Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4851/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
PROPRIEDADE
DANOS MORAIS
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/08/2009
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I. Os factos considerados assentes, ao abrigo do art. 511.º do CPC, não formam caso julgado.
II. Não se inclui nas nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável e o erro de construção do silogismo judiciário.
III. Houve culpa do condutor do veículo, quando, com a via em piso seco, boas condições de visibilidade e, à sua frente, tinha a faixa de rodagem ocupada por um veículo a completar uma manobra de ultrapassagem, não reduziu a velocidade, nem conseguiu, por evidente falta de destreza, controlar o veículo que conduzia, acabando por transpor, descontroladamente, o separador central e embater, com espectacular violência, noutro veículo.
IV. A responsabilidade civil objectiva está afastada quando o acidente é imputável a terceiro.
V. O proprietário do veículo também pode responder pelos danos causados, nos termos da responsabilidade civil objectiva, consagrada no n.º 1 do art. 503.º do Código Civil.
VI. A propriedade sobre o veículo cria a presunção – ilidível – da sua direcção efectiva e da utilização no próprio interesse.
VII. Cabe ao proprietário do veículo provar que não tinha a direcção efectiva ou que não foi utilizado no seu interesse.
VIII. Sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde, não relevam, na fixação da indemnização, outros elementos que não a vida em si mesma.
IX. A progressão na carreira de um profissional de futebol está sujeita a uma álea de grande incerteza, nomeadamente quando ainda não está afirmada, com implicação negativa na tutela do dano futuro.
O.G.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
M e outros instauraram, em 18 de Abril de 1997, no então 2.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra A, Companhia de Seguros, S.A., B, Seguradora, S.A., J e S, acção declarativa, sob a forma de processo sumário (n.º 2 287/97), pedindo que os Réus fossem condenados, designadamente, a pagar, aos Autores, a quantia de 21 866 306$00, à A., 3 191 700$00, e ainda, ao A. Vítor, a quantia de 27 500 000$00, ao A. Tiago, 500 000$00, e ao A. Filipe o que viesse a ser liquidado.
Para tanto, alegaram em síntese, que no dia 27 de Junho de 1992, quando o veículo XM circulava na Av. General Norton Matos, em Lisboa, foi frontalmente colidido pelo veículo ligeiro CU, que, após mudança de direcção efectuada pelo condutor do veículo de passageiros AI e ter embatido neste, galgou o separador e invadiu a faixa de trânsito de sentido contrário; o XM era conduzido por V e nele seguiam os AA.; aquele veio a falecer em consequência das lesões sofridas no acidente, tendo os AA. sofrido também lesões; o acidente resultou da actuação culposa dos condutores dos veículos AI e CU; o R. S era proprietário do último veículo, conduzido por A que também faleceu; e as seguradoras assumiram, por contrato, a responsabilidade civil dos danos causados pelos respectivos veículos.
Contestaram os RR.
Os Autores responderam à matéria de excepção.
Tiveram ainda intervenção principal a Companhia de Seguros G, S.A., Companhia de Seguros F, S.A., Cruz Vermelha Portuguesa e Hospital de Santa Maria.
Foi ainda apensa a acção sumária que S, acompanhado por FS, instaurou, em 18 de Março de 1997, no então 9.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa (n.º 250/97) contra os RR. J e Companhia de Seguros, S.A., na qual pediu que estes fossem condenados a pagar-lhes a quantia de 8 328 525$00, alegando, para o efeito, que o responsável pelo acidente fora o condutor do veículo AI.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, respondeu-se à base instrutória, nos termos do despacho de fls. 1444 a 1451, do qual reclamaram os Autores da acção principal, quanto à resposta ao artigo 93.º da sua petição inicial (fls. 1453).
Já depois, em 30 de Março de 2006, os AA., os Intervenientes Cruz Vermelha Portuguesa e Companhia de Seguros G e a Ré seguradora requereram que fosse declarada extinta a instância contra a Ré P, por ter procedido a rateio do capital da apólice por todos os credores, juntando o respectivo acordo extra-judicial (fls. 1469 e 1470).

Em 13 de Novembro de 2006, foi proferida a sentença que, no processo principal, condenou o Réu J a pagar, ao Autor F, a quantia que viesse a ser fixada em liquidação, por danos patrimoniais e não patrimoniais, e aos demais Autores a quantia de € 21 285,00 (€102 500,00 - € 81 215,00, quantia paga pela Ré P), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento (com os Autores. a dividirem esse montante. conforme o já recebido por cada um e os montantes acima fixados), e, no processo apenso (n.º 250/97), condenou o Réu J a pagar aos Autores a quantia de € 13 503,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da sentença.

Não se conformando, apelaram os Autores do processo principal, que, tendo alegado, formularam essencialmente as seguintes conclusões:
a) Foi o excesso de velocidade o factor determinante para a viatura ter ultrapassado a faixa separadora, porquanto, não fora a velocidade imprimida ao CU, este poderia ter-se mantido no seu sentido de trânsito e evitar o embate.
b) Os efeitos trágicos do acidente resultaram, em maior percentagem, do excesso de velocidade do CU do que da manobra efectuada pelo AI.
c) Deve fixar-se em 50% a responsabilidade civil para cada um dos condutores, atento o critério previsto no n.º 2 do art. 506.º do CC.
d) Algumas das indemnizações não observam os princípios da reparação dos danos produzidos ou, noutros casos, fixaram valores manifestamente inferiores aos actualmente praticados e que a equidade determinaria.
e) A indemnização a título de danos patrimoniais, por perda da capacidade de ganho do falecido V (€ 18 000,00), viola o disposto no art. 562.º do CC.
f) Do mesmo modo, o ressarcimento dos danos não patrimoniais (€ 22.500), aos AA. V e T, pela violação do direito à vida de seu pai, afigura-se manifestamente reduzido.
g) Afigura-se que o montante pedido (€ 34 915,85) deverá ser considerado integralmente.
h) A indemnização pelos danos patrimoniais ao A. V (€ 40 000,00), fixada sem qualquer fundamentação ou justificação, fica muito aquém do valor pedido (€ 124 699,47).

Pretendem os Autores, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e a condenação nos termos do pedido formulado na acção.

Também inconformado com a sentença, apelou o Réu J, que, tendo alegado, extraiu, em resumo, as conclusões:
a) Foram incorrectamente julgados os artigos 4.º e 5.º, da p.i., 8.º e 9.º da contestação da A, e 8.º da p.i. (apenso).
b) Tal matéria foi impugnada.
c) Parte dessa matéria deve ser julgada não provada, face aos meios probatórios constantes dos autos.
d) O Tribunal não podia limitar-se a julgar provado o artigo 33.º da p.i.
e) A R. Portugal Previdente alegou factos contrários, violando-se o disposto no art. 511.º, n.º 1, CPC.
f) A sentença enferma de nulidade, nos termos to disposto no art. 668.º, n.º l, al. b) do CPC, porquanto, não fundamenta o afastamento da presunção legal estabelecida pelo art.674º-B do CPC.
g) A sentença enferma de nulidade, porquanto a decisão é contraditória com os factos que foram julgados provados.
h) A sentença enferma de nulidade, nos termos do disposto no art. 668.º, n.º l, al. b) do CPC, por, no quadro dos factos julgados provados, não fundamentar os motivos pelos quais julga que só a conduta do recorrente deu causa ao acidente.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido.

Contra-alegou, apenas, a Ré A Seguros, S.A., no sentido da confirmação da sentença recorrida, isto é, da sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho, no qual se declarou não haver nulidades da sentença a suprir.

Corridos os vistos legais e, após mudança de relator, por vencimento do primitivo, na conferência da sessão do dia 17 de Dezembro de 2008, cumpre agora apreciar e decidir.

Nos recursos interpostos por parte dos Autores e de um dos Réus, para além da impugnação da matéria de facto e da nulidade da sentença, está essencialmente em causa a concorrência de culpa quanto a dois condutores dos veículos automóveis intervenientes no acidente de viação, ocorrido no dia 27 de Junho de 1992, e a fixação da indemnização de alguns dos lesados.

II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados, designadamente os seguintes factos:
1. No dia 27 de Junho de 1992, cerca das 21:45 horas, na Av. General Norton de Matos, próximo do Estádio da Luz, em Lisboa, ocorreu um acidente de viação, envolvendo o veículo ligeiro de passageiros, matrícula AI, conduzido pelo R. J, o CU, conduzido por A e pertencente ao Réu S, o XM e o XV.
2. Na altura do acidente, o piso encontrava-se seco, as condições de visibilidade eram boas e existiam três faixas de rodagem em cada sentido, separadas por uma placa central.
3. Os veículos AI e CU circulavam no sentido Benfica – Campo Grande, enquanto os outros dois circulavam no sentido inverso.
4. Após a manobra de mudança de direcção efectuada pelo condutor do AI, que pretendia ocupar a faixa de rodagem da esquerda, deu-se o embate com o CU, que já ali circulava (resposta ao artigo 4.º da p. i.).
5. Tendo este sido projectado, através do separador central, para as faixas de rodagem destinadas ao trânsito que circulava em sentido contrário (resposta ao artigo 5.º da p. i.).
6. O condutor do AI, que circulava na faixa do meio, para ultrapassar um veículo que o precedia, foi ocupar a faixa de rodagem esquerda, que ficava junto do separador central, cortando a linha de marcha do CU, que seguia a cerca de vinte metros atrás daquele (respostas aos artigos 8.º da contestação da R. A e 8.º da p. i. do apenso).
7. O CU, que seguia à retaguarda do AI, viu cortada a linha sua linha de trânsito (respostas aos artigos 9.º da contestação da R. A e 8.º da p. i. do apenso).
8. O R. J não verificou que (se) a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra de ultrapassagem da carrinha (resposta ao artigo 11.º da p. i. do apenso).
9. O CU circulava a cerca de 90 Km/hora, tendo, em seguida, transposto a divisória central e ido colidir, frontalmente, com o XM que rodava na faixa esquerda do sentido Campo Grande – Benfica e com o veículo XV.
10. Como consequência do embate do veículo CU no XM, resultaram traumatismos graves no V, Maria, VF, F e T, aquela comungando a vida com o primeiro e os restantes filhos de ambos.
11. O V, condutor do XM sofreu politraumatismos, com fractura dos membros inferiores e do membro superior esquerdo e grave fractura craniana com perda de conhecimento.
12. Esse estado, de coma vigil, apenas com movimentos oculares, manteve-se sem possibilidade de recuperação psíquica ou neurológica, durante cerca de três anos e meio.
13. V foi transferido, em Fevereiro de 1996, do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa para o Hospital de Torres Vedras, onde veio a falecer, no dia 9 de Março de 1996, como consequência das lesões referidas.
14. A A. Maria sofreu traumatismo craniano, dos membros inferiores e da bacia, assim como dos ossos da face, tendo permanecido em estado de coma, durante vários dias.
15. Sofreu ainda várias feridas e contusões, nomeadamente no couro cabeludo.
16. O A. V sofreu fractura da tíbia e perónio da perna esquerda, assim como várias escoriações e hematomas.
17. No dia do acidente foi submetido a uma intervenção cirúrgica de urgência, de forma a determinar porque sangrava da boca.
18. Após nove dias em coma, o A. V foi submetido a nova operação, para colocação de uma cavilha e parafusos, na perna esquerda.
19. Em Julho de 1994, voltou a ser operado, no Hospital de Santa Maria, tendo-lhe sido retirados da perna fracturada os ferros que haviam sido colocados.
20. O A. F sofreu lesões, que lhe provocaram, irreversivelmente, a cegueira total do olho direito, a surdez total do ouvido esquerdo, tendo ficado ainda gravemente mutilado e desfigurado.
21. O A. T sofreu várias contusões e traumatismos.
22. Na altura do julgamento, o acidente de viação era ainda considerado e sentido, pelos Autores, como uma tragédia.
23. No dia 27 de Junho de 1992, eram uma família estável, com boas condições de vida, orgulhosa dos seus filhos e com óptimas perspectivas futuras.
24. V e a A. Maria viviam, há cerca de 18 anos, em união de facto, da qual nasceram os restantes AA., menores à data do acidente.
25. V trabalhava numa empresa de comércio de peixe, propriedade de um cunhado.
26. O A. V, na altura com dezassete anos, era futebolista profissional júnior do Sporting Clube de Portugal, tendo ainda mais uma época por cumprir, naquele escalão, sendo uma das grandes promessas do futebol, motivo pelo qual havia assinado, nessa época, um contrato como profissional daquele clube.
27. No dia do acidente, a família vinha de presenciar um jogo de futebol, em Arronches, que encerrara a 1.ª época do A. V, enquanto jogador profissional.
28. Os AA. F e T eram, à data do acidente, estudantes do ensino oficial, onde eram alunos normais, dando cumprimento às expectativas dos pais.
29. A partir daquela data, não voltaram a existir as condições que tinham permitido a esta família viver em paz e com felicidade.
30. O R. Js veio a ser julgado no 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa (Processo n.º 629/94 – 3.ª Secção), sendo absolvido, por sentença de 10 de Dezembro de 1996.
31. O condutor do veículo CU, falecido na altura e em consequência do acidente, era filho do proprietário desse veículo.
32. V era o único sustento da A e dos dois filhos mais novos, tinha 43 anos e auferia um ordenado mensal ilíquido de 120 000$00, com carro da empresa para uso total, e o pagamento das respectivas despesas e alimentação (tickets de subsídio de refeição).
33. V despendia, consigo, mensalmente, parte do que auferia.
34. V foi alimentado artificialmente apenas com líquidos, reduzido à condição de ser vegetativo, fazendo sofrer os seus familiares.
35. A morte de V teve maior impacto nos filhos, com quem mantinha uma forte relação afectiva.
36. A A. Maria esteve internada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, durante mais de dois meses, onde foi submetida a várias operações, quer aos membros inferiores e bacia, quer aos ossos da face.
37. Como consequência das lesões sofridas no acidente ficou com uma cicatriz na face, junto ao lábio, que já não poderá corrigir.
38. A A. Maria sofreu intensas dores físicas resultantes das múltiplas fracturas.
39. Viu-se submetida, ao longo de dois meses, a várias operações cirúrgicas que lhe provocaram grande sofrimento físico.
40. A A. Maria nunca teve qualquer actividade, a não ser a de doméstica.
41. O A. V viu, por causa do acidente, cerceada uma carreira de profissional de futebol.
42. Na sua primeira época, onde foi sempre titular da equipa de juniores, o Sporting Clube de Portugal propôs-lhe a assinatura de um contrato como profissional, por dois anos, o que veio a acontecer.
43. O A. V sofreu o acidente na altura em que se preparava para apostar numa boa época para justificar a prorrogação do seu contrato.
44. Todos os seus colegas, que eram habituais titulares da equipa, viram os seus contratos prorrogados, tendo alguns sido chamados ao plantel principal e outros sido colocados a rodar em equipas da 1.ª divisão e 2.ª divisão de honra.
45. O objectivo do A. V era prorrogar o contrato, para que pudesse ficar ligado ao seu clube de sempre.
46. As fracturas sofridas na perna esquerda e a colocação de parafusos para auxiliar a consolidação da fractura determinaram um período de paragem da actividade física.
47. Logo que foi autorizado pelo departamento médico do Sporting a iniciar a actividade sem limitações, foi colocado a treinar no Alverca, à altura clube satélite do Sporting.
48. Durante essa época (1992/93), raramente foi colocado a jogar, por não estar ainda em boas condições físicas (ainda não lhe tinham sido retirados os parafusos da perna esquerda).
49. No final da época, o Sporting Clube de Portugal não se mostrou interessado em renovar o contrato, ao contrário do que aconteceu com todos os seus colegas de então.
50. Tal aconteceu, exclusivamente, devido à fractura da perna esquerda sofrida no acidente.
51. Auferia, entre salários e prémios, o montante mensal de 200 000$00.
52. Na época seguinte, para poder continuar a apostar numa carreira como profissional de futebol, viu-se obrigado a deixar a família e ir jogar para a Madeira, na Associação Desportiva da Camacha, da 3.ª divisão nacional, auferindo o montante mensal de 50 300$00, acrescido de alojamento e alimentação.
53. Tem estado a “peregrinar” em clubes da 3.ª divisão nacional (II divisão B).
54. Não fora o acidente e a interrupção da carreira, estaria, à data da propositura da acção, numa situação profissional bem diferente e ganharia, pelo menos, cerca de € 1 500,00.
55. A carreira de futebolista dura, em média, até aos 32 anos de idade.
56. O A. V sofreu três intervenções cirúrgicas, dores, frustração das suas expectativas profissionais, o penoso acompanhamento do estado do pai.
57. O A. F, com 18 anos à data da propositura da acção, via-se e vê-se fisicamente desfigurado em consequência directa do acidente.
58. Face ao seu estado, não se relaciona com pessoas da sua idade, à excepção de alguns familiares, não gosta de frequentar lugares públicos, onde se deslocam jovens, e é, desde o acidente, introvertido e triste, tendo abandonado os estudos, logo após o acidente.
59. Revela instabilidade emocional e ficou diminuído em termos físicos.
60. O A. T sofreu as lesões descritas a fls. 55, que lhe provocaram dores físicas.
61. Viveu com intenso sofrimento, quer a situação do pai, quer, durante algumas semanas, a recuperação da mãe e dos irmãos.
62. O funeral de V importou em 191 700$00, custeado integralmente pela A. Maria.
63. O funeral foi subsidiado pela Segurança Social.
64. A A. Maria é a beneficiária n.º 121 778 702 do Centro Nacional de Pensões.
65. Por ter sido considerada incapaz definitivamente para o exercício da profissão, em consequência de acidente de viação, foi-lhe deferida a pensão de invalidez.
66. De 12 de Março de 1997 a 1 de Março de 1998, foram-lhe pagas pensões no valor total de 447 470$00.
67. O valor mensal dessa pensão era, em 12 de Março de 1998, de 30 100$00.
68. O proprietário do veículo AI subscreveu um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com a Companhia de Seguros P, titulado pela apólice n.º 289.465, transferindo a sua responsabilidade até 50 000 000$00.
69. O proprietário do veículo CU transferiu a sua responsabilidade civil para a A Seguradora, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 465.766, até 20 000 000$00.
70. As despesas referentes ao internamento de V, no Hospital da Cruz Vermelha, não foram liquidadas, tendo sido intentada uma acção judicial contra V, para a sua cobrança, que até à data, já era de cerca de 17 000 000$00.
71. A P esgotou o capital da apólice, pagando € 81 215,00, aos AA. da acção principal, € 143 848,00, à Cruz Vermelha Portuguesa, € 6 497,00, a S e mulher, € 5 159,00, à Companhia de Seguros G, e € 12 679,00, ao Hospital de Santa Maria
72. Ao receberem essas quantias, os beneficiários declararam que, “no que concerne ao acidente em causa, nada mais têm a receber daquela seguradora” (fls. 1469 e 1470).
*
2.2. Descrita a matéria de facto provada, sem repetições e sem juízos conclusivos, importa agora conhecer do objecto dos dois recursos, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram anteriormente especificadas.
Começando pela questão da impugnação da matéria de facto, arguida pelo Apelante J, pediu a alteração da parte final (“que ali já circulava”) do artigo 4.º da petição inicial dos Apelantes da acção principal (foi usada a remissão na organização da base instrutória), bem como do artigo 5.º do mesmo articulado, porquanto foram impugnados pela Ré P.
Alegou também que devem ser tidos como não provados a parte final do artigo 8.º da contestação da R. A, (“cortando a linha de marcha do CU, que seguia a cerca de 20 metros atrás daquele”), o artigo 9.º do mesmo articulado e ainda o artigo 11.º da petição inicial do apenso, por ser o resultado da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, designadamente do depoimento das testemunhas M, V e M, as únicas que, de certa forma, presenciaram o acidente.
Efectivamente, os factos respeitantes ao modo como o acidente de viação ocorreu, alegados pelos Apelantes do processo principal, vieram a ser contrariados na contestação deduzida pela Ré P, designadamente a matéria dos artigos 4.º e 5.º da petição inicial, não devendo ter sido dados como assentes na selecção feita ao abrigo do disposto no art. 511.º do Código de Processo Civil (CPC).
No entanto, não se formando caso julgado (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Maio de 1994, BMJ n.º 437, pág. 35), terá de se concluir que a matéria dos artigos 4.º e 5.º da petição inicial do processo principal não ficou provada.

