Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2652/08.4TVSLB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – Incumbe aos tribunais administrativos o julgamento de acções que tenham por objecto todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com excepção dos que o legislador ordinário atribua expressamente a outra jurisdição.
2 – Esta competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
3 – É da competência dos tribunais administrativos a apreciação da acção de responsabilidade civil contratual, relativa ao contrato de prestação de serviços – prestação de serviços de consultoria e colaboração na organização de serviços na área especializada da formação, com enfoque maioritário em projectos comunitários – em regime de avença e por ajuste directo, entre a autora e a Direcção-Geral dos assuntos Consulares, submetido ao regime do DL 197/99 de 8/6.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A demandou o Estado Português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros pedindo a condenação do réu a pagar à autora, em sede de responsabilidade civil contratual – a) os honorários que lhe são devidos e já vencidos, referentes aos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2008, que ascendem ao valor total de € 13.481,90 (incluído IVA), b) a pagar-lhe os honorários que lhe são devidos e que se forem mensalmente vencendo, para já e até ao presente momento, referente ao mês de Setembro de 2008 até 31/12/2008 e que ascendem ao valor total de € 8.938,28, c) a pagar-lhe os honorários que lhe são devidos e se forem mensalmente vencendo (à razão de € 2.234,57/mês – incluído IVA) a partir de 2/1/2009 em diante, caso se não verifique a terminação do contrato de avença ora em questão, por parte da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, pelas formas que, ao abrigo do contrato de avença ora em questão e da lei que lhe é aplicável, tem ao seu dispor, d) a pagar-lhe os juros de mora legais vencidos e vincendos sobre os valores referidos nas alíneas a) a c) desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, e) e ainda a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso que se verifique no pagamento das quantias peticionadas, quantia essa que não deverá ser inferior a € 100,00 por dia.
Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade de prestação de serviços de consultoria técnica, em regime liberal, em 19/12/2001, ajustou e celebrou com a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas um contrato de prestação de serviços de consultoria e colaboração na organização dos serviços de formação, na área especializada da formação, com enfoque maioritário em projectos comunitários daquela, em regime de avença, cujo conteúdo foi alargado posteriormente – aditamento da cláusula 9ª – ajustado e celebrado entre as partes em finais de 2002, pelo prazo inicial de 2/1/2002 até 31/12/2002, sem prejuízo da sua prorrogação automática por iguais períodos de tempo, caso não seja denunciado, nos termos legais, com prévio aviso de 30 dias (úteis) e sem a obrigação de indemnizar.
Ajustaram o pagamento mensal de € 2.178,70 com IVA (então à taxa de 17%), ou seja, € 1.862,14 de honorários acrescido de € 316,56 de IVA e retenção do IRS à taxa legal de 20%, mediante a apresentação de recibo, por parte da autora, quantia essa que, em Julho de 2008, era de € 1.862,14 de honorários e € 372,43 de IVA.
Acordaram que as partes podiam rescindir verificadas as seguintes condições: a) se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações e quanto pela sua gravidade e reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do vínculo contratual. Tendo ainda a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, ao abrigo de tal cláusula, a faculdade de rescindir tal contrato quando, reiteradamente, se verificar, por parte da autora, situações de irregularidade contributiva previstas no DL 197/99 de 8/6.
Acordaram também que a legislação a aplicar nos casos omissos seria o estabelecido no DL 197/99 de 8/6.
Desde o início da sua vigência e até à presente data, não houve qualquer comunicação de denúncia do contrato – denúncia com a antecedência prévia de 30 dias úteis para o seu termo inicial ou para o seu termo de renovação -, nem existiu qualquer comunicação de rescisão do mesmo, por ambas as partes.
A última renovação do contrato ocorreu automaticamente por um novo período temporal que se iniciou em 2/1/2008 e terminou em 31/12/2008.
Em 17/3/2008, a autora recebeu uma carta subscrita pela Sra. Directora de Serviços de Emigração da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, comunicando-lhe não tinha sido autorizada a renovação do seu contrato de avença, uma vez
que o prazo de caducidade ocorrera em 31/12/2007 e que os pagamentos cessariam em 29/2/2008.
A autora respondeu, em 25/3/2008, dizendo que inexistindo qualquer denúncia ou rescisão do contrato nos termos acordados, este renovou-se automaticamente, sendo certo que a autora continuou a desempenhar funções na Direcção-Geral até ao dia em que recebeu a carta.
A carta foi recebida pelo Sr. Director-Geral em 26/3/2008, que manteve o exarado na notificação anterior.
A autora apesar de ter continuado a enviar os respectivos recibos de liquidação de honorários, não mais recebeu qualquer pagamento, desde Março de 2008 até hoje.

O réu, na contestação, excepcionou a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria concluindo pela absolvição do pedido, ou caso assim se não entenda, pela sua absolvição do pedido.
Sustentou a competência dos tribunais administrativos e impugnou in toto o alegado pela autora, nomeadamente quanto à interpretação da legislação aplicável ao contrato de prestação de serviços em regime de avença, defendendo que a autora tinha conhecimento que a partir de 2006 (DL 41/84 de 3/2), a renovação do contrato não era automática, carecendo da existência de parecer favorável nesse sentido.
Em sede de despacho saneador foi julgada procedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, declarada a incompetência absoluta do tribunal e, consequentemente o réu sido absolvido da instância.
Inconformada, a autora apelou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:
1ª. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal recorrido em 27/02/2009, que julgou este tribunal incompetente em razão da matéria e determinou a sua incompetência absoluta, absolvendo, em consequência, o réu, ora recorrido, da instância.
2ª. Com efeito, entende a sentença recorrida que, atento o teor dos arts. 62º nº 1 e 66º, ambos do CPC, bem como o teor do art. 4º nº 1 alínea f) do ETAF, o tribunal recorrido é absolutamente incompetente, em razão da matéria para julgar a causa dos presentes autos, pois o contrato inserto nestes é um contrato de natureza administrativa, subordinado à apreciação da jurisdição administrativa.
3ª. Para tal decisão, a sentença recorrida fundamenta-se nas seguintes alegações:
1 - O contrato dos autos foi celebrado em razão da prossecução de fins de interesse público da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP) do réu, pois resulta dos autos que a recorrente desenvolvia essencial e maioritariamente actividade formativa na área de projectos comunitários e esta actividade e a necessidade de profissionais que a realizem decorre dos fins de interesse público prosseguidos pela DGACCP do recorrido – cfr. 1ª fundamentação da sentença recorrida;
2 - No caso vertente, um dos sujeitos da relação (contratual) em causa é uma pessoa de direito público no exercício da função administrativa de direito público, facto que é um elemento caracterizador da relação jurídica administrativa – cfr. 2ª fundamentação da sentença recorrida;
3 - No caso vertente, a celebração do contrato foi objecto de despacho de autorização proferido pelo Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e foi precedido de procedimento por ajuste directo, adoptado nos termos do disposto nos arts. 78º, 79º e 81º do D.L.197/99, de 8 de Junho e o objecto da prestação contratual é substantivamente regido pelo direito público, tendo as partes expressamente submetido o contrato dos autos a um regime substantivo de direito público (o DL nº 197/99, de 8 de Junho e o DL nº 41/84, de 3 de Fevereiro), facto que também é um elemento caracterizador da relação jurídica administrativa – cfr. 3ª fundamentação da sentença recorrida.
4ª. A recorrente, contudo, não se conforma com o entendimento e respectiva fundamentação expressos em tal sentença, na medida em que (e salvo o devido respeito) considera que, em face da factualidade referida nos arts. 18º a 29º da alegação do presente
recurso, bem como do que as partes articularam nos autos e do teor de toda a documentação nela inserta (incluindo, especialmente, o contrato de fls. 19 a 21 dos autos, bem como o aditamento ao mesmo e o despacho de autorização que sobre ele recaiu, de fls. 22 e 23 dos autos, em cujos teores a sentença recorrida se baseou) e atenta ainda a lei substantiva e adjectiva em vigor aplicável ao caso dos autos,
Tal sentença decidiu mal, carecendo em absoluto de razão jurídica, por desconformidade com a lei, ou seja, por ter violado as regras legais determinativas da competência em razão da matéria.
Senão, vejamos:

5ª. Quanto à supra referida 1ª fundamentação da sentença recorrida, impõe-se observar que,

Desde logo, a área de actuação da recorrente, no âmbito do objecto do contrato em questão (que está ligada às questões de formação profissional interna da DGACCP do réu, ora recorrido, e cujos aspectos organizacionais são o objecto dos serviços prestados pela recorrente e não a alegada actividade formativa) não serve os propósitos das atribuições e competências públicas daquela DGACCP definidas na sua lei orgânica (cfr. artigos 5º e 6º da petição inicial).

6ª. Pois que, a recorrente, pelo referido contrato e no âmbito da sua actividade de prestação de serviços de consultoria técnica, foi afecta à prestação de serviços de consultoria e colaboração na organização dos serviços de formação internos da DGACCP do réu, ora recorrido, que são actividades que em nada têm a ver com as atribuições orgânicas e estatutárias daquela, não contribuindo, assim, para a realização do serviço ou interesse público que está cometido àquela DGACCP e não visando sequer um fim de imediata utilidade pública.

7ª. E, precisamente, porque no próprio serviço não existiam funcionários ou agentes qualificados para prestar tais serviços. Não pelo entendimento alegado na douta sentença recorrida, Mas porque, simplesmente, os funcionários e agentes que existiam no próprio serviço eram funcionários públicos e agentes administrativos, esses sim afectos, nas suas funções, à realização dos fins estatutários e orgânicos de interesse público e de imediata utilidade pública da DGACCP do réu, ora recorrido.

8ª. Depois a recorrente, pelo contrato de avença ou através do mesmo, com a realização daquela prestação de serviço a seu cargo (pelo prazo de duração anual, prorrogável), Não se associou nem está afecta, com carácter duradouro e de permanência à realização ou à execução de interesses públicos ou de atribuições e competências públicas prosseguidos pela DGACCP do réu.

9ª. Nem está subordinada ou submetida à autoridade, a instruções e à direcção da DGACCP do Réu, quanto ao específico objecto da prestação que lhe cabe, Tendo apenas se obrigado a proporcionar-lhe determinado resultado da sua actividade, mediante a contraprestação de um preço, Actividade essa em que a DGACCP do réu, ora recorrido, se coloca exactamente no mesmo plano de actividade das empresas de direito privado e de onde não decorre a realização de nenhum fim de interesse público ou de imediata utilidade pública.

10ª. Quanto à supra referida 2ª fundamentação da sentença recorrida, impõe-se, por seu turno, observar que, Em primeiro, a Administração Pública tanto pode celebrar contratos administrativos, como contratos de direito privado (civil ou comercial). Pelo que, o facto de existir uma pessoa de direito público num contrato (como contraente) não se pode, desde logo e de forma alguma, conferir ou presumir o carácter administrativo ao/do mesmo.

11ª. Depois, a DGACCP do réu, ora recorrido, não reservou, no contrato ora em questão, especiais poderes de autoridade ou de fiscalização na execução dos serviços a prestar pela recorrente. Nem tão pouco acertou os serviços a prestar pela recorrente actuando nas vestes de autoridade pública e investida de poderes de “imperium” com vista à realização do interesse público. Não gozando, pois, a DGACCP do réu, ora recorrido, nesta relação jurídica contratual, de qualquer supremacia face à recorrente, enquanto particular.

12ª. Finalmente, quanto ao teor da supra referida 2ª fundamentação da sentença recorrida, cumpre ainda referir que,

13ª. As circunstâncias do contrato de avença dos presentes autos ter sido precedida de despacho de autorização ministerial e de procedimento por ajuste directo adoptado nos termos do citado DL nº

197/99, de ter sido submetido pelas partes ao regime jurídico deste diploma legal e do artigo 17º do DL nº 41/84, de 3 de Fevereiro (com as alterações introduzidas, entretanto, pelos DL nº 299/95, de 29 de Julho e DL nº 169/2006, de 17 de Agosto), bem como ainda do art. 10º do DL nº 184/89, de 2 de Junho e do art. 10º nº 1 e nº 2 do DL nº 427/89, de 2 de Junho, Afiguram-se, de todo, insuficientes para, por si só, isoladamente, definir o contrato como administrativo ou público, não alterando, de todo, a sua natureza privada, nem modificando, sequer, as relações entre a recorrente (enquanto particular) e aquela Direcção-Geral (enquanto Administração) que se revestem de carácter privado. Com efeito,

14ª. Não é por um contrato estar sujeito às regras procedimentais de direito administrativo, constantes dos citados DL nº 197/99 e DL nº 41/84, que o torna um contrato administrativo. Pois que aquele DL nº 197/99 (que regula o regime financeiro com a locação e a aquisição de bens e serviços e a procedimentalização de contratação pública relativa a estas actividades) aplica-se não só aos contratos regulados pelo Direito Administrativo, mas também a outras despesas com a aquisição de bens ou serviços para o Estado, que não se encontram regidas por tal Direito Administrativo. E,

15ª. Como se refere no Acórdão do TRL de 09/03/2004 (Proc. nº 6086/2002-7), que a recorrente perfilha:

(...) É natural que nos contratos celebrados com a Administração Pública devam ser observados certos formalismos de ordem burocrática que não existem nos contratos celebrados entre particulares. Mas tal circunstância não os torna por isso, e desde logo, contratos administrativos. Estes só o são quando se verificam os devidos requisitos.”

“Daí que se possa dizer que a procedimentalização não é característica dos contratos administrativos enquanto tais, mas antes da contratação administrativa em geral (...).”
16ª. Pelo que, em face de todo o exposto, se dirá, assim, que, contrariamente ao entendimento da douta sentença recorrida, o regime jurídico do contrato de avença dos autos não detém, por isso, qualquer marca específica relevante de direito administrativo, pelo que se impõe concluir que, através dele, não foi constituída qualquer relação jurídica de direito administrativo ou de direito público, nem tão pouco, assim, qualquer contrato administrativo entre a recorrente e a DGACCP do réu, ora recorrido.
17ª. A relação jurídica constituída entre a recorrente e a DGACCP do réu, ora recorrido, titulada pelo contrato de prestação de serviços, na modalidade de contrato de avença, é,
pois, uma relação jurídica de direito privado, na qual o Estado intervém como entidade privada, assumindo um acto de gestão privada.
18ª. Pelo que a pretensão formulada pela recorrente nos presentes autos (falta total do pagamento dos honorários devidos desde o mês de Março de 2008, geradora da responsabilidade civil do réu e consequente pedido de condenação deste no pagamento de tais honorários, acrescidos de juros de mora e de sanção) não tem, na sua base, um conflito em torno da conformação de uma relação jurídica administrativa ou de direito público, não sendo os tribunais administrativos competentes para a sua apreciação,
Mas antes o tribunal comum cível onde os autos deram entrada e se encontravam a correr.
19ª. Pelo que, em face do exposto, a douta sentença recorrida ao decidir que o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria, cabendo a competência para apreciar a questão suscitada nos presentes autos aos tribunais administrativos, não fez a correcta interpretação e aplicação da lei aplicável ao caso dos presentes autos, violando, assim, os arts. 211º e 212º nº 3 da CRP (Constituição da República Portuguesa), os arts. 1º e 4º nº 1 alínea f) do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), o art. 18º nº 1 da LOFTJ, bem como ainda os arts. 62º nº 1, 66º e 67º do CPC.
20ª. Devendo, por isso e em consequência, ser dado provimento ao presente recurso e tal sentença recorrida ser revogada, por ilegal, e ordenando-se a continuação do prosseguimento dos presentes autos no Tribunal recorrido por ser
este o competente em razão da matéria, para conhecer da respectiva acção.

O réu/apelado contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença.

Factos com interesse para a decisão:

1 – Contrato de fls. 19 a 21 aqui dado por reproduzido.
2 – Aditamento ao contrato a fls. 23 aqui dada por reproduzida.

Colhidos os vistos, cabe decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – a questão a decidir consiste em saber se os tribunais judiciais são ou não competentes para conhecer da acção declarativa em causa.

Vejamos, então.

A competência do tribunal é determinada pela pretensão formulada pelo autor caracterizada pelo pedido e causa de pedir.
No caso em apreço, o pedido da agravante traduz-se na condenação do Estado Português (Ministério dos Negócios Estrangeiros) no pagamento de uma indemnização e a causa de pedir no contrato de prestação de serviços em regime de avença.
A competência jurisdicional do tribunal – competência em razão da matéria – afere-se pela relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor - acção de indemnização no quadro da responsabilidade civil contratual imputada pela agravante ao Estado (MNE).
A regra da competência dos tribunais da ordem judicial é supletiva ou residual – são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional – arts. 66, 67 CPC e 18 da LOFT (Lei 3/99 d e13/1).
O âmbito da jurisdição administrativa é definido no art. 212/3 CRP – compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais – art. 1/1 ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) – Lei 13/2002 de 19/2 com as alterações introduzidas pela Lei 107-D/2003 de 31/12.
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas – art. 3 ETAF.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto – questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem os aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos que, pelo menos, uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário, que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público – art. 4/1 f) ETAF.
Deste preceito resulta que incumbe à jurisdição administrativa o julgamento de acções que tenham por objecto todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com excepção dos que o legislador ordinário atribua expressamente a outra jurisdição.
Esta competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, e se no mesmo processo existirem decisões divergentes sobre a questão da competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior – art. 5 ETAF.
No caso dos autos constata-se que as partes submeteram o contrato a um regime substantivo de direito público – a autora e a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, celebraram um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, por ajuste directo, tendo-o submetido ao regime do DL 197/99 de 8/6, bem como à demais legislação aplicável à prestação de serviços, nomeadamente o DL 41/84 de 3/2 (com as alterações constantes dos DL 299/95 de 29/7 e 169/2006 de 17/8).
O DL 197/99 implementou um novo regime jurídico de realização de despesas públicas e de contratação pública, relativas à locação e aquisição de bens móveis e serviços, sendo que o DL 41/84 estabelece que os serviços e organismos poderão celebrar contratos de avença sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços.
Quanto ao objecto – prestação de serviços de consultoria e colaboração na organização de serviços na área especializada da formação, com enfoque maioritário em projectos comunitários – é nítido que lhe subjaz fins de interesse público prosseguidos pela Direcção-Geral.
Uma das partes outorgantes é uma entidade/pessoa de direito público.
Assim, atento o explanado supra, a conclusão a retirar é a de que o litígio em questão é da competência dos tribunais administrativos, são eles os competentes para conhecer desta acção.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 17 de Setembro de 2009

Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes