Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE CONSTRUÇÃO URBANA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/29/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | 1. O Dec. Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, que regulamenta o exercício da actividade de mergulho do mergulhador profissional estabelece as regras para a constituição de uma equipa de mergulho ( art. 26º), resultando da lei que a equipa tem de ser formada por pessoas que executam o mergulho e por pessoas que ficam à superfície e entre estas está o supervisor de mergulho. 2. É também a lei que exige (art. 22º, nº 9) que a empresa responsável pelas operações de mergulho (o «empregador») tenha um livro de registo das operações de mergulho que são levadas a cabo, livro esse que deve conter detalhadamente todas as menções ali enunciadas; assim como consigna que o supervisor de mergulho deve planear a operação e submetê-la por escrito ao empregador (art. 23º, nº 2, al. a)). O planeamento escrito é assim um requisito que a lei claramente exige para que seja possível avaliar, em cada operação e nomeadamente quando haja qualquer anomalia, se foram efectivamente cumpridas todas as disposições do Regulamento e designadamente se foram adoptadas todas as medidas necessárias para obter uma correcta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afectar a vida, a integridade física e a saúde dos mergulhadores (art. 22º, nº 1). Até, porque o planeamento não se cinge à tarefa a executar debaixo de água. O planeamento deve referir-se, em concreto, à operação de mergulho e ao processo técnico que se irá desenrolar. 3. O que se pune na incriminação do art. 277º é o perigo e não o dano e esse perigo concreto para a vida e a integridade dos mergulhadores existiu porque o recorrente agiu, querendo fazê-lo, contra regras regulamentares e contra técnicas de procedimento profissional que dominava, contra as “leges artis” da sua profissão. O que se configura, então, é uma situação de dolo directo quanto à conduta e de dolo eventual quanto ao perigo | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | 1 – No processo nº 37/03.8MAODL do 3º Juízo do Tribunal de Ponta Delgada, foram pronunciados F., J. e B. nos seguintes termos: - J. e F. como co-autores de um crime de infracção de regras de segurança, na forma continuada, previsto no artigo 152º, n.º 4, do Código Penal, com referência ao artigo 30º, n.º 2, do mesmo diploma e ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, em concurso com um crime de infracção de regras de segurança agravado, na forma continuada, previsto no artigo 152º, n.º 4 e 5, al. b), do Código Penal, com referência ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro. - B., como autor de um crime de homicídio por negligência, previsto no artigo 137º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de omissão de auxílio, previsto no artigo 200º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. I.F., e C.F. deduziram pedido cível contra: N., F., J., A., B.o, I., S. A. e P., Lda., requerendo que os demandados fossem condenados a pagar a cada uma, solidariamente, uma indemnização de 75 000,00 €. Já na fase de julgamento interveio nos autos, ao lado da demandada I. S.A., a Companhia de Seguros T., S. A., em razão das suas obrigações contratuais para com aquela. Na audiência as demandantes declararam desistir do pedido contra os demandados N., A. e I. A., vindo a ser homologada tal desistência, que, por consequência, extinguiu os pedidos formulados contra aqueles demandados (e fazendo cessar também a intervenção da Companhia de Seguros T.). Efectuado o julgamento foi decidido o seguinte: a) Absolver o arguido J. da prática dos crimes de infracção de regras de segurança, na forma continuada, previsto no artigo 152º, n.º 4, do Código Penal, com referência ao artigo 30º, n.º 2, do mesmo diploma e ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, em concurso com um crime de infracção de regras de segurança agravado, na forma continuada, previsto no artigo 152º, n.º 4 e 5, al. b), do Código Penal, com referência ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, de que vinha acusado. b) Absolver o arguido B. da prática, como autor, de um crime de homicídio por negligência, previsto no artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de omissão de auxílio, previsto no artigo 200º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, de que vinha acusado. c) Condenar o arguido F. como autor de um crime de infracção de regras de construção agravado, previsto nos artigos 277º, nº 1, al. a) e 285º do Código Penal, com referência ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos. d) Absolver este arguido F. da prática dos demais crimes de que vinha acusado. e) Condenar a demandada P., Lda., a pagar a cada uma das demandantes I. e C., a título de danos não patrimoniais sofridos, a quantia de setenta e cinco mil euros. f) Absolver os demandados F., J. e B. dos pedidos cíveis que contra si foram formulados. Recorreram o arguido F. e a demandada “P., Lda” concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (se é que assim se lhes pode chamar!) que se transcrevem: (…) Também a demandante I. F., por si e na qualidade de representante da sua filha menor C.F., interpôs recurso na parte respeitante à absolvição de F. do pedido cível que formulara. Concluiu a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1° - Está provada nos autos a culpa do arguido F. na morte do J.F.; 2° - Tanto assim é que aquele arguido foi condenado pela prática do crime previsto nos artigos 277°, n°1, al. a) e 285° do Código Penal; 3° - Nos termos do disposto no n°1 do art° 483° do C.Civil, aquele que, mesmo com mera culpa, praticar um facto ilícito, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos prejuízos resultantes da violação dos direitos alheios ou da lei; 4° - Assim, deveria o demandado civil F. ter sido condenado, solidariamente com a empresa de que era sócio-gerente, pelos danos causados com a sua conduta, conforme consta do pedido de indemnização civil formulado nos termos do disposto no artigo 71° do Código de Processo Penal; 5° - Não tendo assim decidido, violou o douto Acórdão recorrido o disposto no n° 1 do art° 483° do Código Civil. Houve respostas da assistente/demandante e do Ministério Público ao recurso do arguido Fernando Jorge Moreira e da demandada “P…” e ainda de F. na qualidade de demandado ao recurso da assistente/demandante. Neste Tribunal, o Sr. procurador-geral adjunto apôs o seu visto. * 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados e quando à respectiva fundamentação foi o seguinte: 2.1. – Factos provados (transcrição, acrescentando-se-lhe numeração para facilidade da exposição subsequente): 2.1.1. - O município de Lagoa resolveu proceder à construção de um emissário submarino para os esgotos da rede pública, para o que contratou a empresa I., S. A., a qual, para execução dos trabalhos marítimos subcontratou, em Janeiro de 2003, P., Lda., sociedade comercial da qual são sócios-gerentes os arguidos F. e J.. 2.1.2. - Apesar de estes dois arguidos, nos termos do pacto social, exercerem conjuntamente a gerência da referida sociedade comercial, a verdade é que a gestão de cada uma das obras em curso estava sob a responsabilidade apenas de um ou de outro. 