Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1319/1996.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
MORA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Independentemente de se considerar ser ou não exigível a mora do outro promitente como pressuposto para a obtenção da execução específica do contrato-promessa, sempre se dirá que não tendo a construção autonomia jurídica nem comprovadamente económica, nenhuma razão ponderosa se evidencia para a recusa da outorga da escritura de compra e venda do terreno em construção, objecto principal da promessa, ainda que sem menção da construção (esta acede ao terreno que se vende)
(V.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉUS: “A”e mulher “B”, “C”e mulher “D”(Representada em juízo, juntamente com outra, pelo ilustre advogado “E”, com escritório em Lisboa, conforme instrumentos de procuração de 4/11/1996 e de 18/11/1996 de fls.73/75 dos autos).

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APELADA/AUTORA: “F” Sociedade de Importações e Representações de Automóveis, …, S.A. (Representada em juízo pela ilustre advogada “G”, com escritório em Almada, conforme instrumento de procuração 17/4/1996 de fls.44  dos auto, a qual substabelece sem reserva na sociedade de advogados representada entre outros pelo ilustre advogado “H” com escritório no Porto conforme instrumento de substabelecimento de 2/10/02 de fls. 125 dos autos; o pedido de apoio judiciário foi-lhe negado por decisões judiciais de 21/3/1997 de fls. 78/81 dos autos, de 4/5/1998 de fls. 99/100)
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Com os sinais dos autos.
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A Autora propôs contra os Réus acção declarativa constitutiva de execução específica com processo comum e sob a forma ordinária ao abrigo do disposto no art.º 830 do CCiv, a que deu o valor de 162.500.000$00 que aos 20/05/96 foi distribuída na 1.ª espécie ao 5.º juízo cível 3.ª secção do Tribunal da Comarca de Lisboa, pedindo a condenação dos Réus ao reconhecimento da execução específica do contrato-promessa de 20/11/1990 com objecto de um terreno de construção com a área de 1600 m2 em …, decretando-se a decisão que produza os efeitos da vontade negocial faltosa dos Réus, na venda do prédio em questão, identificado na cláusula 1.ª do contrato-promessa junto aos autos em suma alegando:
· Pelo contrato referido os RR prometeram vender à Autora o referido terreno sito na Quinta de … freguesia de …, concelho de ... pelo preço de 75.000.000$00, tendo a Autora pago em 20/11/190 a quantia de 15.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, tendo o remanescente do preço de 60.000.000$00 sido pago em 16 prestações mensais e sucessivas, dispondo os Réus da totalidade do preço da venda de 75.000.000$00 desde 4/5/1992, estando a Autora na posse do imóvel (art.ºs 1 a 15);
· Para cumprimento da cl.ª 12.ª do contrato a Autora notificou os Réus por carta registada com A/R do dia, hora, local da realização da escritura de compra e venda com antecedência de 20 dias, tendo a Autora entregue no Cartório a documentação necessária à celebração da escritura de compra e venda, mas no dia, hora e local indicados, tendo comparecido Autora e Réus, os Réus recusaram-se a outorgar a escritura alegando incumprimento contratual da Autora, designadamente o descontentamento do preço pago desde Maio de 1992 por razões que a Autora desconhece, uma vez que cumpriu integralmente o contrato (art.ºs 16 a 35)
· No pressuposto da confiança contratual depositada nos ora Réus a Autora iniciou junto de instituição de crédito operação de financiamento baseada no imóvel objecto da promessa, propondo-se a Autora oferecer como garantia o mesmo, operação essa que se gorou dado não ter havido transmissão do direito de propriedade a favor da Autora, tendo os Réus causado um prejuízo nunca inferior a 75.000.000$00 por não terem podido dispor do imóvel, a que acrescem os lucros cessantes que deverão resultar da aplicação da taxa de juro legal no mínimo de 15%/ano desde a data em que liquidou o preço na íntegra, até agora de 22.500.000$00 (art.ºs 36 a 46)
Os Réus, citados, vieram em suma alegar:
· o objecto do contrato-promessa é, por um lado, um terreno para construção com a área de 1600m2 e por outro, a construção em vias de conclusão que é um armazém, sobre o mesmo implantada, conforme resulta da cl.ª 2.ª do contrato, e, por isso, ficaram os Réus autorizados a proceder à conclusão do dito armazém, assumindo a inteira responsabilidade de todos os custos que a mesma envolver de acordo com mos interesses particulares dentro das normas legais em vigor, assumindo a Autora a obrigação de obter as licenças necessárias, conforme clª 7.ª, diligências essas de legalização do edifício que não fez ; a construção é um armazém que à data da promessa só faltava a colocação do pavimento e da instalação eléctrica; o promitente comprador não realizou as diligências necessárias à legalização da construção existente. (art.ºs 1 a 18)
· No dia 19/11/1992, a Autora enviou aos Réus carta registada com a/r informando-os da marcação da escritura relativa ao terreno e respectiva construção para o dia 10/12/1992 e a pedido da Autora obtiveram o modelo 129 que fazia expressa referência à existência de uma construção em vias de conclusão, mas em 14/12/1992 a Autora comunica por fax aos Réus o adiamento da escritura para o dia 22 de Dezembro, informando-os de que só poderia figurar na escritura de compra e venda o terreno para construção, sendo necessário omitir a construção edificada, mantendo-se o preço de venda inalterado, pretensão essa que não respeitava os termo da promessa e era gravemente lesiva em termos fiscais dos interesses dos Réus e em 16/12/1992, por fax, os Réus mostraram-se disponíveis para outorgar a escritura desde que correspondesse integralmente à promessa, dia 21/12/1992 a Autora informou os Réus de que não era possível efectuar a escritura, dado que o modelo 129 apresentado incluída a menção “comporta uma construção em vias de conclusão” e decorreram mais de 3 anos durante os quais a Autora não voltou a contactar os Réus, pensando estes que a Autora estaria a desenvolver as suas obrigações contratuais de diligenciar pela legalização da construção, foram avisados pela Autora da nova marcação da escritura para 26 de Março de 1996, tendo os Réus uma vez mais constatado no dia aprazado que a Autora pretendia efectua unicamente a escritura do terreno, omitindo a construção, recusando-se os Réus a outorgar a escritura não por causa do preço, mas porque o preço entregue teria que corresponder à venda do terreno mais a construção, estando os Réus disponíveis a outorgar a escritura desde que a mesma respeite integralmente os termso da promessa (art.ºs 19 a 44).
· A execução específica do contrato-promessa é incompatível com a pretendida devolução do preço entregue e se a Autora não logrou a realização da operação de financiamento só e a ela é imputável, não sendo imputáveis aos Réus a responsabilidade por quantias a título de lucros cessantes, até porque a Autora tem aposse e o usufruto do imóvel desde 1999; a Autora litiga de má fé e a Autora dispõe de meios financeiros suficientes para suportar os custos da acção (art.ºs 45 a 84).
Registada a acção, designada data para a audiência preliminar, realizou-se a mesma dia 15/11/2005, onde se convidou a Autora a concretizar os factos que sustentam as conclusões 39 e 40 da p.i., o que a Autora fez por requerimento de 7/12/05 em suma alegando:
· Os Réus dispõem da totalidade do preço desde 4/5/1992, conferiram à Autora a posse do terreno de construção prometido vender o que determinou a Autora a cumprir com o pagamento do imposto de SISA devido pela tradição, tendo dispendido em 1/2/1993 a quantia de 7.500.000$00 a tal título (art.ºs 1 a 16)
· Ao não se concretizar a escritura e compra e venda do imóvel em crise viu-se a Autora impedida de dele dispõe livremente, a Autora decidiu-se pela compra do imóvel por uma questão de estratégia comercial com o fim de reforçar a sua posição no mercado da região sul e centro do país, desde Março de 1987 a meados de 1994 comercializava a Autora em Portugal os pneus da marca “I” no âmbito do contrato de concessão comercial, representando o produto de tais pneus 32% da facturação da Autora sendo o seu comércio o cerne da actividade comercial da Autora, mas por efeito da integração da marca “I” no grupo francês “J” em Dezembro de 1994 e da estratégia comercial de representação directa no mercado assumida pelo grupo, a Pneumatiques “I” S.A. cessou completamente os fornecimentos à Autora em Fevereiro de 1996 perante a cessação da relação comercial e as exigências do mercado, obteve a Autora a representação em Portugal dos pneus de marca “K”, da República Checa e como a situação financeira da Autora não lhe permitia na altura recorrer a capitais próprios para a aquisição a pronto pagamento de mercadoria necessária á sua actividade, por exigência contratual de abertura de crédito “L” com pagamento a 90 dias após emissão de factura, a Autora contactou o Banco “M” tendo com esta negociado contrato bancário de apoio financeiro á importação por concessão dos então denominados “L” pelo qual o Banco salvaguardava o cumprimento de obrigações da Autora perante os seus fornecedores a todo o momento até ao limite de 120 mil contos, tendo exigido como condição sine qua non a constituição de hipoteca para garantia do valor estipulado sobre o imóvel aqui em causa (art.ºs 17 a 42-F)