Por outro lado, a decisão sobre a matéria de facto, proferida pela 1.ª instância, pode ser alterada pela Relação, nas situações previstas no art. 712.º, n.º 1, do CPC.
Assim, ponderando a prova, nos termos do n.º 2 do art. 712.º do CPC, resulta que o acidente de viação não foi consequência de uma inesperada “mudança de direcção” do veículo AI para ocupar a faixa da esquerda da via por onde transitava, mas do facto do veículo CU que circulava nessa mesma faixa, ter embatido no AI, quando este circulava já à sua frente, e ter, na sequência disso, em marcha descontrolada, ultrapassado o separador central da via, ido colidir frontalmente no veículo XM, que circulava numa das faixas de rodagem de sentido contrário.
É isso que emerge da globalidade da prova produzida, particularmente dos depoimentos das testemunhas presenciais do acidente, as quais, de forma coerente e com aparente isenção, afirmaram ter visto o veículo AI (Volkswagen carocha”) circular na faixa da esquerda, após ter efectuado uma ultrapassagem e, quando se preparava já para retomar a sua faixa, “pressionado” pelo veículo CU, que imediatamente o seguia, foi embatido na traseira por este (“há um toque” referiu a testemunha A). O embate determinou que o veículo AI tivesse prosseguido alguns metros em ziguezague, enquanto o CU se despistou e invadiu a faixa de sentido de trânsito contrário, colidindo frontalmente com o XM, conduzido por V, onde seguiam os Apelantes da acção principal.
Esta versão é corroborada pelos danos evidenciados pelo veículo AI, resultantes do acidente, retratados no documento de fls. 219 (fotocópia das fotografias tiradas à traseira, que apresenta somente danos na parte de trás do guarda-lamas traseiro esquerdo e pára-choques traseiro). Esses danos não são consentâneos com a versão dos Apelantes da acção principal ou da Ré A, no sentido do acidente dever ser imputado exclusivamente ou em concurso de culpas, ao condutor do AI, por este ter, inesperadamente, mudado de faixa de rodagem (sentido da alegação), cortando o sentido de marcha do veículo CU.
Por outro lado, o Apelante J foi absolvido, no processo penal, pelos factos relativos ao evento, que lhe imputavam um crime de homicídio culposo, tendo a decisão transitado em julgado.
A absolvição fundou-se não na simples omissão da prova da acusação mas na prova de não ter praticado os factos, designadamente de “ao tomar a terceira fila de trânsito, surpreendeu o condutor do veículo CU, inopinadamente, na sua manobra”.
Essa decisão absolutória constitui presunção juris tantum da inexistência dos factos, atento o disposto no n.º 1 do art. 674-B do CPC.

Assim sendo, e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 712.º do CPC, justifica-se a alteração da matéria de facto, eliminando os factos descritos sob os n.º s 4, 5 e 8 (sublinhados) e modificando os n.º s 6 e 7 (em itálico).
A resposta aos artigos 8.º e 9.º da contestação da R. A e 8.º da petição inicial do apenso é alterada, nos seguintes termos, substituindo os factos descritos sob os n.º s 6 e 7:

Quando o veículo AI circulava na faixa da esquerda, junto ao separador central, foi embatido na sua traseira, pelo veículo CU, que circulava no mesmo sentido e do qual o condutor do AI se apercebeu a distância que lhe permitia completar a manobra.

2.3. Delimitada a matéria de facto provada, interessa passar ao conhecimento da nulidade da sentença, também arguida pela Apelante J.
O Recorrente alegou que a sentença enfermava de nulidade, nos termos do disposto no art. 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, porquanto não fundamenta o afastamento da presunção legal estabelecida pelo art. 674.º-B do CPC, por ser contraditória com os factos que foram julgados provados e por, no quadro de factos julgados provados, não fundamentar os motivos pelos quais julga que só a conduta do Recorrente deu causa ao acidente.
Constitui doutrina e jurisprudência dominantes que a falta de motivação de facto ou de direito da sentença só determina a nulidade, quando é total ou absoluta e não quando é apenas insuficiente ou deficiente (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 139, e ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 687).
Por outro lado, não se inclui, entre as nulidades da sentença, o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável e o erro de construção do silogismo judiciário.
Os vícios que o Apelante aponta não integram a nulidade da sentença, mas, eventualmente, o erro de julgamento, a corrigir através do recurso.
Nestes termos, improcede, manifestamente, a arguição da nulidade da sentença.

2.4. De acordo com os factos provados, o acidente de viação obedeceu à seguinte dinâmica.
Os Apelantes (do processo principal) seguiam no veículo XM conduzido por V, pela Av. General Norton de Matos, em Lisboa, no sentido Campo Grande – Benfica. O veículo era conduzido a velocidade não apurada, pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, existindo, nesse sentido, três faixas de rodagem. Havia um separador central a delimitar o trânsito de sentido contrário.
No sentido contrário, Benfica – Campo Grande, pela via do meio, seguia o veículo automóvel ligeiro de passageiros AI, conduzido pelo Apelante J, a velocidade também não apurada. À sua frente circulava, em marcha mais lenta, outro veículo automóvel ligeiro (“carrinha”).
O Apelante J iniciou a manobra de ultrapassagem desse veículo, tendo-se apercebido que circulava no mesmo sentido, mas a distância que lhe permitia efectuar a manobra, o veículo CU propriedade do Apelado S e tripulado por AS, seu filho.
Quando o veículo AI se encontrava a completar a manobra de ultrapassagem foi embatido na traseira, sobre o lado esquerdo, pelo veículo CU, que, por seguir a cerca de 90 Km/hora, não logrou reduzir a marcha, apesar do veículo AI se encontrar no termo da manobra de ultrapassagem, ocupando a sua faixa de rodagem.
Como consequência desse embate, o veículo CU despistou-se, atravessou a placa central separadora das faixas de rodagem e foi colidir, violenta e frontalmente, no veículo XM.
Destes factos conclui-se que o acidente de viação foi resultado de uma conduta inconsiderada, sem perícia e contravencional do condutor do veículo CU, pois que, em via de piso seco, com boas condições de visibilidade e quando, à sua frente, tinha a faixa de rodagem ocupada por um veículo a completar uma manobra de ultrapassagem, não reduziu a velocidade (excessiva face ao disposto no art. 7.º do Código da Estrada/1954), nem conseguiu, por evidente falta de destreza, controlar o veículo que conduzia, acabando por transpor, descontroladamente, o separador central e embater, com espectacular violência, no veículo XM.
Assim, os Apelantes (da acção principal) lograram provar, como lhes competia nos termos do art. 487.º, n.º 1, do Código Civil (CC), a culpa do condutor do veículo CU.
Ao invés, não ficou demonstrada a culpa, concorrente, do condutor do veículo automóvel AI, pois a este não se lhe pode imputar qualquer infracção legal às normas estradais ou, por outro lado, a violação do dever geral de cuidado.
A falta de verificação do requisito da culpa exclui a responsabilidade civil subjectiva, sendo certo, por outro lado, que a responsabilidade civil objectiva está também afastada, designadamente por o acidente ser imputável a terceiro, nomeadamente ao condutor do veículo CU.
Neste contexto, não podendo ser imputada a responsabilidade civil ao Apelante J, não podia o mesmo ter sido condenado, como foi, no pagamento da indemnização constante da sentença recorrida, procedendo, assim, o respectivo recurso.

2.5. Como já se aludiu, cabe ao lesado a demonstração da culpa do lesante.
Reiterando o já afirmado, não existem nos autos elementos que permitam concluir pela culpa, quer da vítima V, condutor do veículo XM, quer do Recorrente J, condutor do veículo AI.
Só poderia divergir-se, quanto ao último condutor, se pudesse concluir-se pela prova da culpa, através de presunção judicial, porquanto no momento em que foi embatido efectuava uma manobra de ultrapassagem que poderia envolver perigo.
Seria, então, de fazer intervir a chamada prova de primeira aparência ou presunção simples. No entanto, nada autoriza o recurso a esta prova. Com efeito, o descontrolo e o despiste do veículo CU, que colidiu com a traseira do veículo AI, com o subsequente e violento embate no veículo conduzido pela vítima V, sempre teriam o efeito de contraprova do facto que serve de base à presunção.
Assim, e reafirmando conclusão anterior, a culpa do acidente de viação foi exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula CU.

Determinada a responsabilidade civil pelo acidente de viação, resta apreciar os valores da indemnização postos em causa pelos Apelantes da acção principal, a suportar, desde logo, pela Apelada A, Companhia de Seguros, SA, até ao limite do capital (20 000 000$00), por efeito do respectivo contrato de seguro.
O proprietário do veículo CU, o Apelado S, também pode responder pelos danos causados, nos termos da responsabilidade civil objectiva, consagrada no n.º 1 do art. 503.º do Código Civil.
Segundo esta disposição legal, aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo.
Trata-se da consagração da responsabilidade civil objectiva, baseada em “vigorosas razões de justiça e de humanidade”. Na verdade, pondo em confronto o sacrifício do lesado sem culpa e a actividade perigosa do lesante sem culpa, a justiça distributiva, em que assenta o bem comum, reclama do último o suporte, dentro de certos limites, da reparação dos danos emergentes de tal fonte de riscos (DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, pág. 309).
Normalmente, esse responsável é o proprietário do veículo, por ser a pessoa que se aproveita das especiais vantagens que são oferecidas (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, pág. 656).
Para a efectivação desse tipo de responsabilidade civil, é indispensável que se verifiquem, cumulativamente, duas condições, ou seja, a direcção efectiva do veículo e a sua utilização no interesse do proprietário.
A direcção efectiva do veículo corresponde ao poder de facto de quem goza ou usufrui das suas vantagens e a quem, por isso, compete controlar o seu funcionamento.
A utilização no próprio interesse tanto pode revestir um carácter patrimonial como também não patrimonial.
A propriedade sobre certo veículo cria a presunção, embora ilidível, da sua direcção efectiva e do interesse na sua utilização por parte do respectivo proprietário, atendendo ao conteúdo associado ao direito de propriedade (art. 1305.º do CC).
Se o proprietário do veículo não ilidir essa presunção, caber-lhe-á a responsabilidade civil pelos danos causados pelo respectivo veículo.
Como facto impeditivo do direito invocado pelo lesado, cabe ao proprietário do veículo provar que não tinha a direcção efectiva do veículo ou que não era utilizado no seu interesse.
É neste sentido, aliás, que nos temos pronunciado (nomeadamente no acórdão desta Relação, de 8 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 334/2007-6), na senda da Jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, da qual se pode citar, entre outros, os acórdãos de 18 de Maio de 2006, localizados em www.dgsi.pt (06A1274), 28 de Abril de 2004 (www.dgsi.pt – 04B1302), 27 de Março de 2003 (www.dgsi.pt03B3335), 21 de Novembro de 2002 (www.dgsi.pt – 02B3365), 6 de Dezembro de 2001 [Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano IX, tomo 3, pág. 141], 20 de Fevereiro de 2001 (www.dgsi.pt – 00A3621) 9 de Julho de 1998 (www.dgsi.pt – 98A22), 30 de Abril de 1996 (BMJ n.º 456, pág. 19) e 27 de Outubro de 1988 (BMJ n.º 380, pág. 469).
Neste contexto, no caso vertente, verifica-se ter ficado provado que o Apelado José Cândido Soares era o proprietário do veículo automóvel, de matrícula CU-49-38, à data do acidente, circunstância por todos reconhecida, sendo também certo, até por falta de alegação, não se ter demonstrado que o veículo não estivesse na sua direcção efectiva ou não circulasse no seu interesse.
Assim, presumindo-se a direcção efectiva e a utilização no próprio interesse do proprietário do veículo, de matrícula CU [acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2008 (www.dgsi.pt08B2935), 27 de Março de 2003, já referido, 3 de Abril de 2001 (www.dgsi.pt01A3460), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Janeiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo 1, pág. 106, e 7 de Junho de 1994, Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX, tomo 3, pág. 30], recai sobre o Apelado S a responsabilidade civil objectiva pelo acidente de viação, nos termos do art. 503.º, n.º 1, do CC.
Vem também questionado o valor da indemnização pela perda do direito à vida de V, que foi fixada em € 22 500,00, pela perda da sua capacidade de ganho, fixada em € 18 000,00, e pelos danos patrimoniais sofridos pelo Apelante V que foi estabelecida no valor de € 40 000,00.
O dano morte (perda do direito à vida) é um direito pessoal inerente à personalidade, indemnizável, cuja transmissão opera de acordo com as regras do direito sucessório (LEITE DE CAMPOS, “Indemnização do Dano Morte”, pág. 42 e seguintes).
Sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde, não relevam, na fixação da indemnização, outros elementos que não a vida em si mesma.
Os factores enumerados poderão ser ponderados no âmbito da indemnização dos danos não patrimoniais, próprios dos herdeiros da vítima, ou do dano patrimonial mediato sofrido em consequência da perda.
A “vida” não tem um valor relativo, vale por si mesma, em todas as suas formas.
No entanto, a indemnização fixada na sentença recorrida peca, notoriamente, por defeito, atendendo aos valores que os Tribunais portugueses vêm atribuindo, não sendo excessivo, a essa luz, o valor pretendido pelos Apelantes, nomeadamente a quantia correspondente a € 34 915,85, que agora se arbitra, em substituição do valor fixado na sentença recorrida.

Também se mostra desadequado, por defeito, o valor atribuído à indemnização pela perda de ganho do falecido V.
Na verdade, levando em consideração os rendimentos deixados de auferir por aquele e a sua idade, de 43 anos à data do acidente, e apelando ainda a critérios de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), deve esse valor ser fixado na quantia de € 50 000,00.

O mesmo acontece quanto à indemnização atribuída ao Apelante V, pelos lucros cessantes, operando também as mesmas regras, com reporte ao correspondente circunstancialismo, fornecido pela matéria de facto provada.
Embora concordando com a ideia de que a progressão na carreira de um profissional de futebol está sujeita a uma álea de grande incerteza, nomeadamente quando ainda não está afirmada, como sucede no caso dos autos, com implicação negativa na tutela do dano futuro (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2008, acessível em www.dgsi.pt08B2989) a indemnização fixada ficou, no entanto, bastante aquém da compensação devida.
Por isso, ponderada a situação do lesado, à data do acidente, e a expectativa legítima de um jovem atleta, integrado num dos chamados “grandes” clubes nacionais (Sporting Clube de Portugal), notoriamente, com créditos firmados na prospecção de jovens talentos desportivos, deve fixar-se, ao Apelante V, a indemnização, pelos danos futuros, no valor de € 62 000,00.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso dos Apelantes da acção principal, o que implica a alteração da sentença recorrida.

2.6. Em face da motivação precedente, pode extrair-se como mais relevante:
I. Os factos considerados assentes, ao abrigo do art. 511.º do CPC, não formam caso julgado.
II. Não se inclui nas nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável e o erro de construção do silogismo judiciário.
III. Houve culpa do condutor do veículo, quando, com a via em piso seco, boas condições de visibilidade e, à sua frente, tinha a faixa de rodagem ocupada por um veículo a completar uma manobra de ultrapassagem, não reduziu a velocidade, nem conseguiu, por evidente falta de destreza, controlar o veículo que conduzia, acabando por transpor, descontroladamente, o separador central e embater, com espectacular violência, noutro veículo.
IV. A responsabilidade civil objectiva está afastada quando o acidente é imputável a terceiro.
V. O proprietário do veículo também pode responder pelos danos causados, nos termos da responsabilidade civil objectiva, consagrada no n.º 1 do art. 503.º do Código Civil.
VI. A propriedade sobre o veículo cria a presunção – ilidível – da sua direcção efectiva e da utilização no próprio interesse.
VII. Cabe ao proprietário do veículo provar que não tinha a direcção efectiva ou que não foi utilizado no seu interesse.
VIII. Sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde, não relevam, na fixação da indemnização, outros elementos que não a vida em si mesma.
IX. A progressão na carreira de um profissional de futebol está sujeita a uma álea de grande incerteza, nomeadamente quando ainda não está afirmada, com implicação negativa na tutela do dano futuro

2.7. As partes, vencidas por decaimento, em ambas as instâncias, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º 1 e 2, do CPC.
No entanto, esse pagamento é inexigível dos beneficiários do apoio judiciário.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento ao recurso do Réu J, revogando a sentença recorrida e, em consequência, absolvendo-o dos respectivos pedidos.
2) Conceder parcial provimento ao recurso dos Autores (da acção principal), alterando a sentença recorrida, e, consequentemente, condenar ainda os Réus A (até ao limite do capital seguro) e S a pagarem aos Autores as quantias pecuniárias referidas.
3) Condenar os Autores (das acções), a Ré A e o R. S a pagar as respectivas custas, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2009
(Relator por vencimento)
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes) – vencida nos termos do acórdão que projectei e que junto como declaração de voto)
__________________________
Declaração de voto
(…)
O Direito.
3. Apelação do réu J
3.1. Começa este recorrente por pedir a alteração da parte final, sublinhada, do art. 4° da Petição Inicial dos autores Maria e filhos - "Após a manobra de mudança de direcção efectuada pelo condutor do 1° veículo, que pretendia ocupar a faixa de rodagem da esquerda, deu-se o embate com o CU, que ali já circulava", bem como o art. 5° da mesma peça processual - "Tendo este sido projectado através do separador central, para as faixas de rodagem destinadas ao trânsito que circula em sentido contrário" desde logo enunciados como provados na matéria de facto tida como assente invocando que os mesmos não deveriam ser tidos como provados, por terem sido especificadamente impugnados na contestação da R. Portugal Previdente.
(…)
O recorrente tem, no essencial razão.
(…)
Esta versão é aliás corroborada pelos danos evidenciados no AI, na sequência do acidente, patentes no documento de fls. 219 (fotocópias de fotografias tiradas à traseira do AI, que apresenta somente danos na parte de trás do guarda-lamas traseiro esquerdo e pára-choques traseiro) danos estes não consentâneos com a versão dos autores ou da seguradora Aliança (hoje A), no sentido do acidente dever ser imputado exclusivamente ou em concurso de culpas, ao condutor do AI, por este ter inesperadamente mudado de direcção (aqui entendido como mudança inesperada de faixa de rodagem), cortando o sentido de marcha do CU.
Acresce que o recorrente J foi absolvido, no processo penal pelos factos relativos ao evento em causa, com imputação de um crime de homicídio culposo.
Tendo a sua absolvição sido fundada não na simples não prova da acusação, mas sim por se ter provado não ter praticado os factos que lhe eram imputados, designadamente que o "arguido, ao tomar a terceira fila de trânsito, surpreendeu o condutor do veículo CU, inopinadamente, na sua manobra" essa decisão absolutória, transitada em julgado, constitui presunção "tantuni jures" da inexistência desses factos, de acordo com o n° 1 do art. 674b do CPC.
A não ilisão dessa presunção, atento o disposto no art. 350° n°1 do C. Civil, cumpriria aos autores, o que não lograram fazer.
Assim sendo, e sabido que a decisão da 1a instância, quanto à matéria de facto, pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os concretos pontos em causa ou, se tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art. 690°-A do CPC a decisão proferida com base neles, procede o pedido de alteração da matéria de facto formulado pelo recorrente Jorge Freitas, nos termos agora decididos e já elencados no ponto 2 deste acórdão.

3.2. Invoca ainda o recorrente que a sentença enferma de nulidade, nos termos do disposto no art. 668°, n° 1, al. b) do CPC, porquanto, não fundamenta, de todo, o afastamento da presunção legal estabelecida pelo art. 674° B do CPC, por ser contraditória com os factos que foram julgados provados (o condutor do AI não violou qualquer norma de direito estradal) e por, no quadro de factos julgados provados, não fundamentar os motivos pelos quais julga que só a conduta do recorrente deu causa ao acidente.
Resulta daquele segmento normativo, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (ai. b)).
São doutrina e jurisprudência dominantes, que a falta de motivação de facto ou de direito da sentença só determina a nulidade, quando é total ou absoluta e não quando é apenas insuficiente ou deficiente (cfr. designadamente, Prof. Alberto dos Reis in "Código de Processo Civil Anotado", V, p. 140 " Não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito." e "Manual de Processo Civil", Prof. Antunes Varela, 669."
E, como é também sabido, não se inclui, entre as nulidades da sentença, taxativamente enunciadas no referido artigo 668° do CPC, o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, nem o erro de construção do silogismo judiciário.
Ora, os vícios que o recorrente aponta (e alguns deles verificam-se efectivamente) não integram a nulidade da sentença, mas um erro na apreciação da prova produzida, com o consequente erro de julgamento.
Improcede, assim, nesta parte a argumentação do recorrente.
Julgada parcialmente procedente - na parte atinente à alteração da matéria de facto provada - a apelação do recorrente J, há que extrair as respectivas consequências.
3.3. A matéria de facto provada permite ver a dinâmica do evento da forma seguinte: os autores (do processo principal) circulavam no veículo XM, no sentido Campo Grande-Benfica, pela Av. General Norton de Matos, em Lisboa.
Faziam-no a velocidade não apurada, pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, sendo que, nesse sentido, existem três faixas de rodagem.
As mesmas tinham um separador central que as delimitava do trânsito que circula o trânsito em sentido contrário.
Por aí, isto é, no sentido Benfica-C.Grande, seguia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AI-61-01, conduzido pelo réu/recorrente Jorge Freitas, a velocidade também não apurada, pela via do meio. À sua frente circulava, em marcha mais lenta, outro veículo automóvel ligeiro e "carrinha".
O Js iniciou a manobra de ultrapassagem deste veículo, tendo-se apercebido que circulava no mesmo sentido, mas a distância que lhe permitia a manobra, o veículo CU 49®39, pertença de J e tripulado pelo seu filho.
Quando o AI se encontrava a completar a manobra de ultrapassagem foi embatido na parte traseira, sobre o lado esquerdo pelo veículo CU que, por seguir a cerca de 90 Km/hora, não logrou reduzir a marcha, apesar do veículo AI se encontrar no termo da manobra de ultrapassagem, ocupando a sua faixa de rodagem.
Como consequência desse embate, o veículo CU despistou-se, atravessou a. placa central separadora das faixas de rodagem indo colidir, violenta e frontalmente, no veículo XM.
Do exposto se conclui que o evento foi consequência de conduta inconsiderada, imperita e contravencional do condutor do veículo CU, pois que, em via de piso seco e boas condições de visibilidade e estando à sua frente a sua faixa de rodagem ocupada por outro veículo a completar uma manobra de ultrapassagem, não reduziu a velocidade de que ia animado (aliás excessiva e violadora do art. 7° do C. da Estrada então vigente), nem conseguiu, por notória falta de destreza, controlar o veículo que conduzia, tanto que, transpôs, em total descontrole o passeio divisório embatendo com violência (exuberantemente demonstrada pelas consequências do embate) no veículo XM.
Os autores lograram assim provar, como lhes cumpria nos termos do art. 487° ri° 1 do C. Civil, a culpa do condutor do veículo CU, não tendo ficado demonstrada a culpa (dita concorrente) do condutor do veículo AI, por, face ao acervo de factos provados, não lhe poder ser imputada qualquer conduta negligente ou contravencional.
Neste segmento, procede o recurso do réu Jorge Freitas, procedendo outrossim parcialmente o recurso dos autores recorrentes.
4. Apelação dos autores
Vistas as conclusões da alegação destes recorrentes, que, como é sabido delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir no seu âmbito prende-se basicamente, com a determinação, face aos factos apurados, de culpas concorrentes e dos montantes indemnizatórios.
Não obstante porem a tónica da culpa na actuação do condutor do veículo CU, por circular com velocidade excessiva, tanto face ao limite legal como face à momentânea obstrução da faixa de rodagem por onde circulava, acabam por admitir que a manobra de ultrapassagem do condutor do AI pudesse ter também concorrido para a produção do acidente e concluem pelo pedido de fixação da responsabilidade de cada um daqueles em 50%.
Para além disso, questionam os montantes indemnizatórios atribuídos, mas apenas no que se refere: (i) à compensação pela perda do direito à vida da vítima Vítor Santos (pai), fixado em € 22 500, pugnando para que seja elevada para o valor pedido de € 34 915,85; (ii) à indemnização "pela perda da capacidade de ganho" do mesmo, fixada em €18 000, pedindo que seja elevada para os pedidos E 74152,82; (iii) à indemnização fixada, a título de danos patrimoniais sofridos pelo autor Vítor Firmino, em E 40 000, pedindo que seja elevada para, pelo menos, € 124 699,47.
Vejamos.
Nos termos do n° 1 do art. 487° do C. Civil é ao lesado que incumbe a prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção em contrário.
E perante o disposto no art. 493° do mesmo diploma, na interpretação do Assento de 21.11.1979, publicado no BMJ n° 291, p. 285 (que aqui se toma como mera jurisprudência qualificada) a condução automóvel que não seja considerada actividade perigosa, em termos de fazer presumir a culpa de quem a exerce, o certo é que se trata de apurar a culpa do lesante, que não do lesado.
Ora, não existem quaisquer elementos que permitam concluir, sem mais, pela negligência (simples ou traduzia na omissão de deveres gerais ou presumida, por violação de qualquer preceito regulamentar) quer da vítima V, quer do condutor do veículo Al, o recorrente Jorge Freitas.
Só poderia, quanto a este último, divergir-se deste raciocínio se pudesse concluir-se pela prova de culpa do condutor do AI, através de presunção judicial, já que no momento em que foi embatido (embate também causal do despiste do CU) efectuava manobra de ultrapassagem, que é manobra que pode envolver certo perigo.
Seria, então, de fazer intervir aqui a chamada prova da primeira aparência ou presunção simples. Mas nada autoriza o recurso a esta prova, a penalizar o condutor do Al, já que a dimensão descontrolada do despiste do CU, que até colidiu no AI por de trás, e o consequente violento embate no veículo da vítima Vítor sempre teriam efeito de contraprova do facto base de presunção simples.
Em consequência, houve culpa exclusiva do condutor do veículo CU.