2.1.3. - No caso da obra do emissário submarino de Lagoa era o arguido F. quem de modo exclusivo exercia a coordenação dos trabalhos e a gestão dos meios da empresa. 2.1.4. - De acordo com as necessidades das obras em curso a P. Ld.ª (doravante “P.”) contratava mergulhadores profissionais para exercerem as tarefas necessárias. 2.1.5. - Para a realização da obra de construção do emissário da Lagoa a P. empregou vários mergulhadores profissionais, dentre os quais o malogrado J. F. (nascido a 28/8/1968) e também, entre outros, o arguido B. 2.1.6. - A P. é um empresa sedimentada no mercado em que opera, tendo realizado dezenas de obras em Portugal (continental e ilhas dos Açores e Madeira) e no estrangeiro. 2.1.7. - Na Região Autónoma dos Açores tem uma posição quase hegemónica, realizando cerca de 90 % das obras submarinas que nela se efectivam. 2.1.8. - Na obra do emissário submarino de Lagoa a P., sob a responsabilidade do arguido F., colocava alguns dos mergulhadores a trabalhar em profundidades para as quais se não encontravam habilitados. Para além disso, enquanto decorriam trabalhos submarinos, a mais de 10 metros de profundidade, não operava com a presença de mergulhadores equipados em plataforma na superfície, para acorrer a qualquer emergência. Também não elaborava planos escritos relativos aos trabalhos de mergulho nem tinha livro de registo das operações de mergulho. 2.1.9. - A parte submersa desta obra, a cargo da P., iniciou-se em Janeiro de 2003. 2.1.10. - No dia 6 de Junho desse ano, entre as 13 e as 14 horas, depois de se inteirar dos pormenores com o arguido F., o mergulhador de 2ª classe J.F. deslocou-se para a obra, sendo a sua tarefa nesse dia colocar anéis de flutuação no emissário submarino, a cerca de 200 metros da costa. Acompanhava-o nesse trabalho o arguido B., mergulhador de 3ª classe. 2.1.11. - Os referidos mergulhadores deslocaram-se para o local do mergulho na embarcação Quarteira-Mar que a empresa I., S.A. tinha colocado à sua disposição para funcionar como meio de transporte marítimo para a obra e como plataforma flutuante. 2.1.12. - Na embarcação referida seguiram apenas os dois aludidos mergulhadores com o barqueiro, que era o arrais de pesca J. G., o qual não possuía qualquer qualificação de mergulho. 2.1.13. - Cada um dos mergulhadores levou várias garrafas de ar comprimido, destinando, cada um deles, 2 delas ao tempo de execução do trabalho e 1 para a descompressão. As demais eram para encher bóias para transporte e flutuação de materiais. Tais garrafas haviam sido fornecidas pela P., tendo sido cheias com um compressor daquela empresa. 2.1.14. - O mar estava calmo e a água límpida. 2.1.15. - Chegados ao local, depois de preparar todo o material, os mergulhadores J.F. e B. desceram para uma profundidade de cerca de 24 metros, a fim de ali realizarem o trabalho a que se haviam proposto. 2.1.16. – J.F. e B. mergulharam, equipados, cada um deles, com o respectivo fato de mergulho, cinto de chumbo e uma garrafa de ar com o respectivo regulador. J.F. prendia a sua garrafa de ar com um «back-pack», enquanto que B. usava um colete ao qual estava ligada a sua garrafa. 2.1.17. – J.F. era ainda portador, no pulso, de um computador de mergulho de alta precisão, de sua propriedade, marca Uwatec, modelo Pro Nitrox, com o n.º de série 19830. 2.1.18. - Na embarcação havia ficado apenas o barqueiro J.G. e as garrafas que os mergulhadores não levaram consigo para o fundo. 2.1.19. - Demoraram cerca de um minuto a chegar ao fundo, onde trabalharam durante 28 minutos, à profundidade média aproximada de 24 metros. 2.1.20. - Após, regressaram ao barco, onde em cerca de 3 minutos trocaram as garrafas vazias por outras cheias, sem que na subida tivessem feito qualquer descompressão. 2.1.21. - Demoraram cerca de um minuto a descer novamente para o emissário submarino, onde ficaram a trabalhar em conjunto, durante cerca de mais 25 minutos. 2.1.22. - Aos 25 minutos, encontrando-se ambos os mergulhadores no fundo, o arguido B., por razões concretamente não apuradas mas relacionadas com a falta de ar, fez um «escape livre», isto é, largou o colete com a garrafa e o regulador, tirou o cinto de chumbo e subiu para a superfície. 2.1.23. - Também o mergulhador J.F. procurou vir para a superfície, tendo largado o «back-pack» com a sua garrafa, mas sem tirar o seu cinto de chumbo. Ainda subiu cerca de 10 metros, mas depois caiu na vertical e ficou inanimado no fundo, a uma profundidade de cerca de 25 metros. 2.1.24. - O arguido B. emergiu a cerca de 50 metros da embarcação. Instantes depois emergiu perto desse local o seu colete com a botija e o regulador. Chamou o barqueiro e este depois de desprender a embarcação da bóia a que se encontrava amarrada foi ao seu encontro. 2.1.25. - Visivelmente aflito o arguido B. subiu a bordo dizendo que tinha de ir outra vez para baixo, começando a tratar de mudar o seu regulador para uma garrafa cheia de ar. 2.1.26. - Entretanto disse ao barqueiro para ligar para o F. pelo telemóvel, tendo de seguida falado com este, a quem deu conta que o seu companheiro de mergulho se encontrava desaparecido. 2.1.27. - O arguido F. disse-lhe para descer sem demora e procurar o mergulhador J.F.. 2.1.28. - Sem estar munido de cinto de chumbo (que havia deixado no fundo quando fez o escape livre) nem de barbatanas (por não as haver na embarcação) o arguido B. voltou a submergir para procurar o seu camarada. Fê-lo descendo pelo cabo da bóia de amarração da embarcação. 2.1.29. - Depois de estar no fundo começou a busca, vindo a encontrar o J.F., inanimado, no chão rochoso, junto ao local onde haviam estado a trabalhar. Então agarrou-o e iniciou a subida trazendo-o consigo para a superfície. 2.1.30. - Desde que havia subido em escape livre (por volta do minuto 25 do segundo mergulho) até que voltou a subir corregando o seu camarada, decorreram cerca de 20 minutos. 2.1.31. - O mergulhador J.F. foi retirado da água cerca de 27 minutos depois de o arguido B. ter feito o escape livre e ele próprio, J.F., ter tentado fazer uma subida para a superfície (tendo conseguido subir apenas cerca de 10 metros), já cadáver. 2.1.32. – J.F. morreu, nas referidas circunstâncias, devido a asfixia mecânica por afogamento. 2.1.33. – J.F. era um mergulhador profissional com mais de 10 anos de experiência em trabalhos subaquáticos, sendo reconhecido pelos colegas e entidades patronais como um mergulhador seguro e um profissional competente. 2.1.34. - Feito o transporte para terra, pessoa cuja identidade não se apurou, retirou ao cadáver a máscara de mergulho e o computador de pulso. Tais objectos foram nesse mesmo dia entregues por J.B.M., cidadão cabo-verdiano, conhecido pela alcunha de «Expediente», auxiliar dos mergulhadores ao serviço da P., ao mergulhador A. R., colega e amigo mais chegado do falecido, juntamente com uma caixa contendo os dois telemóveis daquele, as chaves do seu carro e maços de cigarros. 2.1.35. - No dia 11 de Junho de 2003, A. , mergulhador profissional que também trabalha para a P., seguindo instruções do arguido F., mergulhou no local onde faleceu J.F., para recolher o material de mergulho ali deixado. 2.1.36. - Num raio de cerca de 5 metros veio a encontrar: - 3 garrafas de ar, de cor azul, destinadas a encher o balão de flutuação e o transporte dos estabilizadores; - 1 garrafa de ar, de cor amarela, com regulador, utilizada pelo falecido; - 1 balão de flutuação; - 2 cintos de chumbo, sendo um do falecido (que caira quando se içava o corpo para a embarcação) e outro do arguido B.. 2.1.37. - A efectivação do mergulho em causa, sem planeamento, sem supervisão e sem um mergulhador pronto na plataforma tornou, em caso de uma emergência, difícil ou mesmo impossível, prestar o auxílio necessário a evitar danos na integridade física ou na vida dos dois referidos mergulhadores. 2.1.38. - O arguido F., na qualidade de gerente da empresa empregadora dos mergulhadores e responsável pela citada obra, era quem tinha o dever de dirigir e fiscalizar a execução dos trabalhos subaquáticos, bem como de zelar pelas condições de segurança das operações de mergulho. 2.1.39. - Sabia que ao omitir tal cumprimento estava a colocar em risco a integridade física e a vida dos mergulhadores ao seu serviço. Ao gerir os meios humanos e materiais da P. à sua disposição para a realização da obra do emissário submarino da Lagoa, com o fito de poupar despesa, o arguido deixou de cumprir com as regras regulamentares relativas ao mergulho profissional que a natureza daquela obra implicava. Provou-se ainda (do pedido civil): 2.1.40. - A I. F. no dia 6 de Junho de 2003 era casada com J.F. . 2.1.41. – C.F. nasceu no dia 11 de Abril de 1996 e é filha de I. F. e do falecido J.F.. 2.1.42. – J.F. tinha nascido em 28 de Agosto de 1968, tendo 34 anos no dia 6 de Junho de 2003. 2.1.43. - Era um bom marido e um pai extremoso. 2.1.44. - Quer a demandante I.F. quer a filha C.F. sofreram enorme desgosto pela perda do marido e pai. 2.1.45. - As demandantes recebem da Companhia de Seguros M. de uma pensão anual relativa a danos de natureza patrimonial advenientes do sinistro, em conformidade com o determinado na sentença do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha (fls. 1351/1355). Mais se provou (condições pessoais): 2.1.46. - Que o arguido F., actualmente com 51 anos de idade, nasceu e cresceu em Angola, no seio de uma família coesa e estruturada. Frequentou o ensino na idade própria, o qual abandonou aos 18 anos, na sequência do falecimento do progenitor. Em 1973/1974 veio para Portugal. Trabalhou em diversas actividades, nunca tendo ficado desempregado. Aos 25 anos de idade contraiu casamento, tendo posteriormente sido pais de duas filhas, hoje já maiores. Em 1978 foi trabalhar para o estrangeiro (norte de África) e em 1981, regressando a Portugal, frequentou o curso de mergulhador profissional na Marinha, começando a trabalhar na actividade. Em 1984 formou com um colega a empresa P., fixando-se nos Açores. Actualmente encontra-se divorciado. Vive sozinho em casa própria. É pessoa com um percurso pessoal, profissional e familiar equilibrado. Tem capacidade de análise crítica, de descentração e auto-controlo e encontra-se adequadamente integrado nas várias dimensões da sua vida. 2.1.47. - Não regista antecedentes criminais. 2.1.48. - Confessou parcialmente os factos. 2.1.49. - O arguido J., actualmente com 50 anos de idade, nasceu e cresceu em Angola (Benguela), no seio de uma família coesa, estruturada e economicamente estável. Frequentou o ensino na idade própria, chegando ao 3º ano do curso de medicina veterinária na cidade do Huambo. Após a independência manteve-se em Angola, pertencendo aos quadros do Ministério da Agricultura. Em 1977 contraiu casamento e em 1979 veio para Portugal. Teve vários empregos e com 30 anos de idade foi chamado para cumprir o serviço militar. Em 1981 frequentou o curso de mergulhador profissional na Marinha, começando a trabalhar na actividade. Em 1984 formou com um colega a empresa P.. Actualmente é mergulhador de 1ª classe, exercendo funções como gerente da sociedade e ocasionalmente realizando trabalhos por conta própria. O arguido vive com a sua mulher e dois filhos já maiores, com 27 e com 23 anos de idade, em casa própria. 2.1.50. - Não regista antecedentes criminais. 2.1.51. - O arguido B. é solteiro e tem actualmente 29 anos de idade. É natural da ilha das Flores, onde nasceu no seio de uma família equilibrada. Frequentou a escolaridade da idade própria, tendo como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade. Desde que abandonou o sistema de ensino desempenhou várias actividades profissionais, encontrando-se regularmente ocupado. Há cerca de 6/7 anos fez o curso de mergulhador profissional, passando depois a exercer essa actividade na empresa P., para a qual ainda trabalha. Encontra-se social, profissional e familiarmente integrado. 2.1.52. - Não regista antecedentes criminais. 2.2 – Factos não provados (transcrição): Não se provou: 2.2.1. - que na obra do emissário submarino da Lagoa a P.: - não tinha ao seu serviço nenhum mergulhador de primeira classe; - usava preferencialmente mergulhadores de 3.ª classe, por terem um salário inferior aos de classes superiores; - levava os mergulhadores a usar todo o ar das garrafas em descidas e subidas repentinas relativamente aos locais de trabalho, para não perderem tempo a respeitar os patamares de descompressão; - não dispunha de um sistema de evacuação rápida para tratamento hiperbárico em caso de acidente; - não dispunha de médico, presente na obra ou contactável, especializado – ou não - em fisiopatologia hiperbárica; - não fazia plataformas das quais fosse possível controlar o mergulho, e como tal criar condições de comunicação entre a plataforma devida e os mergulhadores submersos na obra; - não se assegurava que os mergulhadores possuíssem os requisitos estabelecidos pela legislação, nem sobre a sua experiência de mergulho ou de trabalho de mergulho, ou sobre o cumprimento das inspecções médicas periódicas; - não garantia os meios de prevenção médica adequada a todos os mergulhadores; - obrigava ou pressionava os mergulhadores a adquirirem a seu custo equipamento de segurança ou protecção; - forçava os mergulhadores que contratava a passarem recibos verdes, como prestadores de serviços sem contrato de trabalho; - despedia ou impossibilitava o trabalho nos Açores a qualquer mergulhador que pretendesse ter a qualidade formal de empregado, e/ou usar barbatanas ou outros equipamentos de segurança nas obras – tais como reguladores de ar adicionais - ou que pedisse ligação por cabo para plataformas de mergulho, com ou sem mergulhador pronto - dado que tal atrasava o desempenho laboral; e idem a quem reclamasse das más condições de segurança em que eram efectuados os mergulhos. 2.2.2. - Que foi o mergulhador A.R. quem, por sua iniciativa, se apoderou do computador de mergulho do malogrado J.F. logo que o cadáver deste chegou a terra. 2.2.3. - Que a P., Lda., impunha aos seus mergulhadores duras condições de trabalho - com horário estabelecido entre as 08:00 horas e as 17:00 horas, de segunda-feira a sábado. 2.3. – Fundamentação da matéria de facto (transcrição): (…) 3. – Recurso do arguido F. e da demandada “P. 3.1. - Da longa motivação dos recorrentes F. e “P.” e das extensíssimas e repetitivas conclusões que ali são formuladas (há-de dizer-se que ao total arrepio do que a lei determina que deve ser o conteúdo e a finalidade das conclusões) extrai-se que há um conjunto de factos dados como provados que os recorrentes entendem que o não deveriam ter sido. No essencial eles respeitam às condições em que eram efectuados os mergulhos no âmbito da actividade da “P., com ou sem a observância dos requisitos exigidos por lei e concretamente às condições em que foi efectuado o mergulho no decurso do qual morreu J.F. em particular quanto à presença de um supervisor de mergulho; à profundidade a que foi efectuado o referido mergulho; à existência de um computador de mergulho que J.F. teria em seu poder e que viria a ser meio de prova relevante para precisar, na medida do possível, o modo como decorreu o dito mergulho. 3.2. - Quanto à questão da existência de supervisores de mergulho impõe-se ter presente, antes de mais, o que dispõe o Dec. Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, que regulamenta o exercício da actividade de mergulho do mergulhador profissional (art. 1º) e a que se referem as disposições adiante citadas sem menção de origem. O art. 3º estabelece os conceitos que no diploma são utilizados e na sua alínea x) está o de supervisor: mergulhador que planeia, dirige, coordena e controla o mergulho. Também na alínea i) se precisa o conceito de mergulhador pronto: mergulhador equipado que permanece à superfície preparado para mergulhar em caso de emergência (não sendo de usar o conceito em casos de mergulho a par a menos de 10m) devendo ter uma “linha de guia” que lhe permita chegar ao mergulhador que estiver a trabalhar (art. 25º, al. b)) linha de guia essa que terá uma resistência e um comprimento suficientes para recolher e içar o mergulhador e o seu equipamento (art. 3º, al. e)) desde a profundidade em que ele está a trabalhar, obviamente. E o art. 26º estabelece as regras para a constituição de uma equipa de mergulho. O nº 1 determina que sempre que for efectuada uma operação de mergulho, deve existir um número de mergulhadores e de outras pessoas (equipa de mergulho) com as competências necessárias para a) garantir dentro do possível a condução da operação; b) operar a instalação, equipamentos e outros dispositivos necessários à condução da operação em segurança. Os nºs 3 e 4 determinam, por seu turno, que se a operação de mergulho é realizada a mais de 10 m e a menos de 20 m de profundidade ou a mais de 20 m e a menos de 40 m e o tempo de descompressão planeado pelas tabelas respectivas não ultrapassar vinte minutos a equipa mínima de mergulhadores, embora em função da técnica utilizada, exige sempre um supervisor e um mergulhador pronto para além dos que especificamente executam o mergulho. É isso que claramente resulta da lei: para lá dos que executam o mergulho é necessário alguém que dirija toda a operação e que, claro está, não pode ser nenhum dos que mergulha. Não é quem está em mergulho que pode dar as ordens necessárias à coordenação e ao controle do mergulho nomeadamente quando haja situações em que esteja em perigo a segurança dos mergulhadores que o estão a efectuar. Aliás, é isso que também decorre do art. 23º do citado diploma que estabelece os deveres do supervisor de mergulho. Aí se determina que o supervisor de mergulho só deve mergulhar exclusivamente em casos de emergência. É assim de mediana clareza o que resulta da lei: que a equipa tem de ser formada por pessoas que executam o mergulho e por pessoas que ficam à superfície e entre estas está o supervisor de mergulho. Ora, o que está dado como provado e nem sequer é posto em causa pelos recorrentes é que em 2003.06.06, no decurso da operação de mergulho em que J.F. veio a falecer, na embarcação que serviu de plataforma para essa mesma operação apenas se encontrava o marinheiro arrais de pesca J.G. que não possuía qualquer qualificação de mergulho (cfr 2.1.12). Por isso, podem os recorrentes esfalfar-se na tarefa inútil de invocar os depoimentos dos arguidos (F., B. e J.) e das testemunhas (E., S., T., A., V.) no sentido de converter o que chamam de “chefe de equipa” em supervisor de mergulho com as obrigações e a limitação à possibilidade de mergulhar que a lei impõe. Não é pela vontade dos recorrentes nem pela boa vontade das testemunhas que se pode transformar quem mergulhou e disse estava incumbido (cfr 2.1.10) em supervisor de mergulho. No âmbito da operação de mergulho que está em causa – e é essa que importa - não havia supervisor de mergulho como não havia também mergulhador pronto. Falece, aliás, inteiramente a argumentação dos recorrentes segundo a qual J.F. seria o supervisor de mergulho nomeado pelo recorrente para as operações do dia em causa quando ele mesmo declarou no seu depoimento na audiência que, à hora de almoço, deu as seguintes indicações ao J.F.: “ … vai lá em baixo, à primeira bóia, colocar anéis de flutuação” cfr fls 22 do apenso I das transcrições). Assim como falece a mesma argumentação quando pretende que a ter havido um incumpridor de regras técnicas ele teria sido somente o J.F. então responsável único e autónomo pela sua actividade e, por conseguinte, responsável também, em última análise, pelo seu trágico destino. Independentemente da qualificação formal do vínculo jurídico que ligava J.F. à “P.” (contrato de prestação de serviço ou contrato de trabalho) é patente pelas declarações do recorrente que a ligação funcional existia e que a “P.” superintendia, orientava e coordenava a actividade dos mergulhadores. É isso que decorre das declarações do recorrente (em várias partes do apenso I das transcrições, além do já referido supra) como por exemplo: “Quando vem um mergulhador pedir trabalho” (fls. 9). “Esse mergulhador prestava serviço para nós há muito tempo” (fls. 12). “O salário deles era igual para todos. Normalmente, no primeiro mês quando ele tinha experiência, no primeiro e segundo mês até adaptar-se, ele ganhava ligeiramente menos do que os outros que já estavam mais antigos na empresa” (fls. 12). “Eu tinha cerca de nove mergulhadores em média na obra (…) eu tinha a equipa completa, eu tinha excesso de pessoal” (fls. 13). “(…) as equipas variavam, em nove pessoas, as equipas variavam. Mas nós tínhamos a preocupação de classificar sempre os trabalhadores” (fls. 14). É por conseguinte evidente que a “P.” era, afinal, o «empregador» no sentido (lato) em que o Dec. Lei nº 21/94 usa o termo (cfr art. 22º que estabelece os respectivos deveres) como o referiu a decisão recorrida. Aliás, os recorrentes traem-se ao falarem eles mesmo na sua motivação em «supervisor nomeado». Por um lado invocam a autonomia e a independência na organização do trabalho do mergulhador, por outro lado admitem o seu ascendente na nomeação de um supervisor. Que F. reconhece essa ligação e assume a condição de «empregador» com o sentido em que o usa a lei resulta também do que é mencionado na fundamentação da matéria de facto e das suas declarações designadamente no tocante ao cumprimento das regras de segurança. Assim, este recorrente reconheceu que as regras de segurança não eram cumpridas nos termos impostos por lei. E que operações havia em que, além de estar ausente o mergulhador pronto, o que chama de supervisor era o próprio mergulhador que efectuava o mergulho embora fosse “escolhido” o mais categorizado. É o que resulta também do seu depoimento. À pergunta sobre “se na prática implementava isso” respondeu: “Não, eu não implementava (cfr fls 35 do apenso I das transcrições). E perguntado depois se alguma vez tinha tido “um pronto e um supervisor em qualquer mergulho efectuado nesta obra respondeu: “Na altura dos mergulhos fundos tivemos, depois disso não” esclarecendo a seguir que tal aconteceu com mergulhos a 32 metros (cfr 50-51 do apenso I das transcrições). Ou seja, o arguido, ora recorrente, ele mesmo, forneceu elementos de prova para suportar o que consta de 2.1.5 e 2.1.8. Perante esta prova necessariamente que tem de se desvalorizar o teor do que cada mergulhador faz constar da sua caderneta profissional ao contrário do que pretende o recorrente invocando o exemplo de fls 254 como demonstração de que eram “nomeados supervisores de mergulho em cada operação” pela circunstância de, os mergulhadores assinalarem nas suas cadernetas que em dado mergulho teria havido supervisor. Porque o registo da actividade profissional do mergulhador na sua própria caderneta quando essa actividade seja levada a cabo com violação da regulamentação legalmente prevista fá-lo incorrer em contra-ordenação punida com coima e eventualmente com sanções acessórias entre as quais a interdição de exercício da actividade profissional. De resto, documentos como o de fls 254 apenas podem provar que o seu titular lá apôs, no local próprio, a par de outros elementos (profundidade, permanência, equipamento, data, entidade empregadora) um certo nome como sendo o do supervisor e não que essa actividade nos termos em que a lei exige que ela se desenvolva tenha efectivamente acontecido. O mesmo se diga quanto à prova que o recorrente considera ter sido feita sobre as profundidades a que trabalhavam os mergulhadores a partir das suas anotações nas respectivas cadernetas profissionais. Pretender que um mergulhador de 3ª classe que apenas pode mergulhar até 20 metros (art. 8º) consigne na sua caderneta que mergulhou a 30 metros ou que o fez sem supervisor seria tão irrealista como pretender que o condutor de um veículo ligeiro assinalasse e comunicasse à autoridade policial cada uma das suas ultrapassagens da velocidade permitida e cada uma das suas atitudes de desrespeito pela sinalização rodoviária!!! Neste contexto nem sequer é relevante a classificação profissional que cada um dos mergulhadores atribui a si próprio no preenchimento da caderneta profissional, ao contrário do que pretendem os recorrentes. É também a lei que exige (art. 22º, nº 9) que a empresa responsável pelas operações de mergulho (o «empregador») tenha um livro de registo das operações de mergulho que são levadas a cabo, livro esse que deve conter detalhadamente todas as menções ali enunciadas; assim como consigna que o supervisor de mergulho deve planear a operação e submetê-la por escrito ao empregador (art. 23º, nº 2, al. a)). O planeamento escrito é assim um requisito que a lei claramente exige. Compreende-se porquê. Para que seja possível avaliar, em cada operação e nomeadamente quando haja qualquer anomalia, se foram efectivamente cumpridas todas as disposições do Regulamento e designadamente se foram adoptadas todas as medidas necessárias para obter uma correcta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afectar a vida, a integridade física e a saúde dos mergulhadores (art. 22º, nº 1). Até, porque o planeamento não se cinge à tarefa a executar debaixo de água. O planeamento deve referir-se, em concreto, à operação de mergulho e ao processo técnico que se irá desenrolar. Pelo que irrelevante se torna também a afirmação dos recorrentes de que havia um planeamento não escrito ou “verbal” e que, por isso, mal decidiu o tribunal quando considerou provado que não havia planeamento. Decidir como pretende o recorrente seria, aliás, de todo incompreensível quando o próprio recorrente referiu no seu depoimento “…livro de registos tal e qual como vem na lei nós não tínhamos” (cfr fls 34 do apenso I das transcrições). Como se ao recorrente assistisse o direito de usar uma legislação própria alternativa!!! E que mergulhadores havia que trabalhavam a profundidades para as quais se não encontravam habilitados pela sua categoria profissional demonstra-o a circunstância de, no mergulho efectuado em 2003.06.06, João Miguel Façanha ter trabalhado com o arguido B. como resulta da prova como adiante se referirá a uma profundidade de 24 metros. O recorrente admitiu isso mesmo quando sendo-lhe perguntado se, nas obras do emissor da Lagoa, os mergulhadores ao seu serviço alguma vez tinham ido a mais de 20 metros de profundidade respondeu: “Sim, foram”. E perguntado se colocava os mergulhadores a trabalhar em profundidades para as quais não estavam habilitados respondeu: “Hum, hum” cfr fls 30 do apenso I das transcrições). Mais adiante, sendo-lhe perguntado se houve algum mergulhador de 3ª classe que tivesse mergulhado a mais de 20 metros respondeu: “É possível” (cfr fls 31 do apenso I das transcrições). Se esta prova pode ser tida como pouco expressiva outro meio de prova há que foi tido em consideração pelo tribunal recorrido. Sem margem para reparo, adiante-se. Como é sabido a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º, nº 1 C. Civil) e é, normalmente apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127º