Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0025011
Nº Convencional: JTRL00000009
Relator: DINIS NUNES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
ALVARÁ
LOTEAMENTO URBANO
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
FRAUDE À LEI
NULIDADE
Nº do Documento: RL199102260025011
Data do Acordão: 02/26/1991
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: DL 46673 DE 1965/11/29 ART2 ART10 N1.
CCIV66 ART280 ART285 ART294.
DL 289/73 DE 1973/06/06 ART1 ART19 ART24 ART27 N1 N2 ART30 ART32.
DL 400/84 DE 1984/12/31.
Jurisprudência Nacional: ASS STJ DE 1987/07/21 IN DR DE 1987/10/30.
ASS STJ DE 1987/11/19 IN DR DE 1988/01/12.
AC STJ DE 1980/02/12 IN BMJ N294 PAG312.
AC STJ DE 1980/10/15 IN BMJ N300 PAG381.
Sumário: I - Na vigência do DL. 289/73, de 6 de Junho, o contrato- -promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará só é nulo se, no momento da celebração desse contrato houver impossibilidade de obter aquele alvará, por força de disposição legal ou regulamentar, ou de acto administrativo.
II - Mas não era possível celebrar-se, validamente, o correspondente negócio jurídico sem obtenção prévia do alvará de loteamento.
III - O facto de ser possível proceder à venda das parcelas de terreno em regime de compropriedade ("avos") é inadmissível para efeitos de cumprimento do contrato-promessa celebrado, já que constituia negócio em fraude à lei.
IV - Na verdade, sendo a finalidade dos Decreto-Lei n. 275/76, de 13 de Abril e Decreto-Lei n. 400/84, de 31 de Dezembro, impedir que, por meios aparentemente legais, se possam criar loteamentos de facto, o recurso à figura jurídica da compropriedade constituía uma forma de violar o espírito daquela legislação.
V - Tendo a fraude à lei o mesmo tratamento jurídico que a violação directa da lei, os ditos contratos-promessa são nulos por impossibilidade de, actualmente, se obter o respectivo alvará de loteamento.
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa:
(A) intentou pelo 5º Juízo Cível de Lisboa, acção declarativa com processo ordinário contra (B) e mulher (C) e (D) e mulher (E) com os seguintes fundamentos:
Em 13 de Abril de 1984, o A. celebrou com o Réu (B)que agiu em seu nome e em representação do Réu (D), um contrato-promessa, mediante o qual os RR. prometeram vender ao A. quatro lotes de terreno, sendo dois situados na Sobreda da Caparica e outros dois em Famões, no Casal da Silveira, em Odivelas, pelo preço total de 1600000 escudos, livres de quaisquer ónus ou encargos.
O preço foi integralmente pago pelo A. naquela data ao R. (B)que o recebeu para o repartir em partes iguais pelo segundo Réu, visando proveito do negócio sendo os Réus e as respectivas mulheres.
Ora, o R. (B)prometeu vender ao A. os lotes de terreno afirmando que eles se situavam dentro do respectivo povoado e foram prometidos comprar sob condição da verificação dessa situação. Contudo, o Réu (B)enganou consciente e propositadamente o A., porquanto os lotes se situavam nos locais indicados.
Por outro lado, os RR. não podiam vender os dois lotes de Famões, pois sobre eles pesava um ónus de interesse público visado pela Câmara Municipal de Loures, já pré-existente a 13/04/84.
Ao tentar vender os lotes ao A. o R. (B)usou de má fé, e de congeminação para enganar o A. e dele obter dinheiro sabendo bem que os dois lotes da Sobreda não ficavam na Sobreda da Caparica nem junto à estrada velha e tendo consciência plena que os dois lotes do Casal da Carolina não ficavam em Famões, nem sequer no Casal da Silveira, e fora da Zona servida por estrada.
Mas, além disso, os dois lotes da Sobreda não são pertença ou propriedade dos Réus e os dois lotes do Casal da Carolina tinham já sido afectados pela Câmara de Loures a futuras instalações de interesse público na zona e por isso a Câmara tinha dado disso conhecimento aos Réus.
Assim, todo o contrato celebrado em 13/04/84 é inválido, por vício de vontade, por existência de erro e má fé e por inexistência do objecto indicado.
Tal contrato-promessa levou a um enriquecimento sem causa por parte dos Réus, em prejuízo manifesto para o A., pelo que tem direito a restituição dos 1600000 escudos. E porque os Réus bem no sabiam que o negócio era nulo tem ainda direito a juros contados desde 13/04/84.
Contestaram os Réus, alegando o seguinte:
O A. foi ao local por mais de uma vez, viu os lotes de terreno, entendeu a sua localização e valor face a diversos elementos topográficos e de perspectivas urbanísticas, e só depois fechou o negócio; por outro lado o preço não implicou o recebimento da quantia de 1600000 escudos, tendo o
A. recebido os quatro lotes de terreno para dar quitação a um crédito que tenha sobre (F) com quem o R. (B)tem relações comerciais. O A. foi o único culpado pelo facto de a escritura pública não ter sido ainda outorgada pois foi avisado por diversas vezes que era urgente tratar do assunto e não se moveu nesse sentido, sendo certo que os RR. sempre estiveram em condições de a celebrar, nada obstando à validade do contrato.
Finalizaram pela improcedência requerendo a condenação, do A. como litigante de má fé numa indemnização não inferior a 100000 escudos.
No prosseguimento dos autos foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e condenou o A. em multa e indemnização, e no pagamento dos honorários ao Exmo. mandatário dos RR., por haver litigado de má fé.
Não se conformando com esta decisão, dela interpôs o A. o competente recurso e nas suas doutas alegações escritas formula as seguintes conclusões:
1 - As alíneas A e B) da especificação consubstanciam o contrato-promessa de compra e venda constante do documento junto a fls. 9 dos autos, pelo qual os Réus prometeram vender e o Autor promete comprar quatro lotes de terreno, sendo dois situados em Sobreda da Caparica e dois em Famões, no Casal da Silveira, tendo o A. pago o preço total de 1600000 escudos.
2 - A especificação transitou em julgado antes de ter transitado o despacho das respostas aos quesitos, pelo que este despacho ficou prejudicado pela especificação, devendo considerar-se prejudicado nas respostas aos quesitos 6, 7, 15, 16 e 17, sob pena de, assim não sendo, haver ofensa do caso julgado.
3 - Salva-se assim a resposta ao quesito 4 e a parte dos quesitos 7 e 8 que se reporta à situação dos lotes, a uma distância indeterminada da povoação da Sobreda da Caparica e de Famões, respectivamente.
4 - Os quatro lotes prometidos vender só poderiam ser vendidos depois de obtido o respectivo alvará de loteamento - art. 27 n. 1, do Decreto Lei n. 289-73, de 6 de Junho.
5 - A alegação e prova de obtenção do respectivo alvará cabia aos Réus, por serem os proprietários do terreno - o que não fizeram.
6 - Ao autor apenas cabia indicar os seus elementos pessoais ou de outrem para efectivação da escritura, nunca lhes tendo solicitado os Réus.
7 - Por conseguinte, o A. pressupondo que os referidos lotes estavam autorizados por alvará, pagou aos Réus o preço total.
8 - Mas não havendo alvará de loteamento, nem determinação da identificação do prédio a lotear, nem área, nem confrontações dos quatro lotes, estes não podem considerar-se determinados, nem determináveis, nem mesmo existentes legalmente, pelo que, à face do disposto no n. 1 do art. 27 do Decreto-Lei n. 289/73 e do art. 280, do CC, o negócio jurídico é nulo, devendo assim, ser considerado não só negócio final em vista (a compra e venda) como também reflexamente o contrato-promessa de compra e venda.
9 - Assim, para o Autor, há, quanto à concretização da escritura do contrato de compra e venda, numa situação equivalente à inexistência legal do objecto
(ou seja, a inexistência de quatro lotes com alvará) e/ou equivalente à impossibilidade originária da prestação (efectivação da escritura), previstas respectivamente, nos art.s 280 e 401 n. 1, do CC.