· A não concretização da escritura obstou à constituição da hipoteca inviabilizando a salvaguarda bancária essencial à manutenção da actividade da Autora nos níveis que vinha apresentando, vendo-se a Autora impossibilitada de adquirir, por importação como contava fazê-lo, produtos para revenda no valor aproximado de 480.000.000$00, deixando de revender mercadoria nesse valor sobre a qual incidiria margem de lucro bruta de 30%, para além de não ter conseguido manter o stock de produtos âncora, vendo-se a braço com um elevado stock de produtos de difícil venda por si só como maquinaria de apoio a oficinas de pneus jantes e consumíveis diversos cuja venda se fazia em conjunto com os produtos âncora, os pneus, impedindo, ainda a Autora de promover outros investimentos designadamente o comércio de acessórios para automóveis, designadamente tuning, o que causou sérios prejuízos á Autora que vieram a culminar na dedução de processo especial de recuperação de empresa sob o n.º 67/90 que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia; bem sabia os Réus que com o seu comportamento omissivo estavam a prejudicar a Autora na medida em que impossibilitavam a constituição da hipoteca sobre o imóvel, facto que lhes foi diversas vezes transmitido, prejuízos esses que à data da p.i. se quantificam em 97.500.000$00 (art.ºs 42-G a 46)
· A Autora, por carecer de meios económicos, não pode custear os encargos com a presente acção devendo-lhe ser concedido o apoio judiciário (art.ºs 58 a 62)
Tal requerimento mereceu a impugnação dos Réus que também consideram não ser de admitir a p.i. corrigida.
Elaborado o despacho saneador, foi, por despacho extractado em acta de audiência preliminar de 19/01/2006, conhecido parcialmente o pedido, declarando-se que a presente sentença “produz os efeitos de declaração negocial de venda dos réus, tal como se tivesse sido outorgada no âmbito da escritura pública, transmitindo-se para a autora o direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o n.º 0000/19890000, freguesia de … da 2.ª Conservatória do Registo Predial de ...”; condensaram-se ainda os factos assentes e os controvertidos.
Inconformados com o despacho saneador que conheceu parcialmente do pedido dele apelaram os Réus em cujas alegações concluem:
1. Ao ter julgado procedente o pedido de execução específica do contrato-promessa objecto destes autos e, em consequência, declarado que a sentença assim proferida produz os efeitos da declaração negociaI de venda dos RR. [Apelantes] tal como se tivesse sido outorgada no âmbito de escritura pública, transmitindo-se para a A. [Apelada] o direito de propriedade sobre o prédio descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de ...,  sob o n.º 0000, a douta sentença recorrida violou as normas do n.º 1 do art.º 410°, do art.º 238° e do art.º 830°, todos do Código Civil, e enferma ainda de nulidade, ao abrigo das als. c) e e) do n.º 1 do art.º 668° do CPC;
2. O erro em que o Tribunal a quo incorreu prende-se com a coisa objecto do contrato prometido e que os Apelantes prometeram vender à Apelada;
3. De facto, a interpretação das declarações negociais das partes no contrato-promessa (maxime a Cláusula Segunda) permite concluir que os Apelantes se obrigaram a emitir declarações negociais correspondentes à  venda do edifício entretanto construído no terreno de que eram proprietários, ainda que se possa entender que o fizeram de forma imperfeita (n.o 1 do art.o  238º do Cód. Civil);
4. Esta interpretação corresponde à vontade real das partes e tem correspondência no texto do contrato-promessa, onde «terreno» aparece sempre ligado a «edifício» e o preço acordado abrange essa unidade terreno/edifício ou, mais correctamente, o edifício que já pressupõe o terreno onde o mesmo foi construído e cuja área de implantação coincide com a do terreno;
5. Assim, apenas porque a obra não estava concluída se faz referência também ao terreno no contrato-promessa, tendo a Apelada ficado vinculada a concluí-Ia (Cláusula Quarta) e a diligenciar pelo respectivo Iicenciamento (Cláusula Sétima) para que o edifício, depois de pronto e legalizado, pudesse  ser vendido pelos Apelantes;
6. Ao contrário do que entendeu a douta decisão recorrida, as partes não  tinham de condicionar a celebração do contrato prometido ao cumprimento destas obrigações por parte da Apelada porque o objecto desse contrato – o edifício – já resultava claramente da referida Cláusula Segunda;
7. De tudo isto a Apelada mostrou estar ciente, atendendo à matéria alegada  nos artigos 22º a 30º da contestação e conforme é demonstrado pelos documentos 1 a 6 juntos com esse articulado e que a Apelada não   impugnou;
8. Factos e documentos que o Tribunal a quo não considerou, cerceando, com a douta decisão recorrida, a possibilidade de tais factos poderem ser discutidos pelas partes;
9. Ora, não podendo, por um lado, considerar-se como incumprimento do contrato-promessa a recusa dos Apelantes em outorgar a escritura pública marcada pela Apelada, cujo objecto era apenas o terreno, também não pode decidir-se pela procedência do pedido de execução específica, como fez a douta sentença recorrida, em flagrante violação do n.o1 do art.o 830º do Cód. Civil;
10. Ainda porque a matéria de facto assente contraria o entendimento adoptado na sentença recorrida, esta enferma de um vício que determina a sua nulidade, ao abrigo da aI. c) do n.o 1 do art.o 668º do CPC;
11. Por outro lado, o contrato-promessa deve conter os elementos essenciais do contrato prometido, ou seja, no caso da compra e venda, a coisa objecto da venda e o preço (art.o 874º ex vi n.o 1 do art.o 410º do Cód. Civil);
12. Simplesmente, a coisa prometida vender é o edifício e a coisa cuja propriedade foi transmitida pela douta sentença recorrida é o terreno;
13. A douta decisão recorrida produziu, assim, os efeitos de um outro contrato de compra e venda que não o contrato visado pelo contrato- promessa, já que este último não tem com aquele qualquer correspondência, condenando em objecto diverso do pedido, o que determina a sua nulidade, nos termos da aI. e) do n.o 1 do art.o 668º do CPC;
14. Também por este motivo, a decisão recorrida exorbitou, mais uma vez, o âmbito da norma que prevê a execução específica – o n.o 1 do art.o 830º do Cód. Civil – que, de resto, lhe serve de fundamento.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com o que V. as Ex.as, Senhores Desembargadores, farão
JUSTIÇA!
Em contra-alegações conclui a Autora:
1.ª – O objecto do contrato prometido é o imóvel a que respeita a descrição predial discriminada no clausulado, e corresponde a um terreno para construção, onde está implantada uma construção em vias de conclusão.
2.ª – Tal construção, por não ter existência jurídica nem autonomia registral, é incindível do imóvel, integrando-o.
3.ª – A redacção do clausulado do contrato promessa é clara e evidente, não sendo susceptível de gerar dúvidas quanto à determinação do objecto do contrato prometido.
4.ª – A forçada interpretação propugnada pelos recorrentes, com recurso a vazios argumentos, no sentido de se inferir que o objecto do contrato prometido é a construção e não o terreno onde esta está implantada não encontra qualquer correspondência no texto do contrato sub judice, pelo que sempre seria ilegal, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil.
5.ª – Pelo contrato promessa acordaram as partes, para além da vinculação à celebração do contrato prometido, na imediata tradição do imóvel, o que se materializou, bem como na afectação do ónus – e não obrigação – de conclusão da construção e promoção do licenciamento à promitente compradora, assim desonerando os promitentes vendedores.
6.ª – A ausência de licenciamento da construção implantada no terreno prometido vender não é fundamento legítimo de recusa, pelos promitentes vendedores – que haviam já recebido o preço acordado e nenhum interesse tinham na existência, ou não, do licenciamento – da outorga da escritura de compra e venda prometida, pelo que incorrem estes em mora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 804.º do Código Civil.
7.ª – Verificando-se a mora dos promitentes vendedores, e a manutenção do interesse da promitente compradora na concretização do negócio prometido, encontram-se reunidos os legais pressupostos exigidos para a execução específica do contrato promessa de compra e venda, legitimando a prolacção pelo tribunal de sentença – como a recorrida – que produza os efeitos da declaração negocial em falta, transmitindo-se o direito de propriedade sobre o imóvel a que respeita a descrição predial referida no contrato promessa, o terreno para construção e a construção nele implantada, que o integra e dele é incindível, tudo nos termos do disposto no artigo 410.º, 874.º, 875.º e n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil.
8.º - O invocado vício da nulidade com fundamento em contradição entre os fundamentos e a decisão, invocado pelos Recorrentes na conclusão 10.ª das suas doutas alegações, encontra-se evidentemente inquinado pelo facto de se sustentar na fantasiosa interpretação por estes feita da realidade dos factos, pelo que terá de improceder.
9.º - Do mesmo modo, também o vício invocado na conclusão 13.ª do mesmo arrazoado se encontra prejudicado por radicar a sua génese na mesma interpretação desconforme com a realidade, pelo que o mesmo destino – o da improcedência – se lhe encontra reservado.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ªs muito doutamente suprirão: Deve ser negado provimento ao recurso. Assim se fazendo
JUSTIÇA

Procedeu-se ao julgamento com observância da forma legal, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida em 26/10/07 em que estiveram presentes os ilustres mandatários das partes que nada reclamaram, tendo sido proferida sentença aos 3/07/09.
Inconformada com a sentença que, absolvendo os réus do pedido de condenação no pagamento da quantia de esc. 75.000.000$00, actualmente 374.098,42 € e condenou os Réus a pagarem à Autora o valor correspondente aos juros de mora à taxa supletiva legal sobre a quantia correspondente ao preço total contados desde 6/5/92 e até à execução específica do contrato-promessa, por não provada e, em consequência, absolver a Ré do pedido, dela apelara os Réus em cujas alegações conclui:
I.          Em sede de audiência preliminar foi proferido despacho saneador, o qual conheceu parcialmente do pedido, julgando procedente o pedido de execução específica do contrato-promessa deduzido pela A.
II.        Tal decisão foi objecto de recurso por parte dos RR., no entanto, nos termos disposto no art. 695º nº 1 do CPC (na redacção anteriormente em vigor) tal recurso só subiria a final, após obtenção de decisão final sobre o litígio.
III.       A decisão final foi proferida a fls. 790, pelo que o recurso anteriormente apresentado deve agora subir, dando-se aqui por reproduzidas, para todos os devidos efeitos legais, as alegações de recurso então apresentadas.
IV.       A condenação dos RR. em juros de mora, sobre a quantia correspondente ao preço total de venda, desde 6/5/1992 até à execução específica do contrato-promessa, é uma consequência directa do conteúdo da douta decisão proferida no despacho saneador.
V.        Deste modo,  tendo tal decisão sido objecto de recurso e tendo o mesmo provimento, como se espera, deixará a decisão agora proferida de ter qualquer fundamento legal, pelo que deverá ser revogada.
Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida tudo com as demais consequências legais e assim se fará    J U S T I Ç A
Em contra-alegações de recurso conclui a Autora:
1.ª – Salvo o devido respeito, que é obviamente muito, carece o presente recurso de qualquer objecto, falecendo os Recorrentes em erigir um singelo fundamento que seja no sentido de informar a justeza do douto aresto prolatado pelo Tribunal a quo;
2.º - Isto porquanto, sendo certo que é o âmbito das conclusões que encerram as alegações que delimita o objecto do recurso, resulta no caso em apreço a redução deste a uma singela asserção, ademais errada: a de que o putativo procedimento do recurso de apelação interposto do despacho saneador que julgou procedente a execução específica do contrato promessa de compra e venda de imóvel subjacente ao presente procedimento implicaria, necessariamente, a absolvição dos Recorrentes da condenação no pagamento do valor correspondente a juros de mora.
3.ª – Razão pela qual se impõe – salvo o devido respeito – seja proferida decisão liminar, julgando sumariamente o recurso por manifesta improcedência deste, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 700.º e no artigo 705.º do Código de Processo Civil.
4.ª – Por cautela se diga contudo – não obstante a sindicância da justeza na condenação extravase o objecto do recurso – que o único reflexo adveniente da execução específica do contrato promessa pelo despacho saneador na condenação dos vendedores no pagamento de juros é a determinação do termo final do período de contagem destes.
5.ª – Pois que a génese da condenação no pagamento de juros não está na execução específica do contrato promessa, mas sim na privação do capital a destempo, sem uma correspectiva disponibilização de património que permitisse à Recorrida igual rendibilidade, considerada em conjunto com os demais  pressupostos legais da obrigação indemnizatória. Privação do capital que em nada
resulta prejudicada, ou sequer sindicada, por uma eventual (e improvável…) procedência do recurso interposto do douto despacho saneador.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EX.ªS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO:
Deve ser, por V.Ex.ªs, negado provimento ao recurso.
Assim se fazendo JUSTIÇA
Recebidos os recursos de apelação quer do saneador-sentença, quer da sentença final, foi julgado fundo o agravo interlocutório do despacho de fls. 258 do 2.º volume que indeferira requerimento probatório de fls. 248, por desistência do recorrente, julgado findo também o recurso subordinado da Autora “F” da sentença final por desistência, por despacho do Relator de 16/5/2011 que notificado às partes transitou, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos juízes-adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento dos mesmos.