CPP). Ela não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência que aqui se segue de perto uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodíctica nem, por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto. E assenta na certeza subjectiva, relativa ou histórico-empírica do facto, ou dito de outro modo: a) No alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida (cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil” p. 191; Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, p. 421); b) No grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verificado o facto respectivo (Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório, III”, p. 345); c) Na consciência de um elevado grau de probabilidade – convicção – assente no raciocínio lógico do juiz e não em meras impressões (Castro Mendes, “Do Conceito de Prova em Processo Civil” p. 306 e 325); d) Na convicção – objectivável, raciocinada (baseada na intuição e na reflexão) e motivável – para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I,” p. 205¸ Direito Processual Penal, - Lições Policopiadas – 1988/89, p. 140-141). É segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles; o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida. Sem ainda perder de vista um aspecto que se afigura decisivo, abundantemente exposto por este Tribunal da Relação em muitas ocasiões e que é o considerar que o pedido de reapreciação da matéria de facto não é um novo julgamento. De tudo se extraindo a conclusão de que por força do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP o processo de formação da convicção do julgador, desde que submetido aos critérios acima mencionados é insindicável a menos que contrarie as regras da experiência comum ou sentido lógico do homem médio. Ora, os recorrentes consideram que o tribunal recorrido não deveria ter atendido aos elementos que foram obtidos a partir do computador de mergulho que J.F. usaria na altura do acidente. O certo, porém, é que na fundamentação, o tribunal colectivo, a propósito desta questão esclareceu de forma clara de que modo formou a sua convicção sobre as circunstâncias relativas ao uso do computador por J.F. na altura do acidente e sobre os dados que dele foram extraídos. Fê-lo de forma inatacável de forma raciocinada e objectivável sem que se possa considerar como ponderável uma dúvida séria fundada em razões adequadas. Vários colegas de J.F. e o próprio recorrente referiram que ele tinha o computador em causa e que costumava usá-lo. Qual então a dúvida razoável, fundada em razões adequadas quanto ao uso do computador naquele dia? Quando está esclarecida, também a partir de depoimentos que se não vê porque hão-de ser descredibilizados a razão porque o computador não fez parte dos objectos que foram arrolados, não imediatamente após a chegada do corpo a terra, mas já na morgue do Hospital de Ponta Delgada. Acresce que do dito computador foi extraído um perfil que condiz com a descrição do directo interveniente, B., quanto aos dados da operação de mergulho, com excepção da profundidade a que seria efectuado, tudo conforme se explicou na decisão recorrida. Contudo, para essa divergência em relação à exactidão da máquina há, isso sim, uma explicação razoável. É natural que quer os arguidos ligados à “P.” quer o mergulhador B. apresentem uma versão mais afeiçoada, digamos, à conveniência da sua defesa, como também salientou a decisão recorrida. Mas mesmo que assim não fosse ao optar pela fiabilidade dos dados da máquina em detrimento dos depoimentos o tribunal fez uso da sua liberdade de apreciação da prova, devidamente fundamentada, claro está. O que, porém, acaba por se sobrepor nesta questão de o computador estar ou não no pulso de J.F. no momento do acidente e de serem ou não fiáveis os dados que dele acabaram por ser extraídos é a sua irrelevância! Na verdade, J.F., pela sua categoria profissional de mergulhador de 2ª classe podia mergulhar tanto até à profundidade em que se encontraria segundo os dados do computador como até à profundidade a que se referem os recorrentes (art. 7º, nº 1) pelo que em relação a si a questão não assume importância. Tem-na apenas quanto à responsabilidade do arguido F. e da demandada “P.” quanto ao mergulho de B.. Essa importância fica, porém, relativizada quando está assente e bem assente que o conjunto vasto de regras de segurança exigíveis na operação de mergulho não foram cumpridas. Como já abordado, não havia supervisor de mergulho e não havia mergulhador pronto assim como não havia comunicação entre as pessoas envolvidas na condução da plataforma com a equipa de mergulhadores (art. 22º, al. c); conclusão que se extrai dos factos provados). Estes são aspectos que se revestem da maior importância na concreta ocorrência da morte de J.F.. É precisamente para prevenir a existência de qualquer anomalia seja ela inclusivamente da responsabilidade do mergulhador, ou, senão, para a procurar remediar da melhor forma possível, isto é, com o mais eficaz controle de danos, que se exige que as operações de mergulho sejam rodeadas de um conjunto de medidas de segurança que neste caso não foram cumpridas. E que o sejam em cada momento, quando, portanto, são levadas a cabo. Pelo que se torna irrelevante argumentar com a validade formal de aspectos como a existência de Plano de Segurança, de responsável pela segurança e de conformidade nas inspecções feitas pela Polícia Marítima. Se a Polícia Marítima não averiguou e não reportou a inexistência de, por exemplo, livro de registo de operações de mergulho que, como já se viu não existia, isso só comprova que o seu trabalho não foi bem feito e nada mais. É bom que a discussão se centre no essencial e para isso não pode esquecer-se que, além de outros, é dever do «empregador» assegurar que os mergulhadores ao seu serviço satisfazem as condições estabelecidas no Regulamento de Mergulho Profissional (cfr seu artigo 22º, nº 2). Independentemente do que realmente tenha ocorrido no fundo do mar foi o incumprimento daquelas medidas de segurança que impediram que, a partir de determinado momento, tivesse sido prestada a necessária assistência a João Façanha. Se houvesse comunicação com a plataforma (se é que assim se pode chamar à embarcação onde apenas se encontrava o marinheiro) rapidamente poderia ter sido detectada qualquer anomalia. Se houvesse supervisor de mergulho e mergulhador pronto após a primeira vinda de B. à superfície, na sequência do escape livre, rapidamente poderia ter sido prestada assistência a J.F.. E não se diga que, nessa altura, aquele estaria já morto no fundo do mar por via de qualquer seu comportamento incorrecto do ponto de vista técnico, como afirmam os recorrentes designadamente por não se ter libertado do cinto de chumbo e por não ter feito escape livre. Desde logo porque como se não sabe