Aqui chegados, resta encontrar os "quanta" indemrüzatórios, por aqueles postos em crise e que serão suportados pela seguradora do veículo CU e A e Companhia de Seguros, SA, até ao limite do capital de 20 000 000$00, que não do proprietário desse veículo José Cândido Soares, já que na petição inicial os autores se limitaram a afirmar o direito de propriedade daquele sobre o veículo, "respondendo nos termos do n° 1 do artigo 503° do Código Civil" (art. 34 da p.i.) não alegando factos que permitissem concluir que aquele tivesse a direcção efectiva do veículo aquando do acidente e que este circulasse o seu próprio interesse, sendo o condutor seu comissário, o que o proprietário impugnou (fls. 210
art. 30° da contestação).
Ora, não basta afirmar a propriedade, mas sim os conceitos de comissão e de direcção efectiva do veículo para preenchimento dos pressupostos enunciados no citado art. 503°. A direcção efectiva envolve um poder material do uso e destino do veículo, e a utilização no próprio interesse implica uma utilização proveitosa, em sentido económico ou não. Optar-se-ia por este entendimento, apesar de não se desconhecer a antiga jurisprudência do STJ que vinha julgando no sentido de que a propriedade faz presumir a direcção efectiva e o interesse na sua utilização, cabendo ao dono o ónus de demonstrar quaisquer circunstâncias de onde se possa inferir o contrário (v., entre outros, os acórdãos do STJ, de 13.06.83 e de 27.10.88, respectivamente, BMJ n° 328, p. 559 e 380, p.469 e de 18.052006, www.dsLpt/jstj (06Al274).
Actualmente, porém, o STJ vem considerando quase unanimemente a existência de uma única presunção, no sentido de que a propriedade contém em si a direcção efectiva "mas essa presunção não pode dar lugar a uma segunda presunção, no sentido de que, tendo em regra o proprietário a direcção efectiva e a utilização interessada, quem quer que o conduza é seu comissário (..). O termo comissão não tem aqui o sentido técnico e preciso que reveste no art. 266° do C. Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade desempenhado por conta e sob a direcção de outrem (....). A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário. Deste modo, não basta que o veículo seja conduzido por pessoa diferente da do seu dono, embora com o consentimento deste e sob a sua direcção efectiva para que o condutor possa ser qualificado como comissário. A presunção de culpa terá de resultar, sempre, da alegação e da prova de que o condutor agia por conta do dono do veículo, no momento do acidente, prova essa que o lesado não logrou fazer como lhe competia" (ac. STJ de 31.10.2006 - 06A3245; cfr. ainda acs do STJ, de 19.09.2006 - 06A2386 - caso de veículo pertencente ao pai e conduzido pelo filho - de 18.11.2008 - 08B1189 - caso de veículo do marido conduzido pela mulher, onde se refere a necessidade de esta estar a desincumbir-se de qualquer tarefa ou recado encarregada pelo marido e ainda acórdãos desta Relação e Secção, de 11.07.2002, proc. n° 00114596, (relatora Fernanda Isabel Pereira) com sumário em www.dgsi.pt/jtrl, e de 17.02.2005, proc. n° 827/2005-6 (relator F. Pereira Rodrigues) também por mim subscritos).
Assim sendo, in casu é insuficiente, por meramente conclusiva a alegação do réu J no citado art. 30° da sua contestação, pelo que não é de o considerar responsável, nos termos do invocado art. 503° do C. Civil.
Posto isto, centremo-nos na fixação dos valores indemnizatórios a atribuir aos lesados, na parte impugnada = dano morte e danos derivados da perda de ganhos da vítima VS e danos patrimoniais do autor V.
O dano morte - perda do direito à vida - é um direito pessoal inerente à personalidade, indemnizável, cuja transmissão é feita de acordo com as regras do direito sucessório (Prof. Leite de Campos, "Indemnização do Dano Morte", p. 42 e seguintes).
Mas sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde, irrelevam, na fixação desta indemnização, quaisquer outros elementos da vítima, que não seja a vida em si mesma (neste sentido, acórdão do STJ de 2.062006, proc. 06A1476, in www.dgsi.pt/jstj).
Aqueles factores poderão ser ponderados nos cômputos inda izatórios dos danos morais próprios dos herdeiros da vítima ou do dano patrimonial mediato por eles sofrido em consequência da perda, mas não no cômputo do dano morte. A "vida" não tem um valor relativo; vale por si mesma, em todas as suas formas.
Não se acolhe assim a tese dos recorrentes/filhos do falecido ao pretenderem relacionar a indemnização pela perda do direito à vida da pai, com a idade e estado de saúde do mesmo, afigurando-se-nos adequado manter o valor fixado na 1a instância de E 22 500.
Pugnam os autores também pela elevação do valor atribuído pela 1a instância a título de indemnização pela denominada perda de ganhos do falecido Vítor Santos - E 18 000 - invocando que o tribunal recorrido não devia ter atendido à equidade, mas sim ao valor dos rendimentos deixados de auferir por aquele e que aproveitariam aos seus familiares.
E têm, parcialmente, razão.
Se é certo que se não deve, em princípio, recorrer à equidade para a determinação da indemnização devida por este tipo de dano, não é menos certo que a fixação da mesma não pode ser o resultado de uma operação matemática de multiplicação da quantia mensalmente afectada ao orçamento familiar pelo número de anos de vida activa previsível da vítima.
É que, antes de mais, há que não esquecer que aquela consumiria também, com as suas necessidades pessoais, parte desses rendimentos e que é muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um montante global, que envolve uma antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de vários anos.
Acresce que, em rigor, os recorrentes só tinham direito à indemnização pedida na medida do valor dos alimentos que lhe fossem devidos pelo falecido e art. 495° n° 3 do C. Civil e e quanto a este aspecto pouco alegaram e provaram.
Assim, tem-se igualmente por adequado o valor fixado a este título pelo tribunal "a quo".
Resta apreciar se foi, ou não, correctamente fixado o montante inda izatório atribuído ao autor V.
A lei só prevê a indemnização por danos futuros não eventuais. A progressão da carreira de um profissional de futebol (como v.g. de um actor, de um músico ou de um cantor, e note-se que, nestes casos, notoriamente mais longas) está sujeita a uma álea de imprevisibilidade, se a carreira ainda não foi afirmada, como é o caso (por se encontrar numa fase vestibular) poderia, quando muito, implicar um dano futuro eventual, sem tutela legal.
A indemnização neste caso será calculada em termos homólogos ao do exercício de uma actividade profissional normal, com o salário apurado, ao tempo do evento, desfavorecida até pelo facto de essa actividade ter um termo menor (rondando, no máximo, os 35 anos de idade), pelo que se nos afigura equilibrada a quantia fixada.
Improcede, nesta parte, a argumentação dos recorrentes.
Decisão.
5. Termos em que se acorda em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o réu Jorge Freitas no pagamento de indemnização aos autores, mantendo-a no que toca aos valores das indemnizações atribuídas, por cujo pagamento é responsável a ré Aliança Seguradora, SA, actualmente A, na qualidade de seguradora do CU, até ao limite do capital garantido pelo respectivo contrato de seguro.
Custas pelos autores/ apelantes e pela ré A, na proporção do respectivo decaimento, levando-se em consideração o benefício do apoio judiciário de que gozam os primeiros.
Razões e termos por que fui vencida.