Questão a resolver:
I- Na Apelação do despacho saneador-sentença que conheceu parcialmente do pedido: a)Saber se ocorrem as nulidades das alíneas c) e e) do n.º 1 do art.º 668 do C.P.C.; b) Saber se a decisão padece de erro de julgamento de direito ao considerar-se como incumprimento do contrato-promessa a recusa dos Apelantes em outorgar a escritura pública marcada pela Apelada, cujo objecto era apenas o terreno e não também a construção que constava da promessa, também não pode decidir-se pela procedência do pedido de execução específica, como fez a douta sentença recorrida, em flagrante violação do n.o1 do art.o 830º do Cód. Civil ;
II- Na Apelação da sentença final: Saber se provendo-se a apelação do saneador-sentença que conheceu parcialmente do pedido, revogando-se essa decisão deve também ser revogada a sentença final.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que os recorrentes não impugnam nos termos da lei de processo:
1.º)
“A”, “B”, “C”, “D” e “F” – Sociedade de Importações e Representações de Automóveis, …, Sa, subscreveram o original do documento cuja cópia se encontra de Fls. 11 a 17, com o seguinte teor:
“CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
1ºs CONTRAENTES – “A”e MULHER,
“B”, ele portador do B.I. …, emitido em 29/06/1987, pelo arquivo de Lisboa, contribuinte n.º … e ela portadora do B.I. …, emitido em / / , pelo arquivo de Lisboa, contribuinte n.º …, ambos residentes na Rua …, n.º .., …, em …, …;
2ºs CONTRAENTES – “C” e MULHER, “D, ele portador do B.I. …, emitido em 26/06/90, pelo arquivo de Lisboa, contribuinte n.º …, e ela portadora do B.I. …, emitido em / / , pelo arquivo de Lisboa, contribuinte n.º …, ambos residentes na Praceta …, Lote … – … – 2… e  3º CONTRAENTE – “F”– SOCIEDADE DE IMPORTAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DE AUTOMÓVEIS, …, S.A., com sede na Rua …, …, …, Pessoa Colectiva n.º …, com o capital social integralmente realizado de Esc. 60.000.000$00, registada na conservatória do registo Comercial do Porto sob o número 00000, aqui representada pelo seu Presidente do conselho de Administração com poderes suficientes para o acto, “N”.
Entre os contraentes é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda
nos temos das cláusulas seguintes, a cujo cumprimento integral se obrigam.
CLAUSULA PRIMEIRA
Os primeiros e os segundos contraentes são os únicos donos (na proporção de 2/3
para os primeiros e de 1/3 para os segundos) e legítimos possuidores de um terreno
para construção, com a area de 1.600 m2 (mil e seiscentos metros quadrados), sito
na Quinta de …, freguesia de …, Concelho de …, inscrito na
Conservatória do Registo Predial de ..., 2 Secção sob o número 00000 a fls.
106 vº do Livro G – 000 e descrito sob o número 0000 a fls. 50 vº do Livro B-00.
§ único – O referido terreno já comporta uma construção em vias de conclusão com
uma área coberta de 1.600 m2.
CLAUSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato os primeiros e os segundos contraentes prometem vender à
terceira contraente, e, por sua vez, esta promete comprar-lhes, livre e alodial de qualquer ónus ou encargos, bem como desembaraçada de pessoas e coisas, o aludido terreno, incluindo a construção existente pelo preço global de esc. 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos).
CLAUSULA TERCEIRA
O pagamento do preço será realizado da seguinte forma:
1.º Como sinal e princípio de pagamento os primeiros e segundos contraentes recebem da terceira contraente, nesta data, a importância de esc. 15.000.000$00 de que aqui dão inteira e plena quitação;
2.º A restante parte do preço será liquidado da seguinte forma: 16 prestações, mensais, sucessivas e de igual valor esc. 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos), a partir de 31 de Dezembro de 1990 e, finalmente, uma prestação em 31 de Março de 1992 no valor de esc. 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos).
3.º As quantias referidas no número anterior são titulados por letras de câmbio aceites pela 3 Contraente e que nesta data foram entregues aos 1ºs. e 2ºs. contraentes.
CLAUSULA QUARTA
A 3 Contraente fica desde já autorizada a proceder à conclusão das obras do edifício existente, assumindo a inteira responsabilidade de todos os custos que a mesma envolver de acordo com os seus interesses particulares dentro das normas legais em vigor para o que os 1ºs. e os 2ºs. contraentes conferem, nesta dat, à 3 Contraente, o direito de tomar posse do terreno e do edifício, dando-lhe a utilização que lhe fôr conveniente e seja legalmente permitida.
CLAUSULA QUINTA
Todas as beneficiações e alterações que sejam introduzidas no terreno ou no edifício, ficam pertença do mesmo, não podendo ser reclamada pela 3 Contraente qualquer direito de retenção ou indemnização pelas mesmas, isto para a hipótese de o contrato prometido não se realizar por causa imputável à 3 contraente.
CLAUSULA SEXTA
No caso de o contrato prometido não se realizar por causa imputável à 3 contraente, esta assume a responsabilidade de restituir aos 1ºs. e 2ºs. contraentes, no prazo de 60 dias a posse do edifício, completamente devoluto e no seu estado normal de conservação e limpeza, acrescido do pagamento da indemnização a que corresponde o tempo de  utilização dos bens objecto deste contrato, contando-se a data com a produção da causa que porventura determinar a rescisão deste contrato por parte dos 1ºs. e 2ºs.  Contraentes.
CLÁUSULA SÉTIMA
Fica da inteira responsabilidade da 3 contraente tratar nas instâncias competentes do licenciamento da construção existente, para o que os 1ºs. e os 2ºs. contraentes desde já se obrigam a dar toda a documentação e a prestar todos os esclarecimentos à 3 contraente, bem como assinar tudo quanto seja necessário à legalização atrás mencionada.
CLAUSULA OITAVA
Todos os custos de obra até ao momento, bem como todos os pagamentos relativos, a, nomeadamente, água, luz, telefone, serão da inteira e exclusiva responsabilidade, de forma solidária, dos 1ºs. e dos 2ºs. contraentes.
CLAUSULA NONA
A terceira contraente poderá ceder “in totum” ou apenas em parte, a pessoa singular
ou colectiva, os direitos e as obrigações emergentes do presente contrato, desde avisar os 1ºs. e os 2ºs. contraentes até 10 dias antes da escritura.
CLAUSULA DECIMA
Em caso de incumprimento do presente contrato promessa imputável a qualquer um
dos seus contraentes, a parte não faltosa poderá, em alternativa:
A) Ou requerer a execução específica deste contrato promessa nos termos e com os
efeitos legais, acrescidos de uma indemnização pelos danos que a falta de cumprimento atempado lhe tenha causado;
B) Ou resolver o contrato e exigir da parte faltosa o pagamento de uma indemnização pelos danos que o incumprimento lhe tenha, eventualmente causado.
CLAUSULA DECIMA PRIMEIRA
Para apreciar e julgar qualquer questão emergente deste contrato será territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, foro que todos os contraentes convencionam com expressa exclusão de qualquer outro.
CLAUSULA DECIMA SEGUNDA
A escritura notarial de compra e venda será marcada para um qualquer Cartório da cidade de Lisboa pela 3 contraente, independentemente de já se terem vencido todas as letras mencionadas na cláusula terceira, devendo avisar do local, dia e hora os 1ºs. e os 2ºs.contraentes por carta registada expedida com a antecedência mínima de 20 dias e, por seu lado, estes obrigam-se a habilitar a terceira contraente com todos os documentos e elementos para a realização da mesma até 10 dias antes da respectiva outorga.
CLAUSULA DECIMA TERCEIRA
As comunicações previstas neste contrato deverão realizar-se por meio de carta registada para as moradas constantes deste documento.
O presente contrato promessa foi celebrado em três exemplares, de igual valor e, depois de lido e achado conforme e de acordo com as suas vontades, vai ser assinado pelos
contraentes.
Lisboa, 20 de Novembro de 1990 ” – (al. A) dos Factos Assentes).
2.º)
Por escrito cuja cópia se encontra a Fls. 22 os réus declararam :
“ ... ter recebido de “F” – Sociedade de Importações e Representações de Automóveis, …, S.A., a quantia de Esc: 20.000.000$00 (Vinte Milhões de Escudos), referente ao pagamento da última prestação do preço relativo à compra do terreno para construção com a área de 1.600 m2, sito na Quinta de …,  freguesia de …, concelho de …, inscrito na Conservatória do Registo Predial de ..., 2.ª secção sob o número 00000 a fls. 106 vº do Livro G–000 e descrito sob o número 0000 a fls. 50 vº do Livro B–00 e da respectiva construção que comportava, tudo aliás, conforme CONTRATO DE PROMESSA celebrado em 20 de Novembro de 1990 entre os aqui recebedores como promitentes vendedores e a aqui pagadora como promitente compradora.
Mais declaram que o preço se encontra inteiramente liquidado, dando aqui completa e integral quitação da totalidade do preço (Setenta e Cinco Milhões de Escudos), nada mais tendo a receber da “F” e que a escritura se fará de acordo com a Cláusula Décima Segunda do aludido Contrato de Promessa.
Lisboa, 04 de Maio de 1992 .” – (al. B) dos Factos Assentes).
3.º)
Por apresentação n.º 15–6–Outubro–1983, encontra-se inscrita a aquisição do imóvel sito na Quinta da …, …, … e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 0000/… (freguesia de …) na proporção de 2/3 para “A”, casado com “B”, no regime de comunhão geral e, de 1/3 para “C”, casado com “D”, no regime de comunhão de adquiridos. – (al. C) dos Factos Assentes).
4.º)
Na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... o imóvel consta com área total de 1.600 m2, a composição do terreno para construção, e confrontando a Norte com “O”, a Sul com estrada de acesso do peão da pista de ..., a Nascente com “P”, e a Poente, com “O”. – (al. D) dos Factos Assentes).
5.º)
A autora enviou aos primeiros e segundos réus o original da carta cuja cópia se encontra a Fls. 24, com o seguinte teor: “ 96/02/23
ASSUNTO: Notificação de marcação de data de realização de escritura pública de compra e venda.