com pormenor o que aconteceu também se não pode ter como seguro que J.F. tenha tido possibilidade de equacionar as alternativas que deveria tomar de acordo com as regras técnicas e de segurança de que era conhecedor. Assim como se não pode afirmar com o mínimo de rigor e (porque não dizê-lo) de decência que se não sabe se a intervenção de um mergulhador pronto evitaria a morte de J.F.. Este tipo de raciocínio (se assim se lhe pode chamar) tornaria inútil, em qualquer circunstância a intervenção de um mergulhador pronto. A circunstância de B. ter feito escape livre depois de largar o “back-pack” com a garrafa e o cinto de chumbo subindo em apneia, apesar de sem barbatanas, permite concluir que chegou à superfície em curto período de tempo. A intervenção de um supervisor de mergulho e um mergulhador pronto que naturalmente logo actuariam, faria com que o socorro chegasse ao fundo ainda em menos tempo. Seguramente que então não teria havido as manobras de mudança de regulador para outra garrafa nem o telefonema para o recorrente a pedir instruções, nem uma nova descida em situação complicada (sem barbatanas e sem cinto de chumbo) (cfr pontos 2.1.24 a 2.1.28 da matéria de facto). Para a chegada à superfície de J.F seguramente que então não teriam decorrido os 27 minutos que acabaram por decorrer (cfr ponto 2.1.30). Ora, como é sabido o afogamento provoca paragem cárdio-respiratória mas não a morte instantânea. A literatura médica exemplifica, aliás, abundantemente situações em que após imersão relativamente prolongada (5-10m) os procedimentos de reanimação tiveram sucesso.** Uma pesquisa “google” com as palavras-chave “immersion injuries”, “submersion-related injuries”, “drowning”, “aspiration of water” ou “hypoxia”, entre outras, revelará, de resto, casos limite surpreendentes ainda que em condições específicas das quais a mais importante será a temperatura da água. Contudo, nem são esses que relevam para o caso presente. Dito isto, cumpre dizer também que nenhum reparo há a fazer à decisão do tribunal colectivo de condenar o recorrente F. a título de dolo. Recorde-se o que, a propósito, foi dado como provado: 2.1.37. - A efectivação do mergulho em causa, sem planeamento, sem supervisão e sem um mergulhador pronto na plataforma tornou, em caso de uma emergência, difícil ou mesmo impossível, prestar o auxílio necessário a evitar danos na integridade física ou na vida dos dois referidos mergulhadores. 2.1.38. - O arguido F., na qualidade de gerente da empresa empregadora dos mergulhadores e responsável pela citada obra, era quem tinha o dever de dirigir e fiscalizar a execução dos trabalhos subaquáticos, bem como de zelar pelas condições de segurança das operações de mergulho. 2.1.39. - Sabia que ao omitir tal cumprimento estava a colocar em risco a integridade física e a vida dos mergulhadores ao seu serviço. Ao gerir os meios humanos e materiais da P. à sua disposição para a realização da obra do emissário submarino da Lagoa, com o fito de poupar despesa, o arguido deixou de cumprir com as regras regulamentares relativas ao mergulho profissional que a natureza daquela obra implicava. Em rigor os recorrentes não impugnam esta matéria de facto no sentido que a lei exige de indicar as provas que impõem decisão diversa (art. 412º, nº 3, al. b) CPP). Não o são afirmações feitas pelo recorrente F. no seu depoimento em audiência de que tinha mergulhadores em permanência e que as obras decorriam em 80% dos casos a menos de 10 metros de profundidade. O que interessa é que na operação de mergulho em causa – como está esmagadoramente provado – não foram observadas todas as regras que se impunham. Regras que a lei prescreve precisamente porque se trata de uma actividade de elevados e múltiplos riscos que exige o respeito por apertadas normas de segurança. E que têm todas de ser observadas e não apenas algumas sujeitas ainda por cima a uma – digamos só assim – interpretação pessoal. E cujo respeito a lei expressamente comete ao «empregador» como o sentido que já foi referido supra. O recorrente F. sabia e não podia deixar de saber – até pela circunstância de também ele ser mergulhador profissional desde 1981 (cfr facto 2.1.45) – que estava obrigado ao cumprimento estrito daquelas normas e que ao não o fazer estava a colocar em risco os mergulhadores que lhe prestavam serviço. Por isso, bem vistas as coisas, a partir do que se deu como provado nos pontos 2.1.38 e 2.1.39 a conclusão que se pode extrair é a de que recorrente não agiu com dolo eventual como se afirma na decisão recorrida. O que se pune na incriminação do art. 277º é o perigo e não o dano como logo à cabeça se salienta na anotação respectiva do “Comentário …”, tomo II, pag. 911, e esse perigo concreto para a vida e a integridade dos mergulhadores existiu porque o recorrente agiu, querendo fazê-lo, contra regras regulamentares e contra técnicas de procedimento profissional que dominava, contra as “leges artis” da sua profissão. O que se configura, então, é uma situação de dolo directo quanto à conduta e de dolo eventual quanto ao perigo (cfr quanto à admissibilidade de “combinação” das diversas formas do tipo subjectivo de ilícito o “Comentário …, tomo II, pag. 928). O que, de resto não tem quaisquer consequências perante a proibição de reformatio in pejus (art. 409º CPP). No final da audiência de julgamento, o tribunal colectivo entendeu ser de considerar, em abstracto, uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia e comunicou-a aos arguidos, nos termos previstos no art. 358º, nº 3 CPP. A partir desta ocorrência processual e tendo ainda por base a circunstância de N., representante legal da empreiteira “I., SA” não ter sido pronunciado pelo crime de infracção de regras de segurança do art. 152º, nº 4 do C. Penal de que estava acusado os recorrentes desenvolvem uma confusa argumentação no sentido de que a condenação de Fernando Moreira em contraponto com a não pronúncia de N. violaria o que diz ser o “princípio da justiça relativa e da igualdade de tratamento processual”. Como é patente não assiste qualquer razão aos recorrentes. N. não foi pronunciado porque no despacho respectivo essencialmente se considerou não haver indícios de que soubesse que a “P.” não respeitava as regras de segurança e tivesse silenciado tal facto e que a empreiteira, ela própria, tivesse desrespeitado regras de segurança. Daqui decorre, crê-se, a evidência de que o recorrente F. e N. não estão num situação de igualdade nem formal nem substancial. Os factos que eram imputados a um e a outro eram distintos e nessa medida foram apreciados mediante distintos meios de prova designadamente os que N. logrou produzir em instrução. Por isso, aquilo que se considera ser a vinculação da jurisdição pelo princípio da igualdade não foi objecto de qualquer constrangimento. A aplicação do direito foi feita de forma desigual (no tocante à pronúncia de um outro e à não pronúncia de outro) porque desiguais eram as situações do recorrente e de N. no tocante à matéria de facto que lhes era imputada na acusação e porque desigual foi também o desenvolvimento da produção e da apreciação da prova numa fase que, de resto, há muito está encerrada. Ou seja, se desigualdade houve foi porque a diferenciação de tratamento teve por base um fundamento material mais do que evidente e uma justificação com elevado grau de razoabilidade. Dito de outro modo, sem qualquer manifestação de arbítrio no uso dos poderes discricionários do julgador. Por isso, não se vê como seja possível procurar colocar a situação do recorrente, no plano dos factos e no plano do direito, em paridade com a de N. e pretender que houve violação do princípio da igualdade. O resultado do julgamento resulta, claro está, da circunstância de, no fundamental, se terem dado como provados os (mesmos) factos que, então, com outra finalidade, como é sabido, estavam em apreciação na instrução. O que se torna curioso, isso sim, é verificar a persistente tentativa dos recorrentes de alijar responsabilidades. Seja atribuindo-as a J.F. seja atribuindo-as ao empreiteiro e aos seus responsáveis. Nesta perspectiva singular todos teriam responsabilidades menos quem as tem realmente! Em suma, na decisão recorrida não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nenhuma crítica merecendo a fundamentação dessa matéria feita pelo tribunal colectivo a quem, como é patente, se não colocou qualquer dúvida que impusesse uma decisão jurídica a favor do recorrente F.. Afastada está, pois, a sua absolvição nomeadamente por aplicação do princípio in dubio pro reo. 3.3. – Quanto à parte do recurso respeitante à matéria cível dir-se-á muito brevemente que ela é total e manifestamente improcedente ainda que por razão diversa da referida na decisão sob recurso. Como parece evidente o respeito pelo conjunto de regras que foram violadas pertencia – na prática e no terreno, digamos assim – em primeira linha a F. Era ele que agindo como titular de um órgão de uma sociedade, a sua gerência, tinha de modo efectivo de assegurar todas as condições legalmente exigidas à “P.” para que os mergulhadores que prestavam serviço a essa empresa de era gerente pudessem actuar com toda a segurança. É, pois, manifesto que não tendo sido respeitadas essas condições por omissão de quem legalmente, em nome da “P.”, estava obrigado a providenciar pelo seu cumprimento houve da sua parte violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios (art. 483º, nº 1 C. Civil). A decisão recorrida sem o explicar remeteu, porém, a responsabilidade exclusiva para a “P.”. A avaliação e determinação da responsabilidade foi, pois, invertida na decisão recorrida, sem explicação aparente. Contudo, se isto assim é não é menos certo que era a “P.” o «empregador» no sentido em que a expressão é usada pelo Dec. Lei nº 12/94, como já referido. Era com a “P. “ que J.F. tinha um vínculo jurídico que o obrigava à prestação do seu trabalho e, por conseguinte, era esta que, como «empregadora», tinha de providenciar a existência das condições legalmente exigidas para que os mergulhadores ao seu serviço pudessem actuar com toda a segurança. É, pois, manifesto que não tendo sido respeitadas essas condições ainda que por omissão do seu representante legal, o arguido F., a “P.” acabou também por se tornar responsável pelos danos sofridos por J.F.. A sua responsabilidade é, por conseguinte, solidária com a de F. (art. 497º, nº 1 C. Civil). Se, como salienta a decisão recorrida, a sua responsabilidade criminal está afastada pelo carácter pessoal desse tipo de responsabilidade (art. 11º C. Penal) e se a punição de F. decorre da sua actuação em nome de outrem, no que toca à responsabilidade civil a solidariedade existe. Também se crê que a invocada violação do art. 563º do C. Civil não existe. Como já se deixou dito supra, é manifesto que se as regras de segurança tivessem sido cumpridas a assistência a J.F. teria sido prestada oportunamente (o que de todo não aconteceu) e sendo-o previsivelmente a morte daquele não teria ocorrido. Como também é evidente a circunstância de existir um contrato de seguro por acidente de trabalho com uma entidade seguradora e de relativamente a esse contrato ter sido acordado o quantitativo e o modo de pagamento de uma indemnização em nada contende com o apuramento da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que se encontra agora e só agora definida e por via da qual o dever de indemnizar cabe solidariamente a F. e à “P.”. * 4. – Recurso da demandante I.F. Depois do que atrás se deixou dito a propósito do recurso do recurso da demandada “P.” no tocante ao pedido civil deduzido nada mais há a acrescentar. A pretensão da recorrente é procedente na medida em que, como já referiu, a responsabilidade da “P.” e de F., seu gerente é solidária. * 5. – Aplicação da lei nova (Lei nº 59/2007) O arguido, ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de infracção de regras de construção agravado, previsto nos artigos 277º, nº 1, al. a) e 285º do Código Penal, com referência ao Decreto-Lei nº 12/94, de 15 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos. Com a alteração ao Código Penal introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro mantiveram-se inalteradas as disposições legais que suportaram a decisão do tribunal. Por isso, nada há a ponderar, neste aspecto, no tocante à sucessão de leis no tempo e à aplicação da lei mais favorável (art. 2º, nº 4 C. Penal). Já quanto à duração da suspensão da pena de prisão a alteração do art. 50º do C. Penal tem de ser ponderada face ao regime concretamente mais favorável agora preconizado. Efectivamente, de acordo com a nova redacção do nº 5 daquele art. 50º o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do transito em julgado da sentença. Isto significa que, no caso presente, o período de suspensão da execução da pena de prisão tem de ser reduzido de 3 anos para 2 anos e 6 meses que foi a duração da pena de prisão determinada na sentença. 6. – Em face do exposto decide-se: a) Negar provimento ao recurso do arguido F. e da demandada “P., Lda”. b) Alterar a decisão recorrida pelas razões referidas supra em 5. e, nessa medida condenar este arguido na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão com a respectiva execução suspensa por igual período de tempo. b) Conceder provimento ao recurso da demandante civil e, nessa medida, alterar a decisão recorrida condenando F. e “P., Lda” a pagarem, solidariamente, a cada uma das demandantes civis I.F e C.F. , a título de danos não patrimoniais, a quantia de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros). c) Condenar o recorrente F. em 10 UC’s de taxa de justiça. d) Condenar a recorrente “P., Lda” pelo decaimento nas custas cíveis. |