Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1204/2005-6
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: PENHORA
REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Segundo estas regras registrais o registo definitivo da penhora dispensa a observância do princípio da legitimação de direitos sobre imóveis e do princípio do trato sucessivo. O que bem se compreende, pois que de contrário a omissão do registo até poderia obstar ao sucesso da penhora e mesmo ser fomentada com esse preciso desiderato, com todo o prejuízo daí resultante para credor exequente.
(FG)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. Relatório:
Na acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, movida no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa pelo B, SA, contra J e mulher MC, nomeou o exequente à penhora o seguinte imóvel:
"Prédio urbano térreo, com duas divisões, que se destinam a habitação, e duas dependências destinadas a cavalariça e arrecadação, a confrontar do norte com Teodoro de Almeida e do sul, nascente e poente, com o próprio, sito em Cortes, freguesia de Monchique, concelho de Monchique, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4029 e omisso na Conservatória do Registo Predial respectiva, pertencente aos executados J e mulher MC, casados entre si no regime de comunhão de adquiridos".

A penhora requerida foi ordenada por despacho oportunamente proferido e veio a ser levada a efeito, conforme consta do termo de penhora junto aos autos, após o que o Banco exequente, ora agravante, providenciou pelo respectivo registo na Conservatória do Registo Predial de Monchique, registo que foi lavrado como definitivo.
Efectuada o registo da penhora, o Banco exequente juntou aos autos a nota comprovativa, bem como a competente certidão de encargos e requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil.
Porém, em vez do requerido, veio a ser proferido despacho do seguinte teor:
“Oficie à C.R.P. respectiva para que informe se se tratava de imóvel não descrito e, em caso afirmativo, se foi dado cumprimento ao disposto no art. 42º, n.º 6 do C.R.P., considerando o disposto nos artigos 2º, n.º 1, al. a), 43º, 44º, n.º 3 e 68º do C.R.P.”
Em face da informação solicitada, foi pela Conservatória informado que, não tendo sido encontrado prédio que oferecesse semelhança, fora o mesmo descrito sob o n.º 04440/040311 da freguesia de Monchique, tendo sido tomados em conta todos os elementos legais previstos no Código do Registo Predial para elaboração do referido acto de registo.
Na sequência desta informação foi proferido outro despacho, assim descrito:
“Não se mostra satisfeito na íntegra o solicitado já que não foi clarificado se foram declarados o nome, estado e residência dos proprietários anteriores ou se foram alegadas razões justificativas desse desconhecimento.
Oficie solicitando o esclarecimento em causa, e ainda cópia dos documentos que serviram de base ao registo”.
Perante o novo pedido de informação veio a ser prestada a seguinte resposta:
“Em referência ao V. ofício acima indicado tenho a honra de informar V. Exa., que os titulares declarados são J e mulher MC, casados na comunhão de adquiridos, com domicilio em Tomar e foi declarado como possuidor imediatamente anterior F…, solteira, maior.
Junto fotocópias não certificadas da requisição de registo, da certidão judicial apresentada e da descrição predial do prédio n.° 04440/040311, freguesia de Monchique, não sendo possível remeter fotocópias da certidão matricial apresentada, uma vez que a mesma não fica arquivada e foi já remetida ao requerente do pedido de registo”.

Na sequência desta informação foi proferido ainda o despacho, que se transcreve:
“Face ao teor dos documentos juntos notifique-se o exequente para juntar cópia da escritura pública de compra e venda do imóvel a favor dos executados e da escritura de compra e venda a favor de quem a exequente declarou junto da C.R.P. ser o anterior proprietário”.

Inconformado com este despacho, agravou o Banco exequente, sustentando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
1ª Nos autos foi requerida a penhora em determinado imóvel, que devidamente identificado foi;
2ª A referida penhora foi ordenada por despacho proferido nos autos a fls. , despacho que transitou em julgado;
3ª A dita penhora foi definitivamente registada na Conservatória do Registo Predial respectiva, ou seja na Conservatória do Registo Predial de Monchique
4ª O agravante, exequente em 1ª Instância, juntando aos autos a nota comprovativa da feitura do dito registo e a competente certidão de encargos, requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil, com vista ao normal e regular prosseguimento da execução, o que o Snr. Juiz “a quo” não ordenou, tendo, após o que consta de fls. 416 a fls. 438, vindo nos autos a proferir o despacho de fls. 439, despacho que se impõe ser revogado, já que viola, frontalmente, o disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil, e substituído por acórdão que ordene o cumprimento do disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil, donde o presente recurso dever ser julgado procedente.

Não houve contra-alegação.
Foi proferido despacho de sustentação.

2. Fundamentos :
A questão a resolver consiste em saber se a execução deve prosseguir seus termos com o cumprimento do disposto no art. 864º do Código de Processo Civil ou se deve antes ser dado cumprimento ao ordenado no despacho recorrido, sendo que os factos a tomar em consideração para conhecimento do recurso são os que decorrem do relatório acima descrito.
O despacho objecto do presente recurso é aquele pelo qual o exequente, ora agravante, foi notificado para juntar aos autos de execução cópia da escritura pública de compra e venda do imóvel penhorado a favor dos executados e da escritura de compra e venda a favor de quem o exequente declarou junto da Conservatória de Registo Predial ser o anterior proprietário.
Este despacho foi proferido após o agravante ter junto aos autos nota comprovativa da feitura do dito registo e a competente certidão de encargos e de ter requerido que fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil, com vista ao normal e regular prosseguimento da execução.
Pretende o agravante com a interposição do presente recurso que o despacho recorrido seja substituído por outro, que ordene o prosseguimento da execução, sem necessidade de se cumprir o determinado no despacho em causa.
Antes de mais importa assinalar que no despacho em análise não se avançou qualquer justificativo para se ordenar ao exequente a junção dos elementos acima referidos. Procurando, descortinar as razões que terão conduzido ao despacho sindicado, parece que as mesmas se encontram nos despachos que o precederam. Assim, num primeiro despacho mandou-se oficiar à Conservatória do Registo Predial para esta informasse se o imóvel penhorado era imóvel não descrito e, em caso afirmativo, “se foi dado cumprimento ao disposto no art. 42º, n.º 6 do C.R.P., considerando o disposto nos artigos 2º, n.º 1, al. a), 43º, 44º, n.º 3 e 68º do C.R.P.”
E como a Conservatória se limitou a informar que, não tendo sido encontrado prédio que oferecesse semelhança, foi o mesmo descrito sob o n.º 04440/040311 da freguesia de Monchique e que foram tomados em conta todos os elementos legais previstos no Código do Registo Predial para elaboração do referido acto de registo, foi proferido um segundo despacho a referir que não se mostrava satisfeito na íntegra o solicitado, já que não se havia clarificado se foram declarados o nome, estado e residência dos proprietários anteriores, ou se foram alegadas razões justificativas desse desconhecimento, e a solicitar o esclarecimento em causa e ainda cópia dos documentos que serviram de base ao registo.
Perante os esclarecimentos e os elementos solicitados à Conservatória do Registo Predial, pode inferir-se que, em face do registo da penhora de imóvel omisso na respectiva Conservatória, se pretendia aferir se esta havia procedido ao registo com observância das normas prescritas no Registo Predial.
Afigura-se, porém, que não cabe ao tribunal indagar oficiosamente se o registo se mostra, ou não, conforme com as regras a que deve obedecer.
Com efeito, de acordo com o regime estabelecido no artigo 68º do Código do Registo Predial, compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos.
É o denominado princípio da legalidade, de que o conservador do Registo Predial é o primeiro garante. Na verdade, como refere, em comentário àquele normativo, Isabel Pereira Mendes “a regra a extrair é a de que o conservador deve apreciar todas as exigências legais que lhe sejam especialmente cometidas, ou cuja observância possa afectar a realidade subjacente ao registo (redacção proposta em reunião da comissão revisora do Código). Assim ele não poderá opor objecções baseadas em disposições legais que lhe não sejam dirigidas a si, mas a outras entidades, desde que o seu incumprimento não afecte a validade dos actos nem condicione, por qualquer forma, esses mesmos actos ou registos”(1).
O poder de apreciação do conservador e a sua função qualificadora exerce-se no momento em que o facto lhe é apresentado a registo, sendo à situação tabular configurada que deve atender para aplicação do princípio da legalidade, cabendo-lhe determinar a feitura do registo se nada a tal obstar, assim como recusá-lo ou efectuá-lo como provisório se ocorrerem deficiências relacionadas, quer com a legitimidade dos interessados, quer com a identificação do prédio (artigos 69º a 71º do Código do Registo Predial).
Do que vem sendo exposto resulta que, no caso em apreço, a Conservatória do Registo Predial de Monchique, verificando os documentos que lhe foram presentes para proceder ao pedido de registo do imóvel penhorado e às declarações complementares que foram prestadas, como aliás decorre das informações que prestou ao tribunal, não teve dúvidas em efectuar o registo da penhora e com carácter definitivo.
Neste condicionalismo não existe qualquer fundamento na lei para que o tribunal oficiosamente vá indagar se a Conservatória procedeu em conformidade com as normas legais, pois que é suposto que a sua observância se verificou. De resto, se assim não tiver acontecido, também não é por actuação oficiosa do tribunal que o registo poderá ser rectificado ou anulado, mas sim pelo processo estabelecido na lei, designadamente nos termos previstos do artigo 120º e segs. do Código do Registo Predial.
Acresce que mesmo que o tribunal devesse proceder a tal indagação, no caso sempre a mesma não teria razão de ser.
Com efeito, o artigo 9º nº 1 do citado código estabelece a regra de que “os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo”. É o designado princípio da legitimação de direitos sobre imóveis, que estabelece uma obrigatoriedade indirecta do registo. Esta regra comporta, todavia, as excepções previstas no nº 2 do mesmo artigo, entre elas, “a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a apreensão de bens em processo de falência e outras providências que afectem a livre disposição de imóveis”.
Harmonizando-se com esta regra e excepções, estabelece o art. 34º nº 1 do mesmo código, a propósito do princípio do trato sucessivo, que “o registo definitivo de aquisição de direitos nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 9º ou de constituição de encargos por negócio jurídico depende de prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera”.
Como anota Isabel Pereira Mendes, a previsão do normativo “aplica-se aos casos de aquisição de direitos nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 9.° ou de constituição de encargos por negócio jurídico, cujo registo definitivo não é possível sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor de quem os transmite ou onera.
Estão, pois, excluídos do seu campo de aplicação todos os factos de aquisição que não tenham sido titulados com urgência nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 9°, bem como a hipoteca legal ou judicial, a penhora, o arresto e todas as demais providências cautelares, a acção e, dum modo geral, toda a constituição de encargos não titulada por negócio jurídico”(2).
Quer dizer: segundo estas regras registrais o registo definitivo da penhora dispensa a observância do princípio da legitimação de direitos sobre imóveis e do princípio do trato sucessivo. O que bem se compreende, pois que de contrário a omissão do registo até poderia obstar ao sucesso da penhora e mesmo ser fomentada com esse preciso desiderato, com todo o prejuízo daí resultante para credor exequente.
Logo, se o registo da penhora pode ser realizado sem observância daqueles princípios, tem de concluir-se que se não justificaria que se tivesse procedido às indagações que foram realizadas, nem à junção dos elementos ordenados ao exequente.
Devem, por isso, os autos prosseguir seus termos, como pretende o Banco exequente, ora agravante, pelo que o recurso merece procedência, nos termos que se deixaram expostos e sem necessidade de outros considerandos.

3. Decisão :
Termos em que acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido que, em consequência, deve ser substituído por outro a ordenar o prosseguimento da execução.
Sem custas.
24 de Fevereiro de 2005
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
______________________________________
1 In Código do Registo Predial Anotado e Comentado, 12ª ed., pág. 224.
2 Ob. cit., pág. 169.