Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA RESENDE | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR ABERTURA DE CRÉDITO CONTA CORRENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | 1. O contrato de abertura de crédito, simples ou em conta corrente, porque admite prestações futuras, não certifica, por si só, uma dívida, necessário se mostrando a existência da apresentação de prova complementar, que está vedada no âmbito do documento particular, enquanto título executivo. 2. Carece dos graus de certeza e segurança, próprios do título executivo, o documento dado à execução, na qual a quantia exequenda resulta da resolução do contrato e aplicação de uma cláusula penal, com a exigência de alegação e prova de factos. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - Relatório 1. F, veio interpor recurso da decisão que rejeitou a execução por manifesta falta de título executivo, nos presentes autos que move a N, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: ·O conceito legal de título executivo que consta do Artigo 46º do CPC não exige que o reconhecimento expresso da obrigação pecuniária seja condição essencial para a exequibilidade do título. ·Basta a constituição dessa obrigação, sendo o simples reconhecimento apenas uma dessas condições. · O título executivo cumpre, por si só, uma função constitutiva, determinando a certeza do direito nele incorporado para que seja exigível em processo executivo. ·Estando constituída, verificam-se as presunções de reconhecimento, exigibilidade e liquidez da obrigação dos executados. · Tais presunções podem ser ilididas por prova em contrário, mas essa prova em contrário tem de ser feita em sede de oposição à execução, em obediência ao princípio do contraditório. ·O título executivo dado aos autos obedece plenamente aos requisitos exigidos pelo citado Artigo 46º do CPC. ·A suficiência e idoneidade deste mesmo título executivo é ainda demonstrada pela própria letra do contrato que lhe é subjacente, sendo o mesmo inteligível e suficiente. ·O devedor/executado emitiu uma declaração nas Condições Particulares segundo a qual levanta a quantia de 6,000,00 €. ·Estes factos resultam do texto do contrato dado como título executivo, bem como da prática corrente na vida diária que se refere a este tipo de contratos, devendo atender-se ao sentido normal da declaração conforme disposto no Artigo 236º nº 1 do CC. ·O título executivo oferecido os presentes autos é conforme ao Artigo 46º do CPC, sendo o mesmo probatório do crédito da Exequente e do reconhecimento da dívida dos Executados. 2. Cumpre apreciar e decidir. * II – Enquadramento facto-jurídico Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 684.º, n.º 3, 660.º, n.º 2, e 713.º[1], todos do CPC, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664[2], também do CPC. No seu necessário atendimento resulta que a Recorrente discorda da decisão sob recurso que entendeu que o título dado à execução não reunia todos os requisitos para constituir verdadeiro título executivo. Considerou-se em sede do decidido que a Recorrente intentara a presente execução pedindo a condenação da Recorrida no pagamento de 8.236,52€, atentando que se mostrava alegado: “Por documento particular outorgado foi celebrado pela Cs (sucursal da S.A. francesa C) com o Executado/a, um contrato de crédito em conta corrente no montante de € 6.000,00 nas condições que constam do título executivo, conforme Doc.1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. O executado comprometeu-se ao pagamento em prestações mensais e sucessivas no valor mínimo de € 150,00. No entanto, desde 2006-03-24 o/a executado/a nada pagou. Data em que o referido contrato de crédito foi resolvido. Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do executado, existirá um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal. Assim sendo, o valor em dívida é de € 7253,21. Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da presente execução. Os quais são, neste momento no valor de € 2983,31”. Fez-se constar também: “Juntou, como título executivo, o documento denominado de “Contrato de Adesão M... – Exemplar a enviar para a C” (cfr. fls.40 e 41).” Mais se consignou, fundando o entendimento vertido: No caso em apreço, o título dado à execução é constituído pelo documento particular denominado “Contrato de Adesão M... – Exemplar a enviar para a C” (cfr. fls. 5), precedido de um pedido de reserva permanente de dinheiro. Em tal documento, onde se contém um clausulado geral, não é possível delinear um qualquer contrato de mútuo - que apenas se pode ter como concluído e perfeito com a entrega da coisa mutuada -, mas antes e quando muito uma mera proposta de um contrato de abertura de crédito. O documento dado à execução é um “exemplar a devolver”, sendo que o respetivo preenchimento se destinou “apenas à avaliação do seu pedido de adesão”. Aliás, resulta da cláusula 1.4. que “A C, após a receção do exemplar do contrato que lhe é destinado bem como análise e comprovação das informações prestadas pelo Mutuário, reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão do crédito, considerando-se como data de conclusão do contrato e da comunicação pela C da autorização de utilização do crédito” – cfr. fls.41 verso. Por outro lado, do documento em análise nem sequer consta o montante da quantia alegadamente mutuada, a respetiva taxa de juros ou os valores do seu reembolso, tendo-se clausulado apenas que o custo do crédito a constituir no âmbito do contrato varia em função do montante e da duração do saldo (cfr. cl. 6.ª – cfr. fls.41 verso). (…) No fundo e em última análise, pelo documento em referência não é possível determinar nem os sujeitos da relação executiva, nem os limites da obrigação exequenda. Por fim, para além de do aludido título não constar que à executada tenha sido entregue qualquer quantia e, por isso, não ser possível determinar qualquer montante eventualmente devido por esta, nem com o recurso ao simples cálculo aritmético, também não resulta do mencionado documento a existência de qualquer obrigação a que a executada se tenha adstrito, nomeadamente de restituição fosse do que fosse, muito menos de quantia monetária. (…)A entender-se estar-se, não perante uma mera proposta, mas perante um contrato de abertura de crédito devidamente concretizado, neste apenas se contêm prestações futuras ou a previsão da constituição de obrigações futuras. E, sendo assim, nem por aqui estaríamos perante um título exequível (…). Insurge-se a Recorrente contra ao decidido, invocando que o conceito legal de título executivo não exige o reconhecimento expresso da obrigação pecuniária, bastando a simples constituição, porquanto mostrando-se aquela constituída, verificam-se as presunções de reconhecimento, exigibilidade e liquidez da obrigação dos executados, que poderão ser ilididas, mediante prova em contrário, em sede de oposição. A suficiência e idoneidade do título dado à execução resulta ainda da letra do contrato que lhe está subjacente, emitindo o devedor/executado, nas Condições Particulares uma declaração segundo a qual levanta a quantia de 6.000,00€, mostrando-se assim que tal título é probatório do crédito da Exequente, ora recorrente, e do reconhecimento da dívida dos Executados. Apreciando. Tendo presente que a finalidade da ação executiva é o de exigir e obter, de forma coerciva o cumprimento de uma obrigação, sabe-se que a execução tem necessariamente de se basear num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do art.º 45, do CPC[3], sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor[4], título esse que se entende[5] não se confundir com a causa de pedir da ação executiva, já que esta se traduz na obrigação exequenda, que deverá ela sim, constar do título oferecido à execução. No art.º 46[6] do CPC, eram enumerados, de forma taxativa, ainda que aberta, os títulos executivos, revestindo assim, tal qualidade, aqueles documentos a que a lei atribuía esse valor. Nesse âmbito, para além da sentença condenatória, na qual o Tribunal já emitiu um juízo quanto ao direito reclamado[7], apontavam-se documentos, que tendo em conta o respetivo regime jurídico, era concedido um grau de plausibilidade da existência do direito a valer, de modo a dispensar uma prévia declaração do direito pelo Tribunal. Assim, enunciava-se os documentos particulares, tidos como os assinados pelo devedor, que importassem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas do mesmo constantes, bem como de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto, alínea c) do mencionado art.º 46. À exigência de requisitos formais, assinatura do devedor, e substanciais, no sentido do documento formalizar a constituição de uma obrigação, como fonte de um direito de crédito, ou de reconhecimento de uma obrigação pré-existente, como a promessa de cumprimento ou de reconhecimento de dívida, nos termos do art.º 458, do CC, subjaz o princípio da auto suficiência do título executivo, numa determinação intrínseca da obrigação exequenda, resultando, diretamente do documento, a constituição, ou o reconhecimento da dívida, sendo que ainda que complexo, não pode resultar de uma problemática e aleatória conjugação de diversos documentos particulares[8]. Sendo convencionadas prestações futuras, como no caso de abertura de crédito, para que o documento pudesse constituir título executivo, necessário se mostrava que fosse provado que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio, já na situação de constituição de obrigações futuras, importava que ficasse demonstrado que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sendo tal prova realizada nos termos do art.º 50[9] do CPC, cuja aplicação se mostrava restrita a documentos exarados ou autenticados por notário, ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, afastada ficando assim dos documentos particulares[10]. Reportando-nos aos presentes autos, desde logo ressalta do exposto que não se configura necessário que para haver título executivo, no documento esteja incorporada o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, assim como a constituição da mesma, sendo certo que é em sede desta última situação que nos movemos. Referenciando a Recorrente o contrato de crédito em conta corrente, diga-se, em termos breves, que no âmbito das operações bancárias, encontramos a abertura de crédito, simples ou em conta corrente[11], no âmbito da qual a entidade bancária ou financiadora se obriga a pôr à disposição de outrem uma quantia para este utilizar, nos termos e condições acordadas, obrigando-se o mesmo a reembolsar, na admissibilidade, já referenciada, de se convencionarem prestações futuras, não certificando assim, por si só, uma dívida[12], necessário se mostrando a existência da apresentação de prova complementar, que como já aludimos, está vedada no âmbito dos documentos particulares. Nos presentes autos mostra-se junto um documento sob a designação de Contrato de adesão – Exemplar a enviar à C, fazendo-se constar que o montante de reserva solicitado é de 6.000 euros com mensalidades de 150.00 euros, ainda que os valores das mensalidades sejam meramente indicativos, contendo a assinatura de quem pretende beneficiar da transferência bancária, a ora Executada. No verso do mesmo documento, sob o título Contrato de crédito em conta corrente, faz-se constar que esta proposta de contrato tem por objeto a concessão de crédito em conta corrente…é válida e pode converter-se em contrato, desde que assinada pelo(s) Mutuários, nos termos seguintes, indicando-se subsequentemente as Condições gerais, nas quais se faz constar que a adesão é feita com o envio do exemplar à C, que após a receção do exemplar do contrato que lhe é destinado…reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão de crédito, considerando-se como data da conclusão do contrato a da comunicação pela C da autorização do crédito (1., 1.1. e 1.4), quanto ao custo do crédito (6.) que este varia em função das utilizações e montantes e duração do saldo de devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros diários vencidos, impostos e demais encargos, e ao incumprimento e resolução do contrato (10), que mantendo-se o incumprimento a C pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida. Caso a C resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora serão substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal. Mostra-se igualmente junto, um outro documento, com data posterior, igualmente designado de Contrato de adesão, exemplar a enviar à C, na qual se faz constar que solicito a minha reserva permanente de dinheiro, com uma cruz em frente de €6.000, mensalidade €150, sendo que os valores das mensalidades indicados são meramente indicativos. Ora, se da análise dos documentos em referência, nomeadamente tendo em conta os pontos indicados, não se patenteia o delineamento de um contrato mútuo, no pressuposto da entrega da coisa mutuada, não se evidencia igualmente que se configure a emissão de uma declaração do beneficiário/executado que levantava a quantia de 6.000,00€, no atendimento do sentido do vertido, enquanto declaração