Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8780/2005-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: DELEGADO SINDICAL
FALTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: O art. 22º nº 2 do Dec-lei 215-B/75 de 30.04 atribui aos membros da direcção de um sindicato um crédito de 4 horas por mês, sem perda de retribuição, para o exercício das suas funções sindicais. Semelhante atribuição é estabelecida pelo actual art. 505º nº 1 do Código do Trabalho e art. 400º nº 2 da lei 35/2004 de 29.07.
Os Dirigentes Locais de um Sindicato, com âmbito geográfico reduzido e competências mais limitadas que as da Direcção Nacional, não têm a mesma necessidade de faltar para o exercício de funções sindicais, não se justificando relativamente àqueles a extensão do crédito de 4 horas de faltas sem perda de retribuição.
Decisão Texto Integral: 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- A…, intentou no 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, CONTRA,
BR…, S.A.
II- PEDIU que a acção seja julgada provada e, em consequência, a ré condenada a:
a) Respeitar o crédito de horas a que o A. é titular enquanto dirigente sindical;
b) Pagar ao A. a quantia de € 1.231,73, e as que se vencerem por idênticos descontos que a ré venha a fazer ao autor por faltas dadas para exercício das suas funções sindicais a partir de Maio de 2004 e até final.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- É trabalhador da R desde 1984;
- Simultaneamente é membro da Direcção do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal desde 1998, bem como membro da Direcção da Delegação Local de Setúbal do mesmo Sindicato;
- A R descontou-lhe na retribuição os dias que faltou ao abrigo das suas funções de dirigente sindical, apesar de ter sempre feito as competentes comunicações.
IV- A ré foi citada e, realizada Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, veio a contestar após notificação para o efeito, dizendo, no essencial, que:
- Apenas os dirigentes nacionais de órgãos do sindicato com competência executiva podem beneficiar do crédito de 4 dias mensais atribuído pela lei;
- O A. não pertence a qualquer órgão do sindicato com semelhante competência.
V- O autor respondeu, defendendo, no essencial, que a Direcção da Delegação Local do Sindicato possui poderes executivos e de representação.
VI- O processo seguiu os seus termos, vindo, a final, a ser proferido saneador-sentença (fols. 73 a 80) em que se julgou pela forma seguinte: "Face ao exposto, julgamos a presente acção procedente por provada, e consequentemente condenamos a R a pagar ao A a quantia de € 1.231,73, bem como as quantias que tenha entretanto descontado na retribuição do A por faltas deste dadas para exercício das suas funções sindicais e dentro do limite de 4 por mês; mais condenamos a R a respeitar o crédito de horas concedido pelo artigo 22.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril e de que o A é titular como membro da Direcção da Delegação Local dos Concelhos do Sul do Distrito de Setúbal e enquanto mantiver tal qualidade.
Custas pela R – artigo 446.º do Código de Processo Civil.".
A sentença recorrida foi objecto de rectificação por despacho de fols. 120 que, todavia, não implicou alteração do respectivo decisório.
Dessa sentença recorreu a ré (fols. 86 a 99), apresentando as seguintes conclusões:
1. O Apelado foi eleito para membro, nos triénios de 1998-2201 e de 2002-2005, da "Direcção" do CESP-Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e para membro, nesses mesmos períodos, da "Direcção local" ou "Direcção" da Delegação local de Setúbal, posteriormente Delegação local dos concelhos do sul do distrito de Setúbal;
2. O órgão nacional "Direcção", daquela Associação Sindical, tem como atribuição estatutária apenas a de "discutir, designadamente, as questões gerais de natureza político-sindical, organizativa e funcional", sendo que as condições para a convocação e funcionamento do plenário nacional constarão do regulamento de funcionamento da direcção nacional" (artigo 64° dos estatutos desse Sindicato);
3. Os órgãos "Direcção local" ou "Direcção" das delegações locais daquela Associação Sindical têm as competências enunciadas no artigo 42° dos estatutos dessa Associação, circunscritas à área geográfica da respectiva delegação local e sendo que "a deliberação de constituir delegações e a definição do seu âmbito compete à direcção nacional" (artigo 37°, n° 5 desses estatutos) e que "compete à direcção nacional, em especial ... convocar e presidir a reuniões das ... direcções regionais e locais" (artigo 66°, alínea p) dos mesmos estatutos);
4. O órgão nacional "Direcção nacional" daquela Associação Sindical tem as competências enunciadas, designadamente, no artigo 66° dos estatutos dessa Associação;
5. O órgão de direcção daquela Associação Sindical é a "Direcção nacional";
6. O Apelado não integrou o órgão "Direcção nacional" daquela Associação Sindical, para os triénios de 1998-2001 e de 2002-2005;
7. O Apelado não é, pelo menos desde o início de Fevereiro 2002, titular do direito ao crédito de tempo remunerado consagrado para o exercício de funções como membro da direcção de associação sindical;
8. O crédito estabelecido no art. 22°, n° 2 do D.L. n° 215-B/75 de 30 de Abril tinha como seus titulares apenas os membros de órgão executivo que tivesse competência para representação e gestão global da associação sindical;
9. O Apelado, enquanto membro do órgão "Direcção" do CESP-Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal não era titular do crédito estabelecido no art. 22°, n° 2 de D.L. n° 215-B/75, de 30 de Abril;
10. O Apelado, enquanto membro do órgão "Direcção local" ou "Direcção" da Delegação local de Setúbal, posteriormente Delegação local dos concelhos do sul do distrito de Setúbal, daquela Associação Sindical não era titular do crédito estabelecido no art. 22º, n° 2 do D.L. n° 215-B/75, de 30 de Abril;
11. Na douta Sentença em recurso - reconhecendo-se ao Apelado o direito ao crédito estabelecido no art. 22°, n° 2 do D.L. n° 215-B/75, de 30 de Abril, enquanto membro da "Direcção local" ou "Direcção" da Delegação local de Setúbal, posteriormente Delegação local dos concelhos do sal do distrito de Setúbal, do CESP-Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e condenando-se a Apelante - foi, salvo melhor opinião, incorrectamente interpretado e aplicado o disposto nesse mesmo preceito legal, dele decorrendo solução oposta.
VII- O autor contra-alegou (fols. 107 a 113) pugnando pela manutenção da sentença proferida.
Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 133) no sentido da procedência da apelação.
VIII- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada e que aqui se acolhe, é a seguinte:
( … )
IX- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela ré/apelante, a principal questão que se coloca no presente recurso diz respeito a concedido saber-se se o crédito de dias remunerados concedido pelo art. 22º-2 do DL nº 215-B/75 de 30/4 e pelo art. 505º-1 do CT, é direito que assiste também aos membros da Direcção de Delegações Sindicais Locais.
X- Decidindo.
Não há agora controvérsia nos autos relativamente à ausência do direito do autor ao crédito de dias remunerados enquanto membro da Direcção do CESP, porque sem competência de natureza executiva, tendo, nesta parte, transitado a decisão proferida em 1ª instância.
Vejamos, portanto e exclusivamente, o mesmo eventual direito do autor enquanto membro da Direcção da Delegação Local de Setúbal ou da Delegação Local dos Concelhos do Sul do Distrito de Setúbal (designação a partir de 2002).
Dando expressão ao imperativo constitucional de Liberdade Sindical, na vertente que visa assegurar aos membros das direcções sindicais condições efectivas para o desenvolvimento da respectiva actividade, o art. artigo 22º-2 do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril atribui aos membros da direcção de um sindicato um crédito de 4 dias por mês, sem perda de retribuição, para exercício das suas funções. Similar atribuição estabelecem o actual art. 505º-1 do CT (Para o exercício das suas funções, cada membro da direcção beneficia de um crédito de horas por mês e do direito a faltas justificadas para o exercício de funções sindicais.) e o art. 400º-2 da Lei nº 35/2004 de 29/7, que regulamenta aquele (Para o exercício das suas funções, cada membro da direcção beneficia de um crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês, mantendo o direito à retribuição).
Ora é inquestionável que a atribuição de um crédito de 4 dias por mês, sem perda de retribuição, é algo de muito excepcional pois considerando-se 22 dias úteis de trabalho por mês, aqueles 4 dias correspondem a 18,18% de volume de trabalho mensal que o trabalhador deveria realizar e não realiza e a igual percentagem de remuneração que recebe sem prestação da inerente contrapartida. Representa um muito sério encargo económico e financeiro que o Estado coloca sobre o cidadão/empresa empregador para o cumprimento de desígnios Constitucionais que ao Estado competiria, em primeira linha, garantir e assegurar, suportando os respectivos custos.
E sendo uma atribuição excepcional haverá de, naturalmente, destinar-se a situações de real e extraordinária necessidade e não a todo e qualquer caso menos exigente.
A justificação para a exclusiva atribuição aos membros da direcção nacional do sindicato prende-se com a maior necessidade sentida por estes para acudir às solicitações sindicais que os seus cargos impõem e que exigem maior número de faltas. Como os dirigentes de Delegações Locais de um Sindicato, com um âmbito geográfico reduzido e com competências muitíssimo mais limitadas que as da Direcção Nacional, designadamente sem competência representativa do Sindicato (confrontar arts. 42º e 66º dos Estatutos do CESP, publicado no BTE, 3ª S., nº 14 de 30/7/98), não têm a mesma necessidade de faltar para exercício de funções sindicais, não se justifica a extensão de tal crédito aos dirigentes das Delegações Locais, não podendo beneficiar do mesmo crédito que aos Dirigentes Nacionais é reconhecido.
Não podendo ser esse o pensamento do legislador, considerando-se o estabelecido no art. 9º do CC não é aceitável a interpretação acolhida na sentença recorrida de que aos dirigentes sindicais das Delegações Locais assiste o crédito de 4 dias mensais sem perda de retribuição.
Como lucidamente escreveu o Digno Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público no seu Parecer de fols. 133, "conceder tal crédito de horas, de igual modo, pela mesma bitola, aos dirigentes sindicais locais, restringidos na acção sindical a núcleos restritos, disseminados pelo país, sem similar grau de absorvência, de complexidade, de âmbito e responsabilidade dos dirigentes executivos nacionais, não parece justificar a equiparação, nem convence que tenha sido essa a vontade do legislador."
A apelação tem assim de proceder e a sentença recorrida de ser alterada nessa parte.
XI- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, alterar a sentença recorrida, absolvendo a ré de todos os pedidos.
Custas a cargo do autor, em ambas as instâncias.
Lisboa, 26 de Abril de 2006
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas