar da sua incidência efectiva naquela contratação. Em suma, esses factos não permitem, a nosso ver, por si só, concluir que a A. tenha tido intervenção relevante na angariação da R. para a referida série televisiva. Consequentemente, ter-se-á de concluir que a R. actuou nos limites da margem de contratação directa que lhe era facultada pela cláusula contratual acima em referência, não incorrendo na violação contratual que lhe vem imputada pela A..
Acresce que, segundo o artigo 16.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril: 1 – O agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência. 2 – O agente tem igualmente direito à comissão por actos concluídos durante a vigência do contrato se gozar de um direito de exclusivo para uma zona geográfica ou um círculo de clientes e os mesmos tenham sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes. Como já acima ficou exposto, o contrato de agência celebrado em Julho de 2007 eliminou a cláusula de exclusividade do agente que tinha sido estabelecida no contrato celebrado em 2005, mantendo também a faculdade conferida ao principal de contratar directamente clientes ainda não angariados pela A.. Daí que não seja aplicável ao caso o preceituado no n.º 2 do artigo 16.º acima transcrito. Quando muito, a situação dos autos poderia ser equacionável à luz do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do mesmo normativo. Só que também, nessa perspectiva, não se verifica que a R. tivesse já sido angariada pela A. para a referida série televisiva, o que competia à mesma A. provar, mas que não logrou fazê-lo. Nessas circunstâncias, não se poderá concluir que a A. tenha direito à pretendida comissão nos termos do sobredito normativo.
2.3. Da litigância de má fé
A R., na contestação, pediu a condenação da A. em M...lta, bem como no reembolso de despesas e em indemnização àquela, não inferior a € 6.000,00, imputando-lhe um comportamento de litigante de má fé por considerar, em resumo, que deduzira pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e que violara o dever de probidade, nos termos conjugados dos artigos 264.º e 456.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC. Ora, do que acima ficou exposto depreende-se que as questões em litígio são susceptíveis, no mínimo, de entendimento divergente e que, além disso, se prendiam com uma factualidade alegada pela A., mas que esta não logrou provar, em função do funcionamento do respectivo ónus probatório, sem que se possa daí concluir que tal alegação fosse manifestamente falsa. Em suma, não se pode considerar que a A. tenha deduzido pretensão manifestamente ilegal ou com base em fundamentos falsos, a título de dolo ou de negligência grave, e nem sequer que estejamos perante lide temerária, nos termos previstos nos artigos 264.º e 456.º, n.º 1 e 2, do CPC, pelo que não se justifica a sua condenação como litigante de má fé.
IV - Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar: a) – improcedentes as arguições de nulidade da sentença recorrida; b) – não justificada a condenação da A. como litigante de má fé; c) - quanto ao mais, procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julgando improcedente a acção, absolvendo-se a R. do pedido. As custas da acção e do recurso, na parte aqui impugnada, ficam a cargo da A./apelada. Lisboa, 19 de Dezembro de 2013 Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado Rosa Maria Ribeiro Coelho
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