de vontade, e sem prejuízo de possíveis práticas que por si só, se mostram insuficientes para suprir tal omissão. Por outro lado, olhando para o pedido formulado, verifica-se que a quantia exequenda ultrapassa largamente o montante indicado de 6.000,00€, importando na consideração da resolução do contrato, e aplicação de uma cláusula penal, em termos que não se evidenciam como resultando de mero cálculo aritmético, no atendimento das cláusulas do contrato, mesmo que estas se consubstanciem nos pressupostos abstratos para tanto, porquanto a respetiva concretização exige a alegação e prova de factos, que de modo necessário retiram aos documentos apresentados o grau de certeza e segurança, próprios do título executivo[13]. Aliás, e apenas em nota, não se questiona que se está perante formulários antecipadamente elaborados, e desse modo atendível o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais[14], maxime no concerne à exclusão dos contratos singulares, das cláusulas inseridas em tais formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes[15], constatando-se que após as Condições Gerais não consta a assinatura da Beneficiária/executada. Por último, sem prejuízo do já aludido, configurando-se a situação em análise como uma abertura de crédito, e assim na previsão de prestações futuras, sempre se mostraria necessário a demonstração da efetiva realização das prestações, função que o documento de fls. 42 não supriria, desde logo por falta de referências identificativas, sendo certo que, como vimos, estando nós no âmbito de documento particular, estar vedada a utilização de tal mecanismo. Aqui chegados, e na concordância com o decidido conclui-se pela falta de título executivo, improcedendo, na totalidade, as conclusões formuladas. * III – DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Apelante. * Lisboa, 10 de outubro de 2013 ______________________ Ana Resende ______________________ Dina Monteiro ______________________ Luís Espírito Santo * [1] Veja-se do mesmo modo o disposto nos artigos 635, 608 e 663, do ora vigente CPC. [2] Veja-se do mesmo modo o disposto no art.º 5, n.º 3, do ora vigente CPC. [3] Veja-se do mesmo modo o disposto no art.º 10, n.º 5 e 6, do vigente CPC. [4] Qual o montante que deve ser pago, qual a coisa que tem de ser entregue - determinada individualmente, ou contida dentro de certo género, quantidade e qualidade - qual a natureza, características e espécie do facto que a prestar. [5] Cfr. entre outros o Ac. do STJ de 7.5.2005, in www.dgsi.pt. [6] No vigente CPC, previsto no art.º 703. [7] Consequentemente sujeito a um regime mais restrito de impugnação. [8] Cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, pag. 83. [9] Correspondendo ao art.º 707, do vigente CPC. [10] Cfr, Lebre de Freitas, in Código Processo Civil Anotado, volume I, pag. 92. [11] Na simples, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez, no segundo o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta corrente com o banqueiro. [12] Nos seus efeitos imediatos, o contrato de abertura de crédito é suscetível de conduzir à celebração de outros contratos, numa relação de contrato-quadro com os sucessivos contratos a que pode dar origem, representando assim os termos e as condições como tais contratos, ou atos jurídicos, se irão concretizar. [13] Cfr. Ac. RL de 27.6.2007, in www.dgsi.pt. [14] Previsto no DL 446/85, de 25 de outubro, com as alterações decorrentes do DL 249/99, de 7 de julho e DL 323/2001, de 17 de dezembro, estando em causa a proteção do consumidor, quanto às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado, o destinatário não pode influenciar, art.º 1, do diploma em causa. [15] Nos termos da alínea d) do art.º 8, visando assim o legislador que sejam observadas determinadas cautelas, em casos em que se configura a possibilidade da subscrição de determinados acordos, sem a devida ponderação do respetivo teor, normalmente impessoal e estandardizado, cominando com a nulidade, cláusulas, em que as assinaturas dos contraentes não constam no final de todo o clausulado, mas apenas na primeira página, onde apenas se encontram as condições específicas do contrato, ainda que na página do contrato assinado se faça menção à existência de clausulas gerais, surgindo estas, contudo, após as assinaturas dos contraentes. | ||
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