Exmos. Srs.
Nos termos e de acordo com o contrato-promessa celebrado com V.ªs Ex.ªs, venho proceder à notificação da marcação da escritura pública de compra e venda, respeitante ao terreno sito na Quinta de …, …, Concelho de …, a qual terá lugar no próximo dia 26 de Março (Terça–feira), pelas 17 horas, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, na Av. ..., n.º ... – Lisboa.
Para assegurar a realização da escritura, ora marcada, deverão V.ªas Ex.ªs entregar no identificado Cartório Notarial, os documentos respeitantes à v/ identificação pessoal, fotocópias dos BI e contribuintes fiscais, o que deverá ocorrer em data anterior à data marcada para a celebração da escritura.
Com os melhores cumprimentos” – (al. E) dos Factos Assentes).
6.º)
A autora enviou aos terceiro e quarto réus o original da carta cuja cópia ser encontra a Fls. 26, com o seguinte teor:
“ 96/02/23
ASSUNTO: Notificação de marcação de data de realização de escritura pública de compra e venda.

Exmos. Srs.
Nos termos e de acordo com o contrato-promessa celebrado com V.ªas Ex.ªs, venho proceder à notificação da marcação da escritura pública de compra e venda, respeitante ao terreno sito na Quinta de ..., C..., Concelho de ..., a qual terá lugar no próximo dia 26 de Março (Terça–feira), pelas 17 horas, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, na Av. ..., n.º ... – Lisboa. Para assegurar a realização da escritura, ora marcada, deverão V.ªas Ex.ªs entregar no identificado Cartório Notarial, os documentos respeitantes à v/ identificação pessoal, fotocópias dos BI e contribuintes fiscais, o que deverá ocorrer em data anterior à data marcada para a celebração da escritura. Com os melhores cumprimentos ” – (al.F) dos Factos Assentes).
7.º)
Pelo notário do 15.º Cartório Notarial de Lisboa, foi emitido em 24-04-1996 o seguinte certificado:
“ Licenciado, “Q”, Notário do Décimo Quinto Cartório Notarial de Lisboa, CERTIFICO, que pela Dr.ª “R”, Advogada, com escritório em Almada, foi marcada para o dia vinte e seis de Março de mil novecentos e noventa e seis, pelas dezassete horas, uma escritura de Compra e Venda, na qual interviriam como vendedores, “A”e mulher D. “B”, residentes na Rua …, n.º …, …, …, …, … e “C”e mulher, D. “D”, residentes na Praceta …, Lote …, … em … e como Compradora em nome de quem a referida Advogada marcou a escritura, a sociedade anónima sob a firma ““F”– SOCIEDADE DE IMPORTAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DE AUTOMÓVEIS, …, S.A.” , com sede na Rua …, n.º …, no …. A escritura tinha por objectivo um lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.600 metros quadrados, sito na Quinta de …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo número …, e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, do Livro B-DEZ. Nos referidos dia e hora estiveram presentes neste Cartório os Vendedores cuja identidade verifiquei por exibição dos respectivos bilhetes de identidade com os números …, de 29 de Junho de 1987; …, de 9 de Novembro de 1990; …, de 26 de Junho de 1990 e …, de 10 de Dezembro de 1990, emitidos pelo Centro de Identificação Civil e Criminal de Lisboa, e “N”, casado, residente na Rua …, N.º …, …, no …, cuja identidade verifiquei por exibição do bilhete N.º …, emitido em 6 de Maio de 1987, em Lisboa, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e em representação da compradora. Foram apresentados os documentos necessários, nomeadamente certidão do registo comercial da compradora e fotocópia de acta do Conselho de Administração da mesma, comprovativas dos poderes do seu representante, caderneta predial urbana, certidão do registo predial de aquisição a favor dos vendedores e conhecimento de sisa.
A escritura não se efectuou por desacordo dos outorgantes relativamente ao preço e composição do imóvel objecto da venda. 15.º Cartório Notarial de Lisboa, aos vinte e quatro de ABRIL de mil novecentos e noventa e seis.” – (al. G) dos Factos Assentes).
8.º)
Em 01-02-1993 foi emitida pela 4.ª Repartição de Finanças de ... – ..., a seguinte declaração:“Em 1 de Fevereiro de 1993 compareceu nesta Repartição de Finanças o Sr. “F”– SOCIEDADE DE IMPORTAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DE AUTOMÓVEIS, …, S.A., pessoa colectiva n.º …
residente em Rua …, … – …
e declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 75.000.000$00 vai fazer a “A”, casado, contribuinte n.º …, residente na Rua do …,  … – …, …, …, na proporção de 2/3, e a “C”, casado, contribuinte n.º …, residente na Praceta …, Lote …, …, … na proporção de 1/3, de um lote de terreno para construção com a área de 1.600 m2, sito na Quinta de …, a confrontar do Norte e Poente com “O”, Sul com Rua de Acesso à Pista de ..., e do Nascente com “P” e outros, freguesia de …, Concelho de ..., omisso na respectiva matriz mas pedida a sua inscrição em 9 de Dezembro de 1992 pelos vendedores.
- Declarou não haver encargos nomeadamente hipotecários.
- Vai ser instaurado processo de avaliação nos termos do artigo 109º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto s/ as Sucessões e Doações, que fica suspenso de acordo com os nºs. 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 764/75, de 31 de Dezembro.
- Rasurei “Franca, Terreno”

Importância de sisa C.M.10% 7.500.000$00
_________________ ________$___
Soma ......... 7.500.000$00
Juros de mora ............. ________$__
Selos e custas ............. ________$ __
Total ....... 7.500.000$00
Importa em Sete milhões e quinhentos mil escudos.
_________ a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima
transcrito.
4.ª Repartição ________ de Finanças do Concelho de ... – ....
em _1_ de Fevereiro de 1993 . ” – (al. H) dos Factos Assentes).
9º)
A autora se decidiu pela compra do imóvel para o armazenamento e distribuição do material na região sul. – (art.º 1.º da B.I.).
10.º)
Em Fevereiro de 1996, e perante a cessação da relação comercial que vinha mantendo com a “Pneumatiques “I”” e as exigências do mercado, obteve a autora a representação para Portugal, para aí os revender, dos pneus da marca “K” da república Checa – (art.º 2.º da B.I.).
11.º)
A situação financeira da autora, à altura, não lhe permitia recorrer a capitais próprios para a aquisição, a pronto pagamento, de mercadoria necessária à sua actividade, por deles não dispor em suficiência – (art.º 3.º da B.I.).


III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
São as conclusões nas alegações de recurso que delimitam o seu objecto, ressalvadas as questões que sejam de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 684/3, 690/4, 514, 713/2 todos do Código de Processo Civil[1]: Assim o tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça
Na Apelação do despacho saneador-sentença que conheceu parcialmente do pedido: a)Saber se ocorrem as nulidades das alíneas c) e e) do n.º 1 do art.º 668 do C.P.C.;
Dizem os recorrentes que a coisa objecto do contrato prometido e que os Apelantes prometeram vender à Apelada é o edifício entretanto construído no terreno de quer eram proprietários, ainda que se possa dizer que no contrato-promessa as declarações negociais sejam imperfeitas nesse aspecto, tal corresponde à vontade das partes, tal tendo sido alegado nos art.ºs 22 a 30 da contestação, resulta dos documentos juntos com esse articulado, ou seja a matéria de facto contraria o entendimento adoptado na sentença recorrida, com violação do art.º 68/1/c; concluindo a sentença que a recusa da outorga da escritura só do terreno constitui incumprimento culposo da promitente vendedora do contrato-prometido ocorreu violação do art.º 830 do CCiv, além do que a sentença ao declarar a venda do terreno, em substituição do promitente vendedor faltoso, está a produzir os efeitos de um outro contrato que não o dos autos com violação do disposto no art.º 668/e.
Ocorre nulidade da sentença da alínea c) do n.º 1 do art.º 668 do CPC quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.[2]
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 158 e 659, n.ºs 2 e 3 do CPC, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação (cfr. entre outros o Acórdão do STJ de 11/04/2002, incidente n.º 609/99- 2.ª Sumários do Boletim Interno do Supremo Tribunal de Justiça).
A decisão parcial foi: “(…) julga-se procedente o pedido de execução específica celebrado entre as partes e em consequência declara-se que a presente sentença produz os efeitos da declaração negocial da venda dos réus, tal como se tivesse sido outorgada no âmbito da escritura pública, transmitindo-se para a autora o direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o n.º 0000/00000615, freguesia de C... da 2.ª Conservatória do Registo Predial de ...”
Na cláusula segunda do contrato promessa consta o seguinte: “Pelo presente contrato os primeiros e os segundos contraentes prometem vender á terceira contraente, e, por sua vez esta promete comprar-lhes, livre e alodial de quaisquer ónus ou encargos, bem como desembaraçada de pessoas e coisas, o aludido terreno, incluindo a construção existente pelo preço global de esc. 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos).”
A cláusula primeira, para além de descrever o terreno para construção com a área de 1600 m2 contem um § único com o seguinte teor: “O referido terreno já comporta uma construção em vias de conclusão com uma área coberta de 1600 m2”. É certo que a construção existente no terreno com a referida área não vem descrita nessa cláusula não tem qualquer autonomia jurídica e, tudo indica, pouca relevância económica em relação ao terreno, tanto assim é que as partes acordaram que ficando o promitente comprador autorizado a concluir a construção, todas as beneficiações e alterações introduzidas no terreno ou no edifício pela promitente comprador, ficam pertença do mesmo não podendo ser reclamada pelo promitente comprador qualquer direito de retenção ou indemnização pelas mesmas, no caso de incumprimento do contrato prometido por causa imputável à promitente compradora (cláusulas 4 e 5).
Da conjugação das cláusulas resulta perfeitamente claro que o objecto imediato do contrato-promessa é o terreno que vem perfeitamente descrito na cláusula primeira com a área de 1600 m2 e a construção em vias de conclusão que ocupa área idêntica ao terreno.
Na fundamentação de direito do saneador-sentença refere-se claramente que “os réus prometeram vender à Autora, que lhes prometeu comprara o terreno para construção inscrito na Conservatória do Registo Predial de ..., incluindo a construção em vias de conclusão ali existente(…)”
Conclui a decisão pela procedência dessa parte do pedido de execução específica e refere expressamente a transmissão do prédio inscrito na Conservatória como o respectivo número, mas não refere a construção. Ora, como se dirá adiante a construção não tem autonomia jurídica, embora seja referida no contrato-promessa. Não há verdadeira contradição lógica, o que ocorre é um erro de julgamento ao não referir a construção., não estando ser condenado em objecto diverso do pedido.
b) Saber se a decisão padece de erro de julgamento de direito ao considerar-se como incumprimento do contrato-promessa a recusa dos Apelantes em outorgar a escritura pública marcada pela Apelada, cujo objecto era apenas o terreno e não também a construção que constava da promessa, também não pode decidir-se pela procedência do pedido de execução específica, como fez a douta sentença recorrida, em flagrante violação do n.o1 do art.o 830º do Cód. Civil
A decisão recorrida considerou ocorrer incumprimento culposo e exclusivo dos Réus do contrato-promessa e decretou a execução específica do mesmo ao abrigo do art.º 830 do CCiv. Para tanto considerou que:
    • Os réus assumiram a obrigação de emitir uma declaração de venda do imóvel em causa, que incluiria a construção aí existente em vias de conclusão;
    • As partes acordaram que seria da responsabilidade da autora tratar nas instâncias competentes do licenciamento da construção existente no terreno.
    • A obrigação assumida na promessa não permite concluir que a declaração negocial que se obrigaram a emitir teria de abranger algo que ainda não tinha existência jurídica e autonomia registral, nada na letra do clausulado permite sustentar a conclusão de que a emissão da declaração de venda do imóvel estaria dependente da concretização do registo da construção como realidade autónoma e distinta desse imóvel.
Marcada a escritura com a devida notificação aos promitentes vendedores para se fazerem acompanhar das fotocópias dos BI e contribuintes fiscais, tendo por objecto “um lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.600 m2 sito na Quinta de …, freguesia de …, concelho de …(…)nos referidos dia e hora estiveram presentes…os vendedores…e “N”…na qualidade de presidente do Conselho de Administração e em representação da compradora…a escritura não se efectuou por desacordo dos outorgantes relativamente ao preço e composição do imóvel objecto da venda…”
Interessam entre outros as seguintes disposições legais: Art.ºs 410 (na redacção dada pelo DL 379/86 de 11/11), 432, 436, 440, 441, 442 (na redacção dada pelo DL 379/86 de 11/11), 830 (na redacção dada pelo DL 379/86 de 11/11), 808/1 todos do Código Civil.

Art.º 410/1: “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, nãos e devam considerar extensivas ao contrato-promessa.”
o n.º 2: “Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.”
O n.º 3: “No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência de licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir o direito só pode invocar a omissão desses requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”
Art.º 432/1: “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção em contrário.”

Art.º 436/1: “A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.”

Art.º 440: “Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro cosia que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.”

Art.º 441: “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”

Art.º 442/2: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e parte do preço que tenha pago.”
Art.º 808/1: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”
E o n.º 2: “A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.”

Art.º 830/ 1: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.”
Discorda o recorrente em suma dizendo:
    • O objecto da promessa está determinado nas cláusula 2.ª e 1.ª da promessa ou seja o aludido terreno incluindo a construção nele existente pelo preço global de 75.000.000$00.
    • O que as partes quiseram transmitir foi o direito de propriedade sobre o edifício que, por si só, já abrangeria o próprio terreno e não apenas o terreno como o entendeu a decisão recorrida, o que decore das regras interpretativas do art.º 236 do CCiv, até porque o valor do terreno era de apenas 1500.000$00 ou seja 7.500,00 € como resulta do doc 2 junto com a p.i.
    • O que obstou, aquando da promessa, à outorga, na altura da escritura de compra e venda foi o facto de o edifício se encontrar em construção, ficando a apelada com a obrigação de remover quer o obstáculo material quer o jurídico que impediam a realização imediata do contrato prometido
    • Não obstante a entrega do modelo 129 e os documentos necessários à realização da escritura de compra e venda do terreno e da construção, a apelada foi adiando as escrituras, a 1.ª marcada para 10/12/92, a 2.ª para 24/04/96, a 3.ª para 22/12/96; o edifício que consiste num armazém tinha de estar licenciado para que o senhor notário pudesse celebrar a escritura pública, o mesmo já não sucederia se se pretendesse transmitir apenas o terreno.
    • Foi com base na consideração de que o que tinham prometido vender fora o edifício que o preço específico de 75.000.000$00 fora fixado.
    • Se os apelantes tivessem outorgado a escritura de compra e venda do terreno estariam a celebrar um negócio jurídico distinto do contrato prometido por serem diferentes os conteúdos das declarações de vontade negocial da promessa e da alegada escritura marcada.
Da leitura do contrato promessa, resulta que o objecto do contrato-promessa é o terreno com a área de 1600 m2, registado na Conservatória do Registo Predial respectiva e uma construção em vias de conclusão com uma área de 1.600 m2 em vias de conclusão, segundo os contraentes, existente no aludido terreno  (cláusulas 1.ª e 2.ª).
Ou seja o objecto imediato do contrato-promessa é o terreno e a construção nele implantada. A interpretação proposta pelo recorrentes de que o objecto imediato da promessa é o edifício e o terreno onde aquele está implantado, pela consideração de que o edifício vale bem mais do que o terreno não encontra suporte na factualidade dada como provada, dado que inexiste prova cabal relativa ao valor, aquando da promessa, quer do terreno quer do edifício cada um per si, razões pelas quais uma tal declaração negocial, não tendo no texto do respectivo documento um mínimo de correspondência verbal, não pode valer (art.º 238/1 do CCiv).
Sendo o objecto imediato não só o terreno como também a construção, há que ver se relativamente à construção estão verificados os pressupostos formais da promessa de transmissão. O contrato em causa, que é um documento particular, não contém o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes nem a certificação pelo notário da existência da licença de construção relativamente ao edifício em construção, em violação do disposto no art.º 410/3 do CCiv. Nenhuma das partes suscitou a nulidade que é uma nulidade mista, uma vez que só ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real sobre o edifício pertence o direito de invocar a respectiva nulidade nos termos do art.º 286 e do 410/3 citados, salvaguardando-se a legitimidade de invocação pelo promitente vendedor quando a falta de tais requisitos se deva a actuação culposa da outra parte, o que no caso não é invocado. A nulidade da promessa pela falta desses requisitos não pode ser invocada por terceiros (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/94, de 28/VI/1994) nem pelo Tribunal (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/95 de 1/II-1995), doutrina resultante dos assentos tirados no domínio do DL236/80 de 18/7, válidos no domínio do DL 379/86 de 11/11, hoje com o valor de acórdãos de uniformização de jurisprudência, que nenhuma razão existe para não ser seguida por esta Relação.
Significa isto que não obstante o interesse público que reclama o combate à construção clandestina, interesse esse subjacente à estatuição do art.º 410/3 do CCiv, não sendo invocado pelas partes legitimadas para tal, a inobservância daqueles requisitos não pode ser conhecida pelo Tribunal.
Sendo evidente o interesse dos contraentes em transmitir e receber o terreno com a construção nele existente (de características desconhecidas, sem autonomia jurídica), já não é evidente, ao invés do que poderia resultar da contestação, o interesse do promitente vendedor na conclusão da construção. O que os contraentes acordaram, quanto à construção, foi que o promitente comprador, podendo entrar na posse imediata do terreno e da construção, fica autorizado a concluir as obras do edifício existente, assumindo os custos inerentes (clª 4.ª), assumindo, também, a responsabilidade de tratar do licenciamento da construção existente, junto das instâncias competentes para tal com a colaboração dos promitentes vendedores (cl.ª 7.ª) que assumem a responsabilidade de todos os pagamentos referentes aos custos de obra até ao momento da promessa (clª 8.ª). De igual modo, não resulta dos termos do contrato-promessa que a impossibilidade da legalização da construção existente (obrigação de meios resultante da clª 7.ª), importaria o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-comprador. As partes acordaram efectivamente que se a impossibilidade de outorga do contrato prometido resultasse de causa imputável ao promitente comprador este assumiria a responsabilidade de restituição aos promitentes vendedores no prazo de 60 dias a posse do edifício acrescida de uma indemnização (clª6.ª). Forçoso seria, pois que a impossibilidade do cumprimento se devesse exclusivamente ao promitente comprador. Ora, o comprador cumpriu a sua obrigação de pagamento do preço na íntegra.
As partes acordaram em conferir à parte não faltosa e em caso de incumprimento imputável a qualquer um dos sues contraentes, e em alternativa, a execução específica acrescida de uma indemnização pelos danos que a falta de cumprimento atempado lhe tenha causado ou resolver o contrato e exigir da parte faltosa o pagamento de uma indemnização (cl.ª 10.ª)
A execução específica da promessa consiste na obtenção de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, ou seja a venda prometida (art.º 830 do CCiv)[3]; em relação aos contratos onerosos de transmissão ou de constituição de direitos reais sobre edifícios ou suas fracções autónomas, já construídos em construção ou a construir eliminou-se a possibilidade da exclusão convencional da execução específica (art.º 830/3 do CCiv).
A função acessória ou instrumental do contrato-promessa tem reflexos na sua estrutura; porque ele funcionalmente se refere sempre a outro negócio, cuja celebração prepara e assegura, estruturalmente tal negócio constitui o seu objecto, sem o qual não existe; o princípio da equiparação enunciado no art.º 410/1 do cCiv reflecte a insubsistência da promessa por si só e a sua indissociável conexão com outro negócio de cuja celebração final é instrumento. O princípio da equiparação tem em princípio o significado da exigência para o contrato-promessa da capacidade que os contraentes têm de ter para a celebração do contrato definitivo; do princípio da equiparação resulta a aplicabilidade à promessa das normas que enunciam requisitos de admissibilidade e de proibições do contrato definitivo como daquelas ques respeitam à sua interpretação e integração. A exigência de que o contrato-promessa contenha a determinação do objecto do contrato prometido ou ao menos as regras que determinam tal determinação deriva do princípio da equiparação, mas tal não impõe que no contrato-promessa se exija o mesmo grau de determinação do objecto que seria necessário para o contrato principal. Mas é porque o contrato promessa só existe quando identificado não apenas pelo tipo mas também pelo objecto do contrato prometido que ele é afectado quando este último se impossibilitar, ou seja impossibilitando-se o objecto do contrato prometido tal impossibilidade se não imputável às partes repercute-se no contrato-promessa, liberando os promitentes das suas obrigações, relativamente à promessa é uma impossibilidade legal superveniente cujo efeito é o da extinção da obrigação nos termso do art.º 790 do CCiv.[4]
É também no princípio da equiparação que se encontra a explicação de algumas das regras que se acham expressamente enunciadas no art.º 830 do CCiv, e a justificação do sentido interpretativo que parte da doutrina portuguesa atribui a esta disposição.
 O n.º 1 do art.º 830 do Cciv dispõe que a execução específica está excluída quando a isso se oponha a natureza da obrigação assumida. Tal tem a ver com os casos em que o contrato final exija particulares qualidades ou qualificações da vontade contratual que a tornem insubstituível por decisão judicial, como é o caso da promessa de casamento, de doação de testamento de adopção de perfilhação, de prestação de serviços infungível, contratos promessa de contratos reais quaod constitutionem; embora a lei não refira, expressamente este aspecto, sempre que por impossibilidade física ou legal esteja impedido inelutavelmente o cumprimento espontâneo da promessa, também estará impedida a realização coactiva da prestação. Sendo, por isso, inviável a execução específica não apenas quando o objecto do contrato final pereceu, sofreu deterioração ou modificação em termos tais que haja de ser considerado um aliud, como quando a celebração do negócio prometido dependa de uma legitimidade que a parte não tem por si só.[5]
A execução específica, não fica todavia afastada quando a impossibilidade for apenas parcial e o credor mantiver interesse no contrato ainda possível.[6]
Tendo as partes convencionado a execução específica como convencionaram, interessa saber se algum obstáculo legal existe a que não possa ocorrer a execução específica da promessa feita. O terreno para construção, prometido vender comporta declaradamente uma construção com área idêntica à do terreno.
A licença de utilização da prédio urbano é um dos documentos necessários ao acto de transmissão de prédios urbanos, em conformidade com o art.º 1 do DL 281/99, de 27/7, com as alterações introduzidas pelo DL 114/08, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 1.º
[...]
1 — Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou
de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.
2 — Nos actos de transmissão de imóveis é feita sempre menção do alvará da autorização de utilização, com a indicação do respectivo número e data de emissão, ou da sua isenção.
3 — Nos prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, a menção deve especificar se a autorização
de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fracção autónoma a transmitir.
4 — A apresentação de autorização de utilização nos termos do n.º 1 é dispensada se a existência desta estiver
anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.»

O art.º 2 do DL 281/99, citado, permite (o que resulta do uso propositado da expressão verbal “pode”) que a escritura possa ser feita apenas com a licença de construção do imóvel, desde que o imóvel esteja construído e não tenha sido embargada a construção, que tenha sido requerida a licença de utilização e nos 50 dias subsequentes ao requerimento não tenha sido indeferido nem o requerente notificado para liquidar as competentes taxas. A necessidade da licença de construção ou de utilização (conforme o estado da dita construção), para a transmissão de prédios urbanos resultava já do art.º 44 da Lei 46/85 de 20/09 com as alterações do DL 74/86 de 23/4, preceito esse ressalvado pelo DL 321-B/90 de 15/10, o qual revogou a Lei 46/85.
Sendo o prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe servem de logradouro e prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica (art.º 204/2 do CCiv), pergunta-se se estamos perante um prédio urbano para efeitos das disposições legais do art.º 204/2 do CCiv e das disposições legais acima citadas. Ora, o terreno para construção encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial competente com as confrontações mencionadas sem qualquer referência a construção. Só as partes do contrato-promessa referem a existência de uma construção, construção essa que naturalmente, juntamente com o terreno que a incorpora, pretendem alienar e adquirir respectivamente. Não está demonstrada a configuração dessa construção, as partes na promessa não configuraram essa construção, também não lhes atribuíram valores separados, um para o terreno e outro para a construção por forma a poder concluir-se sem margem para dúvidas que a construção como defendem os Réus tem um valor superior ao terreno, pelo que não é possível concluir que o imóvel dos autos constitui um edifício incorporado no solo com terrenos de logradouro para efeitos do n.º 2 do art.º 204 do CCiv. Destarte, não está demonstrado, de modo inequívoco, a necessidade da licença de construção ou de utilização na transmissão do terreno para construção, que de resto se desconhece existir ou não.
Diz o n.º 1 do art.º 830 do CCiv: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa…”
Tem sido entendimento praticamente uniforme na jurisprudência dos tribunais superiores o de que é pressuposto especifico da execução específica do contrato promessa a simples mora ou incumprimento temporário da promessa e não também o incumprimento definitivo (cfr., entre outros, o Ac do STJ de 10/7/1986 in BMJ 359/618 e ss, Ac STJ 15/2/1990, AJ, 1990, 7, n.º 1396, Ac RP 11/6/1992 CJ1992, III, 308 ss, Ac RL 24/3/1992CJ, 1992, II, 146 e ss, Ac RC 22/5199, CJ 1990, pág. 48; no sentido contrário o Ac do mesmo Tribunal de 8/11/88 BMJ 381/674 e ss).
Secundando Calvão da Silva e Ana Prata[7], temos por acertado o entendimento de que apenas mora e não, também, o incumprimento definitivo, justificam a execução específica do contrato-promessa, pois que é através da acção que a parte não faltosa manifesta a intenção de ainda obter a prestação devida, sendo incompreensível que alguém tenha de aguardar que a prestação se torne definitivamente inviável para obter o seu cumprimento forçado.
A realização do programa funcional da promessa pode, ainda, impor-se, naqueles casos em que ocorrendo incumprimento temporário tal incumprimento não seja imputável a nenhuma das partes, o que ainda tem cabimento na letra e no espírito do n.º 1 do art.º 830 do Cciv.[8]
Independentemente de se considerar ser ou não exigível a mora do outro promitente como pressuposto para a obtenção da execução específica do contrato-promessa, sempre se dirá que não tendo a construção autonomia a jurídica nem comprovadamente económica, nenhuma razão ponderosa se evidencia para a recusa da outorga da escritura de compra e venda do terreno em construção, objecto principal da promessa, ainda que sem menção da construção (esta acede ao terreno que se vende).
Improcede a apelação mas a sentença constitutiva da transmissão tem de referir necessariamente a construção tal como mencionada na promessa.
II Na Apelação da sentença final: Saber se provendo-se a apelação do saneador-sentença que conheceu parcialmente do pedido, revogando-se essa decisão deve também ser revogada a sentença final.
Entendem os recorrentes que  a condenação dos RR em juros de mora sobre a quantia correspondente ao preço total da venda desde 6/5/1992 até execução específica do contrato-promessa é uma consequência directa do conteúdo da douta decisão do despacho saneador pelo que provendo-se a apelação do saneador automaticamente se revogará a sentença final.
Ou seja, nenhum erro de julgamento de direito se aponta para a sentença final, apenas se diz que a sua revogação é consequência lógica da revogação do despacho saneador em razão do provimento da apelação dele interposta. Ora, essa apelação improcede como se viu. Assim sempre se remeteria para a fundamentação nos termso do art.º 713 n.ºs 5 e 6 sem que em simultâneo se refira que é direito do credor ode ser indemnizado pelos danos que a mora do devedor lhe tiver produzido.[9]
Improcede também essa apelação.

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em:
a) julgar improcedente a apelação do saneador corrigindo-se todavia o sentenciado que passa a ser o seguinte: “declara-se que a presente sentença produz os efeitos da declaração negocial de venda dos réus, tal como tivesse sido outorgada no âmbito da escritura pública, transmitindo-se para a autora o direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o n.º 0000/00000615, freguesia de C... da 2.ª Conservatória do Registo Predial de ..., que é um terreno para construção que comporta uma construção em vias de conclusão com a área coberta de 1600 m2”
b) julgar improcedente a apelação da sentença final que se confirma.
Regime de Responsabilidade por Custas: As Custas são da responsabilidade dos Réus que decaem (art.º 446, n.ºs 1 e 2)

Lisboa, 29 de Setembro de 2011

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
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[1] Na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 e pelo DL 180/96 de 25/09, com exclusão do disposto no DL 183/2000 de 10/08 que entrou em vigor em 1/2/2001 em matéria de recurso que só se aplica aos processos pendentes em que a citação do Réu ainda não tenha sido ordenada ou efectuada (art.ºs  7, n.ºs 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e art.º 8).Pertencerão a este diploma as disposições legais que vierem a ser citadas sem indicação de origem.
[2] A. Reis, Cód. Proc. Civ. Anot., 5.º- 141.
[3] Segundo Ana Parta in O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2001, pág. 90, 5o regime do art.º 830 de execução forçada da promessa que constitui uma hipótese típica de auto-limitação provinda e justificada pela autonomia privada que justificou a outorga da promessa, não é uma excepção é um dos meios normais de tutela do crédito, precisamente aquele que nos termos do art.º 817 representa a expressão mais directa da sua coercibilidade ou juridicidade; podendo abarcar no seu seio a obrigação legal de contratar, por analogia; também Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, pág. 416 e Pedro Pães de Vasconcelos in O Efeito Externo da Obrigação no contrato-promessa, Scientia Iuridica, XXXII, págs 103 e ss, por aquele citado, entendem que a execução específica é um efeito natural e não apenas acidental do contrato-promessa.
[4] Ana Prata obra citada, pág. 467.
[5] Ana Prata obra citada pág. 936/937, exemplificando com dois acórdãos do STJ um de 28/06/1984, BMJ 338/410 referente a execução específica de uma promessa de venda de um bem comum que tenha sido outorgada apenas por um dos cônjuges e outro de 21/03/1985 BMJ 345/410 relativa à execução específica de uma promessa de venda quando o promitente vendedor tenha vendido o prédio a terceiro
[6] Ana Prata, obra citada, nota de pé de página 2170 de pág. 937.
[7] Ana Prata obra citada, pág. 920 e Calvão da Silva Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra 1993, pág. 105.
[8] Ana Prata, obra citada, pág. 920; a mesma autora defende a possibilidade de execução específica da promessa contra o promitente ainda quando este não tenha incorrido em mora, só devendo a acção prosseguir se se verificar a oposição do promitente ao cumprimento voluntário, posto que sendo, na acção oferecido o cumprimento voluntário, o único efeito útil da acção terá sido o de pela interpelação do requerido desencadear o vencimento da obrigação.
[9] Ana Prata, obra citada, I. Galvão Telles Direito das Obrigações 6.ª edição, págs. 124/125, Brandão Proença. Do Incumprimento do Contrato-promessa bilateral, págs. 18/19