10 - Considerando força jurídica das alíneas A) e B) da especificação, a acção dever-se-à julgar procedente e provada.
11 - E daí decorre não dever considerar-se de má fé o Autor, pelo que não deve ser condenado como litigante de má fé, nem ser condenado em multa e indemnização aos réus e honorários ao ilustre Mandatário dos Réus.
12 - De todo o modo, nunca deve ser condenado na indemnização constante da sentença, nem dos honorários referidos, pois não foram apresentadas despesas decorrentes da má fé invocada.
13 - assim, em resumo: deve ser julgado procedente a acção, por provada, alterando-se a douta sentença, condenando-se os Réus no pedido e absolvendo-se o Autor no pedido de condenação como litigante de má fé.
Os Réus, não contra-alegaram.
Tudo visto, cumpre decidir.
Na primeira instância provaram-se os seguintes factos:
Em 13 de Abril de 1984, o A. Manuel Oliveira celebrou com o Réu (B) o "contrato-promessa de venda" nos termos seguintes:
O Réu(B), por si e também em nome e representação do Réu (D) declarou vender ao Autor quatro lotes de terreno, em regime de compropriedade, sendo dois situados na Sobreda da Caparica e os outros dois em Famões, no Casal da Silveira, pelo preço total de 1600000 escudos, que declarou já ter recebido. A venda era feita com os lotes livres de quaisquer ónus ou encargos.
A escritura seria feita a pedido do Autor, em seu nome ou no da pessoa que indicasse oportunamente (Alinea A) da esp.).
O Autor e os Réus estão de acordo em que as cláusulas atrás reproduzidas valiam como promessa de venda, por parte dos Réus, e promessa de compra, por parte do Autor (Alinea B) da Esp.).
A matéria do art. 41 da petição inicial (Alinea C) da esp.).
Famões é a continuação e prolongamento natural de Odivelas, em direcção ao Poente, e é servido por uma estrada que liga Odivelas à Pontinha (resposta ao quesito 4.).
Os dois lotes referidos no quesito 1. situam-se num vale chamado Casal Rosal; situado a uma distância indeterminada da povoação de Sobreda da Caparica (resposta ao quesito 6.)
Os outros dois lotes situam-se, não na povoação de Famões, mas sim no lugar de Casal da Carolina ou Casal do Bispo, situado a uma distância indeterminada povoação de Famões (resposta ao quesito 7.).
O Autor foi ao local onde se encontravam os "lotes da Sobreda da Caparica e de Famões" verificou a sua exacta localização e analisou as suas perspectivas urbanisticas e o seu valor e só depois fechou o negócio e outorgou o contrato referido em A) da especificação (resposta ao quesito 15.).
O Autor foi avisado algumas vezes para a urgência de celebrar a escritura de compra e venda, referente aos lotes objecto do contrato ajuízado, por ir entrar, em época próxima e futura, em vigor, legislação que dificultaria a concretização da venda prometida (resposta ao quesito 16.).
Durante muitos meses após a deliberação do contrato -promessa ajuízado, os Réus celebrariam o contrato de compra e venda prometido, sem qualquer dificuldade e que o Autor não se dispõe a outorgar o mesmo (resposta ao quesito 17.).
Estes os factos provados.
No documento de fls. 9, sob o título do contrato -promessa de venda, (B) e por si e na qualidade de representante de (D), declarou vender ao A. pelo preço de 1600000 escudos que diz ter já recebido, quatro lotes de terreno em regime de uma compropriedade, sendo dois situados na Sobreda da Caparica e os outros dois em Famões, no Casal da Silveira, livres de quaisquer ónus ou encargos, devendo a escritura ser feita a pedido do A. para seu nome ou para nome de quem oportunamente indica, documento este data de 13 de Abril de 1984.
Considerando que o documento está assinado por ambos os contraentes, que o primeiro declara já ter recebido o preço e que um e outro intepretam o acordo nesse sentido, pode afirmar-se que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda.
Referiu o A. que foi enganado no que concerne à situação dos terrenos.
Não logrou fazer tal prova e bem pelo contrário ficou provado que o A. foi aos locais antes de celebrar o negócio, tendo verificado a exacta localização e as perspectivas urbanísticas e o seu valor.
Desde o Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965 que a legislação portuguesa procura obstar a que se proceda a loteamentos de terrenos para construção urbana, sem que os nomes sejam precedidos das necessárias infra-estruturas urbanísticas. Dispunha o art. 2. deste diploma legal que o loteamento urbano dependia da licença da Câmara Municipal da situação do prédio e por sua vez prescrevia o art.10 n. 1 que, qualquer forma de anúncio de venda, e a venda ou promessa de venda de terrenos, com ou sem construções compreendidas em loteamento, só poderiam efectuar-se depois de obtida a licença a que se referiam os artigos antecedentes e de terem sido observados os condicionamentos nela estabelecidos.
Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por Acordão de 12/02/80, em Bol. M. da Justiça n. 294-pag.
312 e segs. que "Na vigência do Decreto-Lei n. 46673, de 29/11/65 era nulo o contrato-promessa de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos em loteamentos, sem ter sido obtida a licença do loteamento, titulado por alvará e sem terem sido observados os condicionamentos estabelecidos no licenciamento. "Tal nulidade, de tipo virtual, embora não expressamente determinado resulta dos arts. 280, 285 e 294 do Código Civil em conjugação com o art. 10 do Decreto-Lei n. 46673, por ser o objecto do contrato-promessa legalmente impossível ou por ser o negócio jurídico contrário à lei ou outra disposição legal de carácter imperativo."
À data da outorga do contrato-promessa em causa estava em vigor o Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho.
Nos termos do art. 27 n. 1 e 2 deste diploma legal, ficou estabelecido a nulidade dos negócios sobre terrenos, com ou sem construção, sem o correspondente alvará de licenciamento do loteamento.
E, por acordão de 15 de Outubro de 1980, Bol. n. 300-381, o Supremo decidiu que, "E legalmente impossível e, consequentemente nulo, o contrato- -promessa que tenha por objecto a celebração definitivo proibido por lei.
O contrato-promessa de compra e venda de terreno, compreendido num loteamento sem alvará, é nulo." Todavia, por assento de 21/7/87, publicado na 1ª Série do DR de 30/10/87 o Supremo Tribunal de Justiça, decidiu que: "No domínio da vigência do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendido no loteamento."
A esta conclusão se chegou por aquele diploma não cominar expressamente a nulidade e contemplar uma sanção para o incumprimento e ainda porque ao consignar a nulidade do DL n. 289/73 o legislador entendia que anteriormente não tinha lugar a sanção da nulidade.
Posteriormente, o Supremo, em 19 de Novembro de 1987, formulou o seguinte assento, publicado na 1. Série do Diário da República, de 12 de Janeiro de 1998
"Na vigência do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, é válido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvará, por haver lei, regulamento em acto administrativo impeditivo da sua emissão".
A dado passo deste assento pode ler-se: "Mas a impossibilidade só é originária, no caso de contrato, quando existe no momento da conclusão deste; ora se uma coisa somente pode ser objecto do contrato com aprovação de uma autoridade, não há impossibilidade originária do objecto na data da conclusão do contrato apenas se tornando impossível a prestação quando a aprovação for recusada, a não ser que logo de princípio pudesse contar-se com essa aprovação.
Assim, não pode falar-se em impossibilidade legal quanto à data da realização da promessa não é impossível vir a obter, aquando do contrato definitivo o alvará de loteamento".
No caso dos autos não se provou que os lotes situados na zona de Famões tenham sido afectados pela Câmara Municipal de Loures à realização de quaisquer infraestruturas de urbanização, ou que os Réus os tenham vendido a qualquer comissão de anteriores adquirentes.
Refere o Mmo. Juiz na douta sentença, que não se provou qual seja a exata situação jurídica dos lotes de terreno ajuízados, mormente os situados na área de Famões; se há ou não, alvará de urbanização, a licença de construção e o mais exigida por lei, para que as escrituras de compra e venda se realizassem, sendo certo que o A. nem sequer alegou estes factos.
Com efeito, na petição inicial o A. não invoca a existência de loteamento clandestino, mas resulta claramente da posição assumida pelos Réus que não existia alvará de loteamento, nem o mesmo pode ser emitido, pois limitam-se a dizer que a escritura ainda se pode fazer, transferindo-se para o A. a propriedade dos dois Avos (lotes), da zona de Sobreda da Caparica.
E quanto aos lotes prometidos vender em compropriedade também, no Casal da Silveira-Famões, reconheceu existir hoje esta dificuldade quanto à outorga da escritura pública, por força da publicação do DL n. 400/84, de 31 de Dezembro.
Ora, nos termos do art. 286, do Código Cívil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarado oficiosamente pelo Tribunal.
O Decreto-Lei n. 289/73 (art. 1, 19, 24, 26, 27, 30 e 32) veio reafirmar que só por alvará seriam concedidas licenças de loteamento onde se referiram o número de lotes e respectiva identificação, considerando que não poderiam celebrar-se quaisquer negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, sem obtenção prévia do alvará do loteamento.
Também o Decreto-Lei n. 275/76, de 13 de Abril e o Decreto-Lei n. 400/84, de 31 de Dezembro vieram activar a repressão contra os loteamentos clandestinos.
Toda a legislação tem sido elaborada no sentido de evitar que pelo recurso a meios aparentemente adequados às normas legais se possam criar situações de loteamento, de facto, dado os custos sociais que essa situação implicam.
A argumentação dos Réus de que trata de venda de Avos não pode ter acolhimento sendo também irrelevante afirmar-se que de uns outros quatro lotes que do mesmo negócio faziam parte e em situação jurídica idêntica, foram as escrituras atempadamente outorgadas.
A venda de parcelas de terreno, em avos, segundo o regime da compropriedade, poderia vir a fazer-se por escritura pública mas daqui não resultaria a validade do contrato.
O contrato-promessa deve ser considerado como um negócio em fraude à lei. Como diz o Prof. Manuel de Andrade, na Teoria Geral da Relação Jurídica,
Vol. II, pag. 337, os negócios em fraude à lei ofendem o espírito da lei. A ser válido o contrato - promessa dos autos, estava aberto o caminho para os contratantes conseguirem obter, por meio aparentemente lícito do recurso à figura jurídica da compropriedade, a finalidade a que a lei procurava obstar - a constituição de lotes de terreno por meio de negócio jurídico sem necessidade da obtenção prévia do alvará de loteamento.
E a fraude à lei tem o mesmo tratamento jurídico que a violação directa da lei, pelo que é de concluir que o contrário é nulo.
Não importa a ignorância ou a má interpretação da lei, que não justificam a falta do seu cumprimento nem isenta das sanções nela estabelecidas e nem sequer se deve atender à intenção das partes ao celebrarem o negócio contra a lei ou em fraude à lei mas apenas ao resultado prático que com o negócio jurídico pretenderam obter.
Pelo exposto e ainda de harmonia com as disposições dos arts. 280, 286 e 289 n. 1, do CC, acorda-se em declarar nulo o contrato-promessa em causa, dando-se assim provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida, determinando-se a restituição pelos Réus ao Autor, da quantia de 1600000 escudos por este entregue, acrescida de juros à taxa de 23% ao ano, desde 5/2/87 até 28/4/87 e a taxa de 15%, a partir de 29/4/87 até a final sem prejuízo de outra taxa poder vir a vigorar.
Confirma-se a condenação da A. como litigante de má fé, excepto na parte relativa aos honorários do Exm. Advogado dos RR. por se nos afigurar que a indemnização arbitrada é a mais adequada.
Custas pela apelada.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 1991 a) Diniz Nunes,
Calisto Pires,
Palha da Silveira.
Lisboa, 17 de Outubro de 1991.